A Revolução não existe apenas no plano teórico, mas se manifesta, concretamente, nas pessoas, nos costumes e nos ambientes

Reuniäo extra, 31 de janeiro de 1967

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

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1. A Revolução não existe nas nuvens

Algumas pessoas não são adestradas para serem o contrário, diametralmente, da mentalidade revolucionária que impregna alguns meios que freqüentam. Não têm consigo mesmas a preocupação de serem diametralmente o contrário do espírito revolucionário que existe em torno de si. Fazem o seguinte raciocínio: “Do que é pecado a gente não gosta e o combate; do que é heresia a gente não gosta e a combate. A heresia e o pecado são coisas universais, e, portanto, nós combatemos valores universais ou antivalores universais. Nós não estamos em condições – nem há razão para isso – de combater características locais, as quais constituem, aliás, o que há de bom, o que há de bonito na sociedade orgânica etc.”

Acontece que a Revolução não existe nas nuvens. Ela em cada lugar toma um aspecto. E não adianta a gente querer ter um espírito contra-revolucionário livresco se a gente não tem o espírito contra-revolucionário oposto ao espírito revolucionário tal como ele existe em torno de nós.

2. Verdadeiro dever de vida espiritual

Tem-se a impressão de que em algumas pessoas a visão disso não é muito clara, e que tudo quanto se tem dito sobre os ambientes, as mentalidades deles, é tido como se fosse uma teoria sociológica que fica nas nuvens, como se fosse literatura, e não como um verdadeiro dever de vida espiritual.

3. A Revolução nos ambientes e o amor de Deus

Nisso eu encontrei sempre, em alguns, uma espécie de pouco caso, uma coisa assim como quem diz: “Não, o importante é a gente não pecar contra a castidade, cumprir os mandamentos, ler a RCR (Revolução e Contra-Revolução) e outros livros que nos formam do ponto de vista contra-revolucionário. Essa história de ambientes revolucionários… Bem, isso é um fundo de quadro, mais ou menos científico, que querem pôr no assunto, mas que para efeitos práticos a gente não tem que tomar em consideração”.

Ora, tem-se que tomar em consideração. Por quê? Porque o espírito de qualquer ambiente revolucionário diz diretamente respeito ao 1º Mandamento, ao amor de Deus. É algo que quebra, que prejudica o amor de Deus. Como o amor de Deus é o meio que nós temos de nos santificarmos, a essência da santificação é o modo pelo qual nós tomamos energia para o cumprimento dos outros mandamentos, é o que dá até valor ao cumprimento dos outros mandamentos, porque o mandamento que não for cumprido por amor de Deus não vale nada. Uma debilidade no 1º Mandamento debilita todo o resto, e tira ao apostolado a sua fecundidade.

4. Há diversos tipos de ambientes, cada um com características próprias, com um espírito próprio

Há ambientes que têm um espírito muito definido, diferentes de outros que são, vamos dizer, o mare magnum de todas as indefinições. Nestes há de tudo: em um lado se poderia ter um centro armênio; no outro um centro budista, florescendo ambos; um centro ultramontano no meio; uma espécie de minúscula Nova York, uma Babilônia. Enquanto outros ainda são ambientes completamente orgânicos, em muitos aspectos, com um espírito próprio, com uma expressão própria, e isso se chocando com o espírito ultramontano.

Certos ambientes apresentam, marcantemente, ares dengosos, “enfeites” e moleza nas pessoas que lá vivem. Já o defeito capital de outros ambientes é o horizonte fechado, a mediocridade, o gosto pela coisa vulgar, trivial. Vê-se também velhacaria.

5. Ambientes de “microlice” e vidinha

Vejamos mais pormenorizadamente, a título de aplicação de todos os princípios aqui expostos, um outro tipo de ambiente com um espírito muito definido e muito marcantemente impregnado de erros e vivências revolucionários, no sentido da “microlice” (horizontes mentais reduzidos ao próprio egoísmo, n.d.c.), da vidinha, etc.

Quais são as coisas típicas desses ambientes, as que interessam especialmente?

Em primeiro lugar há um estado de microlice crônica, que dá no seguinte: perpétuo brinca-brinca, e uma atitude perante os problemas da vida como se no fundo nada fosse gravetudo mais ou menos se decidisse com jeito, e a vida fosse uma coisa muito gostosinha, em que todos cooperam uns com os outros para tocar para frente a coexistência de todos; um ambiente de muita camaradagem em geral, mesmo quando sai briga. No fundo, vidinha.

6. Contraste com a posição contra-revolucionária

Isto se choca fundamentalmente com a posição do ultramontano. Porque o ultramontano vê a vida como uma coisa muito grave, uma coisa trágica, ordenada não em função desses ambientes, mas em função de Deus Nosso Senhor, ao qual, a todo momento, nós estamos servindo ou traindo. De maneira que, em face da sublimidade de Deus, não se pode ter aquela vidinha micro desses ambientes. Temos que tomar as coisas muito a sério; ver em cada pequena ação da vida algo que tem caráter profundo, sublime; temos que ter facilidade em admitir o conluio do mal contra o Bem, em admitir que o Bem é perseguido, isolado e traído.

Nesse tipo de ambiente que estamos analisando, mesmo para quem é meio perseguido, o meio exclui todas essas idéias, sobretudo a idéia de uma organização que trabalhe para a Revolução, isolada da população, atuando sobre a população por meio de agentes que querem o mal e a perda dos homens. Sobretudo em certos setores “sapos” (ricos e esquerdistas, n.d.c.), isso é claríssimo, mas espalha-se um pouco por todo o ambiente.

Chama a atenção, nos ambientes do gênero que descrevemos, que alguém que não tenha esse tipo de mentalidade revolucionária, encontrando na rua outra pessoa, pode tratar com amabilidade, com gentileza, mas não com extroversão excessiva: “Oh! Fulano, venha lá!… um abraço!” Conforme o caso, trata-se com um fundo de reserva e um fundo de desconfiança.

Por outro lado, uma pessoa não infectada por esse espírito de abertura desordenada, encontrando outra, a trata com uma certa cerimônia. Não vai logo brincando, só brinca se tem muita intimidade, e assim mesmo só brinca um pouco. Parado o pouquinho de brincadeira, as relações voltam para os termos de seriedade, e se trata de coisas sérias mais ou menos conforme o nível de cultura de cada um, a educação de cada um, mas ambos tratam de coisas sérias.

7. Igualitarismo e brincadeiras

Em outros ambientes existe a diferença de classes sociais. Não é todo mundo que se joga nos braços de todo mundo, como se fosse um igual. Já nos ambientes que estamos analisando, todo mundo, quando se encontra com outros, é uma espécie de abertura. Quantas vezes a gente vê pela rua: “Oh! Fulano!” Às vezes se encontraram na véspera. Às vezes moram lado a lado, mas passaram um ano sem se ver. É aquela festa. Por quê? Pela idéia de que, no fundo, todo mundo é bom, de que todo mundo deve ser tratado com cordialidade, de que não se deve desconfiar de ninguém, e que se deve abrir para todo mundo.

Depois vem logo a brincadeira, feita até com pessoas de cerimônia, com pessoas de respeito. Sai a qualquer hora a brincadeira mais sem propósito. E o normal é todo mundo estar rindo: conta uma coisa engraçada, ri; conta outra coisa engraçada, ri; é tudo muito interessante etc. Ora, isto não tem propósito, porque aquele a quem a gente respeita, com este a gente não pode brincar! A brincadeira não ocupa o dia inteiro nem a vida inteira, é uma exceção dentro da vida. As pessoas sérias tratam de coisas sérias, e não têm vontade de brincar o dia inteiro, da mesma forma que é desequilibrado a gente chorar o dia inteiro. Rir e chorar são situações efêmeras da alma, passageiras, transitórias, excecionais. Habitualmente o homem sério nem ri nem chora. Mas certas pessoas, não: é o tempo inteiro brincadeira, e feita para rir etc.

Quando não é brincadeira, é o teatro. É mostrar-se para outro tomando uma atitude, fazendo uma coisa muito bonita que o outro admire. Porque o teatro é uma coisa fantástica nesse tipo de ambiente. Conferência teatral, aula teatral, conversa e discussão teatrais. Se passam desse brinca-brinca para a briga, a briga tem de ser teatral. Também isso não é normal. O normal é eu fazer o que estou fazendo, sem estar preocupado com o que se está pensando sobre mim, nem fazendo teatro para o outro.

E há também a analisar o igualitarismo. A gente vê que nesses meios só existem duas classes sociais: os trabalhadores manuais e os que não são trabalhadores manuais. Os que não são trabalhadores manuais se tratam mais ou menos de igual a igual, não existem barreiras. Mesmo com um trabalhador manual as barreiras são muito relativas. Se há um trabalhador manual que é engraçado e tem boa prosa, puxa para a mesa e conversa. Quer dizer, é o igualitarismo completo. Não é igualitarismo concebido em tese, não é uma negação do pecado original concebida em tese, mas é nesses estados de espírito. Porque se a doutrina da hierarquia social é verdadeira, esse modo de ser é errado. Se o homem foi concebido em pecado original, essa teatralidade é uma coisa errada. Como isso não colide frontalmente com nenhum mandamento, muitos entendem que podem fazer a coisa como quiserem.

Daí vem uma atitude de alma mole e sentimental, diante dos agentes da Revolução, pelo fato de eles pertencerem aos círculos das nossas relações.

Continua

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