Auditório São Milas, 9 de julho de 1971
A D V E R T Ê N C I A
Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.
Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
(Como se refuta a objeção de que a Revolução Francesa seria justificada e inexorável pelo fato de que os nobres eram tão corruptos que não se sustentavam por si mesmos?)
Muito facilmente. O senhor imagine uma fábrica cujo gerente é incapaz. Há duas soluções: primeira solução é trocar de gerente; outra solução é dizer: a fábrica vai funcionar sem gerente.
É claro que a primeira solução é a única razoável. A segunda é uma loucura. Se eles achavam que a nobreza era incapaz eles deviam pedir que se fosse lentamente estendendo a dignidade nobiliárquica para classes mais capazes, que se facilitasse a decadência da classe nobiliárquica o que aliás estava acontecendo em larga medida.
Mas não é dizer: a nobreza é incapaz, não deve haver nenhuma nobreza, não é? É a mesma coisa que o sujeito que está, não sei, com a língua machucada, então corta a língua porque elimina a machucadura. É um pouco simples demais o método de cura… Está certo?
(Alguns livros costumam martelar muito que o Ancien Regime era uma Babel administrativa, judiciária, fiscal etc.)
Não se arrepiem com o que eu vou responder, mas eu acho, eu também vou responder só a isso e não espero me tornar bem entendido porque isto suporia uma conferência, mas também está muito tarde e eu não posso ir mais adiante.
Mas eu acho o seguinte, que até certo ponto isto é verdade. Se o senhor confronta por exemplo uma administração da França de hoje com a administração do Ancien Regime, a França de hoje é muito mais estruturada, muito mais uniformizada do que a do Ancien Regime. Por quê? Porque de acordo com a ordem de coisas estabelecida por Napoleão, e que as formas de governo sucessivas – Napoleão, filho da Revolução – cuidadosamente conservaram, a França é organizada de tal maneira que o Presidente da República tem de baixo de si ministros que executam o que ele manda. Ou então, o Presidente do Conselho de Ministros, o que ele manda. Depois, abaixo tem, à testa dos vários Departamentos, chefes removíveis que executam cegamente o que manda, e abaixo dos Prefeitos também.
De maneira que o presidente da República, ou o Presidente do Conselho de Ministros conforme a Constituição que estiver em vigor, aperta um botão e a França inteira se move como um boneco.
Em comparação com esta disciplina, não tem nenhuma dúvida de que a França do Ancien Regime com as suas franquias provinciais, municipais, corporativas etc., etc., se movia com muito menos automatismo, isso não tem dúvida nenhuma.
Agora, daí eles deduzem: é mais fácil governar um país no sistema francês atual do que no sistema antigo.
Eu digo: também é inteiramente verdade como é mais fácil a gente dirigir um “joão minhoca” [marionetes] do que a gente ter um grande teatro, com atores vivos que se movem por si, a quem a gente tem que ensinar, que às vezes fazem encrenca, que às vezes brigam, que fazem greve, que é difícil a gente levar para diante, mas que não são marionetes…
O que a Revolução Francesa fez foi substituir uma ordem de coisas vivas por uma ordem de coisas de autômatos.
O senhor dirá: “funciona melhor!”
É verdade! Como o teatro de marionetes funciona melhor. Mas funciona como as coisas inorgânicas, as coisas mortas.
Eu uma vez ouvi contar o caso de um sujeito que teve que cortar a perna, usar uma perna de pau. Então perguntaram a ele se era cacete. Ele disse: “é, mas tem uma vantagem: que desta eu não adoeço mais”… [risos]
É verdade, uma perna de pau não adoece, mas ela não presta o serviço da perna viva. Tudo quanto é vivo é mais complexo do que aquilo que está organizado, talhado, cortado, atarraxado e levado no chanfalho, não tem dúvida. Mas e os prejuízo prodigiosos de não ter uma coisa viva?…
O senhor quer a prova?
O senhor toma dois Estados: o Estado de Napoleão e um Estado de tipo Ancien Regime, que era a Espanha do tempo de Napoleão. Napoleão com os exércitos dele conseguiu invadir a Europa, é verdade. Está bem. Ele foi invadir a Espanha, ele se arrebentou. Quando chegou a ocasião dos adversários dele invadir a França, invadiram à vontade…
É porque a Espanha era um corpo vivo. Não estava pronto nem queria organizar uma conquista bandida de toda Europa do tempo, mas quando foram mexer nela, o anãozinho Bonaparte viu o urso! Não é verdade?
Pelo contrário, quando foram entrar na França de Napoleão, ela ruiu e nas duas vezes ele teve que fugir…
Ninguém foi fazer por este homem cercado de uma legenda o que fizerem pelo rei Carlos IV – ou VI, agora eu não me lembro bem – que era um medíocre, um perfeito medíocre.
Napoleão mesmo ficou furioso quando ele derrotou o Imperador Francisco I da Áustria. O Imperador voltou à Viena e recebeu uma manifestação maior do que Napoleão quando voltou a Paris. Os vienenses queriam desagravar o Imperador do desgosto que tinha em ter perdido a guerra. [risos]
Uma era trono sólido, orgânico, vivo. Outro é manifestação organizada pela polícia: “Sua Majestade o Imperador vai chegar a tais horas; todos os operários tem que estar em tal lugar assim e tem que carimbar uma coisa de passagem, e em tal lugar vai estar todo o corpo legislativo. As famílias têm que estar nas janelas e têm que bater palma”. Todo mundo faz. Chegou na hora de cair, vê o gnomo cair…
Quer dizer, é fácil fazer funcionar as coisas artificiais, postiças e mecânicas, mas como é fácil acabar com elas! Está bem?
(Sem falar na Babel que faz de hoje em dia)
Bom… Essa então…
Eu creio que eu li aqui, não sei se eu li ou não, a notícia de um sujeito nos Estados Unidos, que fez esse teste, durante a guerra. Ele estava no Estado Maior e não tinha serviço, porque com aquela mania de super burocracia – o Exército americano era burocratizadíssimo – eles tinham demais funcionários burocráticos nos Estados Maiores.
Então o sujeito por pilhéria mandava relatórios imaginados por ele a respeito do voo de moscas na tenda do general… E ele mostrou, terminada a guerra, que ele recebeu resposta pontual do Estado Maior em Washington de todos os relatórios que ele mandou: “acusamos recebimento etc., etc., demos o devido andamento”…
Um qualquer se entusiasmaria com isso: “Não voa uma mosca na tenda do General que em Washington ou em Nova Yorque não se saiba!…”
Está aí a velha sabedoria dos romanos dizendo: “Aquila non captat muscas – A águia não apanha moscas”.
Nós temos aí essas burocracias “apanha-moscas” que não servem para nada. Bom, meus caros, que Nossa Senhora os ajude!
Notas:
Para conhecer mais produções do Prof. Plinio a respeito da Revolução Francesa, clique aqui.
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Ilustrações: “O almoço de ostras” (Le dejeuner des huîtres, pintura de Jean-François de Troy, 1734). – Napoleão Bonaparte (pintura de Ernest Meissonier, 1814) e o Imperador da Áustria Francisco I (Museu Nacional húngaro, pintor não identificado – CC BY-SA 3.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=17645792 )