Sede São Milas, 23 de dezembro de 1971, Santo do Dia
A D V E R T Ê N C I A
Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.
Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Gruta do Presépio de Greccio (Itália). Foi aí que São Francisco de Assis iniciou a tradição plurisecular de se montar os presépios por toda a Cristandade (Natal de 1223)
Eu quis fazer com os senhores essa reunião hoje à noite, para não passar uma semana sem que nós tivéssemos uma oportunidade de um ligeiro contato da alma. Tanto mais que se aproximam festas tão significativas para os católicos, como são essas que se vão desenrolar agora, como o Natal de Nosso Senhor Jesus Cristo, com a Circuncisão, dia 1º do ano.
Me parece que nós nos deveríamos perguntar como é que nós nos deveríamos preparar para o dia de Natal. E sobretudo para o momento culminante do dia de Natal, que é a Missa e, sobretudo, sobretudo, dentro da Missa, os dois momentos culminantes dentro dela; 1º) o que diz respeito à própria Missa, em que o culminante é a hora da consagração, em que se opera a transubstanciação e, ao mesmo tempo, se faz o sacrifício incruento da Cruz, e depois o momento de nós recebermos o Santíssimo Sacramento dentro de nossas almas. Como é que nós podemos nos preparar mais especialmente para essas festas.
Há uma dificuldade de preparação, que eu creio que existe psicologicamente em muitas pessoas, e que vem do fato de, na adoração de Jesus Menino, nós termos a ideia, que nos é apresentada pela iconografia comum, pelas imagens comuns, de que nós estamos adorando uma criança, e uma criança que se apresenta a nós com a ininteligência, com a falta de discernimento própria à infância. E é um pouco difícil a gente fazer adoração de um ente em relação ao qual a gente não tem uma comunicação de pensamento, do qual a gente sabe que tem a natureza divina, mas que em sua natureza humana não tem a sabedoria, não tem a inteligência, não tem o alcance do homem adulto.
De maneira tal que aquela fisionomia humana que nós temos diante de nós não nos convida para uma comunicação de alma como de uma pessoa que começa a pensar, que começa a refletir etc., etc., Então, a meditação clássica que se faz, por exemplo, diante de um presépio, é ver o Menino Jesus tão criança, tão pequeno, tão frágil, e estabelecer o contraste entre a imensidade de Deus e aquela criatura tão pequena na qual Nosso Senhor Jesus Cristo Se incarnou, com a qual ele assumiu uma união hipostática.
Então, nós fazemos uma meditação a respeito da humildade de Deus, de um lado. E, de outro lado, do desejo extremo de nos salvar que levou Deus Nosso Senhor a ponto de se reduzir àquela condição de uma Criatura na manjedoura, unir-se hipostaticamente àquela Criatura na manjedoura, e por essa forma tomar a carne do homem para salvar os homens.
Essa é uma ordem de idéias muito boa, uma ordem de ideias tão boa que se tornou comum, tão comum que se tornou, talvez, demasiado comum para nós. E talvez nós quiséssemos, para esse Natal, uma ordem de idéias mais perfeita, uma ordem de idéias mais adaptada à nossa psicologia. E nós então deveríamos nos perguntar se a iconografia católica, se as imagens católicas comuns que nos apresentam Nosso Senhor Jesus Cristo como uma criança sem discernimento, olhando para as coisas sem ver bem o que é que são, sem ver o que está em torno de Si, se essas imagens correspondem a algo de verdadeiro, e se é bem verdade que Nosso Senhor Jesus Cristo tinha essa ininteligência própria à infância.
A isso se deve responder o seguinte: que Nosso Senhor Jesus Cristo, de algum modo, realmente teve na sua alma humana, as várias idades pelas quais Ele passou. E que teve, portanto, uma verdadeira infância na sua alma humana, Ele teve uma verdadeira infância como Ele depois teve os vários estágios da maturidade, até chegar à sua idade perfeita, e que Ele, portanto, teve uma verdadeira alma de criança, como Ele teve uma verdadeira alma de adolescente, como Ele teve uma verdadeira alma de moço, depois uma verdadeira alma de homem maduro. Mas isso não quer dizer, nem um pouco, que Ele, na sua infância, tivesse a fraqueza e tivesse a falta de discernimento próprios à infância.
O que os teólogos dizem, pelo contrário, é que desde o primeiro momento de seu ser, na Encarnação, quando Ele estava ainda no ventre de Nossa Senhora, Ele já tinha toda a inteligência e tinha toda a lucidez. De maneira tal que era uma criança sapientíssima, era uma criança no estado de vida uterina, mas já sapientíssima. E que Ele teve essa sapiência ao longo de toda a sua vida. Porque essa espécie de imbecilidade da infância, essa imbecilidade, Nosso Senhor Jesus Cristo não teve. Ela decorre do pecado original e Nosso Senhor Jesus Cristo era concebido sem o pecado original. E Ele tinha, portanto, toda a sabedoria, embora acomodada às circunstâncias de uma criança, mas sem os defeitos da inteligência de uma criança. E Ele, portanto, era inteligentíssimo, era sapientíssimo, era perfeitíssimo, embora fosse uma criança.
E nesse sentido eu creio que a iconografia católica não erra, mas mostra apenas um aspecto da verdade, e que há até imagens de Nosso Senhor Jesus Cristo Menino que mostram também outro aspecto da verdade. Para aqueles que tratavam com Nosso Senhor, para aqueles que lidavam com Ele, Ele deveria parecer uma criança sujeita às condições comuns da criança. Porque o milagre não podia aparecer, não podia estourar, não podia se mostrar escachoante nele de um modo irrecusável. Na sua vida pública Ele praticou numerosos milagres, mas é certo que nenhum desses milagres era tal que tivesse o caráter de uma evidência de cegar irrecusável, não eram milagres como são os que se praticam em Lourdes; bastante claros para que uma pessoa de boa fé possa crer, mas não com uma evidência tal que tornem a fé inteiramente irrecusável.
Ora isso se daria se Nosso Senhor Jesus Cristo, ainda Menino criancinha, e numa manjedoura, começasse a falar e dissertar, como se Ele fosse um homem dotado de uma sabedoria extraordinária. Isso não poderia ser. Ele tinha, portanto, as aparências de uma criança, e as aparências de uma criança que estava no estado de criança, mas isso era por uma humildade dele e para conservar os tempos úteis e necessários para que Ele se fosse revelando gradualmente nos modos e nos graus em que Ele queria se revelar. Mas desde o presépio, desde o primeiro instante de seu ser, Ele tinha uma alta sabedoria.
E quando nós consideramos Nosso Senhor Jesus Cristo menino, nós o devemos considerar nesse mistério. Deitado na manjedoura, parecendo sempre uma verdadeira criança, parecendo ter apenas o discernimento de uma criança, mas tendo em si toda a sabedoria de que a natureza humana é capaz. De outro lado, da natureza humana elevada, sem pecado original, elevada ao mais alto grau da graça, e unida em união hipostática com a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade.
De maneira que aquela criança na manjedoura tinha mais inteligência, mais conhecimento de todas as coisas, mais santidade do que tiveram todos entes que houve antes e depois dele sobre a terra, mas incomparavelmente mais. De maneira tal que é verdadeiramente um ápice de humanidade e, mais do que um ápice da humanidade, o ápice da obra da graça; e mais do que ápice da obra da graça, era o próprio Deus unido hipostaticamente e formando uma só Pessoa com a natureza humana de Nosso Senhor Jesus Cristo que ali estava naquela manjedoura.
De maneira que então nós temos que considerar que ali deitado na manjedoura, Nosso Senhor Jesus Cristo via tudo aquilo que deveria fazer na terra. E Ele tinha a certeza, e tinha o conhecimento e tinha a vontade de tudo aquilo que em torno dele se estava passando que era pela vontade dele que aquelas coisas eram da vontade dele, e que estavam se movendo daquela forma; era pela vontade dele que Nossa Senhora era como era; era pela vontade dele que Ela o estava adorando como estava. E Ele correspondia a essa adoração com uma generosidade, uma bondade perfeita, que super inundava Nossa Senhora de gáudio.
E Nossa Senhora, quando olhava para Ele, sabia disso, quando olhava para Ele conhecia qual era o grau de discernimento e santidade que havia nele. E entrava com Ele num diálogo mudo, mas mil vezes mais eloquente do que num diálogo falado, que deveria ser algo de maravilhoso e insondável, em que Ela se comunicava com Ele e Ele revelava a Ela os mistérios da sabedoria e da santidade dele. E Ela se enlevava, e Ela crescia cada vez mais, Ela mesma, em santidade. Esse era o primeiro diálogo de Nosso Senhor com Nossa Senhora, uma vez Ele nascido.
Nós devemos considerar que era Ele que queria estar ali naquele lugar pobre; que era Ele que queria que os pastores ali fossem; que Ele sabia tudo o que ia acontecer depois; sabia até sua morte de Cruz; e que tudo quanto Ele ia fazer nessa terra Ele estava oferecendo ali – germinativamente, ao Padre Eterno, para a realização de sua missão. Nós devemos considerar que Ele não pensava apenas na sua vida terrena, mas pensava depois na missão da Igreja por todos os séculos, e que Ele já tinha a intenção, por exemplo, de que esse Natal dele fosse o primeiro Natal, e conhecia todos os Natais que se deveriam dar depois, até o fim do mundo.
E sabia de todas as festas de Natal magníficas, por exemplo, nas catacumbas, esplêndidas nas catedrais da Idade Média; belas, nobres, em tantas igrejas do Ancien Régime, comovedoras, veneráveis em tantas igrejas dos séculos passados e até em algumas igrejas do nosso século.
Ele tinha em vista também os tristes Natais modernos, os tristes Natais de uma liturgia deteriorada em igrejas completamente profanadas, em que multidões, intoxicadas com o espírito revolucionário, não compreenderiam mais a data que estavam celebrando e talvez a celebrassem num espírito oposto exatamente a essa data.
Ele via também os Natais que nós vamos ter que passar na “Bagarre” [acontecimentos previstos por Nossa Senhora em Fátima, n.d.c.]. Ele via os Natais duros, difíceis, cheios de trevas, cheios de incerteza; Ele via os Natais da Igreja Católica “do silêncio”, nos países da Cortina de Ferro, da Igreja Católica que geme sob os escombros da perseguição materialista.
Essa fidelidade encantou a Ele. Ele resolveu premiar essa fidelidade que, aliás, é um dom gratuito dele; Ele resolveu abençoar-nos nessa ocasião, e nós devemos então oferecer a Ele nessa nossa noite o Natal dos trânsfugas, o Natal daqueles que são ignorados, são negados, são isolados, são perseguidos, o Natal daqueles que, apesar de tudo, são fiéis e querem ser cada vez mais fiéis. Que percebem que na perspectiva de suas vidas haverá lutas e perseguições sempre maiores, mas que desejam enfrentar essas lutas e perseguições por amor dele, e que esperam chegar, pela graça dele, e pelas orações de Nossa Senhora, até o Reino de Maria.
Depois Ele previu os Natais esplêndidos do Reino de Maria, e depois ela já tinha conhecimento dos Natais tristes em que o Reino de Maria começará a decair, de um decadência então última e inexorável, e que nada mais se salvará, mas Ele previu também, talvez, um Natal que talvez seja da seguinte maneira, o último Natal sobre a terra: três, quatro, cinco, oito, dez fiéis esparsos não se sabe por onde, festejando sozinhos o verdadeiro Natal, talvez até sem se conhecerem. Sabendo que nada mais pode durar porque a Igreja Católica está nos seus últimos haustos, e quando a Igreja Católica ameaça de morrer, ou ressuscitará ou o mundo vai acabar, porque ela não poderá acabar antes que o mundo desapareça.
Enquanto o mundo for mundo, haverá a Igreja Católica. Serão os fiéis dos últimos tempos tão provados que, por causa deles, diz Nosso Senhor, se abreviarão os últimos dias, senão eles mesmos não se salvarão. E quem sabe lá se o último dia do mundo não vai ser no Natal? Quem sabe lá se na meia noite de 24 para 25 do último dezembro da História, quem sabe se na meia noite de 24 para 25 do último Natal da história, quando tudo parecer completamente perdido, um raio percorrerá os céus do Oriente até o Ocidente, um terror se apoderará dos povos, os Anjos aparecerão, a abobada celeste como diz Jó, se enrolará como um pergaminho e virá o Filho do Homem, em toda a sua majestade, para julgar os vivos e os mortos.
Quem sabe lá se não vai ser este o último Natal? A vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo de novo à terra, a vinda de Nosso Senhor Jesus Cristo na glória e na alegria de um Natal em que os católicos, empolgados, cantarão o “Stille Nacht, o Heiligue Nacht – noite silenciosa, noite santa”, junto com os Anjos e ao mesmo tempo começará a fazer aurora, os mortos começam a ressuscitar, os justos aclamam Nosso Senhor, Nossa Senhora aparece na frente do cortejo de todas as almas eleitas, e o Julgamento se dá e os precitos são encerrados no inferno.
É possível que isso seja numa Páscoa de Ressurreição. É possível que seja num Natal. E é conveniente que nós, admitindo essa hipótese, deitemos o olhar para esses últimos irmãos da última perseguição, e que nós compreendamos qual é o sentido profundo do Natal para aqueles que são perseguidos. Desde o Natal das catacumbas até o Natal do fim dos tempos.
Pois bem, de tudo isso nós nos devemos lembrar quando nós nos aproximamos, quando nós adorarmos Nosso Senhor por ocasião da transubstanciação e quando nós recebermos o Santíssimo Sacramento.
Nós devemos, então, por meio de Nossa Senhora, em Maria, com Maria e por Maria, porque Ela é a medianeira de todas as graças, e só por meio dela nós vamos a Nosso Senhor, e só por meio dela Nosso Senhor vem a nós. Nós, com Maria, em Maria e por Maria, nós devemos pedir a Nosso Senhor que nos dê o amor ao nosso Natal de perseguidos, que nos dê o entusiasmo pela condição que nós temos, pela qualidade que nele nos deu de sermos imerecidamente os fiéis que, ao lado de outras almas esparsas pela terra, lhe dão glória no meio dessa desagregação geral de todas as coisas, que Ele nos arme espiritualmente para as provações que vêm, que Ele nos prepare para as lutas nas quais Ele quer que nós sejamos heróis, porque toda a graça, toda a força, toda a sabedoria, toda a destreza, toda a energia nos vem dele, e na “Bagarre” nós só estaremos na altura das circunstâncias pelas graças que nos virão dele pelas mãos e pelas preces de Maria.
Nós devemos pedir a Nosso Senhor nessa ocasião, que Ele nos perdoe tantas e tantas faltas que temos cometido; que Ele queira misericordiosamente fechar os olhos ao nosso passado, como ao nascer Ele fechou os olhos para o passado pecaminoso do povo eleito e do mundo antigo, e iniciar conosco uma nova era de graças, uma nova era de misericórdias e de bondade, uma nova era de paz, pela qual, inteiramente reconciliados com Ele, nós possamos afinal começar a ser aqueles cruzados que Ele quer que nós sejamos. Essas são as orações que nós devemos oferecer a Ele.
Ao mesmo tempo gemidos de arrependimento e manifestações de esperança e de confiança, de certeza que se Ele veio à terra para salvar os homens, veio à terra para nos salvar a nós; que se Ele esteve naquela manjedoura para o bem dos homens, esteve naquela manjedoura para meu bem, para o bem de cada um dos senhores individualmente.
Ainda que não houvesse senão um homem, e esse homem fosse eu ou fosse um dos senhores, Ele teria vindo àquela manjedoura por amor daquele homem. De maneira que devemos imaginar legitimamente que Ele só está ali por causa de cada um de nós, e pedir a Ele que esse ato maravilhoso não seja estéril para nós; e pela bondade dele, que Ele passe por cima de nossos defeitos, passe por cima de nossos pecados, arrase os obstáculos que nós levantamos e nos converta finalmente para pertencermos completamente a Ele. É isso que nós devemos pedir por meio de Nossa Senhora, na noite de Natal.
Ali, bem junto ao presépio, estava Nossa Senhora.
O Evangelho diz expressamente que os pastores O encontraram com Maria, indicando que é só com Nossa Senhora e junto a Nossa Senhora que Nosso Senhor se encontra. E naquele momento em que Nosso Senhor veio à terra, Ela teve a intenção de que Ele sofresse tudo quanto devia sofrer por nós, e ela pediu a Ele todas as graças necessárias para cada um de nós. E continua a pedi-las até agora, e continua a pedi-los no Céu. Nós devemos nos unir a esses pedidos. Não apresentar a Nosso Senhor nosso pedido individual, tão pífio e tão desvalido. Mas, usando a expressão de São Luís Grignion, pôr os nossos pedidos nas mãos de Nossa Senhora, como um camponês põe uma fruta comum na bandeja de ouro, para oferecer ao rei. Salva de ouro são as mãos de Nossa Senhora, é o coração de Nossa Senhora. Vamos pedir que nosso pedido passe por Ela e seja apresentado dessa forma até Ele.
Então, com a certeza de sermos bem recebidos, com a certeza de sermos atendidos, porque tudo quanto passa por Nossa Senhora é bem recebido por Nosso Senhor, e porque Nossa Senhora nunca recusa coisa alguma do que pedimos a Ela, com essa certeza nós podemos tranquilamente transpor o Natal.
A oração ideal para o momento da transubstanciação – cada um rezará a sua – mas para mim é o Salve Rainha ou o Memorare, pedindo a Nossa Senhora, por exemplo no Memorare, que me torne bem consciente de que nunca se ouviu dizer que Ela tenha recusado um pedido, e, portanto, naquela hora sacrossanta não recusaria o meu. Qual era o meu pedido? De ser inteiramente dela. Apesar dos meus defeitos, apesar das minhas ingratidões, apesar de tudo, que Ela tomasse conta de mim, e me fizesse inteiramente dela, para eu ser o herói, o santo e o cruzado que Ela quer que cada um de nós seja. Isto é a oração especial que nós devemos fazer no Natal.
A essa oração eu acrescento, naturalmente, a oração que cada um de nós deve fazer por todos os outros e especialmente pelas almas mais tentadas e mais provadas da TFP. Essas intenções pelas almas mais tentadas e mais provadas têm sido tantas vezes lembradas aqui, que eu não julgo necessário mais acrescentar coisa alguma a isso. Entretanto, eu queria acrescentar a essa lista de almas que merecem de preferência a nossa oração, uma alma aflita.
Nós sabemos que nosso brilhante, nosso caríssimo Dr. Fábio [Vidigal Xavier da Silveira] está numa aflição que talvez seja a suprema aflição da vida dele. Exatamente intitulavam-se antigamente os “aflitos” aqueles que tinham sido condenados à morte e que estavam se preparando para receber a execução da sentença. E, por extensão, os moribundos. E as capelas de Nossa Senhora dos Aflitos eram as capelas de Nossa Senhora dos moribundos. Ele não está moribundo, mas ele tem a morte diante de si. E, gradualmente, no curso desse tempo, se não houver alguma intervenção surpreendente de Nossa Senhora, a morte vai se tornar cada vez mais próxima dele.
E nós devemos pedir que Ela se aproxime dele como se aproxima uma luz, como se aproxima uma salvação, como se aproxima a saída desse mundo cheio de lágrimas, que Nossa Senhora o ajude nesses momentos supremos, em que a graça dá o último polimento a uma alma para que ela apareça diante de Deus. Que Nossa Senhora o ajude nesse momento supremo, de maneira que sua alma progrida tanto quanto Nossa Senhora deseja, isto é, imensamente, de sorte que, quando Ela colher o último suspiro dele, que talvez seja realmente por ocasião dessa doença, tudo leva a crer que sim, que ela receba esse suspiro com o pleno agrado dela e com o pleno brilho para a alma dele, com a santificação inteira da alma dele. Isso é que nós devemos pedir nessa noite de Natal.
Talvez seja bom acrescentar a isso um pedido: que nós no exemplo dele nos miremos, e compreendamos como a vida humana é frágil. Há pouco tempo atrás ele aparecia aos nossos olhos estuante de saúde, a própria vivificação da personalidade, vivo, alegre, eu quase diria lampeiro, brincalhão, eu quase diria saltitante, difundindo vivacidade em torno de si, como a vida inteira ele se apresentou. Entretanto, em certo momento Nossa Senhora bateu na porta da alma dele: Meu filho, chegou sua hora de deixar essas coisas e de vir a mim.
Amanhã não poderá bater à porta da alma de qualquer um de nós? Já não temos dois sepultados no cemitério do Araçá? Já não temos o nosso Dr. Ablas, para os que conheceram o Grupo mais remotamente? Já não temos o José Gustavo de Sousa Queirós? E assim outras almas não poderiam ser lembradas?
Quem sabe no fim desse ano chegará a vez de um de nós? Alguém dirá: “Que absurdo!” Ele o poderia dizer no começo de 1971… E se nós disséssemos que ao cabo de 1971 nós estaríamos tremendo pela vida dele e rezando pela alma dele, ele diria que não, que é uma alucinação, que não podia ser. E se dissesse: “vai ser alguém”, nós não nos lembraríamos que era ele. Entretanto, aprouve a Nossa Senhora que fosse ele. Nós podemos saber se será o fim de nós? E não é o caso de pedirmos a Nossa Senhora que prepare também as nossas almas, já que a breve ou longo prazo todo homem é um moribundo? A nossa vida é um morrer continuamente.
Todo minuto que passa nos aproxima da morte, aos jovens, como aos velhos. Alguém dirá: “Mas o velho está mais perto”. Eu digo. É bem verdade. O jovem, na melhor das hipóteses, chegará lá. Quem pode negar isso?… Dom Duarte Leopoldo [Arcebispo de São Paulo] era já um homem bem velho e uma vez ou outra, alguma pessoa assim de fazer gafe etc., dizia a ele: “Senhor Arcebispo, a que bela idade Vossa Excelência atingiu!” Ele dizia: “Eu cheguei até lá. Vosmecê chegará?…” É uma pergunta, é uma pergunta! Quão fundada em realidade essa pergunta!… E quão bom é que nós tenhamos essa pergunta diante de nós. Esse ano de 72 não será o último de alguém que está dentro dessa sala? Meu? De algum dos senhores? Não conviria pedir a Nossa Senhora que nos preparasse para isso, amorosamente, com antecedência, dando-nos todas as disposições de alma necessárias para tanto?
Aqui estão as idéias que eu acho que nós devemos considerar nesse Natal. E com isso eu poderia dar nos senhores um esquema do assunto.
* * *
I – A sabedoria do Menino Jesus na manjedoura
1) A aparência do comum das imagens; criança, com o intelecto no estágio próprio aos primeiros dias de vida. Legitimidade dessa representação: a) O Menino Jesus era verdadeiramente um recém nascido; b) Ele tinha, pois, em sua humanidade santíssima, as características de alma do recém nascido; c) Habitualmente, em cada fase de sua vida, Ele não revelava uma sabedoria absolutamente incompatível com essa fase. A gente vê, por exemplo, no encontro dele no Templo, Ele revelou uma sabedoria que espantou todo mundo. Mas espantou porque Ele se apresentava como adolescente, e ninguém compreendia como um adolescente tinha tanta sabedoria. Mas mesmo assim a gente vê que não é uma sabedoria, por mais admirável que fosse, alguém dissesse: “Não, esse não é um adolescente não.” Era condicionado aquela circunstância da adolescência, embora capaz de desnortear todo mundo.
2) Entretanto, o Menino Jesus não podia ser identificado a uma criança comum: a) A imbecilidade da infância é fruto do pecado original. Nosso Senhor foi concebido sem pecado original e, portanto, foi plenamente lúcido e dotado de vontade, desde um primeiro instante de seu ser, no seio de Maria; b) Sua humanidade santíssima estava inundada de altíssimas graças de sabedoria e de fortaleza, desde o primeiro instante de seu ser; c) Constituindo, pela união hipostática, uma só pessoa com o Verbo de Deus, daí Ela recebia tesouros de graça inexprimíveis.
3) Assim, nossa adoração ao Menino Jesus na manjedoura deve se dirigir a Ele enquanto dotado de toda, de uma plenitude de sabedoria e santidade insondáveis.
II – Cogitações do Menino Jesus na manjedoura
É impossível conhecê-las todas, mas algumas certamente sabemos que lhe eram presentes: 1) Ele estava dando os primeiros passos de uma vida terrena que terminaria no sacrifício da Cruz. Ele se encarnara e iria ser crucificado para nos salvar. Desde já oferecia ao Padre Eterno esse sacrifício e essa vida; 2) Ele conhecia todos os homens que houve, que havia e que haveria até o fim do mundo. E de tal maneira queria a salvação de cada um que a Encarnação e a Paixão se teriam dado ainda que fosse para salvar a um de nós; 3) Conclusão: Aproximar-me do presépio, assistir a Missa, comungar considerando que todas essas maravilhas devo recebe-las como se fossem só para mim: 4) Todos os favores de Jesus nos vêm por Maria, todas as nossas preces chegam a Ele por meio dela; pedir a Ela que nos obtenha todas as graças correspondentes a esses pensamentos.
III – O Santo Natal em 1971
1. Nosso Senhor viu todos os Natais, até o fim do mundo; os Natais simples e santos do tempo das catacumbas, os Natais esplendorosos e triunfais das catedrais góticas; os natais progressivamente menos luminosos da era revolucionária; o triste Natal de 1971.
2. A prece das almas fervorosas em cada um desses Natais apresenta uma beleza específica aos olhos dele. Ele ama o Natal cheio de lágrimas e de coragem, das almas fiéis, perseguidas, isoladas, não tendo quase onde rezar à meia noite, além e aquém da Cortina de Ferro.
3. Ele ama também a forma especial de fidelidade e de heroísmo que devemos desejar para os Natais futuros, talvez ainda mais carregados e, por isso, mais gloriosos.
4. Por meio de Maria Santíssima, Medianeira Universal, pedir a Ele: dedicação, fervor, coragem, para todos os heroísmos, grandes ou pequenos, obscuros ou ilustres, de que tenhamos que dar provas.
5. Intenção especial na noite de Natal: pelas almas tentadas ou provadas na TFP; pelos que pertenceram a ela, voltem; para os que ainda devem pertencer a ela, para que ingressem.
6. Intenção especial por Dr. Fábio.
Reflexão: no Natal de 70, quem diria que em 71 ele havia de estar tão perto das portas do Céu? No Natal de 72, não serei eu? Viver é um morrer contínuo. Prepararmo-nos para a morte.
Nota: Dr. Fábio Vidigal Xavier da Silveira, autor do best-seller “Frei, o Kerensky chileno”, viria a falecer no dia 28 de dezembro de 1971. Para ler o artigo que o Prof. Plinio escreveu sobre ele, ler o texto do discurso que proferiu junto à sepultura, bem como suas palavras por ocasião do 1° aniversário de falecimento, clique aqui.
E para a coleção de documentos da lavra do Prof. Plinio sobre o Natal, clique aqui.