A Revolução nas tendências e nas ideias (Revolução A) e a Revolução nos fatos (Revolução B) – Do ápice de São Luís IX ao século XX – O modo superficial de compreender a História – A preparação do ambiente é fundamental para a Revolução

Reunião Extra, 15 de outubro de 1958

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de exposição verbal do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, e não passou por revisão do autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

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Quando o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira proferiu esta conferência, não tinha ainda escrito “Revolução e Contra-Revolução”, publicado em “Catolicismo” nº 100, de abril de 1959. Por isto, o presente texto, idêntico como pensamento a “Revolução e Contra-Revolução”, apresenta em relação a ele, algumas diferenças de expressão.
Assim, o que o Prof. Plinio chama aqui de “Revolução A”, engloba o que em “Revolução e Contra-Revolução” ele chama de “Revolução nas tendências e nas ideias”; e “Revolução B”, “Revolução nos fatos”. Na presente conferência, enuncia ele mais pormenorizadamente alguns princípios propulsores da Revolução, que por amor à brevidade, omitiu em “Revolução e Contra-Revolução”.

 

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Do ápice de São Luís IX ao século XX

Iniciaremos o estudo de um problema concernente à Revolução e Contra-Revolução, analisando a situação da Igreja no século XIII, ou seja, no tempo de São Luís IX.

É fácil verificar que a Igreja dispunha então de todos os elementos para assegurar sua influência sobre a humanidade. Em primeiro lugar, estava revestida de todos os direitos jurídico-legais necessários ao exercício de sua missão. O Papa era considerado a primeira pessoa nessa espécie de grande confederação de nações, que constituía a Cristandade. Até o mais alto monarca da terra, o imperador do Sacro Império Romano-Alemão, se achava colocado abaixo do Soberano Pontífice, como executor de seus desígnios em matéria temporal. Era o supremo detentor do gládio temporal, que se devia mover sob a inspiração e direção da Igreja.

Além disso, a Igreja tinha, com o poder das chaves e a disciplina intelectual do tempo, os meios para exercer largamente uma benéfica influência de mestra infalível, sobre todas as inteligências; possuía fontes imensas de renda, e tinha, enfim, tudo aquilo que pode assegurar um poder.

De outro lado, se formos verificar a posição dos inimigos da Igreja no século XIII, veremos que estavam na mais completa humilhação. O último surto de heresia, o dos albigenses, acabava de ser esmagado, e os focos remanescentes eram clandestinos. Os judeus, que representavam um elemento estranho dentro da Cristandade, estavam contidos dentro de “guetos” e reduzidos a uma situação ilegal.

Dentro deste imenso quadro, devemos ainda acrescentar que a legislação, tanto quanto possível, impedia todas as formas de mal e promovia todas as formas de bem. Encontramo-nos, portanto, diante de uma situação magnífica, num continente homogeneamente católico.

Em 1270 morre São Luís, e daquela data – ou melhor, de 1303 (data do atentado de Agnani, que é o verdadeiro marco inicial desse processo) – até nossos dias não houve senão a derrocada desse estado de coisas, que, no entanto, parecia tão firmemente estabelecido. Podemos perguntar para que serviram todas essas garantias e regalias, se com elas tudo acabou ruindo, como se não existissem. E nos perguntamos também como foi que principiou essa decomposição, como foi possível que, do ápice de São Luís, chegássemos até o ponto em que nos encontramos. De um modo mais ou menos inexorável, cada grande etapa da História não fez outra coisa senão assinalar um enorme desabamento dentro do edifício da Idade Média.

Choramos junto aos restos da civilização católica

Considerando esse período da História, chega-se a ter a impressão de que uma espécie de “azar” – para empregar uma expressão profana – se abateu sobre as hostes católicas. A bem dizer, tudo se passa para nossa derrota. A partir de 1303, somos quase constantemente os grandes derrotados; e hoje choramos junto aos restos dessa civilização antiga que tanto amamos, mais ou menos como um judeu lamentando-se junto ao famoso muro, que era uma espécie de embasamento do templo de Jerusalém.

Como foi possível chegarmos até este estado de coisas? Existiria um meio de voltar atrás, não propriamente fazendo retroceder os ponteiros da História, mas readquirindo o espírito e a mentalidade da filosofia que impregnou a sociedade medieval? Tratar-se-ia de restaurar, dentro de condições renovadas, a influência de certos princípios eternos e universais.

Quando vemos que o domínio desses princípios vai caindo, interessa-nos saber de que maneira vieram eles a perder toda a influência que exerciam. Isto porque, conhecendo o modo pelo qual se processou essa queda, poderemos em seguida extrair a vacina adequada para o mal. Do veneno tiraremos o contra-veneno. Investigando qual foi o mecanismo do declínio, poderemos estudar o meio pelo qual se poderá de novo ascender.

Isto posto, encontramo-nos no âmago de nossas questões, porque exatamente o que queremos fazer é dar um impulso em sentido contrário ao processo histórico que descrevemos. Diante desse movimento da direita para a esquerda, que chamamos de Revolução, queremos gerar um outro da esquerda para a direita, a Contra-Revolução.

Revolução não significa aqui luta à mão armada, mas sim uma subversão da ordem, feita em parte com movimentos à mão armada, e em parte com acontecimentos intelectuais, religiosos, sociais etc. A Contra-Revolução não será, portanto, uma luta à mão armada, mas um movimento oposto à Revolução. Ou seja, deverá ser toda uma cruzada de ideias, de princípios, de transformação de instituições, de doutrinas etc.

A arte de construir a Contra-Revolução

Antes de entrarmos concretamente na nossa matéria, especifiquemos mais claramente o que desejamos encontrar e formular neste estudo.

É preciso considerar inicialmente que a mola propulsora de todas as coisas que acontecem no mundo é a mente humana, e quem adquire o seu governo adquire, consequentemente, o governo dos acontecimentos humanos. Uma vez que toda ação do homem procede do seu intelecto, quem governa o intelecto acaba por governar a ação. Há uma técnica com a qual se chega a formar a mentalidade de milhões e milhões de pessoas, e até de gerações inteiras. Foi o uso dessa técnica que proporcionou aos conspiradores revolucionários, no século XIII, as armas necessárias para produzir lentamente a desagregação do Ancien Régime.

Há uma misteriosa arte de destruir e de construir, de manipular as ideias e a opinião mundial, mil vezes mais perigosa que a bomba de hidrogênio. Quando analisamos os grandes processos históricos, encontramo-nos claramente diante do emprego de um método. O presente estudo tem por finalidade precisamente detectar os princípios desse método, a fim de ver se é possível, mediante uma análise dos fatos históricos, encontrar os fundamentos da arte de destruir e construir.

O modo superficial de compreender a História

Os livros de História Universal, ao menos os que comumente se usam nas escolas, colocam-nos diante de uma concepção muito falha dos acontecimentos. Esses manuaizinhos superficiais, em que todos já estudamos, nos apresentam um amontoado de datas, nomes e fatos, sem a menor conexão entre si. Limitam-se a dizer as coisas no estilo seguinte: Em 1270 morreu São Luís, rei da França. Em 1303 houve uma briga: o Papa Bonifácio VIII, que pelas narrações históricas não se sabe se foi muito briguento ou não, andou às voltas com o rei da França, que era Felipe IV, o Belo. Este enviou uns emissários a Agnani, pequena cidade da Itália onde estava o Papa. Ali provocaram um incidente, chegando até, segundo alguns, a esbofetear o Sumo Pontífice.

Um homem pragmático ficaria um pouco constrangido com todas essas coisas. Esbofeteamentos, Papas que brigam, são coisas muito desagradáveis, pois tiram a tranquilidade e impedem que se ganhe dinheiro.

Após esses acontecimentos, passam-se calmamente os séculos XIV e XV. Chega-se ao século XVI, e então nova explosão. Em 1517 a questão das indulgências foi o rastilho para a eclosão da reforma protestante. Surge o caso de Lutero, que rompe com Roma, e esses acontecimentos se prolongam por um período de aproximadamente 50 anos. Felizmente faz-se novamente a paz, e durante mais ou menos três séculos há tranquilidade. Segue-se a Revolução Francesa em 1789. No século XIX, entretanto, a História transcorre calmamente. Porém, em 1917, um novo susto para o homem pragmático: a queda do czarismo.

De lá para cá esse tipo de homem superficial tem ganho muito dinheiro, tem ido ao cinema, tem se divertido bastante, e tem tido alguns sustos na Europa. O Brasil tem sido o paraíso dos pragmáticos. Aqui se tem vivido mais tranquilamente. Tem havido algumas revoluções incruentas, umas crises sociais em que se aumentam os salários e sobem os preços, mas tudo acaba mais ou menos no mesmo. Chegamos assim aos dias de hoje; sombrios, mas que têm, aos olhos do homem pragmático, como que um parapeito aberto para o futuro.

Assim, de acordo com a instrução comumente dada nas escolas, os séculos XIV e XV são séculos de paz. Há um acontecimento aqui, outro acolá, mas entre eles há grandes períodos de calma. Não há uma continuidade histórica entre os fatos, um não causou o outro. São inteiramente desconexos, e semelhantes a uma pessoa saudável que de vez em quando fica resfriada. Ela nem leva isto em consideração; não há nexo entre um resfriado e outro.

A falta de sorte, “sina” da Igreja Católica

Esta concepção superficial justifica a ideia de que a causa católica está perdida. Segundo este ponto de vista, ela parece ter entrado numa imensa falta de sorte. Inicialmente a Igreja tinha quase tudo em suas mãos. Houve depois uma tola desavença entre um Papa e dois sicários, em que estes acabam por esbofeteá-lo. Os reis aprendem o caminho, e sistematicamente começam a desrespeitar os Papas.

Os monarcas fazem assim o primeiro movimento republicano que houve na História, ao quererem livrar-se da autoridade do Papa, e proclamando aquilo que poderíamos chamar de “república” de reis. Seria este o primeiro acontecimento. Como resultado, o Papa vem a perder todo o domínio que antes exercia sobre os reis da Europa, permanecendo, no entanto, como senhor espiritual da Igreja.

Séculos depois surge um frade rancoroso que, por causa de uma simples questão de indulgências, promove uma briga. Em consequência o Sumo Pontífice perde, de uma só vez, a terça parte da Europa. Mas, afinal, restam ainda os países católicos.

No entanto, por desgraça, aparece um rei tolo num país extraordinariamente influente; ele não sabe administrar e a corte gasta demais, até que o bom povo se levanta, canta a Marselhesa, degola o rei, acaba com os nobres e a Igreja vai de roldão. Não se sabe bem por que, proíbe-se a Igreja Católica de realizar as suas funções, estabelece-se o ateísmo, adora-se a deusa razão, erige-se o Estado laico. E quase todos os Estados católicos, seguindo o exemplo, adotam a fórmula da separação entre a Igreja e o Estado. A Igreja, por causa de um rei tolo, acabou perdendo o domínio em quase todos os países católicos. De lá para cá, permite-se apenas que Ela exista.

A cena se repete. Na Rússia, país que nem é católico, um czar tem contra si um movimento, que estabelece o ateísmo. Depois disso a Igreja é perseguida em todos os países do mundo. Desta maneira, maior falta de sorte não poderia haver.

Resumindo esta concepção superficial da História, temos as seguintes etapas:

1) A Igreja perde o domínio sobre os reis, por causa de dois sicários;

2) A Igreja perde o domínio sobre as nações nórdicas, na Europa, pela intervenção de um frade rancoroso;

3) A Igreja perde o domínio sobre os Estados católicos, devido a um rei tolo e a uns conspiradores facínoras;

4) A Igreja perde o direito de existir, devido a um judeu filósofo, um economista e uns celerados russos.

Assim, a partir de 1303, a História é o relato dos azares da Igreja Católica Apostólica Romana; de onde se segue um complexo de desânimo.

O que vêm a ser as Revoluções A e B

Para podermos proceder à crítica dessa concepção superficial da História, passemos à distinção que se deve fazer entre Revolução A e Revolução B.

Ao analisarmos este amontoado de fatos, que têm sua origem em 1303 e se prolongam até nossos dias, notamos que eles constituem uma só e grande Revolução. Podem, no entanto, decompor-se em duas categorias de fenômenos bem definidos. De um lado há um conjunto de golpes de Estado, de revoltas, de transformações cruentas das instituições, de golpes políticos, todos eles transformando sucessivamente o mundo. A Revolução Francesa, por exemplo, teve essas características. Houve golpes políticos, reformas de instituições e emprego da força. O mesmo se poderia dizer do protestantismo e da revolução russa. Há, pois, um plano B, no qual os acontecimentos políticos vão operando a Revolução.

Mas, por detrás e acima deste plano, temos um outro que é o das ideias. Em toda a História podemos observar que, antecedendo e prenunciando as conspirações, golpes de Estado e reformas políticas, houve sempre profundas transformações na mentalidade humana. Foi assim que uma profunda mudança de mentalidades, seguida de uma crise de ideias, conseguiu fazer na Europa uma tal preparação de ambientes, que bastou um frade rancoroso rebelar-se, para separar da Igreja Católica nações inteiras.

Delimitando os campos, temos então dois grupos de fenômenos paralelos, duas categorias de fatos que se alternam. De um lado uma revolução tipo A, feita nos estados de espírito e nas ideias; e de outro uma revolução tipo B, que transforma violentamente as instituições e os costumes, para ajustá-los aos estados de espírito anteriormente criados. Fixamos assim, ao longo da História, duas linhas que se entrelaçam, e que formam a Revolução A e a Revolução B.

A lei do fogo de artifício

Para facilitar a compreensão desses dois tipos de Revolução, podemos empregar como imagem o fogo de artifício. Usaremos esta expressão para fixação das ideias, uma vez que estamos codificando aqui os princípios da Revolução e da Contra-Revolução. Temos todo o interesse em dar a cada um desses princípios um nome, para que possamos nos entender claramente sobre eles em nossas reuniões e conversas. Isto é mais ou menos o que se faz em medicina. Há nomes para indicar lugares determinados de cada parte do corpo humano, a fim de que os médicos possam mutuamente entender-se. Vamos, portanto, dar um nome a cada um desses princípios.

O princípio que vai ser enunciado pode ser denominado “lei do fogo de artifício”. Consideremos um desses fogos muito comuns em festas juninas. Eles produzem duas, três ou mais deflagrações, com certos intervalos de tempo entre si. Há inicialmente uma explosão; depois o rastilho corre, atinge outro bolsão de pólvora, e produz-se nova explosão. E assim, sucessivamente, temos um momento de explosão e um tempo em que o fogo corre pela pólvora.

Podemos dizer que algo como um rastilho de pólvora preside as explosões revolucionárias. Cada uma das explosões da Revolução foi precedida de um rastilho, que foi a revolução A; a explosão foi a revolução B; desta passa-se para uma nova revolução A e depois para outra revolução B. É sempre o mesmo fenômeno que se repete: explosão-rastilho, explosão-rastilho, e assim sucessivamente.

A preparação do ambiente é fundamental para a Revolução

Este princípio nos leva a uma pergunta sobre as revoluções, que por sua vez nos conduz a uma outra imagem e a um outro princípio. Como é que os protestantes conseguiram que o protestantismo se espalhasse rapidamente? Como o conseguiram os revolucionários da Revolução Francesa? Como o consegue o comunismo?

Podemos fazer uma comparação com uma floresta. Suponhamos que alguém tivesse desejo de atear fogo a uma floresta verdejante – a uma plantação de eucaliptos, por exemplo – à beira de uma estrada de ferro. Se um diretor da ferrovia conhecesse tal desejo, provavelmente sorriria: “Todos os dias passam por aqui trens que soltam milhares de fagulhas, e apesar disso nunca houve o menor incêndio; agora essa pessoa, com um fósforo, quer atear fogo à floresta toda!” A pessoa não diria nada, e durante duas, três, vinte noites, mandaria homens aplicarem a essas árvores misteriosas injeções, que as secariam. Terminada essa preparação, finalmente atearia fogo a uma das árvores. Em breve tudo estaria ardendo, apesar de ter usado somente um fósforo.

Assim também as revoluções são preparadas por uma combustibilidade anterior, que possibilita o incêndio produzido pelas ideias revolucionárias em certos ambientes. As dificuldades na expansão de nossas ideias resultam precisamente da carência de combustibilidade: elas pegam fogo em alguns, mas a outros elas irritam.

Este princípio nos conduz à ideia de que, se houve possibilidade de atear o fogo na floresta, é porque as árvores se tornaram combustíveis. Portanto, o ponto de partida da Revolução foi um acontecimento qualquer que determinou a combustibilidade do organismo social. E foi devido a essa combustibilidade inicial que esse organismo, já fadado à morte enquanto não expurgasse o veneno, passou a ser incendiado sucessivamente pelas hostes revolucionárias.

Temos então a resposta à nossa pergunta. As ideias da Revolução Francesa produziram todo aquele incêndio porque o ambiente estava preparado, com toda uma estrutura de princípios, de ideias e de hábitos mentais, mesmo antes da ação dos revolucionários preparadores próximos da Revolução Francesa, de tal modo que bastou iniciar-se a campanha revolucionária para a Revolução começar a andar. Como vemos, houve um fato indispensável, anterior à chegada do propagandista revolucionário, e que foi justamente a preparação do ambiente, a fim de que a ideia se propagasse e os homens se deixassem empolgar.

Toda Revolução B é precedida por uma Revolução A

Como exemplo do exposto, é elucidativo o caso narrado por Jean Valtin, de um partido comunista que era florescente num porto belga, e que pouco depois veio a se extinguir completamente. Investigadas as razões, constatou-se um fato curioso. A zona de prostituição da cidade estava localizada perto do cais e da zona operária, e foi obrigado a transferir-se para o ponto oposto da cidade, devido a um regulamento da polícia que visava favorecer certas obras públicas. Com o deslocamento dessas mulheres para outro local, o partido comunista perdeu o seu eleitorado daquela zona. Eram essas pecadoras públicas que faziam a revolução A, e depois os comunistas faziam a revolução B.

Vemos por este fato como os males se juntam. Neste caso concreto, a primeira medida para se acabar com o comunismo não consistiria na promoção de obras sociais nem na elaboração de dialéticas improdutivas, mas em remover o bairro suspeito. De nada adianta pregar belas teorias sobre o direito de propriedade a um homem que leva uma vida imoral. Antes de mais nada, ele começaria por não se interessar.

Este pequeno fato mostra como a revolução A precede a revolução B. Percorrendo a História da civilização, verificamos que todas as revoluções B não foram senão o paroxismo de revoluções A.

A imoralidade, a grande propagandista do comunismo

Podemos nos reportar a uma experiência quotidiana. Se nas grandes cidades se praticasse a castidade, se as praias do Rio de Janeiro ficassem desertas, se as ruas de São Paulo ficassem isentas de todos os anúncios imorais e de todas as mulheres com vestidos indecentes que nela pululam, se a pureza dos costumes dominasse completamente essas cidades, a revolução comunista teria perdido o seu mais precioso campo de expansão.

Se se fechassem as boates, os antros, as casas de jogatinas, suprimindo assim todos os focos de corrupção da cidade, e paralelamente a isso as famílias adquirissem um sábio horror a essas coisas, podemos afirmar que não seria muito perigoso termos professores ensinando o socialismo e agitadores propagando o comunismo. Eles seriam enxotados, pela indignação geral. Tudo isto existe, pulula, porque faltam pessoas que argumentem contra isso.

Decorre de um princípio filosófico que, quando se quer suprimir um efeito, deve-se antes extinguir a causa de onde ele provém. Se queremos, pois, extinguir a Revolução, combatamos tudo quanto constitui a Revolução A. A Revolução B se tornará, como consequência, impossível por si mesma.

Três categorias de homens em face da Revolução

Vimos que a maneira de entender a fundo os fatos históricos é compreender que eles se passam de acordo com os processos da Revolução A e da Revolução B, e mostramos em que consiste a diferença entre estes dois processos. Passaremos a analisar o problema no terreno individual, para em seguida estudá-lo no campo social.

Por mais que se diga o contrário, os fenômenos da sociedade humana só se estudam no homem. A sociedade é um conjunto de homens, e, portanto, devemos primeiro estudar quais os princípios que regem o comportamento dos entes humanos, para depois estudarmos o modo pelo qual eles se aplicam à sociedade.

O primeiro princípio que podemos enunciar é a divisão dos homens em três categorias: 1) miles Christi, soldado de Cristo; 2) miles diaboli, soldado do demônio; 3) amicus Christi et diaboli, o pragmatista. Não encontramos outros homens sobre a face da Terra, ao menos nos países de civilização cristã.

O miles Christi, ou miles Ecclesiæ – o que é a mesma coisa – é um homem para o qual o principal da vida é servir à Igreja Católica. Ele compreende que todo o encanto, toda a beleza, toda a graça e toda a dignidade da vida provêm do fato de se servir à Igreja Católica Apostólica Romana. Devido a isto, para sua felicidade, para o seu bem-estar até, mas sobretudo para cumprir o seu dever, ele se consagra de corpo e alma ao serviço daquela que é a Arca da Aliança do Novo Testamento. O miles Ecclesiæ tanto pode ser um homem muito inteligente como muito ignorante. Ser miles Crhisti não é algo que decorra da cultura, mas da fé e do amor que se tem à Igreja.

Outra categoria, o miles diaboli, mais difícil de ser admitida pelo liberal, é o homem que ama o mal. Alguém poderia contra-argumentar que em filosofia se estuda que o mal, enquanto mal, não pode ser amado. Evidentemente isto é correto. Mas o homem tem muitos modos de se iludir, pelos quais ele chega a amar o mal sob alguma razão de bem. É por isto que muitos homens são entusiastas do mal, assim como nós, contra-revolucionários, somos entusiastas do bem. É capital para esse tipo de homens extirpar o bem da Terra e implantar o mal, como para nós é capital implantar o bem e extirpar o mal.

Entre essas duas categorias, temos a dos que são amicus Christi et diaboli. São os que gostam um pouco de Jesus Cristo e um pouco do demônio, mas que, na verdade, não amam a Jesus Cristo, e sim, de uma maneira relativa, ao demônio. Pertencem ao número daqueles que, no dizer da Escritura, têm por deus o próprio ventre – quorum deus venter est. Estes homens amam sobretudo a si mesmos. Às vezes têm certa simpatia por Deus, às vezes pelo demônio, buscando sempre conciliar a luz com as trevas. São os pragmatistas.

Divididos assim os homens em três categorias, a vida nesta Terra se nos afigura como uma batalha universal, do exército de Cristo contra o exército do demônio, lutando para conquistar os indiferentes, os que estão divididos entre Cristo e Satanás, homens relaxados, indecisos e sem ideais.

Este é, sem dúvida, o principal, mas não o único campo da batalha. Nós, que somos filhos da luz, procuramos arrancar das trevas os seus filhos, trazendo-os para a Igreja, e estes, por sua vez, procuram atrair-nos para as hostes da Revolução. Sabemos que tais mudanças de campo são muito difíceis, e por isso a nossa atuação se concentra sobretudo nos que estão no meio termo, e que constituem assim o principal campo da batalha universal.

As idades da Revolução e da Contra-Revolução

Ainda no estudo do problema no terreno individual, passemos agora ao que poderíamos denominar “as idades da Revolução e da Contra-Revolução”. Quando pode um homem dizer-se revolucionário ou contra-revolucionário? Como nascem o revolucionário, o contra-revolucionário e o pragmático?

Um dos pontos da doutrina católica menos compreendidos em nossos dias, é o que afirma que a criança, em via de regra, começa a fazer uso da razão por volta dos sete anos, e a partir daí é capaz de cometer pecados mortais. Um santo afirmou ter visto no inferno uma criança de cinco anos, que pecou mortalmente e foi logo condenada aos suplícios eternos.

Isto cria para o liberal uma espécie de choque, de conflito. É penoso para ele imaginar que uma pessoa possa ter responsabilidade moral a partir dos cinco anos. Entretanto, é o que a Igreja afirma. Com a idade da razão, que costuma ser por volta dos sete anos, o homem começa a ser moralmente responsável.

Via de regra, é também aos sete anos que começa a se formar o revolucionário ou o contra-revolucionário. A criança, naturalmente, não tem conhecimento claro disto, mas o problema da Revolução e da Contra-Revolução começa a se lhe apresentar no seu microcosmo infantil, de modo a formar-lhe um certo panorama, uma certa visão, diante dos quais a criança vai já tomando atitudes. Por sua vez estas acarretam uma tomada de posição nos demais campos, não como coisa fatal, mas provável.

Três tipos de criança em face da Revolução

Como decorrência do exposto, podemos classificar as crianças em três tipos: 1) Crianças boas, com potencial para se tornarem contra-revolucionárias; 2) Crianças más, que serão, em sua maioria, revolucionárias; 3) Crianças pragmáticas.

Aquele que na infância é bom, ama seus pais não só porque eles o agradam, mas porque sabe, instintivamente, que seus pais são bons. Há uma certa ideia de bem que, muito confusamente, mas de maneira muito real, entra naquele amor. E isto de tal forma, que essa criança perderia grande parte ou a totalidade do amor que tem a seus pais, se os visse praticar uma ação que sabe ser má.

Bem outro é o querer de uma criança pragmática. Ela não ama o bem, e o próprio amor que tem a seus pais baseia-se no agrado que eles lhe fazem. Quando o pai a agrada, a criança pragmática sente-se satisfeita e lhe quer bem; quando, pelo contrário, ele a desagrada, ela se enraivece. Quando a mãe lhe dá um doce, ela a beija; quando lho nega, ela a despreza. Isto decorre do fato de ela gostar do doce, e não da mãe.

Por último temos a criança má, que é bem diferente da pragmática. Seus múltiplos instintos levam-na a desejar muitas coisas que os pais normalmente proíbem: quer implicar com as outras crianças, quer matar mosquitos torrando-os no fogo, salta sobre os móveis e quebra os objetos, mostra a língua às visitas, bate a porta no rosto das pessoas, e chega a chorar de tanto rir, com o que fez. A pedagogia moderna diria que isto é engraçado, infantil. A doutrina católica vê tal modo de proceder com severidade, e nos ensina que as crianças devem ser corrigidas desde pequeninas.

Em suma, a criança boa quer divertir-se com a consciência tranquila, caso contrário, em nada acha graça. A criança pragmática gosta também de viver dentro do terreno da legalidade, não por amor, mas tão somente porque a ilegalidade traz amolações. É como alguém que observa as regras de trânsito unicamente para não ser multado. A criança má só se compraz com a ilegalidade, e as coisas somente são divertidas quando arriscadas e proibidas.

Os bons, desde pequenos gostam de sua família, devido à ordem que reina no lar. Os pragmáticos gostam de sua família, em última análise, porque é uma boa incubadeira, onde se vive em paz. Os maus têm raiva de sua família, porque nela veem reinar a ordem; preferem a agitação e o barulho.

Espírito de sacrifício e concupiscência face à Revolução

Seguindo essa trilha, podemos chegar ao ponto chave. A criança boa tem o espírito feito para o sacrifício, e de bom grado se presta a ele. A pragmática aceita o sacrifício, não porque seja nobre, mas porque compreende que fazer isto é de boa política. A criança má detesta o sacrifício, e é capaz de todas as lutas para fugir à menor cruz.

Nos bons, ainda em idade infantil, realiza-se o princípio “anima humana naturaliter Christiana”. Nos pragmáticos, desde meninos, há uma prudência que se pode dizer puramente humana. Nos maus, já na infância, encontra-se o ódio à lei.

A revolta e o ódio que encontramos na criança má, nada mais são do que concupiscências desordenadas. Assim, ao chegar à adolescência, se lê um romance em que um policial e um bandido estão em luta, naturalmente ficará do lado do malfeitor, ela que já nos brinquedos de criança era o bandido. Como resultado, assim continuará. Diante de um governo bom, ficará na oposição e trabalhará para derrubá-lo. Ela será contra tudo de bom, pelo simples motivo de que sempre assim o foi.

Quando se lhe colocar o problema do amor livre, ela o defenderá, pois desde criança ardeu em concupiscência. Desde os sete anos gostava de dizer imoralidades, ao se tornar adulto será adepto de algum partido socialista, e dirá que as leis a respeito da moralidade são preconceitos sem qualquer fundamento.

Em resumo, é desde menino que começam a formar-se os estados de espírito, e certo é que todo homem tem várias idades de revolucionário e de contra-revolucionário. Isto nos leva ao princípio que São Paulo ensina, ao dizer que enquanto era pequeno pensava como menino, e quando se tornou homem feito abandonou as coisas que eram de menino (I Cor., 13, 11). A Revolução e a Contra-Revolução também se condicionam a esta regra.

A raça da Virgem e a da serpente

Se analisarmos o homem pragmático e o confrontarmos com o revolucionário, veremos que não há diferença entre ambos, eles são uma só coisa. O pragmático é um homem que encontra seu prazer em levar uma vida direita, e por isto a leva. O revolucionário encontra alegria em ter uma vida má, e consequentemente a tem. Mas os dois procuram seu próprio prazer, variando apenas no modo de realizá-lo. Donde se conclui que pragmáticos e revolucionários pertencem a uma mesma família, e de fato só existem duas raças de pessoas no mundo: a raça dos que são de Nossa Senhora, da ordem, da Contra-Revolução; e a raça da serpente, que é a da desordem e da Revolução.

Sabemos, por outro lado, que há dois homens dentro de cada homem, isto é, há em cada um de nós uma luz primordial e um defeito capital. A luz primordial inclina-nos para a Contra-Revolução, e o defeito capital nos leva para a Revolução. Mas é preciso considerar que todo homem, por mais que esteja firmemente ancorado do lado da Revolução, pode ser levado para a Contra-Revolução, e vice-versa. Em outras palavras, há uma mutabilidade no homem em relação a ambos os caminhos, não há fixidez em cada uma das rotas.

Isto posto, poder-se-ia perguntar de que modo um homem passa do caminho da Contra-Revolução para o da Revolução.

O dinamismo do vício capital

Em consequência do pecado original, o defeito capital tem no homem uma vivacidade assustadora, e com qualquer pequena concessão se alimenta e se expande enormemente. Podemos tomar para exemplo um homem orgulhoso, que seja membro de uma associação qualquer. Se lhe dissermos que conhecemos todos os membros da associação, e que o de maior valor pessoal é ele, imediatamente nos julgará um bom homem e um fino psicólogo; dirá que o conhecemos bem, e que temos a noção exata do que ele é na realidade; dirá que discernimos bem o aspecto pelo qual ele é superior a todos, e que temos bom coração, pois o que os outros não viram, nós percebemos.

O que na realidade fizemos foi dar-lhe um veneno. Depois disto, a primeira vez que alguém o repreender por um pequeno deslize, ele se revoltará: “Como! Eu, que sou o mais importante de todos, recriminado por esta criança! Quem é ele para isso?” A partir de então não tolerará mais nada, porque o mínimo alimento dado ao defeito capital tem uma capacidade de inflamação prodigiosa.

Ainda a título de exemplo, tomemos um homem que pratica a pureza, e de modo geral comporta-se bem, mas que repentinamente consente numa tentação contra a virtude angélica. Tendo consentido naquele pecado, é possível que ele chegue até o fim de sua ignomínia. Como chegou Davi a pecar de maneira tão infame? Olhando uma vez apenas  para o jardim vizinho; uma única concessão foi o bastante.

A preguiça também atua de modo semelhante. Se dissermos a um preguiçoso que ele deve trabalhar, perguntará: “É mesmo necessário?” Nós demonstramos que sim, e no final ele concorda e nos pergunta qual o serviço que deve ser feito, mas acrescenta: “Quero avisá-lo de que sou muito ocupado”. E antes ainda de lhe designarmos o trabalho, perguntará se o serviço não é pesado demais. A preguiça lhe torna tudo custoso e difícil.

Se aconselharmos a alguém que combate a preguiça há 20 anos, que passe um dia bem preguiçosamente, alegando que vinte anos de trabalhos merecem um descanso, arrasaremos a sua alma. No dia seguinte poderá acontecer de ele estar na estaca-zero e precisar recomeçar todo o esforço, como se não houvesse lutado durante os 20 anos. Tudo isto porque o defeito capital é de uma vivacidade extrema.

Assim, se um homem fortemente contra-revolucionário alimentar o seu defeito capital por meio de uma concessão qualquer, em breve o vício o invadirá e o dominará, pois o vício principal tem uma força de expansão semelhante à dos gases. É o processo pelo qual alguém se torna um revolucionário.

Como se forma um contra-revolucionário

Qual é, ao contrário, o processo pelo qual alguém se torna um contra-revolucionário?

A resposta a esta pergunta é bem mais complexa. Encontramos no Evangelho uma tentativa bem sucedida e outra fracassada, de formação de um contra-revolucionário. A primeira é a do filho pródigo, e a segunda a do moço rico. Este é caracteristicamente o pragmático. Era bom, mas queria a vida fácil e alegre. Encontrou-se com Nosso Senhor, e o Divino Mestre lhe apresentou um programa anti-pragmático. Ele o recusou e seguiu seu caminho.

O filho pródigo era também eminentemente um pragmático. Achava aborrecida a casa paterna, tinha sede de aventuras e queria conhecer a cidade. O pai, vendo as proporções a que haviam chegado esses maus desejos, teve a única atitude cabível em tais situações extremas: deu ao filho o quinhão que lhe era devido, e permitiu que partisse.

Dois homens passaram a coexistir no filho pródigo. De um lado levava em si um resto de amor à casa paterna, mas de outro, muito amor à vida de orgia e dissipação. Na cidade perdeu-se completamente, mas com isto surgiu dentro dele uma recordação antiga: o resto de amor que ainda conservava à casa de seu pai aflorou à superfície, e o mau filho lembrou-se do lar paterno, teve saudades de sua casa. Uma imagem velha, embotada, semi-esquecida – a imagem do lar – começa a aparecer diante de seus olhos e a tornar-se viva. E “tendo entrado em si, disse: Levantar-me-ei e voltarei à casa de meu pai” (Lc XV, 17-28). Aquele antigo ideal reviveu dentro dele, e o fez voltar para a casa do pai, onde é recebido de braços abertos.

Todo homem, por mais que se tenha pervertido, leva dentro de sua alma uma figura completa dos ideais de bem e de verdade, para os quais foi criado. Porém, à medida que vai decaindo na virtude, produz-se um embotamento em sua consciência, de tal forma que aquela figura tende a desaparecer. Vai sendo sepultada, mas não destruída, tal como na lenda bretã da catedral submersa. De vez em quando ela surge à tona do mar, e tantas recordações de bem, de moral, de virtude, de fé, sobem à tona da alma do pecador e começam a tocar os seus sinos. Vem então a possibilidade da conversão. O velho ideal se ilumina, e o homem volta a vê-lo brilhar.

A conversão para o bem só se dá por uma explosão

Do exposto se conclui que a conversão para a Contra-Revolução só se dá quando de maneira profunda, completa e radical, atingindo até o fundo da personalidade. A conversão tem que se basear em um princípio fundamental daquela alma, que domina todos os outros, e deve então restaurá-lo em toda a sua pureza. Enquanto a perversão se faz por pequenas etapas e por concessões, a conversão só se faz mediante grandes esforços. Para que a conversão seja possível, é necessário empregar grandes energias e despertar os primeiros princípios. O dinamismo pelo qual a Revolução e a Contra-Revolução caminham nas almas é completamente diferente. A primeira anda passo a passo, a segunda deve romper o caminho por uma explosão.

Se queremos promover a Contra-Revolução, não podemos, portanto, seguir a mesma marcha da Revolução, mas temos que fazê-la por outro processo, tirando do fundo das almas a “cathédrale engloutie”, submersa pelas ondas do vício. Os motivos são outros, e a técnica completamente diferente.

Digamos uma palavra sobre o embotamento. O que é que entendemos, em linguagem comum, por um homem embotado? É aquele cujo espírito, embora existindo, tem apenas uns pequenos lampejos, uns restos de clarividência, e nada mais. No fundo de todo pragmatista há resquícios de virtudes católicas embotadas; ele é por excelência um homem embotado. Quando se fala de Jesus Cristo ou da Sua Igreja, ele sorri com um pouco de simpatia, como um surdo que consegue ouvir as últimas notas de um concerto. Porém, se é admoestado acerca de sua concupiscência, o seu embotamento sofre uma metamorfose, suas energias entorpecidas despertam e, ou procurará dominar-se ou correrá até os extremos. Vejamos a importância disto.

A filosofia de ação da Contra-Revolução

As considerações desenvolvidas neste ponto são de tal modo importantes, que é de toda a conveniência fazermos um apanhado geral delas, antes de passarmos para outro aspecto do problema.

Definimos o embotamento e vimos os seus efeitos com referência ao problema da Revolução e da Contra-Revolução. Uma das consequências mais importantes desses efeitos – tão importante, que se poderia chamar a filosofia de ação do contra-revolucionário – pode ser enunciada como “técnica da conversão” e “técnica da perversão”.

A técnica da perversão procede das pequenas concessões. Isto porque o vício capital, que é a grande mola da perversão e a raiz da Revolução, é fácil de ser alimentado e se inflama extraordinariamente com qualquer pequeno alimento. À medida que vai recebendo qualquer coisa, cresce, por minúscula que seja a dose. Devido a isso, o modo pelo qual se conduz uma pessoa à Revolução é, em geral, o das concessões graduais, que vão levando os homens, de ponto em ponto, até os extremos.

Mas para conduzir alguém à Contra-Revolução temos que usar o método oposto. Trata-se de ressuscitar, dentro da pessoa, aquilo que chamamos cathédral engloutie, e isto só pode ser provocado por meio de um choque muito grande. A tática da Contra-Revolução é a desses grandes choques, desses grandes apelos à consciência.

Esta ideia se esclarece se nos ativermos a outra imagem. O homem se utiliza de uma tática para fazer alguém dormir, e de outra para fazer alguém acordar. No primeiro caso, toca-se uma música lenta e suave, até que a pessoa adormeça. Para o despertar, a utilização do mesmo método não produzirá o menor resultado: a tática para acordar é tocar o bumbo. O vício capital e a Revolução adormecem exatamente quando a Contra-Revolução acorda.

A marcha da lava e a trajetória da pedra

Todos sabemos como a lava de um vulcão caminha. Imaginemos uma nova erupção do Vesúvio, e a lava a correr encosta abaixo. Sabemos que pela sua própria natureza ela não dá saltos, mas percorre todas as etapas intermediárias da encosta da montanha até chegar ao vale. Imaginemos, no entanto, que o Vesúvio, em sua explosão, venha a expelir uma pedra. A trajetória desta será inteiramente diversa. A pedra salta de um ponto para outro, sem percorrer as etapas intermediárias. São, portanto, dois processos diferentes. Um se faz lentamente, enquanto o outro é brusco e direto.

Ao analisarmos a pessoa do pragmatista, vimos que ele é um homem dividido. Ao mesmo tempo um amicus Christi e um amicus diaboli, é um templo com dois altares ou um altar com duas imagens: tem dentro de si restos de amor a Nosso Senhor, e um forte foco inicial de amor ao demônio.

Vimos ainda que a tática do demônio consiste em levar para si o pragmatista por meio de concessões, que não cheguem a ser tão violentas a ponto de provocar um choque e fazer vir à tona a sua cathédral engloutie.

Se o filho pródigo, por exemplo, tivesse conhecido um vizinho num estado semelhante ao seu, certamente a sua história teria sido outra. Se, quando ele estivesse para sair de casa, encontrasse alguém de volta da cidade, após ter comido as bolotas dos porcos, ter-se-ia produzido nele um grande choque, que o faria compreender o caminho infame que estava tomando, e então se deteria. Em seu espírito se produziria uma “cristalização” repentina, pois perceberia até onde o ia levando o amor ao demônio. Com o choque, a sua “cathédral engloutie” subiria à tona.

Assim, para o demônio, a tática inteligente é ir tentando o pecador por etapas, de tal modo que a sua consciência se vá anestesiando, sem nunca receber um solavanco, pois se isto se der a batalha estará perdida para ele. Podemos dizer que o demônio tem interesse em que a pessoa se torne revolucionária e desça ao inferno pela marcha da lava, isto é, de modo gradual, por etapas. Muito raramente ele se interessa pela marcha da pedra, ou seja, pelos fenômenos psicológicos em que a pessoa, sem perigo de se reconverter, é atirada do extremo da virtude ao extremo do vício. Isto traria consigo o perigo da “cristalização”.

A Revolução procura evitar as “cristalizações”

O fenômeno físico-químico da cristalização é muito conhecido. Num recipiente com solução muito saturada, coloca-se um cristal da mesma substância, e a solução toda se cristaliza. O mesmo se dá com a consciência humana. Ela está saturada de remorsos. Repentinamente alguém faz algo muito revolucionário. Resulta daí um fenômeno de “cristalização”, isto é, uma volta à posição inicial. E é isto o que a Revolução tenta evitar que se realize.

Com base nas considerações precedentes, ficou evidente que a marcha da lava é o processo normal da Revolução.

Como exemplo muito concreto e esclarecedor, podemos apresentar o comentário de uma pessoa idosa, de passagem pelo Vale do Anhangabaú: “Veja que mudança! Eu comi lambaris pescados no riacho do Anhangabaú, no tempo em que aqui só havia chácaras de um e de outro lado. Hoje o rio está canalizado. Como tudo isto mudou!”

Eu me pus a considerar a enorme diferença entre aquela São Paulo antiga, em que o rio Anhangabaú brilhava ao sol com suas chácaras marginais, e a cidade de hoje, com seus arranha-céus e avenidas. O Viaduto do Chá ainda não existia, e o trajeto que hoje fazemos de automóvel era feito a cavalo. Já no tempo da República o viaduto foi construído, mas tão primitivo que se pagava pedágio ao passar por ele. O trânsito era tão pouco intenso, que os cobradores de pedágio avisavam-se mutuamente de que uma pessoa ia passar, por meio de um toque de corneta. As senhoras vestiam saias rodadas, com todos os costumes próprios da época; os homens, de cartola, cumprimentavam-nas respeitosamente; as crianças tratavam os mais velhos com todo o respeito e veneração; na velha Faculdade de Direito os professores se apresentavam com a tradicional beca. Eram outros hábitos, outro mundo.

Como se sentiam naquele tempo essas pessoas, esses alunos? Imaginemos que existisse em São Paulo, na época dos lambaris do rio Anhangabaú, um grupo de contra-revolucionários que profetizasse, para o ano de 1964, uma moda segundo a qual as mocinhas, como as mulheres nas penitenciárias, usariam cortados os seus bonitos cabelos longos, de que então se ufanavam; que veriam suas filhas usarem calças de homem, saírem com rapazes pelas ruas, e até em excursões; Esse grupo mencionaria também o maiô de banho em 1964. Ouvindo isso, as senhoras começariam a chorar e a dizer que não pode ser verdade. Todos acusariam esses contra-revolucionários de estarem ultrajando a dignidade paulista, e passariam por desequilibrados.

Este estado de coisas, que apresentado em 1880 provocaria choro e ranger de dentes, estabeleceu-se calmamente no Brasil, como em todo o mundo. E a reação que a geração do tempo dos lambaris poderia produzir foi nula, uma vez que toda essa situação se instaurou de fato na sociedade. Se no início dessa evolução as pessoas fossem convencidas do ponto a que a Revolução as levaria em 1964, ter-se-ia seguramente dado uma “cristalização” muito forte. Todos teriam reagido e se defendido. Porém, como a Revolução caminha pela marcha da lava, muito lentamente, foi inteira e pacificamente aceita.

O primeiro banho de mar

Um característico exemplo histórico do caminhar lento da Revolução é o conhecido fato da duquesa de Berry, nora do Rei da França, por volta de 1825. O mar, naquele tempo, era reputado um lugar bravio, e não se lhe apreciavam as belezas. A humanidade levou muito tempo para compreender o mar, o qual começou a ser apreciado somente na época do rei Carlos X da França.

Foi então que começaram os banhos de mar. Este hábito chocava muito, porque na época não se compreendia como era possível praticar em público um ato íntimo da vida, como o banho. Porém a duquesa de Berry, que era contra-revolucionária no plano B, mas revolucionária no plano A, inaugurou os banhos de mar numa praia do norte da França.

Ela ia para a praia acompanhada de suas damas, com uma roupa rodada chegando até aos pés. O prefeito da cidade esperava-a à beira-mar, vestido de casaca. Ele acompanhava a duquesa, dando-lhe a mão, e juntos entravam no mar; da fortaleza ouviam-se salvas de canhões, pois ali estava Sua Alteza Real e era necessário saudá-la. Era uma cerimônia muitíssimo solene. No entanto, este fato, pelo processo da marcha da lava, pôs em moda os banhos de mar: tornava-se impossível um banho de mar com tanto aparato, e aos poucos foi sendo feito de modo mais vulgar.

Por volta de 1925 as moças tomavam banho de mar com trajes feitos de uma espécie de borracha, largos, apertados nos joelhos e com mangas. Os homens trajavam-se analogamente, e ainda com um pouco mais de recato, mas por volta de 1930 começaram a usar essa espécie de tanga indígena, que são os calções de banho. Na praia as moças mais recatadas fugiam da presença deles, pois nunca se vira coisa semelhante. Hoje, como se sabe, há nas praias uma imoralidade sem freios nem medidas. Praticamente nada mais falta para o nudismo, que em alguns lugares já começou.

É a marcha da lava. Gradualmente chegou-se a esse cúmulo de miséria moral, e, no entanto, não houve reações. De etapa em etapa o pragmático foi arrastado até onde não queria. Isto explica que a geração de 1880 tenha presenciado no Anhangabaú as maiores modificações que se possam imaginar no plano A, com uma indiferença completa. O triunfo consistiu exatamente em se caminhar pela marcha da lava e em evitar a marcha da pedra, as “cristalizações”.

As duas categorias de Revolução A

Poder-se-ia concluir, do acima exposto, que as ideias e as doutrinas não têm nenhuma importância. As considerações feitas levar-nos-iam à afirmação de que não há mal em lançar uma doutrina errada, mas que tudo se processa tão somente pelas tendências e pelos costumes.

Para responder a esta questão é necessário distinguir duas categorias de revolução A: 1) revolução sofística; 2) revolução tendenciosa. A primeira é feita pelas ideias erradas lecionadas nas cátedras universitárias, divulgadas pelos jornais, livros e demais meios de propaganda. A segunda é a que produz as tendências, a que desperta os maus desejos, e que age tendenciosamente no homem para o levar até onde ele não deveria ir.

Na ordem da importância, a Revolução nas mentalidades, nos costumes – revolução A tendenciosa – é a mais importante de todas. A revolução A sofística – que incute o erro e é cronologicamente posterior à tendenciosa – é menos importante. O sofisma só encontra campo na alma depravada, que deseja o erro.

Passando aos fatos, teremos por último a Revolução B, que transforma as instituições, as leis e os costumes (cfr. “Revolução e Contra-Revolução”, Parte I, Cap. V, “A Revolução nas tendências, nas ideias e nos fatos“).

Teoria sobre a opinião pública

Passemos a analisar estes mesmos princípios com relação à sociedade humana.

É possível estabelecer, a respeito da força da opinião pública, uma verdadeira doutrina. Inicialmente poderíamos nos perguntar em que deveria consistir a opinião pública no Paraíso, antes do pecado de Adão e Eva. Se eles não tivessem pecado, e se sua descendência houvesse continuado no Paraíso, haveria uma opinião pública? Qual seria sua força e seu dinamismo?

Para responder a estas perguntas, algumas considerações tornam-se necessárias. Como ponto de partida, devemos ter presente que no Paraíso o homem não estava sujeito a erro. De onde se conclui, aparentemente, que todas as opiniões seriam iguais. Se não o fossem, uma necessariamente deveria estar errada. Deveria haver no Paraíso terrestre, portanto, uniformidade absoluta de pensamento.

Uma análise mais profunda nos mostra que esta concepção é errônea. Uma vez que cada homem tem uma luz primordial diferente, pode-se afirmar que cada homem é mais especialmente dotado para ver determinados aspectos da Criação, e, portanto, vê aspectos da realidade de modo mais completo do que seus semelhantes, sem ser necessário dizer-se que o próximo esteja errado.

Três ou quatro artistas que passem a tecer considerações sobre o quadro de um grande pintor, cada qual verá na tela, com a sensibilidade artística que lhe é peculiar, um conjunto de aspectos que os outros não veem, e sentirá o que os outros não sentem.

Assim, numa conversa que se realizasse antes do pecado original, não haveria discussão, uma vez que ninguém estaria em erro, mas cada um opinaria para completar o pensamento do outro. A opinião pública sobre um determinado assunto, antes do pecado original, seria, portanto, o conjunto das impressões de todos os homens a respeito daquele problema. Em outras palavras, seria o máximo grau de verdade a que os homens poderiam chegar, a respeito de determinada coisa.

É bem evidente que uma opinião pública assim concebida deveria constituir-se, para os homens, numa autoridade extraordinária e numa não menor satisfação. Segundo esta ordem de coisas, o homem deveria deixar-se ilustrar e guiar pela opinião pública, a qual seria dotada de força natural imensa.

O homem, pela sua própria natureza, foi feito para pensar e agir em função de uma opinião pública. Com o pecado original os homens tornaram-se passíveis de erro, embora continuassem com a tendência a se deixar governar pela opinião pública. Esta, por sua vez, passou também a ser sujeita a erros, de maneira que a situação do homem tornou-se dolorosa: de um lado permaneceu com uma vontade enorme de concordar com a opinião pública, e de outro sentiu-se na obrigação de exercer um controle sobre ela.

A opinião pública paradisíaca e a infalibilidade pontifícia

Discordar da opinião pública é uma das coisas mais desagradáveis a que o homem pode se submeter. Suponhamos uma roda de pessoas onde cada um se gaba de uma imoralidade que fez. A certa altura perguntam a alguém da roda: “E você, o que fez ontem à noite?” Se o rapaz responde que foi dormir, há uma espécie de desapontamento geral: “Este sem-graça dormiu; é um bobo!” E o rapaz, que era o único com razão naquela roda – e que bem poderia chamar a todos os outros de celerados – não tem coragem de fazê-lo, e fica quieto. Isto porque é terrível o peso da opinião pública.

Situações destas são difíceis de enfrentar, porque o homem é feito de maneira tal que a opinião de seus semelhantes a seu respeito tem um peso enorme. No entanto, devido à desordem instaurada pelo pecado original, o homem tem que romper com a opinião pública, a fim de orientar-se por aquilo que, na ordem da graça e da Redenção, substitui a opinião pública: a infalibilidade pontifícia. O magistério dos homens no Paraíso era dado pela opinião pública; hoje, como esta perdeu o caráter infalível que possuía, ele passou a pertencer unicamente à Igreja.

Frequentemente, no entanto, encontramos uma oposição entre a Igreja e a opinião pública. Sempre que isto se dá, devemos ficar fiéis à Esposa de Cristo e contrários a todos os que pensarem de modo diferente. Esta ruptura com a opinião pública, para permanecer fiel à infalibilidade pontifícia, é um dos esforços mais violentos que o homem tem que fazer, uma vez que, em todas as ocasiões, ele naturalmente tende a se imolar à opinião geral.

A contagiabilidade do homem

Os homens são contagiáveis pelas opiniões e pelos exemplos. Daí podemos tirar um princípio, a que chamaríamos “contagiabilidade humana”, que é corolário do princípio anterior.

Imaginemos, a título de exemplo, que morássemos com o Cardeal Merry del Val, secretário de Estado de São Pio X. É evidente que isto exerceria um grande efeito sobre toda a casa em que habitássemos. Um homem desse porte de alma enche uma casa. Na hora do jantar ele toma a cabeceira; instintivamente desligamos o rádio, que está dando o último noticiário, e ele passa a conversar. Evidentemente ninguém teria a coragem de lhe perguntar: “Eminência, soube da última anedota do português e do turco?” Ele nem entenderia alguma coisa nesse nível; daria uma tão gélida risada protocolar, que logo se compreenderia o erro cometido, e elevar-se-ia o nível da conversa. A este contágio de dignidade, que se produziria com a simples presença do Cardeal Merry del Val, poderíamos chamar de contágio no plano tendencioso A.

Há também o contágio no plano sofístico A. Assim, se víssemos num livro um determinado argumento, poderíamos decorá-lo, como se fosse matéria aprendida em uma aula. Mas se um colega, que tem sobre nós uma certa influência, sustentasse aquela mesma tese, o argumento pareceria tomar vida, e passaríamos a achá-lo interessante. Ele se tornaria tão diferente do argumento lido no livro como uma borboleta voando é distinta de uma outra morta e exposta num museu. Adquire outra vitalidade e outra capacidade de penetração. É a contagiabilidade.

Daí se deduz que não há fato na vida social que não produza um efeito de opinião pública no plano Revolução e Contra-Revolução. Duas pessoas que conversam, se não tomarem cuidado, contagiar-se-ão mutuamente. É impossível dois homens se verem sem que produzam mútua influência, por mínima que seja. De certo modo isso representa um contágio.

Como corolário da afirmação anterior, podemos dizer que um homem colocado num determinado ambiente, se não exerce uma reação constante para não se deixar influenciar, deixar-se-á contaminar por ele, mesmo contra sua vontade; a recíproca também é verdadeira, isto é, o ambiente irá sofrer de sua parte uma certa influência.

Quem haveria de dizer, antes da invenção do rádio, que as ondas emitidas pela torre da BBC de Londres chegariam até nós, e que seria possível ouvi-las somente apertando um botão? Isto é uma imagem do que se dá com o mundo das almas. Toda alma, por mais apagada e modesta que seja, é uma como que torre da BBC, em proporções maiores ou menores, com ondas mais longas ou mais curtas, mas capazes de ir até muito longe. A questão é detectá-las.

Homens-chaves por vocação divina

Isto nos leva a outro princípio, o dos homens-chaves. Há na sociedade alguns homens nos quais esta função de irradiar é particularmente intensa, que a exercem em três categorias:

1) Por vocação divina;

2) Por seu estado;

3) Por capacidade pessoal.

Entre os primeiros – isto é, os que exercem essa função por vocação divina – mencionemos São Francisco de Assis. Há um fato de sua vida que, no terreno da Contra-Revolução A tendencial, é verdadeiramente maravilhoso.

São Francisco convidou Frei Leão para pregarem um sermão. Saíram do convento, foram à cidade, andaram por várias ruas e retornaram. Na volta Frei Leão perguntou a São Francisco qual era o sermão que tinham ido pregar, ao que o Santo respondeu: “O andarmos pela rua foi o sermão que pregamos”. É precisamente a aplicação do princípio acima enunciado. Ver um franciscano tão pobre, tão humilde, tão recolhido, tão suave, tão profundo, tão elevado, tão sobrenatural, é ouvir uma pregação. O simples fato de passar pela rua um frade compenetrado de sua vocação já é uma pregação.

Por que se fazem paradas para estimular o patriotismo? À primeira vista poderia parecer que um discurso seria mais eficiente, mas na verdade não é o que se dá. Os tanques de guerra que passam, a cavalaria com seus clarins, as legiões de infantaria rufando tambores, tudo isto atrai enormemente. Quando troam os canhões, e se começa a tocar o hino do país, todos ficam eletrizados. Dá-se o contágio pelo simples fato do exército que passa, do frade que caminha, da procissão que canta. Impressões de poucos minutos, mas que marcam profundamente a alma.

Outro exemplo de homem-chave por vocação divina é o Cura d’Ars. Era pouco inteligente e de personalidade pobre; mas só de vê-lo pregar no púlpito, de longe, embora mesmo sem o conseguir ouvir, muitos se convertiam. O Cura d’Ars pertence a essa categoria de homens a quem Deus deu a missão de tornar de algum modo translúcido o sobrenatural, de maneira que perto deles as pessoas sentem o que os apóstolos sentiam no Tabor, junto a Nosso Senhor.

Homens-chave por seu próprio estado

Ao lado daqueles que por vocação divina têm essa missão, há outros que a têm por seu estado. Os homens de alta categoria social, por exemplo, devem ser pessoas emblemáticas, e que saibam irradiar, emitir determinadas verdades que conservem o corpo social.

Podemos citar o famoso caso do grão-duque Nicolai Nicolaievitch durante a revolução comunista. Era um homem muito alto, de rosto comprido, longo nariz, e com a característica de ter as extremidades da testa, do queixo e do nariz terminados por uma barbicha branca. Era hercúleo, eslavo vigoroso, parecendo sair das florestas, mas bem penteado e disciplinado.

Em sua época estourou a revolução comunista. O fraco e tíbio Nicolau II abdicou. As vagas da revolução estavam soltas por São Petersburgo, de modo que rapazes e moças, estudantes, bêbados, carregando a bandeira comunista, clamavam por “justiça social”; operários saqueavam por todos os lados. O Grão-duque Nicolaievitch, ao ter conhecimento dessa situação, resolveu sair de seu palácio para ir ter ao czar, e hipotecar-lhe sua solidariedade. Cheio de condecorações, com o quepe na cabeça, entrou numa enorme limousine e sentou-se, com seu ajudante de ordens, e mandou tocar para o palácio. O inevitável aconteceu. A certa altura os revolucionários pararam o veículo e começaram a quebrar os vidros, tentando matar o Grão-duque. Este levantou-se, e em toda a sua estatura olhou para o povo e passou-lhe uma descompostura, intimando-os a que se retirassem. Todos se afastaram e o automóvel chegou ao palácio imperial.

O Grão-duque era um homem que tinha por dever de estado espelhar a majestade real, e sabia fazê-lo. Como militar, devia manter a disciplina, e sabia simbolizá-la; tanto assim que, sozinho, dispersou uma multidão furiosa.

Nesse sentido, é preciso dizer que cada homem deve externamente espelhar o seu papel na sociedade. O que o francês chama le physique du rôle – isto é, o ter um físico de acordo com o papel que se desempenha – é algo que se deve exigir de cada homem. Um magistrado não pode ter um ar brincalhão. Se o tiver, estará traindo sua missão. Além de conhecer muito bem as leis, deve ser um homem que tenha a dignidade de um magistrado. Um militar não pode ter o feitio de um janota. O sacerdote não pode ter aspecto de leigo, e nada pior do que um leigo com aspecto de padre. Cada papel social deve ter o seu feitio próprio, e há um feitio para cada papel.

Homens-chave por capacidade pessoal

Há pessoas que têm esse dom de irradiação por capacidade pessoal. Muitas vezes, somente pelo seu silêncio, pelo seu olhar, por uma meia palavra, pela sua simples presença, esses homens criam uma série de estados de espírito. Outros têm a mesma qualidade no terreno da lógica ou do sofisma. Argumentam tão bem, que o adversário fica esmagado pela argumentação. São pessoas a quem Deus deu a tarefa de guiar os outros para o bem, dentro da própria ordem natural. Se a pessoa tem essa capacidade, fica obrigada a exercê-la.

Nações e instituições-chaves

Essas considerações nos levam a outro princípio, que é o da existência de instituições e nações-chaves.

Houve uma ilha na Oceania missionada por uns poucos padres e por uma congregação religiosa feminina. A superiora, ao chegar à ilha, notou que a população nativa tinha já um certo grau de desenvolvimento, não eram completamente bárbaros. Colocou-se então para ela o problema de o que fazer. Se fundasse um orfanato, poderia batizar todas as crianças que nele entrassem; se construísse um hospital, ganharia a simpatia da população e conseguiria algumas conversões. Após várias conjecturas, resolveu fundar uma escola para formação de professoras primárias, que ensinassem a população a ler e escrever. Em pouco tempo a escola estava repleta. As alunas se batizaram em grande quantidade, e se tornaram professoras primárias católicas. Todo o ensino fundamental da ilha caiu nas mãos dessas religiosas, e em 20 anos a Religião Católica estava solidamente estabelecida. Esta escola foi uma instituição-chave.

Se aquela congregação se tivesse dedicado à fundação do orfanato, teria feito uma obra muito boa, mas não seria uma obra-chave.

Pouquíssimas são as pessoas que têm a preocupação de se colocar nos pontos estratégicos. Em vez de procurarem ver qual é a obra-chave, realizam a primeira ideia agradável que lhes passa pela mente.

Como se desenvolve a Revolução A tendenciosa

Após termos analisado os princípios da Revolução A e B referentes ao indivíduo e à sociedade humana, passaremos a mostrar como a Revolução tendenciosa A se processou através dos séculos, desde a Idade Média até nossos dias.

Como é que uma revolução tendenciosa se desenvolve no plano A? Quando consideramos os vários desenvolvimentos pelos quais ela passa em uma determinada sociedade, ao longo dos séculos, vemos que o processo desse desenvolvimento é análogo ao que se passa, em câmara menos lenta, numa alma humana. Ao estudarmos a Revolução no plano A, notamos que ela se realizou segundo os mesmos processos psicológicos e lógicos através dos quais um homem vem a decair. Isto significa que a queda da Civilização Cristã se deu, através dos séculos, como um corpo único que pouco a pouco se deteriora.

Vimos anteriormente que, para incendiar uma floresta, era necessário um trabalho preliminar que a tornasse combustível. Devemos perguntar-nos, pois, como se deu a combustibilidade da Civilização Cristã. Qual o fenômeno pelo qual as árvores da verdejante floresta, que era a Civilização Cristã, se tornaram combustíveis? Qual a natureza da injeção aplicada às árvores, para que elas se tornassem combustíveis? Respondendo a essas perguntas, compreenderemos como é que se processa o fenômeno da Revolução.

Um exemplo prático

Imaginemos uma civilização completamente católica, na qual as pessoas sejam fiéis, piedosas, religiosas, e vivam de acordo com a lei de Deus. Qual é um dos primeiros passos para o início da derrocada? Numa aldeia de uma sociedade inteiramente católica, por exemplo, a vida temporal se vai ordenando, e tudo corre muito bem, porque todos seguem os Mandamentos de Deus. Nestas condições, a tentação própria a este estado tão regular e normal de uma sociedade é que, tendo ela ficado tão boa, o homem se esqueça do Céu e tenda a viver somente para ela. Os homens são então tentados a perder o espírito de sacrifício, e a viver tão somente em função de uma pátria terrena agradável. É o que nos ensina Santo Agostinho numa frase lapidar: “Meu Deus, Vós criastes a Igreja para levar as almas para o Céu, mas Ela organiza tão bem a vida na Terra, que se teria a impressão de que só para isto a criastes”.

Imaginemos a pequena aldeia católica num domingo de manhã, quando todos vestem seus trajes festivos e o sino da igreja bimbalha alegremente. Todos vão à Missa, comungam, o pároco faz um sermão; todos se cumprimentam e se dirigem para suas casas, onde os espera um lauto café; depois alguns descansam, outros saem à rua; chega o almoço, come-se um saboroso peru, faz-se a sesta; à tarde há alguma inocente festa pública de danças regionais; à noite, bênção do Santíssimo Sacramento; em casa, conversas a respeito dos acontecimentos, e finalmente um profundo sono repousante.

Vidinha tranquila, transcorrida alegremente ao som do bimbalhar dos sinos, ao toque do órgão, ao cheiro dos perus, ao riso das moças; como tudo isto se torna delicioso, no decorrer de uma vida humana cheia das bênçãos de Deus! Cheia das bênçãos de Deus? Eis a pergunta que se põe, porque tudo isto abstrai de um fato, que a civilização católica, por mais perfeita que seja, nunca elimina: o pecado original, de um lado, e o demônio, de outro, que sempre está rugindo ao redor do homem.

Quando aquelas situações se consolidam, Satanás passa a não mais tentar as almas, a fim de adormecê-las e conduzi-las a si mais facilmente.

O papel das Ordens religiosas na Idade Média

De quem é a missão de, em ápices de civilização como esse, manter os olhos de todos voltados para o Céu? Do clero, em primeiro lugar, e especialmente das Ordens religiosas, que representam, dentro da Igreja, o estado de perfeição, e a quem cabe incutir a ideia da penitência, do recolhimento e da mortificação.

A história da Revolução e da Contra-Revolução na Idade Média, no plano A, é a história das Ordens religiosas. Não houve maior contra-revolução na História do que as duas grandes contra-revoluções feitas pela Ordem Beneditina. A primeira foi a organização das missões, com o que se edificou a Idade Média; a segunda foi a grande reforma da Idade Média feita pelos beneditinos de Cluny, elevando a sociedade a um ápice de civilização.

Tivemos, além disso, as reformas de São Domingos e de São Francisco, que se interpenetraram, e que atestam mais uma vez o importante papel das Ordens religiosas. Realizou-se assim o famoso sonho do papa Inocêncio III, em que ele viu a basílica de São João de Latrão – que naquele tempo representava toda a Igreja Católica – rachada e sendo sustentada, ora por São Domingos, ora por São Francisco. Essa igreja rachada era o começo da Revolução, era a Cristandade tendendo para a moleza, para o relaxamento, para a perda do senso do sacrifício, do sobrenatural, inundada dos bens naturais da Civilização Cristã. São Francisco pela caridade, e São Domingos pela lógica, reergueram a Idade Média.

Já nessa época essas Ordens religiosas apresentavam um início de decadência. Por desígnios misteriosos da Providência, não houve ordem nova que restaurasse a sociedade em seu fervor primitivo. Então as árvores começaram a se tornar combustíveis, isto é, os fiéis começaram a voltar-se para o gozo da vida. De início, o gozo de uma vida honrada; porém, quando um homem se abandona ao gozo de uma vida honrada, estamos na véspera do dia em que ele começará a achá-la maçante e preferir a vida desonrada.

A era mística da Revolução

Estudemos a época que poderíamos chamar “era mística” da Revolução. Os pragmatistas do fim da Idade Média começaram a gostar demais dos prazeres lícitos: muitas comedorias, bailados regionais, enfeites em todas as coisas; o próprio estilo gótico, que era muito austero, começou a se tornar florido; tudo começa a sorrir, e um desejo imoderado de prazer, embora prazer ainda honesto, começa a dominar o Ocidente cristão.

Vemos como este processo é exatamente o que se dá com uma pessoa. Uma vez dado o primeiro passo, a Revolução logo atinge o segundo grau de corrupção, em que os espíritos, abandonando um pouco a ideia do Céu, começam a conceber de modo mais ou menos laico certas ideias em voga na Idade Média.

Assim, por exemplo, a ideia de honra. É a época em que o cavaleiro, pela honra de sua dama, faz um duelo. Em oposição ao cavaleiro medieval antigo, bastante sagaz para não duelar-se pela honra de uma dama.

Começam também os torneios. Os menestréis e os trovadores dão um ar de amor e de honra à sociedade, cheia ainda de misticismo, mas de um misticismo laico. A dama medieval desta época ainda estava muito longe da dama frívola dos séculos que se seguiram; era quase régia. À noite, quando a Lua iluminava a torre do castelo, ela se dirigia a uma pequena sacada para ouvir, vinda de longe, uma canção interpretada ao som de um alaúde. Terminada a canção, ela sorri e joga uma flor.

Tudo isto termina numa explosão de sentimentalismo. Não aparece ainda o sentimentalismo físico. A sensualidade está em gestação. Está já contida neste estado de espírito, mas não aflorou ainda à superfície. Neste período fala-se ainda no amor inspirado nas virtudes. “A minha dama – dizem – é a mais pura, a mais bondosa, a mais caritativa, a mais piedosa”. Aparece, por outro lado, a ideia da beleza, mas de uma beleza que é mais harmonia dos traços físicos, espelho da beleza moral apenas em certos casos.

Como não poderia deixar de ocorrer, a sensualidade começa a se fazer notar. As canções trovadorescas do tempo, sob o pretexto de detalhar a beleza, fazem o elogio dos olhos, da tez, dos cabelos, e finalmente do aspecto físico. Compreende-se facilmente a que abismos isto conduz. É a sensualidade que começa a nascer, dentro dos invólucros do sentimentalismo.

Com isto a revolução A começa a afastar-se do plano lógico. O homem sentimental, e muito mais do que ele o homem sensual, não gosta da lógica. Esta lhe parece fria, dura, inclemente. Cada palavra sentimental é para ele um como que acorde musical; cada argumento lógico, uma pancada de martelo dada num prego que lhe penetra a cabeça. Ele detesta a lógica, e consequentemente começa a engendrar sistemas filosóficos que a deturpam e corrompem. É o início da decadência da escolástica e do aparecimento de uma filosofia pseudo-escolástica. Começa então a revolta, e com ela a preparação do terreno para outra era da revolução tendenciosa.

A era heroica da Revolução

Passamos então da era mística para a era heroica da Revolução, onde vamos encontrar o fidalgo da Renascença, tão diferente do fidalgo medieval. O fidalgo da Idade Média é uma espécie quase sublime de cavaleiro: vive envolto num misticismo católico, muito distinto daquele que encontramos no fim da Idade Média; está embebido por toda uma visão sobrenatural da cavalaria e de sua missão divina.

O fidalgo da Renascença, pelo contrário, nada mais tem de místico. É um homem – mais do que isto, um super-homem – heroico, olímpico, clássico; tem todas as paixões dominadas; é belo, inteligente, culto; dança admiravelmente, raciocina maravilhosamente, manda, governa e guerreia como ninguém. Bailarino, estadista, guerreiro, e sobretudo artista, gosta da beleza em todas as suas formas; gosta do esplendor da vida, e de gozá-la inteiramente. Tem riso largo e distinto, olhar dominador que se estende sobre os outros, como uma montanha que domina toda a paisagem que se lhe estende aos pés.

O fidalgo da era heroica tem a sua mais alta personificação naquele que foi o símbolo de toda uma era histórica: Luís XIV. Brilhante, nobre por excelência, dominador, distinto, com um só olhar ele fulminava, com um só sorriso encantava e premiava, com uma só palavra fazia com que os exércitos se deslocassem. Apenas a sua presença criava um ambiente. Teve artistas para que construíssem em torno de si todo um ambiente, toda uma civilização. Jardins, tapeçarias, espelhos, palácios, músicas, danças, tecidos, homens, tudo foi moldura para a sua pessoa. Em uma palavra, um verdadeiro super-homem dominando a todos e a tudo, mas tendo já longe de si o Céu, para o qual os homens não mais voltavam os olhos, a não ser para os estudos de astronomia.

Esta espécie de epicurismo bem se exprime num episódio da época de Luís XIV, em que a França atravessava um longo período de paz. Os húngaros foram atacados pelos turcos. Como os franceses do tempo gostavam de combater – a França vivia a sua grande época de glória militar – um destacamento de nobres franceses, chefiados por um príncipe da Casa Real, pediu licença ao rei para ir combater na Hungria. Ao chegar o dia da batalha contra os turcos, os franceses se apresentam em ordem de combate, com as cabeleiras tão frisadas e empoadas, e tão elegantes em seus cavalos, que os turcos, olhando de longe, pensam que se trata de um exército de moças. Não lhes dão importância, e aquelas “moças” se abatem sobre os turcos como um turbilhão, e os derrotam no primeiro ataque.

Era bem o homem do tempo. Quase tão gracioso como uma dama, quase tão heroico como uma figura mitológica, guerreiro e bailarino ao mesmo tempo, e capaz, além do mais, de conversar como um letrado. Era o homem segundo o espírito e o estilo de Luís XIV.

A impureza na era heroica da Revolução

Neste homem, entretanto, o sentimentalismo havia evoluído. Achava-se já que a impureza era uma glória para o homem, e que conquistar senhoras era tão glorioso como conquistar cidades. E isto a tal ponto que não mais se compreendia o verdadeiro conquistador de cidades sem que também fosse um conquistador de honras femininas.

O Luís XIV das dignidades e das solenidades foi o Luís XIV das concubinas. E todos os fidalgos lhe seguiram o exemplo, numa época em que a vida já tinha caráter nitidamente sensual, e em que o amor, atrás de um modo de ser aristocrático e polido, na verdade encobria uma grande impureza. Nas vésperas da Revolução Francesa isto chegou a tal ponto, que marido e mulher, na maior parte da alta aristocracia, levavam vida separada. Casavam-se por dinheiro e levavam vida separada. Quando um dos esposos dava uma recepção, convidava o outro cônjuge. Ao entrar, os convivas eram anunciados por alabardeiros, que na chegada do cônjuge convidado diziam apenas “Madame” ou “Monsieur”, e este entrava como se fosse um hóspede. Marido e mulher irem juntos ao teatro era imensamente ridículo; manifestarem amor recíproco era grotesco. Levavam uma vida em que o casamento parecia um preconceito superado, antigo e ridículo.

Após esse período produziu-se um deslocamento. Do guerreiro-bailarino passou-se ao simples bailarino; por mais surpreendente que pareça, o bailarino derrotou o guerreiro. Com Luís XIV, o combatente era bailarino e o bailarino era combatente; ao tempo de Luís XVI os nobres eram apenas bailarinos: adamados, frágeis, ar encantador; usavam grandes saltos vermelhos, lencinho na mão, perfumes, anéis, rendas e berloques. Em batalhas, em luta, nem se pensava; não mais havia espírito de combatividade.

Do lado afetivo, esse homem via suas relações sob a forma de uma espontaneidade encantadora. Ele era risonho e gentil, e gostava de moças risonhas e gentis. O colorido utilizado era sempre o cor-de-rosa muito claro, o azul muito diluído, o verde pistache; o ambiente era o das músicas muito delicadas; em tudo isto, a sensibilidade solta começava a rugir, num amor livre desbragado. Esta situação prolongou-se até estourar a grande catástrofe, a Revolução Francesa.

A era humana da Revolução

No século XIX, passamos da era heroica para a era humana da Revolução. O teatro, por exemplo, se modifica. Aos personagens do teatro clássico, sempre hierático no estilo de Racine, sucedem-se os românticos. Mendigos e aleijados entram em cena. São as peças de um Victor Hugo, repletas de rugidos, de paixões desbragadas e de crimes; é toda uma explosão da sensualidade humana, que vai crescendo e aflora no teatro e na literatura. O crime, o concubinato, o incesto e as piores paixões humanas são apresentados com colorido, indispensável para dar vivo interesse às cenas.

E, o que é pior, isto se torna realidade na vida. O crime aparece claramente, sem os invólucros de outrora, e começa a se tornar dominador.

Os diferentes tipos produzidos pela Revolução

Nascem daí diferentes tipos humanos, no período que vai desde 1850 até nossos dias. O primeiro deles é o “dandy”.

Chateaubriand compara o elegante do romantismo com o elegante de seu tempo. O romântico era cuidadosamente mal vestido, trajando roupa muito boa e bem cortada, em tristonho desalinho, cabelo solto ao vento e um ar infeliz. Era um homem que procurava uma felicidade perdida; em geral era um pouco doente, e até ficava bem ser ligeiramente tuberculoso; tossia um pouco e andava tristonho.

Depois dele aparece um tipo diferente – que a Chateaubriand horripila – o dandy inglês. É o homem oposto ao romântico. Passa muito bem, goza de esplêndida saúde, sempre bem penteado, bem vestido, rico, e não querendo saber de tristezas; a alegria é que lhe embeleza a vida, e esta se obtém com o dinheiro. Logo, o importante são o dinheiro e os negócios. Assim, boa saúde, vida cômoda, gargalhadas, dança e ouro é o que caracteriza a nova época; é o homem utilitário.

Ao lado do dandy aparece o tipo burguês, que mais uma vez encontrou num membro da Casa Real da França a sua expressão: o rei Luís Felipe, que passou para a História com o título de “rei guarda-chuva”. É tipicamente o burguês, e não o dandy. Este tem muito de estouvado e de aristocrático, enquanto o burguês é gorducho, bem instalado na vida, sólido, com roupas resistentes, realista; não se ocupa com literatura nem com política, e muito menos com ideias; só se preocupa com dinheiro; economiza e acumula. Sua casa é grande e confortável; tudo é sólido e estável; possui grandes propriedades no interior; explora estradas de ferro. Começa a fazer negócios na =sia e na =frica, que lhe dão muito dinheiro.

Há uma espécie de genealogia, pela qual o dandy do tempo em que Chateaubriand era velho deu num outro tipo, o bilontra. Este era sucessor do dandy, a estilo francês: cabelo cheio de pomada, bigode, monóculo preso com uma fita de veludo, polainas com feltro, bengala e cintura bem apertada; conhecia todas as artes de salão; muito mais negocista que seu antecessor, mas muito mais pobre, mesmo porque a vida de sociedade tornara-se cada vez mais ruinosa. Sabia, entretanto, viver de expedientes. O bilontra daquele tempo deu no “almofadinha” de 1920, o qual, por sua vez, produziu o granfino bem aprumado.

O homem de negócios também teve sua genealogia. O homo oeconomicus do século XIX deu no “tubarão” de hoje. Os que naquele tempo não eram nem uma coisa nem outra – o político, o funcionário público ou o pequeno burguês – deram no “robot” de nossos dias, o homem mecânico, a quem se ordena e ele faz.

Esta a evolução que, no plano A, nos levou do cavaleiro andante – ainda com a cabeça cheia de quimeras de uma cavalaria laicizada, e a caminho da imoralidade – até o play-boy do século XX.

É muito importante notar que a história dessa decadência poderia ser a história de um homem. Muitos decaíram assim, começando como muito bons católicos, para depois passar a um sentimentalismo, que os levou a amar damas quiméricas, do mais puro amor. Deste estágio passaram a gozadores da vida, conservando, no entanto, certa linha e certo estilo, que também vieram a perder, até chegarem à mais completa degradação. É a evolução de um homem em alguns anos, e que a sociedade levou alguns séculos para fazer. Mas o que chama a atenção, e estabelece um nexo entre o indivíduo e a sociedade, é que os itinerários e os processos foram os mesmos. Toda uma civilização agiu como se fosse uma imensa cabeça humana.

Princípio da dialética interna do homem

Passemos ao que se poderia denominar “princípio da dialética interna do homem”. Já vimos que há dentro de cada homem uma cathédral engloutie (sua luz primordial submersa) e o seu vício capital. Esses dois pólos funcionam em nós como duas forças num jogo dialético.

Também na sociedade humana sempre houve, ao longo dessa evolução, correntes que representaram a cathédral engloutie, como os santos e as pessoas virtuosas, que a graça até hoje continua a suscitar. Houve ainda uma parcela imediatista da sociedade humana, representada pelo pragmatista. Por fim, não faltou uma parte péssima, que representou o vício capital.

Disto se conclui que a sociedade humana esteve sempre dividida entre direita, centro e esquerda. Na direita, os elementos da Contra-Revolução A; ao centro, os pragmáticos; e à esquerda aqueles que promovem a revolução A. Essas três correntes existiram e lutaram entre si de modo semelhante às forças psicológicas que lutam dentro de cada homem. Lutaram de acordo com aquilo que poderíamos denominar “princípio dos vetores e das mobilizações”.

Princípio dos vetores e das mobilizações

Se considerarmos na sociedade humana uma força revolucionária A no terreno tendencioso e sofístico, e de outro lado uma força contra-revolucionária A no mesmo terreno, teremos que, embora alguns permaneçam nas duas posições extremas, a maior parte das pessoas permanece no centro.

Assim, os homens sensuais do século XIII não tiveram como consequência imediata o play-boy do século XX, mas por uma trajetória oblíqua acabaram por chegar até lá. Qual seria então o modo de dirigir uma sociedade assim dividida?

Imaginemos duas pessoas puxando, cada qual para seu lado, as extremidades de uma corda. Aquele que deixar de puxar perderá a corda, e por isso é preciso puxar cada vez mais.

Aplicando o mesmo princípio a um ambiente onde há uma esquerda muito extremada, não devemos procurar agradá-la e dizer que tem uma parte de razão; devemos dizer, pelo contrário, alto e bom som, que estão totalmente  errados. O homem pragmático que ouve isto, levado pelo jogo das forças, dirá que somos insuportáveis, e que seria necessário apedrejar-nos. Mas, em relação ao esquerdista extremado, dirá: isto também não. Assim, ele não terá caminhado para a esquerda. Ele é um verdadeiro cego, pois não percebe, apesar de nos achar um horror, que foi o solavanco que lhe demos que o levou a ver exageros no comunismo. Antes era favorável à liberdade para os comunistas e simpatizava com o socialismo moderado; mas – pelo princípio dos vetores – como a força com que o empurramos foi hercúlea, ele se deslocou, voltando um pouco atrás.

Concluímos daqui uma importante regra da Contra-Revolução, segundo a qual, sempre que quisermos conduzir o homem pragmático para um ponto, devemos puxá-lo vigorosamente. Ele virá atrás de nós; protestando, mas virá.

Um ponto misterioso na origem da Revolução

Há na origem da Revolução um ponte misterioso, que é preciso assinalar. Se é bem verdade que o que determinou a combustibilidade da floresta foi a falta de líderes e apóstolos santos, seria um exagero atribuir toda a culpa à infidelidade de alguns.

Se de um lado é verdade que o apóstolo ou o líder santo faz um povo santo, não é menos verdade que, quando o povo não corresponde à graça de ter um chefe santo, Deus pode reduzir suas graças a um nível mínimo. Assim, é bem possível que a culpa inicial tenha sido de todo o povo. É um mistério que não poderemos desvendar, mas que devemos saber colocar em seus termos bem claros. Não sabemos de quem foi a primeira culpa.

A Sagrada Escritura descreve um castigo que Deus mandou ao povo eleito, pelo qual este teve reis que eram meninos. Há também o célebre verso de Camões, no qual está dito que “um fraco rei faz fraca a forte gente”. Quando vemos um povo que decai juntamente com o seu rei, é o caso de se perguntar quem deu o primeiro passo, se o rei ou se o povo. Na Idade Média teria sido o povo que não correspondeu a reis como São Luís e São Fernando, e em consequência Deus não mais lhe enviou santos que o governassem, mandando em seu lugar reis meninos? Ou, pelo contrário, teria sido um fraco rei que fez fraca a forte gente? Deus o sabe.

A existência, hoje, de nações-chave

Para concluir a análise histórica da revolução A tendenciosa, olhemos um pouco para o passado e para o futuro, examinando mais uma vez o problema das nações-chaves.

Sabemos que Deus criou uma nação-chave no Antigo Testamento: Israel. Haveria também no Novo Testamento alguma nação-chave? Com toda certeza podemos responder afirmativamente. Porém, é necessário distingui-las em dois graus. No primeiro diríamos que as nações-chaves do Novo Testamento são os povos cristãos. Mas – e aqui entramos no segundo grau – dentro dos povos cristãos haverá alguma nação-chave?

São Pio X diz, numa de suas encíclicas, que Deus criou entre os cristãos uma nação-chave, um povo eleito: a nação francesa. É ela que, naturalmente, influencia o mundo inteiro. No campo das virtudes, por exemplo, quando são praticadas pelos franceses, irradiam-se pelo mundo inteiro com grande facilidade. Haverá culto mais difundido que o de Santa Teresinha do Menino Jesus?

Diante disto põe-se um problema penoso e pungente: esta nação-chave chegou ao fim de seus dias com a tristeza bíblica de nação condenada, como atualmente se encontra. Haverá uma esperança para ela?

Com relação à França, eu sou como o judeu em relação à Terra Prometida. Amo o templo, amo as ruínas do templo, e se essas ruínas se desfizerem em pó, amarei o pó que resultou dessas ruínas. Devo dizer, pois, que tenho a impressão de que a França continuará a ser a nação-chave. Mas, assim como outrora tivemos o império do Oriente e o império do Ocidente – assim como na própria Cristandade havia dois impérios, o Bizantino e o Romano-Alemão – assim também teremos, ao lado do império francês para as nações antigas, o império, o domínio e a hegemonia cultural de outras nações, profundamente embebido daquilo que o espírito latino e francês têm de melhor, mas trazendo também consigo outras seivas. Estas nações, como todas as nações eleitas, são capazes de conhecer enormes misérias, piores do que quaisquer outras, quando não correspondem à graça de Deus. Mas são também capazes das maiores glórias, desde que correspondam à Sua graça. A meu ver, estas nações são as que constituem o mundo ibero-americano.

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