Catolicismo, Nº 65 – Maio de 1956, págs. 4-6
Plinio Corrêa de Oliveira
Luiz V, da família principesca de Gonzaga, S. Carlos, da ilustre casa dos Borromei, Santo Alexandre, dos Marqueses de Sauli, Santa Catarina de Gênova, da nobre estirpe de Fieschi, alguns dos incontáveis Santos que fazem brilhar no esplendor dos altares a glória da aristocracia italiana
No último número de “Catolicismo” (1), publicamos alguns tópicos admiráveis em que o Santo Padre Pio XII, dirigindo-se à Nobreza e Patriciado romanos por ocasião das audiências de Ano Bom de 1941 a 1952, afirmava a existência de uma missão importantíssima da aristocracia nos dias que correm, missão esta que, como acentuamos, é extensiva, por analogia, às elites tradicionais em nosso país.
Em continuação, reproduzimos hoje os textos que se referem mais especialmente às graves responsabilidades destas altas camadas sociais, dentro dos planos da Providência.
Estes tópicos são todos eles inspirados na idéia central de que, se um nome de família ilustre dá direito a honras e vantagens, ele também impõe graves obrigações, a que haveria injustiça e até felonia da parte do nobre em subtrair-se.
Tal como no artigo anterior, o número que acompanha entre parêntesis cada citação indica o ano em que foi pronunciado o discurso respectivo.
Absenteísmo e omissão, pecado das elites
Um defeito que não é raro nos elementos das elites tradicionais consiste em isolar-se dos acontecimentos. Protegidos contra as vicissitudes por uma situação patrimonial segura, eles se alheiam da vida real, fecham-se em si mesmos, e deixam transcorrer os dias e os anos numa vida despreocupada, apagada, e sem objetivo terreno definido. Procurem-se os seus nomes nas lides de apostolado, nas atividades caritativas, na política, nas letras, na produção econômica: será em vão, estão ausentes. Até na vida social, seu papel é nulo. No âmbito do país, da província, da cidade, tudo se passa como se eles não existissem.
Porque este absenteísmo? Por um conjunto de qualidades e defeitos. Examine-se a vida destes elementos de perto: ela é digna, honesta, até modelar, pois se inspira em nobres recordações de um passado fundamente cristão. Mas este passado lhes parece não ter significado a não ser para eles. Apegam-se pois a ele com um afinco minucioso e se alheiam da vida presente. Não percebem que se no acervo de reminiscências de que vivem, muita coisa já não é aplicável a nossos dias ( “voltou-se uma página da história, terminou-se um capítulo, pôs-se o ponto final que indica o termo de um passado social e econômico”, advertiu Pio XII em sua alocução de 1952 ), deste passado promanam valores, inspirações, movimentos, diretrizes, que hão de influenciar a fundo as “formas de vida bem diversas” ( 1952 ) do “novo capítulo que começou” ( ibid. ). Este conjunto de valores espirituais, morais, culturais e sociais, de grande importância na política como na esfera privada, esta vida que nasce do passado e deve dirigir o futuro, é a tradição. A nobreza e as elites tradicionais devem ter uma funda ação de presença na sociedade, para assegurar a perpetuidade deste bem inestimável que é a tradição.
Só há progresso na linha da tradição
Porque? Porque o progresso só é real se ele constitui, não uma volta do passado, mas um harmônico desenvolvimento deste. Do contrário, a sociedade fica exposta a terríveis riscos: “As coisas terrenas fluem como um rio nos álveos do tempo, o passado cede necessariamente o lugar e o caminho para o porvir, e o presente não é senão um instante fugaz que vincula um ao outro. É um fato, um movimento, uma lei, não um mal em si. O mal seria se este presente, que deveria ser uma onda tranqüila na continuidade da corrente, se tornasse uma tromba marinha, convulsionando todas as coisas como um tufão ou ciclone no seu avançar, e cavando com fúria destruidora e voraz um abismo entre aquilo que passou e o que está por vir. Tais saltos desordenados, que a história faz em seu curso, constituem então e determinam o que se chama uma crise, ou seja, uma passagem perigosa que pode conduzir à salvação ou à ruína irreparável, mas cuja solução ainda está envolta em mistério, dentro das nuvens negras das forças em choque” ( 1944 ).
A tradição é o contrário da revolta e da estagnação
A tradição evita a estagnação das sociedades, bem como o caos e a revolta: veja-se o tópico da alocução de 1944 que reproduzimos no último número sob a epígrafe de “Sentido e valor da verdadeira tradição”.
Esta tutela da tradição, a que alude Sua Santidade nessa passagem, é a missão específica da nobreza e das elites análogas. Disse-o o Pontífice em trecho que, embora já o tenhamos traduzido no número passado, permitimo-nos repetir aqui para não multiplicar as remissões: “Porventura, não é a sociedade humana, ou pelo menos não deveria ser, semelhante a uma máquina bem ordenada, cujas partes concorrem todas para um funcionamento harmônico do conjunto? Cada qual tem a sua função, cada qual deve empenhar-se num maior progresso do organismo social, cujo aperfeiçoamento deve procurar de acordo com as suas próprias forças e virtudes, se tem verdadeiro amor ao próximo e deseja razoavelmente o bem e o proveito de todos.
“Ora, que parte vos foi consignada de maneira especial, queridos filhos e filhas? Que missão vos foi particularmente atribuída? Precisamente a de facilitar este desenvolvimento normal; o serviço que na máquina prestam e executam o regulador, o volante, o reostato, que participam da atividade comum e recebem a sua parte da força motriz para assegurar o movimento próprio ao aparelho. Em outros termos, Patriciado e Nobreza, vós representais e continuais a tradição”. (1944).
Rompem com esta missão, não só as elites que se ausentam da vida concreta, mas outras que pecam pelo excesso oposto. Ignorando sua missão, deixam absorver-se pelo presente, renegando todo o passado. O que, no Brasil, é a tentação dos dois pólos econômicos das elites tradicionais, isto é, os riquíssimos e os paupérrimos. Os primeiros não raras vezes se cosmopolitizam, se paganizam, assumem toda trivialidade de pensamentos e de maneiras ditos “modernos” e “democráticos”. Os últimos, por desespero, por revolta, por mediocridade, se proletarizam imaginando que a fidalguia não reside tanto no homem, quanto no ouro… que já perderam!
As elites de formação tradicional têm visão mais profunda do presente
O nobre de espírito profundamente tradicional tem, na experiência do passado que nele vive, os meios para conhecer melhor do que muitos outros, os problemas do presente. Longe de ser um marginal, ele é um auscultador subtil e profundo, da realidade: “Há males da sociedade, como há males dos indivíduos. Foi um grande acontecimento na história da medicina, quando um dia o célebre Laennec, homem de gênio e de Fé, curvado solicitamente sobre o peito dos doentes, armado do estetoscópio por ele inventado, os auscultava, distinguindo e interpretando os mais leves sopros, os fenômenos acústicos quase imperceptíveis, dos pulmões e do coração. Não é então uma função social de primeira ordem e de alto interesse, a de penetrar no meio do povo, e auscultar as aspirações e o mal-estar dos contemporâneos, ouvir e discernir o pulsar dos seus corações, procurar remédio para os males comuns, tocar delicadamente as suas chagas a fim de curá-las e salvar da infecção, que pode sobrevir por falta de cuidado, evitando irritá-las por um contacto por demais rude?
“Compreender, amar na caridade de Cristo o povo do vosso tempo, provar com fatos essa compreensão e esse amor, eis a arte de fazer aquele maior bem que vos compete realizar, não só diretamente aos que estão ao redor de vós, mas numa esfera quase ilimitada, no momento em que a vossa experiência se torna um benefício para todos. E, nesta matéria, que esplêndidas lições dão tantos espíritos nobres, ardente e entusiasticamente dispostos a difundir e a suscitar uma ordem social cristã!” (1944).
Como se vê, o nobre, autenticamente nobre, autenticamente tradicional, pode, e deve, conservando-se tal, amar sobrenaturalmente o povo, e exercer sobre ele uma influência genuinamente cristã.
A verdadeira dignidade das elites não está na inércia
Mas dir-se-á, ingressando nos postos de direção da vida atual a nobreza não se vulgariza? E seu amor ao passado não a tornaria um obstáculo ao exercício das atividades atuais? A este respeito ensinou Pio XII: “Não menos ofensivo é para vós, não menos nocivo seria para a sociedade, o infundado e injusto preconceito que não titubeasse em fazer crer e insinuar que o Patriciado e a Nobreza empanariam a sua própria honra e a dignidade da sua classe ocupando e exercendo funções e cargos que os inserissem na atividade geral. É bem verdade que, noutros tempos, o exercício das profissões não era ordinariamente reputado como digno dos nobres, exceção feita da carreira das armas; mas, mesmo então, não poucos deles, tão logo a defesa armada os deixava livres, não hesitavam em consagrar-se a atividades intelectuais, ou ao trabalho das suas mãos. Assim, atualmente, nas novas condições políticas e sociais, não é raro encontrar nomes de grandes famílias associados a progressos da ciência, da agricultura, da indústria, da administração pública, do governo; observadores tanto mais perspicazes do presente, seguros e ousados pioneiros do porvir, quanto mais se agarram com mão firme ao passado, prontos a tirar proveito da experiência dos seus maiores, atentos a resguardarem-se das ilusões ou dos erros que já foram causa de muitos passos errados e nocivos.
“Guardiões, como quereis ser, da verdadeira tradição que ilustra as vossas famílias, cabe-vos a missão e a glória de contribuir para a salvação da convivência humana, preservando-a tanto da esterilidade a que a condenariam os melancólicos admiradores por demais zelosos do passado, como da catástrofe a que a levariam temerários aventureiros ou profetas alucinados de um falaz e enganoso porvir. Em vossa obra aparecerá por cima de vós e em vós, quase a imagem da Providência Divina, que com força e doçura, dispõe e dirige todas as coisas no sentido do seu aperfeiçoamento ( cap. 8, 1 ) a não ser que a loucura do orgulho humano venha a se pôr de través nos seus desígnios, sempre por outro lado superiores ao mal, ao imprevisto e à fortuna. Com tal ação também sereis preciosos colaboradores da Igreja, que, mesmo no meio das agitações e dos conflitos, não cessa de promover o progresso espiritual dos povos, cidade de Deus sobre a terra, que prepara a Cidade Eterna” ( 1944 ).
Quanta demagogia se teria evitado no Brasil se nossas elites tradicionais tivessem entendido este dever!
Como a nobreza pode exercer sua missão dirigente
A pluralidade de funções diretivas é naturalmente muito vasta: “Em uma sociedade desenvolvida como a nossa, que deverá ser restaurada e reordenada após o grande cataclismo, a função de dirigir é assaz variada: dirigente é o homem de Estado, de governo, o homem político; dirigente é o operário, que, sem recorrer à violência, às ameaças, à propaganda insidiosa, mas com o seu próprio valor, soube granjear autoridade e crédito na sua roda; dirigentes, cada um em seu campo, são o engenheiro e o jurisconsulto, o diplomata e o economista, sem os quais o mundo material, social e internacional seria arrastado pela corrente; dirigentes são ainda o professor universitário, o orador, o escritor, que têm em mira formar e guiar os espíritos; dirigente é o oficial, que inculca no ânimo dos seus soldados o sentimento do dever, do serviço, do sacrifício; dirigente é o médico no exercício da sua salutar missão. Dirigente é o Sacerdote, que mostra às almas a trilha da luz e da salvação, prestando-lhes auxílio para nela caminharem e avançarem seguramente” (1945).
A nobreza e as elites tradicionais têm a função de participar dessa direção, não neste ou naquele setor determinado, mas com um espírito tradicional e próprio, e de maneira exímia, em qualquer setor condigno: “Qual é, nesta multiplicidade de direções, o vosso lugar, a vossa função, o vosso dever? Ele se apresenta sob dois aspectos: missão e dever pessoal de cada um de vós, missão e dever da classe a que pertenceis.
“O dever pessoal pede que vós, com a vossa virtude, com a vossa aplicação, vos esforceis por tornar-vos dirigentes na vossa profissão. Bem sabemos que a juventude hodierna da vossa nobre classe, cônscia do obscuro presente e do ainda mais incerto futuro, está plenamente persuadida de que o trabalho é não somente um dever social, mas também uma garantia individual de vida. E entendemos a palavra profissão no seu sentido mais lato e abrangente, como já dissemos no ano passado. Profissões técnicas ou liberais, mas também atividades políticas, sociais, ocupações intelectuais, obras de toda a espécie, administração acurada, vigilante, laboriosa dos vossos patrimônios, das vossas terras, de acordo com os métodos mais modernos e experimentados de cultura, para o bem material, moral, social e espiritual dos colonos ou populações que nelas vivem. Em cada uma dessas condições deveis pôr todo o cuidado para alcançar êxito como dirigentes, seja por causa da confiança que em vós depositam aqueles que permaneceram fiéis às sadias e vivas tradições, seja por causa da desconfiança de muitos outros, desconfiança que deveis vencer, granjeando a sua amizade e o seu respeito, à força de vos esmerardes em tudo na posição em que vos encontrais, na atividade que exerceis, qualquer que seja a natureza do posto ou a forma de atividade” ( 1945 ).
Mais precisamente o nobre deve comunicar a tudo quanto faz, as qualidades humanas relevantes que sua tradição lhe dá: “No que deve, então, consistir esta vossa excelência de vida e de ação, e quais são os seus principais caracteres?
“Ela manifesta-se antes de tudo no esmero da vossa obra, seja técnica, científica, artística ou outra semelhante. A obra das vossas mãos e do vosso espírito deve ter aquele cunho de requinte e de perfeição que não se adquire de um dia para o outro, mas que reflete a finura do pensamento, do sentimento, da alma, da consciência, herdada dos vossos antepassados e incessantemente fomentada pelo ideal cristão.
“Ela mostra-se, além disso, no que pode chamar-se humanismo, quer dizer, a presença, a intervenção do homem completo em todas as manifestações da sua atividade, inclusive da especializada, de tal forma que a especialização da sua competência nunca seja uma hipertrofia e jamais atrofie nem vele a cultura geral, da mesma forma como numa frase musical a dominante não deve quebrar a harmonia nem encobrir a melodia.
“A excelência de vossa vida e ação se mostra, outrossim, na dignidade de todo o comportamento e de toda a conduta, dignidade essa, porém, que não é imperiosa, e que longe de ressaltar as distâncias, não as deixa transparecer, quando necessário, senão para inspirar aos outros uma mais alta nobreza de alma, de espírito e de coração.
“Ela aparece, afinal, sobretudo no sentido de elevada moralidade, de retidão, de honestidade, de probidade, que deve modelar cada palavra e cada ato” ( 1945 ).
Mas todo o requinte aristocrático, tão admirável em si mesmo, seria inútil e até nocivo, se não tivesse por base um alto senso moral: “Uma sociedade imoral ou amoral, que já não sente na consciência e já não demonstra nos atos a distinção entre o bem e o mal, que já não se horroriza com o espetáculo da corrupção, que a desculpa e que a ela se adapta com indiferença, que a acolhe com favor, que a pratica sem perturbação nem remorsos, que a ostenta sem rubor, que nela se degrada, que se ri da virtude, está no caminho da ruína.
“A alta sociedade francesa do século XVIII foi, entre muitos outros, um trágico exemplo disso. Nunca uma sociedade foi mais refinada, mais elegante, mais brilhante, mais fascinante. Os mais variados prazeres do espírito, uma intensa cultura intelectual, uma arte finíssima de agradar, uma requintada delicadeza de maneiras e de linguagem, dominavam aquela sociedade externamente tão cortês e amável, mas na qual tudo – livros, contos, figuras, alfaias, vestidos, penteados – convidava a uma sensualidade que penetrava nas veias e nos corações, e na qual a própria infidelidade conjugal quase já não surpreendia nem escandalizava. Essa sociedade trabalhava assim pela sua própria decadência e corria para o abismo cavado pelas suas próprias mãos.
“Muito diferente é a verdadeira fidalguia: esta faz resplandecer nas relações sociais uma humildade cheia de grandeza, uma caridade livre de qualquer egoísmo, de qualquer procura do próprio interesse. Não ignoramos com quanta bondade, doçura, dedicação e abnegação, muitos, e especialmente muitas de vós, nestes tempos de infinitas misérias e angústias, se curvaram sobre os infelizes, souberam irradiar em torno de si, em todas as formas mais avançadas e eficazes, a luz do seu caridoso amor. E este é outro aspecto da vossa missão” ( 1945 ).
“Humildade cheia de grandeza”… admirável expressão, tão oposta ao granfinismo fútil quanto à chulice das maneiras, do estilo de vida, do modo de ser ditos “democráticos” e “modernos” por muitos!
O cavalheirismo aristocrático, vínculo de caridade
Mas então o nobre com suas maneiras cavalheirescas e superiormente distintas, não representa e não representou sempre um elemento de divisão?
Nunca. O cavalheirismo aristocrático bem entendido, é um elemento de união que penetra de doçura todas as classes sociais com que, em razão de sua profissão ou de suas atividades, o nobre tenha contacto.
Este cavalheirismo mantém as classes “sem confusão ou desordem”, ou seja, sem nivelamentos e igualitarismos, mas torna amistosas suas relações.
As elites tradicionais, guias da multidão
A multidão precisa hoje em dia de guias idôneos: “… a multidão incontável e anônima é fácil de se agitar desordenadamente; ela se abandona cegamente, passivamente à torrente caudalosa que a arrasta, ou ao capricho das correntezas que a dividem e a extraviam. Uma vez tornada joguete das paixões ou dos interesses de seus agitadores, não menos que de suas próprias ilusões, não mais sabe ela tomar pé sobre a rocha, e nela firmar-se para constituir um verdadeiro povo, quer dizer, um corpo vivo, com os membros e os órgãos diferenciados de acordo com suas formas e funções, mas todos concorrendo juntos para sua atividade autônoma na ordem e na unidade” (1946).
Essa função de guia, as elites a devem desempenhar. E entre as elites não se pode negar um lugar muito importante às que mantêm a tradição. Cabe à nobreza um luminoso apostolado: “Uma “elite”? Vós bem o podeis ser. Tendes atrás de vós todo um passado de tradições seculares, que representam valores fundamentais para a sadia vida de um povo. Entre essas tradições, das quais a justo título vos ufanais, contais em primeiro lugar a religiosidade, a fé católica viva e operante. A história já não provou porventura, e cruelmente, que toda sociedade humana sem base religiosa corre fatalmente para sua dissolução, ou termina no terror? Êmulos de vossos antepassados, deveis, portanto, brilhar diante do povo com a luz de vossa vida espiritual, com o esplendor de vossa fidelidade inconcussa a Cristo e à Igreja.
“Entre aquelas tradições, contais também a honra imaculada de uma vida conjugal e familiar profundamente cristã. De todos os países, pelo menos daqueles de civilização ocidental, se eleva o brado de angústia do matrimônio e da família, tão lancinante que é impossível não ouvi-lo. Nisto também, em toda a vossa conduta, colocai-vos à frente do movimento de reforma e de restauração do lar doméstico.
“Entre as mesmas tradições, incluís ademais a de ser para o povo, em todas as funções da vida pública a que possais ter sido chamados, exemplos vivos de inflexível observância do dever, homens imparciais e desinteressados que, isentos de qualquer anseio de ambição ou lucro, não aceitam um lugar senão para servir a boa causa, homens corajosos, que não se deixam intimidar nem pela perda do favor do alto, nem por ameaças vindas de baixo.
“Entre essas tradições colocais afinal a de um calmo e constante apego a tudo quanto a experiência e a história convalidaram e consagraram de um espírito inacessível à agitação irrequieta e à ânsia cega de novidades que caracterizem nosso tempo, mas, do mesmo passo, largamente aberto a todas as necessidades sociais. Firmemente persuadidos de que somente a doutrina da Igreja pode trazer eficaz remédio para os males presentes, tomai a peito abrir-lhe o caminho, sem restrições nem desconfianças egoísticas, pela palavra e pela ação, de particular maneira constituindo, na administração de vossos bens, empreendimentos verdadeiramente modelares tanto do lado econômico como do lado social. Um verdadeiro gentil-homem jamais presta seu concurso a empresas que não possam sustentar-se e prosperar senão com prejuízo do bem comum, com detrimento ou com a ruína das pessoas de condição modesta. Pelo contrário, fará ele consistir seu ponto de honra em estar do lado dos pequenos, dos fracos, do povo, daqueles que, exercendo um ofício honesto, ganham o pão com o suor de seu rosto. Desta forma sereis verdadeiramente uma elite; assim cumprireis vosso dever religioso e cristão, assim, servireis nobremente a Deus e vosso país.
“Possais, queridos filhos e filhas, com vossas grandes tradições, com o desvelo por vosso progresso e vossa perfeição pessoal, humana e cristã, com vossos serviços impregnados de amor, com a caridade e simplicidade de vossas relações com todas as classes sociais, ajudar o povo a se arraigar nesta pedra fundamental, a procurar o reinado de Deus e sua justiça” (1946).
O pecado de omissão dos guias ausentes
Daí se compreende a responsabilidade que há na omissão das elites perpetuamente ausentes: “Menos difícil… é determinar hoje, entre as diversas maneiras que se vos deparam, qual deva ser vossa conduta.
“A primeira dessas maneiras é inadmissível: é a do desertor, daquele que foi injustamente chamado “emigré à l’intérieur”; é a abstenção do homem amuado ou irado, que, por despeito ou falta de coragem, não faz uso das suas qualidades e das suas energias, não participa de qualquer das atividades do seu País e do seu tempo, mas se retrai – como o Pelide Aquiles em sua tenda, junto aos navios de rápido curso, longe das batalhas – enquanto estão em jogo os destinos da pátria.
“É igualmente menos digna a abstenção quando efeito de uma indiferença indolente e passiva. Pior, de fato, do que o mau humor, o despeito e a falta de coragem seria o descaso perante a ruína em que estivessem prestes a cair os próprios irmãos e o povo. Tentar-se-ia em vão esconder tal indiferença sob a máscara da neutralidade; ela absolutamente não é neutra; querendo ou não, é cúmplice. Cada um dos leves flocos de neve que repousam docemente sobre as encostas da montanha, e a adornam com a sua alvura, contribui, ao deixar-se arrastar passivamente, para fazer da pequena massa de neve que se destaca do cume, a avalancha que leva o desastre ao vale, e que arrasa e sepulta as tranqüilas moradias. Somente o compacto bloco de neve, que faz um só corpo com a rocha subjacente, opõe à avalancha uma resistência vitoriosa, que pode detê-la ou pelo menos diminuir a força da sua marcha devastadora.
“Desta maneira, o homem justo e firme em seus propósitos de bem, de que fala Horácio em célebre ode (Carm. III, 3), que não se deixa abalar, no seu inquebrantável modo de pensar, nem pelo furor dos cidadãos que dão ordens delituosas, nem pelas ameaças do tirano, permaneceria impávido ainda que o universo caísse em pedaços sobre ele: “si fractus inlabatur orbis, impavidum ferient ruinae”. Mas se este homem justo e forte for um cristão, não se contentará em permanecer hirto e impassível no meio das ruínas: sentir-se-á na obrigação de resistir e de impedir o cataclismo, ou pelo menos de limitar os estragos deste; e mesmo quando não for possível conter a avalancha destruidora, ainda lá estará ele para reconstruir o edifício abatido, para semear o campo devastado. Tal deve ser a conduta que vos convém. Consiste ela, sem que tenhais que renunciar à liberdade das vossas convicções e das vossas opiniões sobre as vicissitudes humanas, em tomar a ordem contingente das coisas como está, e em dirigir os efeitos dela para o bem, não tanto de determinada classe, como para o de toda a comunidade” (1947).
Como se vê, o Papa, nestas últimas palavras, insiste no princípio de que a existência de uma elite tradicional corresponde ao interesse de todo o corpo social, desde que ela cumpra seu dever.
Qualidades de alma do fidalgo hodierno
Claro está que o cumprimento deste dever encontra obstáculos gravíssimos. Mas o membro da nobreza ou das elites tradicionais deve ser homem de valor. É o que dele espera o Vigário de Jesus Cristo: “Por isso, o que esperamos de vós é antes de tudo uma fortaleza de alma que as mais duras provas não poderiam abater; uma fortaleza de alma que faça de vós não somente perfeitos soldados de Cristo para vós mesmos, mas também, por assim dizer, adestradores e sustentáculos daqueles que forem tentados a duvidar ou a ceder.
“O que esperamos de vós é, em segundo lugar, uma presteza na ação que não se atemoriza nem se deixa desencorajar com a previsão de qualquer sacrifício que o bem comum hoje exija. Uma presteza e um fervor que, tornando-vos animosos no cumprimento de todos os vossos deveres de católicos e de cidadãos, vos preserve de cair num “abstencionismo” apático e inerte, que seria gravemente culposo numa época em que estão em jogo os mais vitais interesses da Religião e da pátria.
“O que esperamos de vós é, finalmente, uma generosa adesão – não à flor dos lábios e de mera forma, mas dada do fundo do coração e convertida em atos sem reservas – ao preceito fundamental da doutrina e da vida cristã, preceito de fraternidade e de justiça social, cuja observância não poderá deixar de assegurar a vós mesmos verdadeira felicidade espiritual e temporal.
“Possam esta fortaleza de alma, este fervor, este espírito fraterno guiar cada um dos vossos passos, e alentar os vossos caminhos no curso do Ano Novo, que tão incerto se anuncia, e que parece quase conduzir-vos ao longo de um obscuro túnel.” ( 1948 ).
E o Pontífice desenvolve ainda mais estes conceitos em 1949: “De fortaleza de ânimo todos têm necessidade, mas especialmente nos nossos dias, para suportar corajosamente os sofrimentos, para superar vitoriosamente as dificuldades da vida, e para cumprir constantemente o próprio dever. Quem não tem que sofrer? Quem não tem que penar? Quem não tem que lutar? Somente aquele que se rende e foge. Porém, mais do que outros, vós não tendes o direito de vos entregar e de fugir. Hoje os sofrimentos, as dificuldades e as necessidades são, habitualmente, comuns a todas as classes, a todas as condições, a todas as famílias, a todas as pessoas. E se alguns estão isentos de tal, se nadam na abundância e nos prazeres, isso deveria movê-los a tomar sobre si as misérias e as dificuldades alheias. Quem poderia achar contentamento e repouso, quem, pelo contrário, não sentiria mal-estar e rubor por viver no ócio e na frivolidade, no luxo e nos prazeres, em meio a uma quase geral tribulação?
“Presteza de ação: Na grande solidariedade pessoal e social, deve cada qual estar pronto a trabalhar, a sacrificar-se e a consagrar-se ao bem de todos. A diferença está, não no fato da obrigação, mas na maneira de a satisfazer. Não é então verdade que os que dispõem de mais tempo e de meios mais abundantes devem ser os mais assíduos e mais solícitos em servir? Quando falamos de meios, não entendemos referir-Nos somente nem primariamente às riquezas, mas a todos os dotes de inteligência, cultura, educação, conhecimento, autoridade, dotes estes que não são concedidos a alguns privilegiados da sorte para a sua exclusiva vantagem, ou para criar uma irremediável desigualdade entre irmãos, mas para o bem de toda a comunidade social. Em tudo o que for serviço do próximo, da sociedade, da Igreja, de Deus, deveis ser sempre os primeiros. Nisto consiste o vosso verdadeiro ponto de honra, nisto está a vossa mais nobre precedência.
“Generosa adesão aos preceitos da doutrina e da vida cristã. Estes são iguais para todos, pois não há duas verdades nem duas leis: ricos e pobres, grandes e pequenos, elevados e humildes, todos são igualmente obrigados a submeter o seu intelecto, pela Fé, ao mesmo Dogma, e a sua vontade, pela obediência, à mesma Moral. Porém, o justo juízo de Deus será muito mais severo para com aqueles que mais receberam, que estão em melhores condições de conhecer a única doutrina, e de pô-la em prática na vida quotidiana, os que com o seu exemplo e com a sua autoridade podem mais facilmente dirigir os outros no caminho da justiça e da salvação, ou perdê-los nas funestas sendas da incredulidade e do pecado” (1949).
Estas últimas palavras mostram que o Pontífice não admite uma nobreza ou uma elite tradicional que não seja efetiva e abnegadamente apostólica. A nobreza sem ideais, aburguesada, é um cadáver de nobreza.
Perenidade das elites tradicionais
Como folhas mortas, caem ao chão, ao sopro da Revolução, os elementos mortos do passado. A nobreza, entretanto, pode e deve sobreviver por que tem uma razão de ser permanente: “O sopro impetuoso dos novos tempos arrasta em seu vórtice as tradições do passado. Mas com isso vem ele mostrar mais claramente o que está destinado a cair como folhas mortas, e o que, pelo contrário, por força de sua vida interior, tende a manter-se e consolidar-se.
“Uma nobreza e um patriciado que, por assim dizer, se anquilosassem na saudade dos tempos idos, se votariam a um inevitável declínio.
“Hoje mais do que nunca sois chamados a ser uma “elite”, não somente de sangue e de nascença, mas ainda mais de obras e sacrifícios, de realizações criadoras no seio de toda a comunidade social.
“E isto não é somente um dever do homem e do cidadão, ao qual ninguém se pode subtrair impunemente. É também um mandamento sagrado da Fé que herdastes de vossos pais, e que deveis, como eles, deixar intacta e íntegra a vossos descendentes.
“Rejeitai, pois, de vossas fileiras todo abatimento e toda pusilanimidade: todo abatimento em face de uma evolução que faz desaparecer consigo muitas coisas estabelecidas em épocas precedentes; toda pusilanimidade à vista dos graves acontecimentos que acompanham as revoluções atuais.
“Ser romano significa ser forte para agir, mas também para sofrer.
“Ser cristão significa ir ao encontro das penas e das provas com uma coragem, uma força e uma serenidade, que vão haurir na fonte das esperanças eternas o antídoto contra todo desespero humano. A palavra altiva de Horácio tem um grande alcance humano: “Si fractus illabatur orbis, impavidum ferient ruinae” ( Odes, V, 3 ). Mas, principalmente, mais belo, mais confiante, mais arrebatador é o brado de vitória que se desprende dos lábios cristãos e dos corações transbordantes de fé: “Non confundar in aeternum” ( Te Deum )” ( 1951 ).
E o apostolado específico de nobreza e elites tradicionais continua a ser dos mais importantes.
A virtude cristã, essência da nobreza
“Levantai os olhos, e fixai-os firmemente no ideal cristão. Todas estas agitações, evoluções ou revoluções o deixaram intacto, e nada existe que possa prevalecer contra o que é a própria essência da autêntica nobreza, isto é a nobreza que aspira à perfeição cristã, que o Redentor enunciou no Sermão da Montanha. Fidelidade incondicional à doutrina católica, a Cristo e à sua Igreja; capacidade e vontade de ser modelo e guia para os demais. Dai ao mundo dos que tem fé e praticam a Religião o espetáculo de uma vida conjugal irrepreensível, a edificação de um lar doméstico verdadeiramente exemplar” ( 1952 ). E logo após isto o Santo Padre estimula a nobreza a uma santa intransigência: “Oponde um dique a toda infiltração, em vossas casas e vossos ambientes, dos princípios mortais, das condescendências ou tolerâncias perniciosas, que poderiam contaminar ou ofuscar a pureza do matrimônio ou da família. Eis aqui certamente um empreendimento insigne e santo, bem capaz de excitar só por si o zelo da nobreza romana e cristã de nossos tempos”… ( 1952 ).
“Bem pode ser que um ou outro pormenor da presente ordem de coisas vos desagrade; mas no interesse e pelo amor do bem comum, para a salvação da civilização cristã nesta crise que, longe de se atenuar, parece que vai aumentando, permanecei firmes na brecha, e na vanguarda. Vossas qualidades especiais podem a todo momento ser utilmente empregadas na luta. Vossos nomes, que por certo tem ecos no passado remoto, na história da Igreja e da sociedade civil, trazem à memória figuras de grandes homens e fazem ouvir a grave voz que vos lembra o dever de serdes dignos deles” ( 1952 ).
A aristocracia e sua missão junto aos pobres
O caráter educativo e o caráter caritativo da ação das elites tradicionais vem admiravelmente descrito, respectivamente, nestes dois tópicos: “Mas. como todo rico patrimônio, também este traz consigo graves deveres, deveres esses tanto mais graves quanto mais ele é rico. São dois, principalmente:
“1º) O dever de não desperdiçar tais tesouros, de os transmitir intactos, ou mais, se possível, acrescidos, aos que virão depois de vós; de resistir portanto à tentação de não ver neles senão um meio de vida mais fácil, mais agradável, mais requintada, mais refinada;
“2º) O dever de não reservar só para vós aqueles bens, mas de fazer aproveitar largamente deles os que foram menos favorecidos pela Providência. – A nobreza da beneficência e da virtude, queridos filhos e filhas, foi, essa também, conquistada pelos vossos antepassados, e são disso testemunho os monumentos e as casas, os hospícios, os asilos, os hospitais de Roma, onde seus nomes e suas lembranças falam de sua segura e vigilante bondade para com os desventurados e os necessitados. Bem sabemos que no Patriciado e na Nobreza Romana jamais escassearam, quanto as faculdades de cada um o permitiram, esta glória e esta emulação para o bem. Mas nesta hora de preocupações, na qual o céu está turvado por noites de vigília e inquietação, vossa alma – enquanto conserva nobremente uma seriedade, ou melhor, uma austeridade de vida que exclui toda leviandade e todo frívolo prazer, incompatível, para todo coração elevado, com o espetáculo de tantos sofrimentos – sente, ainda mais vívido, o impulso da operosa caridade que vos impele a aumentar e multiplicar os méritos por vós já adquiridos no alívio das misérias e da pobreza humana” ( 1941 ).
A história é feita principalmente pelas elites. Por isto é que, se a ação da nobreza cristã foi altamente benfazeja, a paganização da nobreza foi o ponto de partida da crise contemporânea: “Convém todavia recordar que tal caminho para a incredulidade e a irreligião teve seu ponto de irradiação, não em baixo, mas no alto, quer dizer, nas classes dirigentes, nas esferas elevadas, na nobreza, nos pensadores e filósofos. Não temos em vista falar aqui – notai bem – de toda a nobreza, e muito menos da nobreza Romana, a qual largamente se distinguiu pela sua fidelidade para com a Igreja e para com esta Sé Apostólica – e as eloqüentes e filiais expressões que acabamos de ouvir são disto nova e luminosa prova – mas da nobreza européia em geral. Não se nota porventura nos últimos séculos, no Ocidente cristão, uma evolução espiritual que, por assim dizer, horizontal e verticalmente, em largura e profundidade, sempre mais vinha demolindo e solapando a fé, levando àquela ruína que apresentam hoje multidões de homens sem Religião ou hostis à Religião, ou ao menos animados e transviados por íntimo e fementido ceticismo para com o sobrenatural e o Cristianismo?
“Na vanguarda desta evolução esteve a assim chamada Reforma protestante, em cujas convulsões e guerras grande parte da nobreza européia se separou da Igreja Católica e Lhe espoliou os bens. Mas a incredulidade difundiu-se propriamente nos tempos que precederam a Revolução francesa. Os historiadores notam que o ateísmo, mesmo sob o verniz de deísmo, se propagara então rapidamente na alta sociedade da França e de outros lugares: acreditar em Deus Criador e Redentor tornara-se, naquele mundo entregue a todos os prazeres sensuais, coisa ridícula e não condizente com espíritos cultos e ávidos de novidades e progresso. Na maior parte dos “salões” das maiores e mais requintadas damas, onde se agitavam os mais árduos problemas de Religião, filosofia e política, literatos e filósofos, fautores de teorias subversivas, eram considerados como o mais belo e procurado ornamento daquelas reuniões mundanas. A impiedade era moda na alta sociedade, e os escritores mais em voga em seus ataques à Religião teriam sido menos audaciosos se não tivessem tido o apoio e instigação da sociedade mais elegante. Não que a nobreza e os filósofos se propusessem todos e diretamente como finalidade a descristianização das massas. Pelo contrário, a Religião deveria permanecer para o povo simples como meio de governo em mãos do Estado. Eles porém se sentiam e se achavam superiores à Fé e a seus preceitos morais: política esta que logo se demonstrou funesta e de curta visão, mesmo para quem a considerasse sob aspecto puramente psicológico. Em rigor da lógica, o povo, poderoso no bem e terrível no mal, sabe tirar as conseqüências práticas de suas observações e julgamentos, certos ou falsos. Tomai em mãos a história da civilização nos últimos dois séculos: ela vos patenteia e demonstra que danos para a fé e os costumes do povo foram produzidos pelo exemplo que procede do alto, pela frivolidade religiosa das classes elevadas, e pela aberta luta intelectual contra a verdade revelada” ( 1943 ).
Formação das elites, chave de cúpula do apostolado
Tanto se fala hoje do apostolado das massas. Mas cumpre não ser unilateral. Agir junto às elites é indispensável: “Ora, o que convém deduzir desses ensinamentos da história? Que hoje a salvação deve vir daqueles de quem a perversão teve sua origem. Em si não é difícil manter no povo a Religião e costumes sadios, quando as classes altas caminham em sua dianteira com seu bom exemplo e criam condições públicas que não tornem desmedidamente pesada a formação da vida cristã, mas a façam imitável e doce. Porventura não é essa a vossa função, diletos filhos e filhas, que pela nobreza de vossas famílias e pelos cargos que não raras vezes ocupais, pertenceis às classes dirigentes? A grande missão que vos toca, e convosco a não poucos outros – ou seja, de começar pela reforma ou aperfeiçoamento da vida particular, em vós mesmos e em vossa casa, e de vos esforçardes, cada um em seu lugar e de seu lado, por fazer surgir uma ordem cristã na vida pública – não permite dilação ou demora. Missão esta nobilíssima e rica de promessas num momento em que, como reação contra o materialismo devastador e aviltante, se vem revelando nas massas uma nova sede de valores espirituais, e contra a incredulidade uma pronunciadíssima receptividade nas almas para as coisas religiosas; manifestações estas que deixam esperar que afinal tenha sido superado definitivamente o ponto mais profundo da decadência espiritual. Cabe-vos, pois, a glória de colaborar com a luz e a atração do bom exemplo, que suba além de toda mediocridade, não menos do que com as obras, a fim de que aquelas iniciativas e aspirações de bem religiosos e social sejam conduzidas a feliz termo” (1943).
Estamos certos, ao concluir a publicação desta coletânea de textos de incomparável sabedoria, de que sua leitura aumentará o amor e a admiração pelo Pontífice imortal que hoje governa a Igreja. Eles mostram aos nobres a missão das elites, e ao povo a razão de ser das classes tradicionais, atuando em favor de uma mútua compreensão, fundamento da paz social que Pio XII tanto deseja.
(1) Os primeiros artigos desta série foram publicados nos números 63 e 64 de março e abril de 1956.