Plinio Corrêa de Oliveira
Sou Católico: posso ser contra a reforma agrária?
Ed. Vera Cruz - Fevereiro de 1981 |
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Capítulo IV – A CNBB invade a
esfera de competência exclusiva do Estado
1 . A distinção harmônica
entre Igreja e Estado
Um dos princípios fundamentais da Teologia e do
Direito Canônico consiste na distinção harmônica entre a Igreja e o Estado.
Sendo o homem criatura de Deus, suas relações com
o Criador são absolutamente fundamentais. Por isso, jamais pode o Estado
legitimamente descurar da religião.
Antes de Jesus Cristo, a religião constituía um
assunto de Estado, e havia uma como que fusão entre a autoridade civil e a
religiosa. Com freqüência, chegava-se até a atribuir à dinastia reinante uma
origem divina. Ou então se divinizavam os chefes de estado, ainda em vida ou
depois de mortos. Por vezes, altas funções de Estado conferiam ipso facto
atribuições sacerdotais a seus titulares. Nos países em que existia uma
classe sacerdotal, os membros dela eram funcionários públicos direta ou
indiretamente sujeitos ao chefe de Estado. De tal maneira a religião, a
classe sacerdotal e o Estado se interpenetravam, que constituía crença geral
haver em alguma região indefinida batalhas entre deuses de países inimigos,
quando as tropas destes se entrechocavam na terra. A vitória ou derrota
corriam por conta – pelo menos em parte – da força e da dedicação, ou então
da fraqueza e da displicência dos deuses. Não raras vezes, em caso de
derrota, estes eram “punidos” pelas multidões enfurecidas. Tais eram as
aberrações da idolatria e da superstição.
Nosso Senhor Jesus Cristo instituiu a Igreja com
caráter diverso. Ele ensinou o culto a um Deus único, a ser igualmente
adorado por todos os povos. A esse Deus único corresponde a existência de
uma Igreja una, com um só chefe visível, o Papa, sediado em Roma. Com esta
medida, Ele separou os dois poderes, porém, de maneira a que cooperassem
intimamente, cada qual em sua esfera, para a glória de Deus e o bem comum
dos povos.
O fim dessa Igreja universal é extra-terreno. Sua
jurisdição é espiritual. Seu magistério também. Cabe-lhe ensinar e explanar
a Revelação contida na Bíblia e na Tradição.
Segundo o disposto por Jesus Cristo, o Estado deve
reconhecer a Igreja, respeitar-lhe os direitos originários da missão que seu
Divino Fundador lhe deu, e apoiá-la com os meios de ação específicos dele,
para que ela realize sua missão espiritual. Contudo, não toca ao Estado
qualquer ingerência nos assuntos especificamente religiosos e eclesiásticos.
Mas, ainda segundo o que foi instituído por Jesus
Cristo, também o Estado tem uma esfera de ação própria, e nesta não compete
à Igreja o direito de imiscuir-se. Pelo contrário, deve a Igreja fazer
quanto nela está para ajudar o Poder público temporal.
Com efeito, a cada Estado cabe promover o bem
comum temporal (isto é, terreno) do respectivo povo. Assim, tudo quanto diz
respeito à independência, prosperidade, bem-estar e progresso de um País
está posto sob a ação legislativa, executiva e judiciária do Estado.
Exceto ratione peccati (isto é, quando algo
na ordem civil viola a lei de Deus, como é o caso do divórcio, da limitação
da natalidade, da laicidade escolar etc.) à Igreja não cabe imiscuir-se em
assuntos temporais.
Como se vê, a boa harmonia dos poderes espiritual
e temporal se baseia no respeito dessa delimitação de esferas por parte de
cada um deles.
Não obstante, as incursões da CNBB em
matéria especificamente temporal têm sido numerosas e graves.
Quais as provas desta afirmação?
2 . A intervenção da CNBB em
assuntos de natureza econômica
A crise econômica, que dia a dia se agrava, dá
excelente ocasião a que a CNBB intervenha em assuntos de economia, finanças,
segurança nacional etc., os quais, em condições normais, estão fora
do âmbito dela.
Assim, por exemplo, a inflação deu origem a um
desajuste salarial. De si, a matéria salarial não é religiosa.
Contudo, nas atuais circunstâncias, ela envolve um problema moral:
é justo que os trabalhadores sofram em larga medida o contra-golpe da
inflação, enquanto o sofrem em medida menor os empresários? Posto que, em
via de regra, estes, ainda quando muito diminuída sua quota de lucros, não
sofrerão privações no necessário, mas os operários, por pouco que se lhes
diminua o valor aquisitivo dos salários, podem entrar no estado de carência,
quando não no de penúria, pergunta-se: como distribuir, segundo os
princípios da justiça cristã, os rendimentos da empresa?
Justiça cristã é matéria sobre a qual todo
católico aceita que a Hierarquia eclesiástica tenha sua palavra a dizer.
Tanto mais que, seguindo o exemplo de seu Divino Fundador, a Igreja tem
atrás de si uma tradição duas vezes milenar, de apoio às viúvas, aos órfãos,
aos desvalidos, e aos pobres de modo geral.
Essa situação excepcional ensejou à Presidência da
CNBB, ao Cardeal-Arcebispo de São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns, ao Bispo de
Santo André, D. Cláudio Hummes, e a outros eclesiásticos, uma intervenção em
matéria salarial
[1]. E, como se sabe, tal intervenção assumiu caráter nitidamente
ilegal – e propício à luta de classes – em prol dos metalúrgicos
paulistanos: curiosamente os operários mais bem remunerados do Brasil!
Pari passu,
em vários outros setores, a CNBB se vem aproveitando da atual crise
econômica para promover reivindicações por vezes justas, por vezes injustas,
e o mais das vezes revestidas de uma agressividade toda voltada para a
agitação.
Com isto se vai criando e alastrando, aqui e
acolá, no País, um ambiente altamente propício à luta de classes. Esta
constitui, por sua vez, o caldo de cultura ideal para a expansão das
tendências e das máximas do comunismo, bem como para o êxito das maquinações
subversivas deste. Os próprios eclesiásticos comprometidos nessas atividades
disseminam não poucas dessas máximas. E com isto concorrem para impelir
consideráveis setores da população rumo ao pólo de atração final de todos os
descontentamentos manipulados pelas esquerdas, isto é, o PCB.
3 . Alcance do Magistério
Episcopal em matérias temporais
Em princípio, a palavra do Bispo tem autoridade
junto aos fiéis no que concerne à Fé e aos costumes.
Essa autoridade não é meramente
doutrinária. Cabe também ao Bispo estimular os fiéis à prática da virtude,
isto é, ao cumprimento de seus deveres para com Deus, para consigo mesmos e
para com o próximo. Portanto, também para com a sociedade e o Estado.
Neste sentido, tem o Bispo o direito e o dever de
alertar os fiéis, do ponto de vista da Fé e dos costumes, para a
irregularidade deste ou daquele procedimento, e de, nesta perspectiva, lhes
traçar as diretrizes de ação que entenda justas e oportunas.
Delicada pode ser entretanto a situação dele ao
formar juízo e tomar atitude acerca de maneiras de proceder ou de situações
concretas, as quais tenham caráter especificamente técnico.
Há, em assuntos técnicos, problemas sobre cuja
existência e solução existe um consenso geral. À vista de situação tão
clara, ao Bispo toca então, simplesmente, traçar diretrizes aos fiéis
relativamente aos deveres que lhes incumbem. Pois, Príncipe na esfera
espiritual, tem ele poder e competência para fazê-lo.
Mais delicada é a situação do Bispo nos casos em
que, acerca de alguns ou de todos os pontos de certa questão intrinsecamente
temporal (social ou econômica, por exemplo), os técnicos se acham divididos.
E até entre especialistas não há acordo, quer sobre a existência mesma do
problema, quer sobre os termos em que ele se põe ou sobre o método de o
resolver.
Merecerá então aplausos o Bispo que empregar sua
influência para que a questão seja estudada entre os especialistas, de
maneira a que cheguem a acordo sobre os vários aspectos da matéria. Uma vez
assim esclarecida a situação, poderá o Bispo ensinar aos fiéis que direitos
e deveres lhes tocam.
Mas podem ocorrer casos em que a situação de fato
seja tão complexa, que os esforços envidados pelo Bispo para a plena
elucidação do problema resultem vãos, e os especialistas se mantenham em
desacordo.
Tem então o Bispo, como tal, missão e autoridade
para se constituir juiz dos especialistas, e definir a quais deles cabe a
razão? Do ponto de vista estritamente técnico, em se tratando de matéria
intrinsecamente temporal, não. Pois, como já foi dito, a competência
especial do Bispo concerne à esfera religiosa e moral.
Por isso mesmo, não pode o Bispo também exigir,
como Mestre, o assentimento dos fiéis ao juízo que, a título meramente
pessoal, ele forme sobre assuntos exclusivamente temporais. Esse juízo,
sempre merecedor de atenção e consideração no plano do argumento de
autoridade, não vale entretanto mais do que o de um particular respeitável.
E o fiel conserva o direito de discordar dele. Sempre ressalvado – convém
insistir – o respeito pessoal que deve a seu legítimo Pastor.
4 . Incursões do documento “Igreja
e problemas da terra” em matéria especificamente temporal
O documento Igreja e problemas da terra
pratica várias incursões capitais (porque também as há menores) na
esfera do Estado:
a ) O IPT declara a agricultura brasileira em
estado de anormalidade, a ponto de exigir uma reforma agrária. Ora, a
avaliação dos aspectos negativos e positivos de nossa situação agrária é de
si matéria essencialmente temporal. Compete aos homens doutos e experientes
no assunto fazê-la. E ao Poder público temporal toca, em último recurso,
formar seu próprio juízo sobre a matéria decidindo se há providências a
tomar, e quais.
Se, como foi dito, houvesse unanimidade no setor
temporal (Poder público, homens doutos e experientes) sobre a matéria, e se
a carência de medidas adequadas fosse reconhecida pelo consenso geral como
causa de injustiças, tocaria à Igreja empenhar-se a fundo para obter essas
medidas.
Mas, desde que o consenso geral não esteja formado
sobre matéria tão caracteristicamente temporal como é a avaliação de
determinada situação agrícola, de nenhum modo cabe à Igreja decidir qual a
visão objetiva da situação. Pois ela foi instituída por Jesus Cristo para
outras e mais altas finalidades, como já foi dito.
b ) Suposta a necessidade de uma reforma agrária,
como deve ser ela para que a produção agropecuária atinja um nível próprio a
abastecer a população, bem como prover de divisas a economia nacional? Mais
uma vez, a resposta cabe à esfera temporal.
E, havendo desacordo nesta, à Igreja cabe calar-se.
Só o que à Igreja tocaria fazer seria analisar os
vários projetos de reforma agrária, a fim de julgar se em algo violam a Lei
de Deus. E, neste caso, condenar as disposições incrimináveis.
O IPT extrapola desse limite, e declara que a
reforma agrária é necessária, e que deve consistir principalmente em uma
reforma fundiária. Mais ainda, o documento volta as suas preferências
para que seja adotado, em concreto, no Brasil, um determinado tipo de
estrutura fundiária, igualitário e com propriedades de dimensões familiares.
Incrementariam essas providências a produção, a
exportação etc.? Para esses efeitos, são elas as melhores do gênero? A
matéria é estritamente temporal. E nelas as opiniões abalizadas divergem
quase ao infinito.
Assim, à CNBB não assiste o direito de intervir no
assunto.
c ) Os problemas da grande cidade gerada pela
civilização de consumo são numerosos e complexos. Sobre eles, os doutos
discutem, e em todos os países os homens públicos hesitam. A matéria também
é estritamente temporal. Mas a CNBB não tem dúvidas. E anuncia, como já foi
lembrado, que traçará rumos para a solução de nossos problemas urbanos (cfr.
IPT, nos. 4, 7, 92, 93 e 100).
Seria legítimo que a CNBB se apiedasse dos
favelados, pedisse para eles melhorias de condição de vida etc. Pois tal
está em sua missão evangélica. Não lhe compete porém dirimir as dúvidas
entre os técnicos sobre o modo pelo qual essas melhorias devem ser obtidas.
E muito menos dar modelos para uma reforma de toda a estrutura fundiária
rural e urbana de um país de 8,5 milhões de quilômetros quadrados e com 120
milhões de habitantes.
d ) Indo ainda mais longe, a CNBB faz acerbas
críticas ao acerto da política econômico-financeira do Governo
federal (cfr. IPT, nos. 16 a 21, e 35 a 41).
Tal atitude constitui, por análogo motivo, outra
invasão da jurisdição temporal, efetuada pela CNBB.
5 . Nexo desses princípios com
a questão da reforma agrária
Os princípios atinentes às relações entre a Igreja
e o Estado não têm nexo direto com a reforma agrária. Entretanto cabe aqui
um comentário acerca dos inconvenientes da incursão do IPT nos aspectos
exclusivamente técnicos de matéria que ex natura propria, é
caracteristicamente temporal.
“Abyssus abyssum invocat”: um abismo atrai
outro abismo (Ps. 41, 8). Caso o Estado queira, por sua vez, intervir em
matéria estritamente religiosa ou eclesiástica, o IPT deixará a Igreja mal à
vontade para alegar a distinção entre o campo espiritual e o temporal.
Por exemplo, o Sr. Bispo-Prelado de São Félix do
Araguaia, D. Pedro Casaldáliga, embora cidadão espanhol, desenvolveu uma
ação ideológica de fundo nitidamente subversivo, expondo-se assim a ser
expulso do território nacional pelo Governo
[2].
Estando a Igreja separada do Estado, não havia
obstáculo jurídico a que o Governo federal adotasse essa medida. Entretanto,
à opinião pública pareceu intolerável que o Governo assim agisse, pois ela
tinha em vista que a distinção entre a esfera temporal e a espiritual não
consente que o Poder público deite mão sobre um Príncipe da Igreja. E, com
efeito, segundo o Direito Canônico, não seria lícito fazê-lo sem prévia
licença da Santa Sé
[3]. Como, por outro lado, a Igreja está separada do Estado, não
podia este pedir tal licença sem contradição com os princípios laicos que
adota.
Assim, teve livre e prolongado curso a ação
deletéria do Prelado.
Mas, se a CNBB invade a esfera temporal em matéria
de tanta importância como a Reforma Agrária, não será de temer que, em
outras eventualidades, o poder
temporal proceda, por sua vez, com muito mais desenvoltura?
* * *
Textos Pontifícios -
Matéria temporal: Competência da Igreja – Competência do Estado
Nas questões sociais e econômicas, a
Igreja interpõe a sua autoridade, não em assuntos técnicos, mas em tudo que
se refere à Moral
Encíclica
Quadragesimo Anno de 15 de maio de 1931:
“Julgar das questões sociais e econômicas é dever e direito da Nossa suprema
autoridade (cfr.
Rerum novarum,
§ 24-25).
Não foi, é
certo, confiada à Igreja a missão de encaminhar os homens à conquista da
felicidade transitória e caduca, mas da eterna; antes ‘a Igreja crê não
dever intrometer-se sem motivos nos negócios terrenos’ (Encíclica
Ubi arcano). O que não pode é renunciar ao ofício de que
Deus a investiu de interpor a sua autoridade, não em assuntos técnicos, para
os quais lhe faltam competência e meios, mas em tudo o que se refere à
moral. Dentro deste campo, o depósito da verdade que Deus Nos confiou e o
gravíssimo encargo de divulgar a lei moral, interpretá-la e urgir o seu
cumprimento oportuna e importunamente, sujeitam e subordinam ao Nosso juízo
a ordem social e as mesmas questões econômicas”. Pio XI [Documentos Pontifícios,
Vozes, Petrópolis, fasc. 3, 5ª ed., 1959, p. 17].
* * *
À “esquerda católica” não pertence
alegar que, como tantas outras coisas, também este modo de pensar e agir já
não tem vigência na Igreja, na era pós-conciliar. Pois em mais de um
documento, o Concílio Vaticano II faz eco ao ensino tradicional dos Papas
sobre a matéria:
A missão que Jesus Cristo confiou à Igreja não é de ordem
política, econômica ou social, mas religiosa
Constituição Pastoral
Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano II:
“A missão própria que Cristo
confiou à sua Igreja por certo não é de ordem política, econômica ou social.
Pois a finalidade que Cristo lhe prefixou é de ordem religiosa. Mas, na
verdade, desta mesma missão religiosa decorrem benefícios, luzes e forças
que podem auxiliar a organização e o fortalecimento da comunidade humana
segundo a Lei de Deus...
A energia que a Igreja pode
insuflar à sociedade humana atual consiste naquela fé e caridade, levadas à
prática na vida, e não no exercício de algum domínio externo, através de
meios meramente humanos”.
[Compêndio do Vaticano II,
Vozes, Petrópolis, 10ª ed., 1968, no. 42].
A missão dos Bispos não é apresentar soluções para os
problemas temporais: os leigos assumam, neste campo, suas responsabilidades
próprias
Constituição Pastoral
Gaudium et Spes, do Concílio Vaticano II:
“As profissões e atividades
seculares competem propriamente aos leigos, ainda que não de modo
exclusivo...
Reconhecendo as exigências da fé...
pertence-lhes à consciência... gravar a lei divina na vida da cidade
terrestre. Os leigos esperam dos sacerdotes luz e força espiritual. Contudo,
não julguem serem os seus pastores sempre tão competentes que possam ter uma
solução concreta e imediata para toda a questão que surja, mesmo grave, ou
que seja esta a missão deles. Os leigos, ao contrário, esclarecidos pela
sabedoria cristã e prestando atenção cuidadosa à doutrina do Magistério
assumam suas responsabilidades.
Muitas vezes, a própria visão
cristã das coisas incliná-los-á a uma solução determinada, em algumas
circunstâncias reais. Outros fiéis, contudo, como acontece com freqüência e
legitimamente, com igual sinceridade pensarão de modo diferente, sobre a
mesma coisa. Se depois as soluções apresentadas, mesmo sem intenção das
partes, são facilmente ligadas por muitos à mensagem evangélica, é preciso
se lembrarem que não é lícito a ninguém, nos casos citados, reivindicar
exclusivamente para a sua sentença a autoridade da Igreja. Mas procurem, em
diálogo sincero, esclarecer-se reciprocamente, conservando a caridade mútua,
e preocupados em primeiro lugar com o bem comum”.
[Compêndio do Vaticano II,
Vozes, Petrópolis, 10ª ed., 1968, no. 43].
Na esfera temporal, os leigos têm competência específica e
responsabilidade própria
Decreto
Apostolicam Actuositatem, do Concílio Vaticano II:
“Faz-se porém mister que os leigos
assumam a renovação da ordem temporal como sua função própria e nela operem
de maneira direta e definida, guiados pela luz do Evangelho e pela mente da
Igreja, e levados pela caridade cristã. Cooperem como cidadãos com os
cidadãos, com sua competência específica e responsabilidade própria”.
[Compêndio do Vaticano II,
Vozes, Petrópolis, 10ª ed., 1968, no. 7].
É função da Hierarquia julgar da conformidade das
atividades temporais aos princípios de ordem moral
Decreto
Apostolicam Actuositatem, do Concílio Vaticano II:
“No que diz respeito às atividades
e instituições de ordem temporal, é função da hierarquia eclesiástica
ensinar e interpretar autenticamente os princípios de ordem moral que devem
ser seguidos nos assuntos temporais. Compete também a ela julgar – depois de
tudo bem considerado e depois de valer-se do auxílio de peritos – da
conformidade de tais obras e institutos com os princípios morais e
distinguir dentre eles os que são necessários para tutelar e promover os
bens da ordem sobrenatural”.
[Compêndio do Vaticano II,
Vozes, Petrópolis, 10ª ed., 1968, no. 24].
Os Bispos devem deixar aos leigos o lugar que lhes compete
na ordenação da vida temporal
Discurso aos Bispos do CELAM no Rio
de Janeiro em 2 de julho de 1980:
“A Conferência de Puebla insistiu
em que o leigo ‘tem responsabilidade de ordenar as realidades temporais para
pô-las ao serviço da construção do reino de Deus’ (Puebla, 789) e que ‘os
leigos não podem eximir-se de um sério compromisso na promoção da justiça e
do bem comum’ (791). Com especial ênfase na atividade política (cfr. 791), o
leigo deve promover a defesa da dignidade do homem e de seus direitos
inalienáveis (792).
Nesta missão própria dos leigos,
deve-se deixar a eles o lugar que lhes compete, sobretudo na militância e
liderança de partidos políticos, ou no exercício de cargos políticos (cfr.
Puebla, 791)”.
[Todos os pronunciamentos do Papa
no Brasil, Loyola, S. Paulo, 1980, pp. 65-66] – João Paulo II.
A contribuição específica da Igreja é fortalecer as bases
espirituais e morais da sociedade, e não intrometer-se na política
Alocução aos Construtores da
Sociedade Pluralista de Hoje em Salvador, em 7 de julho de 1980:
“Neste ponto a Igreja pretende
respeitar as atribuições dos homens públicos. Não tem pretensão de
intrometer-se na política, não aspira a participar na gestão dos assuntos
temporais. A sua contribuição específica será a de fortalecer as bases
espirituais e morais da sociedade, fazendo o possível para que toda e
qualquer atividade no campo do bem comum se processe em sintonia e coerência
com as diretrizes e exigências de uma ética humana e cristã.
Esse serviço, tendo embora como
objeto a realidade concreta, a tarefa concreta realizada em comum, é antes
de tudo um serviço de formação das consciências: proclamar a lei moral e
suas exigências, denunciar os erros e os atentados à lei moral, à dignidade
do homem em que se baseia, esclarecer, convencer”.
[Todos os pronunciamentos do Papa
no Brasil, Loyola, S. Paulo, 1980, p. 180] – João Paulo II.
À Igreja compete apenas subsidiariamente a solução dos
problemas de ordem temporal
Homilia durante a Missa em
Salvador, em 7 de julho de 1980:
“Estejam sempre lembrados os
missionários e evangelizadores deste querido Brasil que o seu compromisso
principal é com o Evangelho, sendo competência e dever primário do Estado
oferecer a todo brasileiro as condições exigidas por uma vida digna,
resultado da conveniente satisfação de todas as necessidades primárias da
existência. À Igreja compete apenas subsidiariamente a solução dos problemas
de ordem temporal”.
[Todos os pronunciamentos do Papa
no Brasil, Loyola, S. Paulo, 1980, pp. 195] – João Paulo II.
Em pleno respeito à autonomia do domínio temporal, a
Igreja não quer omitir-se no papel que lhe cabe para que a sociedade humana
se modele segundo a lei divina
Homilia durante a Missa em Recife,
em 7 de julho de 1980:
“As considerações que passo a fazer no quadro deste nosso encontro são
ditadas por um só propósito: partindo da missão própria da Igreja e do papel
que lhe cabe, refletir quanto possível à luz do magistério desta mesma
Igreja no campo social e ajudar assim a ‘estabelecer a comunidade humana
segundo a lei divina’ (cfr. Constituição
Gaudium et Spes, n. 42). Deste modo, com a força do Espírito, que
é a única de que dispõe, em pleno respeito à autonomia do domínio temporal,
mas consciente de suas responsabilidades, a Igreja não quer omitir-se quando
se trata de fazer que ‘a vida humana se torne cada vez mais humana’ e de
conscientizar ‘para que tudo aquilo que compete a esta mesma vida
corresponda à verdadeira dignidade do homem’ (Encíclica
Redemptor Hominis, n. 14)”. [Todos os pronunciamentos do Papa
no Brasil, Loyola, S. Paulo, 1980, pp. 199-200] – João Paulo II * - Destaques em negrito e subtítulos do autor. NOTAS [1] Provocou particular reação em todo o País a nota distribuída pela Presidência da CNBB no dia 22 de abril de 1980 (cfr. “Correio Braziliense”, 23-4-80). [2] Cfr. PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, A Igreja ante a escalada da ameaça comunista – Apelo aos Bispos silenciosos, Editora Vera Cruz, São Paulo, 4ª ed., 1977, pp. 13 a 31. [3] Cfr. Código de Direito Canônico, cânon 120 § 2º. |