Plinio Corrêa de Oliveira

 

Sou Católico: posso ser contra a reforma agrária?

 

Ed. Vera Cruz - Fevereiro de 1981

Capítulo V – A linha geral de pensamento da CNBB – Acirramento dos movimentos reivindicatórios conducente à luta de classes

 

1 . O posicionamento elementar e simplista da CNBB

A leitura atenta e cabal do documento Igreja e problemas da terra torna claro que este firma a linha geral de seu pensamento sobre um arrazoado elementar e simplista. É útil expô-lo com clareza, pois este mesmo arrazoado está implícito em muitos dos pronunciamentos e atitudes da CNBB, como de personalidades eclesiásticas e leigas da “esquerda católica”.

É o seguinte:

a)    no Brasil há miséria generalizada;

b)    ora, tal miséria constitui uma injustiça insuportável, a bradar por remédio drástico e urgente;

c)     logo, custe o que custar, é preciso ir submetendo o Brasil, desde já, a tantas alterações ou reformas quantas sejam necessárias para a inteira eliminação da miséria. Ou, quando tal não seja possível, para uma constante e infatigável redução da quota de miséria no País.

2 . Objeções ao posicionamento da CNBB

Contra tal arrazoado, há que objetar seu caráter imaturo e simplista, que algumas reflexões facilmente fazem ver.

1º) Não está demonstrado que, segundo os planos da Providência, o homem possa alcançar, no plano sócio-econômico, tal perfeição de conhecimento e de organização que consiga eliminar inteiramente a miséria. Como a Igreja jamais conseguirá eliminar inteiramente o crime nem o pecado, nem a medicina as doenças e a morte.

Pode-se até lembrar, neste caso as palavras de Nosso Senhor Jesus Cristo, “tereis sempre pobres entre vós” (Mt. 26,11), interpretadas por teólogos de peso como a afirmação de que a miséria jamais será extirpada da Terra [1].

Também entre sociólogos e economistas, os quais se pronunciam sobre o tema de um ponto de vista inteiramente natural e técnico, há muitos que consideram impossível, ou pelo menos altamente duvidosa, a eventual erradicação da miséria do mundo.

Não é dado pois, à CNBB, tomar por meta – e ideal – impor a todos os católicos brasileiros algo que bem pode ser (ou certamente é) uma utopia, resultante de impulsos quiçá generosos, mas também de cogitações irrefletidas e imaturas.

2º) Ademais, a CNBB extravasa do campo que lhe é específico, tomando tão radical e peremptoriamente posição num assunto que, por sua própria natureza, é essencialmente técnico-científico. Ou seja, a possibilidade da extirpação total da miséria em nosso País e em nossos dias, no estado atual dos conhecimentos de Sociologia e da Economia. Sobre este particular, obviamente nada dizem a Escritura e a Tradição. Logo, nada tem a dizer sobre tal a CNBB.

3º) Concedendo, para argumentar, que a meta da CNBB fosse indiscutivelmente alcançável, por que meios chegar a ela? A CNBB responde sem pestanejar: pela reforma fundiária nos campos e – como se prevê – também nas cidades.

Qual a prova do acerto deste método tão drástico e tão grave, cuja aplicação, ademais, a CNBB quer já e já?

O assunto é discutível ao infinito entre os técnicos e homens experientes. Como pode a CNBB dá-lo por resolvido e assente, sem mais provas senão uma indicação bibliográfica das mais sumárias, contida em simples nota em pé de página? (cfr. IPT, subtítulo “I. A realidade dos fatos”).

Aliás, também sobre isso nada dizem a Escritura e a Tradição. Cabe, pois, ao Poder temporal decidir sobre a matéria. Como então se arroga a CNBB a atribuição de recomendar ao País uma determinada solução?

4º) Por fim, chama a atenção, no IPT, a inteira inexistência da perspectiva histórica. Em nenhum momento ele se refere aos antecedentes históricos do quadro da situação fundiária e laboral do Brasil de hoje (a qual, aliás, o documento pinta de modo tão exagerado, e sem qualquer rigor de documentação).

Se o fizesse, seria forçoso que ele reconhecesse não ser a presente situação (ao contrário do que ele faz entender) estagnada e refratária a qualquer mudança. Pelo contrário, a história do trabalho manual no Brasil atesta uma ascensão gradual e contínua, da qual o presente constitui o ponto mais alto rumo a um futuro melhor. Em outros termos, o Brasil está engajado em um sólido processo de paulatina ascensão popular.

Desde a luta inicial contra a natureza inculta e aspérrima, na qual se empregava o trabalho escravo de índios ou negros, até a libertação dos escravos em 1888, e o “advento” da era da legislação trabalhista em constante ampliação (1930-1980), as melhorias para a classe operária têm sido graduais, mas incessantes e largas.

Cumpre acrescentar que toda essa evolução se vem fazendo sem qualquer espécie de luta de classes.

5º) As afirmações precedentes se reportam às condições do trabalhador manual (agrícola ou urbano) que se conserva enquanto tal e não ascende de categoria. É indispensável acrescentar que a ascensão de famílias de trabalhadores manuais a médias ou altas situações na lavoura, na pecuária, na indústria e no comércio é um fato generalizadíssimo no Brasil. Não há, nestes vários setores de atividade, nível nenhum em que não se encontrem - em posição de destaque – filhos, netos ou bisnetos de trabalhadores manuais. O mesmo se pode dizer de outros importantes setores, desde o mundo político, universitário, cultural, até as Forças Armadas, os meios de comunicação social, as profissões liberais etc.

E, também neste ponto, a ascensão social se produziu sem luta com as velhas famílias da aristocracia rural, as quais, grosso modo, foram as únicas a dirigir o Brasil desde a era colonial até o grande surto industrial e urbano da era 1930-1980.

Sobre tudo isto silencia inexplicavelmente o IPT.

Cabe notar que o reconhecimento desses fatos contrariaria a política de reformas, omnímodas e açodadas, que, numa atitude não isenta de agressividade, a CNBB quer impor ao País.

6º) Mais uma vez cumpre observar em quão larga medida, praticando tal omissão, a CNBB se conduz de modo irrefletido e imaturo. Com isto, ela tende a interromper um processo de ascensão social harmônico e prudente, mas dinâmico, substituindo-o por um movimento reivindicatório “quente”, precipitado e acrimonioso.

A perspectiva admissível é pois de um incitamento feito pelo Clero de esquerda para um levante em massa contra os proprietários. Ou seja, para uma luta de classes cujo êxito custaria ao País uma eventual guerra civil, seguida, ao fim, pela implantação do regime comunista.

3 . O princípio da “opção pelos pobres” e o caráter hierárquico da sociedade cristã

Mas – objetará alguém – a “opção pelos pobres”, arvorada a justo título pela CNBB como sagrado dever dos Bispos, não importa precisamente em uma luta sistemática contra todas as desigualdades?

Em outros termos, ao caráter necessariamente hierárquico de uma genuína sociedade cristã, não se opõe o princípio da “opção pelos pobres”?

Tal opção está na própria essência do espírito católico. Porém, cumpre entendê-la. Ela não importa em que, onde haja grandes e pequenos, a Igreja entre necessariamente em liça a favor do pequeno contra o grande. Nem que, onde haja ricos e não ricos, a Igreja tenha a missão de conduzir a batalha dos segundos contra os primeiros.

Com efeito, se assim fosse, a Igreja aceitaria a tese marxista de que cada desigualdade é uma injustiça, e a existência de classes sociais estratificadas deve ser abolida. Ora, a Igreja ensina, pelo contrário, que as classes sociais distintas devem cooperar harmoniosamente para o bem comum, em lugar de se entredestruírem (cfr. Textos Pontifícios ao fim deste Capítulo).

Numa sociedade proporcionada e harmonicamente desigual, não há pois lugar para uma opção da Igreja em favor dos pobres? Certamente há. Essa opção consiste em manter o equilíbrio hierárquico ajudando o pobre, não a destruir o rico, mas a defender os direitos que este seja levado a transgredir, ou tenha efetivamente transgredido, por abuso de poder.

A “opção pelo pobres” toma sentido mais enérgico quando, em uma sociedade estratificada, a desigualdade – legítima em si, convém sempre insistir – é levada a ponto de reduzir o pobre a nível inferior ao que merece o valor específico de algum trabalho que eventualmente realize. Ou, pior ainda, a nível inferior à inalienável dignidade do homem e do cristão.

Neste caso, a Igreja opta energicamente pelo pobre, não mais para prevenir um abuso possível, ou corrigir uma injustiça censurável, mas para fazer cessar uma injustiça insuportável.

Análoga afirmação se pode fazer quanto ao pobre reduzido a um estado de miséria incompatível com suas mais elementares necessidades.

Verificada alguma dessas situações, a Igreja opta pelo pobre envidando todo o seu esforço suasório para mover o rico a restabelecer a justiça violada. E, mais ainda, para cumprir os deveres que lhe impõe a caridade cristã.

Baldos estes esforços, é concebível que, em certas situações, ela aprove que o pobre se faça justiça com suas próprias mãos, nunca porém com ferocidade. E nem, jamais, para eliminar a estratificação social. Mas para restringi-la nas devidas proporções.

Portanto, a “opção pelos  pobres” – radicada na missão de Mestra e de mantenedora da Moral (e pois da justiça e da caridade) – que toca à Igreja, deve exercer-se de dois modos diferentes, segundo a situação concreta.

Ela constitui uma opção preventiva nas situações normais, em que a Igreja deve ensinar a todos os fiéis o princípio da distinção harmônica entre as várias classes sociais, com uma atenção especialmente voltada para as camadas mais modestas, e por isto menos esclarecidas e capazes de se defender. Essa atenção visa ajudá-las a acautelarem seus direitos tão logo eles corram risco de transgressão da parte dos mais poderosos.

A mesma opção deve exercer-se também num sentido corretivo. Ou seja, onde quer que os direitos das camadas mais modestas tenham sido violados, compete à Igreja ajudá-las a recuperar o que perderam.

É bem de ver que tal opção tem sempre o sentido de proteção da harmonia das classes na sociedade hierárquica. E não da luta, do desequilíbrio e da destruição de tais classes por uma delas.

 

Textos Pontifícios – A doutrina tradicional dos Papas sobre hierarquia social em oposição à doutrina marxista da luta de classes

Os presentes textos pontifícios evidenciam que, segundo a doutrina da Igreja, a sociedade cristã deve ser constituída por classes proporcionadamente desiguais que encontram seu próprio bem, e o bem comum, em uma mútua e harmoniosa colaboração. Este ideal é diretamente oposto à doutrina marxista da luta de classes, segundo a qual toda desigualdade – quer de indivíduos, quer de classes – importa na “exploração” (ou “opressão”) dos inferiores pelos superiores. Diante dessa injustiça, a solução não é a cooperação, mas a luta dos “explorados” (ou “oprimidos”) contra os “exploradores” (ou “opressores”).

“A desigualdade de direitos e de poder provém do próprio Autor da natureza”

Encíclica Quod Apostolici Muneris de 28 de dezembro de 1878:

“Segundo as doutrinas do Evangelho, a igualdade dos homens consiste em que todos, dotados da mesma natureza, são chamados à mesma e eminente dignidade de filhos de Deus, e que, tendo todos o mesmo fim, cada um será julgado pela mesma lei e receberá o castigo ou a recompensa que merecer. Entretanto a desigualdade de direitos e de poder provém do próprio Autor da natureza, ‘de quem toda a paternidade tira o nome, no céu e na terra’ (Ef 3, 15)”. Leão XIII

[Documentos Pontifícios, Vozes, Petrópolis, fasc. 17, 4ª ed., 1962, p. 8].

O universo, a Igreja e a sociedade civil refletem o amor de Deus a uma orgânica desigualdade

Encíclica Quod Apostolici Muneris de 28 de dezembro de 1878:

“Aquele que criou e governa todas as coisas, regulou com a sua sabedoria providencial que as ínfimas coisas ajudadas pelas medianas, e estas pelas superiores, consigam todas o seu fim.

Por isso, assim como no céu quis que os coros dos Anjos fossem distintos e subordinados uns aos outros, e na Igreja instituiu graus nas ordens e diversidade de ministérios de tal forma que nem todos fossem apóstolos, nem todos doutores, nem todos pastores (1 Cor 12, 27); assim estabeleceu que haveria na sociedade civil várias ordens diferentes em dignidade, em direitos e em poder, a fim de que a sociedade fosse, como a Igreja, um só corpo, compreendendo um grande número de membros, uns mais nobres que os outros, mas todos reciprocamente necessários e preocupados com o bem comum”. Leão XIII

[Documentos Pontifícios, Vozes, Petrópolis, fasc. 17, 4ª ed., 1962, p. 9].

O espírito cristão é contrário à luta de classes

Encíclica Auspicato Concessum de 17 de setembro de 1882:

“O espírito cristão traz consigo a submissão, por consciência, à autoridade legítima, e o respeito dos direitos de quem quer que seja; e esta disposição de ânimo é o meio mais eficaz para cercear, destarte, toda desordem, as violências, as injustiças, as sedições, o ódio entre as diversas classes sociais, que são os principais móveis e, conjuntamente, as armas do Socialismo”. Leão XIII

[Documentos Pontifícios, Vozes, Petrópolis, fasc. 92, 1953, p. 13].

Nada repugna tanto à razão quanto uma igualdade matemática entre os homens

Encíclica Humanum Genus de 20 de abril de 1884:

“Se considerarmos que todos os homens são da mesma raça e da mesma natureza e que devem todos atingir o mesmo fim último e se olharmos aos deveres e aos direitos que decorrem dessa comunidade de origem e de destino, não é duvidoso que eles sejam iguais. Mas, como nem todos eles têm os mesmos recursos de inteligência, e como diferem uns dos outros, seja pelas faculdades do espírito, seja pelas energias físicas; como, enfim, existem entre eles mil distinções de costumes, de gostos, de caracteres, nada repugna tanto à razão como pretender reduzi-los todos à mesma medida e introduzir nas instituições da vida civil uma igualdade rigorosa e matemática”. Leão XIII

[Documentos Pontifícios, Vozes, Petrópolis, fasc. 13, 4ª ed., 1960, p. 20].

As desigualdades são condição de organicidade social

Encíclica Humanum Genus de 20 de abril de 1884:

“Do mesmo modo que a perfeita constituição do corpo humano resulta da união e do conjunto dos membros, que não têm as mesmas forças nem as mesmas funções, mas cuja feliz associação e concurso harmonioso dão a todo o organismo a sua beleza plástica, a sua força e a sua aptidão para prestar os serviços necessários, assim também, no seio da sociedade humana, acha-se uma variedade quase infinita de partes dessemelhantes. Se elas fossem todas iguais entre si, e livres cada uma por sua conta de agir a seu talante, nada seria mais disforme do que tal sociedade. Pelo contrário, se, por uma sábia hierarquia dos merecimentos, dos gostos, das aptidões, cada uma delas concorre para o bem geral, vedes erguer-se diante de vós a imagem de uma sociedade bem ordenada e conforme à natureza” Leão XIII

[Documentos Pontifícios, Vozes, Petrópolis, fasc. 13, 4ª ed., 1960, p. 20].

A desigualdade social reverte em proveito de todos

Encíclica Rerum Novarum de 15 de maio de 1891:

“O primeiro princípio a pôr em evidência é que o homem deve aceitar com paciência a sua condição: é impossível que na sociedade civil todos estejam elevados ao mesmo nível. É, sem dúvida, isto o que desejam os socialistas; mas contra a natureza todos os esforços são vãos. Foi ela, realmente, que estabeleceu entre os homens diferenças tão multíplices como profundas; diferenças de inteligência, de talento, de habilidade, de saúde, de força; diferenças necessárias, de onde nasce espontaneamente a desigualdade das condições. Esta desigualdade, por outro lado, reverte em proveito de todos, tanto da sociedade como dos indivíduos; porque a vida social requer um organismo muito variado e funções muito diversas, e o que leva precisamente os homens a partilharem estas funções é, principalmente, a diferença de suas respectivas condições”. Leão XIII

[Documentos Pontifícios, Vozes, Petrópolis, fasc. 2, 6ª ed., 1961, p. 12].

Assim como no corpo humano os diversos membros se ajustam entre si, da mesma forma devem integrar-se na sociedade as classes sociais

Encíclica Rerum Novarum de 15 de maio de 1891:

“O erro capital na questão presente é crer que as duas classes são inimigas natas uma da outra, como se a natureza tivesse armado os ricos e os pobres para se combaterem mutuamente num duelo obstinado. Isto é uma aberração tal, que é necessário colocar a verdade numa doutrina contrariamente oposta, pois assim como no corpo humano os diversos membros se ajustam entre si e determinam essas relações harmoniosas a que se chama adequadamente simetria, da mesma forma a natureza exige que na sociedade as classes se integrem uma às outras e por sua colaboração mútua realizem um justo equilíbrio. Cada uma delas tem imperiosa necessidade da outra; o capital não existe sem o trabalho, nem o trabalho sem o capital. Sua harmonia produz a beleza e a ordem; ao contrário, dum conflito perpétuo só podem resultar confusão e lutas selvagens”. Leão XIII

[Actes de Léon XIII, Bonne Presse, Paris, vol. III, p. 32].

Deus quis que houvesse na sociedade uma diversidade de classes

Carta Apostólica Permoti Nos de 10 de julho de 1895 ao Cardeal Goossens, Arcebispo de Malines, e aos demais Bispos da Bélgica:

“Deus quis que houvesse na sociedade humana uma diversidade de classes, mas ao mesmo tempo certa equanimidade proveniente da colaboração amistosa. Assim, os operários não devem de maneira nenhuma faltar ao respeito ou à fidelidade a seus patrões, nem estes últimos faltem em relação àqueles, com a justiça, a bondade e cuidados previdentes”. Leão XIII

[Actes de Léon XIII, Bonne Presse, Paris, tomo IV, p. 230].

A Igreja ama todas as classes e a harmoniosa desigualdade entre elas

Alocução de 24 de janeiro de 1903 ao Patriciado e à Nobreza Romana:

“Os Pontífices Romanos tiveram sempre um igual empenho em proteger e melhorar a sorte dos humildes, como em proteger e elevar as condições das classes superiores. Eles são, com efeito, os continuadores da missão de Jesus Cristo, não somente na ordem religiosa, mas também na ordem social. E Jesus Cristo, se quis passar sua vida privada na obscuridade de uma habitação humilde e ser tido por filho de um artesão; se, na sua vida pública, comprazia-se em viver no meio do povo, fazendo-lhe o bem de todas as maneiras, entretanto quis nascer de raça real, escolhendo por mãe a Maria, e por pai nutrício a José, ambos filhos eleitos da raça de Davi. Ontem, na festa de seus esponsais, podíamos repetir com a Igreja as belas palavras: ‘Maria se nos manifesta fulgurante, nascida de uma raça real’.

Por isso, a Igreja, pregando aos homens que eles são todos filhos do mesmo Pai celeste, reconhece como uma condição providencial da sociedade humana a distinção das classes; por essa razão Ela ensina que apenas o respeito recíproco dos direitos e dos deveres, e a caridade mútua darão o segredo do justo equilíbrio, do bem-estar honesto, da verdadeira paz e da prosperidade dos povos.

Quanto a Nós, também, deplorando as agitações que perturbam a sociedade civil, mais de uma vez voltamos o Nosso olhar para as classes mais humildes, que são mais perfidamente assediadas pelas seitas perversas: e Nós lhes oferecemos os desvelos maternais da Igreja. Mais de uma vez Nós o declaramos: o remédio para esses males não será jamais a igualdade subversiva das ordens sociais, mas esta fraternidade que, sem prejudicar em nada a dignidade da posição social, une os corações de todos nos mesmos laços do amor cristão”. Leão XIII

[Actes de SS Léon XIII, Bonne Presse, Paris, tomo VII, pp. 169-170].

Jesus Cristo não ensinou uma igualdade quimérica nem o desrespeito à autoridade

Carta Apostólica Notre Charge Apostolique, de 25 de agosto de 1910:

“Se Jesus foi bom para os transviados e os pecadores, não respeitou suas convicções errôneas, por sinceras que parecessem; amou-os a todos para os instruir, converter e salvar. Se chamou junto de si, para os consolar, os aflitos e os sofredores, não foi para lhes pregar o anseio de uma igualdade quimérica. Se levantou os humildes, não foi para lhes inspirar o sentimento de uma dignidade independente e rebelde à obediência”.

[Documentos Pontifícios, Vozes, Petrópolis, fasc. 53, 2ª ed., 1953, pp. 25-26]. – São Pio X

Nem por serem iguais em natureza devem os homens ocupar o mesmo posto na vida social

Encíclica Ad Beatissimi de 1º de novembro de 1914:

“Defrontando-se com os que a sorte ou a atividade própria dotaram de bens de fortuna, estão os proletários e operários, abrasados pelo ódio porque, participando da mesma natureza, não gozam entretanto da mesma condição. Naturalmente, enfatuados como estão pelos embustes dos agitadores, a cujo influxo costumam submeter-se inteiramente, quem será capaz de persuadi-los de que, nem por serem iguais em natureza, devem os homens ocupar o mesmo posto na vida social; mas que, salvo circunstâncias adversas, cada um terá o lugar que conseguiu por sua conduta? Assim, pois, os pobres que lutam contra os ricos como se estes houvessem usurpado bens alheios, agem não somente contra a justiça e a caridade, mas também contra a razão; principalmente tendo em vista que podem, se quiserem, com honrada perseverança no trabalho, melhorar a própria fortuna. É desnecessário declarar quais e quantos prejuízos acarreta esta rivalidade de classes, tanto aos indivíduos em particular, como à sociedade em geral”.

[Actes de Benoît XV, Bonne Presse, Paris, tomo I, pp. 34-35].

O trato fraterno entre superiores e inferiores não deve fazer desaparecer a variedade das condições e a diversidade das classes sociais

Encíclica Ad Beatissimi  de 1º de novembro de 1914:

“Este amor fraterno não terá por efeito fazer desaparecer a variedade das condições, nem por conseguinte a diversidade das classes sociais, assim como num corpo vivo não é possível que todos os membros tenham a mesma função e a mesma dignidade. Entretanto, esta afeição mútua fará com que os mais elevados se inclinem de algum modo para os que estão mais embaixo, e os tratem não somente segundo a justiça, como deve ser, mas ainda com benevolência, doçura e paciência; e os inferiores, de seu lado, se alegrarão com a prosperidade das pessoas de posição mais elevada, e esperarão o seu apoio com confiança, como numa mesma família, os mais jovens repousam sobre a proteção e a assistência dos mais velhos”.

[Actes de Benoît XV, Bonne Presse, Paris, tomo I, pp. 35-36].

A Igreja censura os que ateiam a luta dos pobres contra os ricos

Carta Soliti Nos de 11 de março de 1920, a Mons. Marelli, Bispo de Bérgamo:

“Eis o que importa essencialmente não perder de vista: esta vida, efêmera e sujeita a todos os males, a ninguém permite alcançar a felicidade; a felicidade verdadeira, perfeita, eterna, ser-nos-á dada no Céu, como recompensa da virtude; o Céu deve ser o fim de nossos esforços; por isso, devemos nos preocupar menos de fazer valer os nossos direitos do que de cumprir os nossos deveres; não é proibido, entretanto, e na medida do possível, melhorar a nossa sorte, pela procura de uma existência mais fácil; nada, enfim, é mais próprio a assegurar o bem geral do que a concórdia e a união de todas as classes, entre as quais não há melhor traço de união do que a caridade cristã.

Trabalhariam, pois, pessimamente pelo bem do operário – convençam-se disto – os que, ostentando a pretensão de melhorar-lhe as condições de existência, não lhe dessem a mão senão para a conquista dos bens frágeis e perecíveis desta terra, negligenciassem esclarecê-lo sobre seus deveres à luz dos princípios da doutrina cristã, e chegassem mesmo ao ponto de excitar sempre mais sua animosidade contra os ricos, entregando-se a essas declamações amargas e violentas por meio das quais nossos adversários impelem as massas para a subversão da sociedade.

Para afastar perigo tão grave, será necessária, Venerável Irmão, vossa inteira vigilância. Prodigalizando vossos conselhos – como já o tendes feito – aos que visam diretamente melhorar a condição do operário, vós lhes pedireis que evitem as intemperanças de linguagem que caracterizam os socialistas, e penetrem profundamente de espírito cristão toda a sua ação, quer tenda a realizar, quer a propagar tão nobre programa. Se este espírito cristão faltar, sem falar no mal incalculável que esta ação acarretaria, certamente dela não resultaria benefício algum. Seja-Nos lícito esperar que todos sejam dóceis às vossas instruções; se alguém se mostrar obstinado, removei-o sem hesitação do cargo que lhe estiver confiado”.

[Actes de Benoît XV, Bonne Presse, Paris, tomo II, pp. 127-128].

Acatar a hierarquia social, para o maior bem dos indivíduos e da sociedade

Carta Soliti Nos de 11 de março de 1920, a Mons. Marelli, Bispo de Bérgamo

“Os que ocupam situações inferiores quanto à posição social e à fortuna devem convencer-se bem de que a diversidade de classes na sociedade vem da própria natureza, e de que se deve procurá-la, em última análise, na vontade de Deus: ‘porque ela criou os grandes e os pequenos’ (Sap. 6, 8), para o maior bem dos indivíduos e da sociedade. Essas pessoas humildes devem compenetrar-se desta verdade: qualquer que seja a melhora que obtenham para a sua situação, tanto pelos seus esforços pessoais como com o concurso dos homens de bem, sempre lhes ficará, como aos demais homens, uma pesada herança de sofrimentos. Se tiverem essa visão exata da realidade, não se esgotarão em esforços inúteis para se elevarem a um nível superior às suas capacidades, e suportarão os males inevitáveis com a resignação e a coragem que a esperança de bens eternos dá”.

[Actes de Benoît XV, Bonne Presse, Paris, tomo II, p. 129].

É legítima a desigualdade de direitos

Encíclica Divini Redemptoris de 19 de março de 1937:

“Não é verdade que na sociedade civil todos temos direitos iguais, e que não exista hierarquia legítima”.

[Documentos Pontifícios, Vozes, Petrópolis, fasc. 1, 8ª ed., 1963, p. 17] – Pio XI.

Desigualdades sociais: fator de verdadeira união da grande família humana

Discurso de 5 de janeiro de 1942 ao Patriciado e à Nobreza Romana:

“As desigualdades sociais, inclusive as que são ligadas ao nascimento, são inevitáveis; a natureza benigna e a bênção de Deus à humanidade, iluminam e protegem os berços, beijam-nos, porém não os nivelam. Atendei mesmo para as sociedades mais inexoravelmente niveladas. Nenhum artifício jamais logrou ser bastante eficaz a ponto de fazer com que o filho de um grande chefe de um grande condutor de multidões, permanecesse em tudo no mesmo estado que um obscuro cidadão perdido no povo. Mas se tais disparidades inelutáveis podem, quando vistas de maneira pagã, parecer como uma inflexível conseqüência do conflito das forças sociais e da supremacia conseguida por uns sobre os outros segundo as leis cegas que se supõem reger a atividade humana, e consumar o triunfo de alguns, assim como o sacrifício de outros; pelo contrário, tais desigualdades não podem ser consideradas por uma mente cristãmente instruída e educada, senão como disposição desejada por Deus pelas mesmas razões que explicam as desigualdades no interior da família, e portanto com o fim de unir mais os homens entre eles, na viagem da vida presente para a pátria do céu, ajudando-se uns aos outros, da mesma forma que um pai ajuda a mãe e os filhos.

Se esta concepção paterna da superioridade social, por vezes, em virtude do ímpeto das paixões humanas, arrastou os ânimos a desvios nas relações de pessoas de categoria mais elevada, com as de condição mais humilde, a história da humanidade decaída não se surpreende com isto. Tais desvios não bastam para diminuir ou ofuscar a verdade fundamental de que para os cristãos as desigualdades sociais se fundem numa grande família humana”.

[Discorsi e Radiomessaggi di Sua Santità Pio XII, vol. III, p. 347].

As legítimas desigualdades conferem uma digna e honrada existência pessoal

Radiomensagem de Natal de 1944:

“Num povo digno de tal nome, todas as desigualdades que derivam, não do arbítrio, mas da própria natureza das coisas, desigualdades de cultura, de haveres, de posição social – sem prejuízo, bem entendido, da justiça e da caridade mútua – não são absolutamente um obstáculo à existência e ao predomínio de um autêntico espírito de comunidade e fraternidade. Pois, pelo contrário, longe de lesar de qualquer modo a igualdade civil, lhe conferem o seu significado legítimo, isto é, cada um, em face do Estado, tem o direito de viver honradamente a própria vida pessoal, no lugar e nas condições em que os desígnios e disposições da Providência o colocaram”.

[Discorsi e Radiomessaggi di Sua Santità Pio XII, vol. VI, p. 239-240].

É necessário fomentar nos jovens o espírito de hierarquia

Radiomensagem de 6 de outubro de 1948:

Desenvolvei nas almas das crianças e dos jovens o espírito hierárquico, que não recusa a cada idade seu devido desenvolvimento, a fim de dissipar, tanto quanto possível, esta atmosfera de independência e de excessiva liberdade que em nossos dias respira a juventude, e que a levaria a repelir toda autoridade e todo freio; procurai, ao mesmo tempo, suscitar e formar o senso da responsabilidade e relembrando que a liberdade não é o único entre todos os valores humanos, ainda que seja contado entre os primeiros, mas que tem seus limites intrínsecos nas normas incontestáveis da honestidade, e extrínsecos nos direitos correlativos dos demais, tanto de cada um em particular quanto da sociedade tomada em seu conjunto”.

[Discorsi e Radiomessaggi di Sua Santità Pio XII, vol. X, p. 247].

Estabelecer a igualdade absoluta seria destruir o organismo social

Discurso de 4 de junho de 1953:

“É preciso que vos sintais verdadeiramente irmãos. Não se trata de uma simples alegoria: sois verdadeiramente filhos de Deus e portanto verdadeiros irmãos.

Pois bem, os irmãos não nascem nem permanecem todos iguais: uns são fortes, outros débeis; uns inteligentes, outros incapazes; talvez algum seja anormal, e também pode acontecer que se torne indigno. É pois inevitável uma certa desigualdade material, intelectual, moral, numa mesma família...

Pretender a igualdade absoluta de todos seria o mesmo que pretender dar idênticas funções a membros diversos do mesmo organismo”.

[Discorsi e Radiomessaggi di Sua Santità Pio XII, vol. XV, p. 195].

Quem ousa negar a diversidade de classes sociais contradiz a ordem mesma da natureza

Encíclica Ad Petri Cathedram de 29 de junho de 1959:

“A concórdia que se procura entre os povos deve ser promovida cada vez mais entre as classes sociais. Se isto não se verifica, podem em conseqüência resultar ódios e dissensões, como já estamos presenciando; daí nascerão perturbações, revoluções e por vezes massacres, bem como a diminuição progressiva da riqueza e as crises que afetam a economia pública e privada. ... Quem ousa, pois, negar a diversidade de classes sociais contradiz a ordem mesma da natureza. E também os que se opõem a esta colaboração amistosa e necessária entre as classes buscam, sem dúvida, perturbar e dividir a sociedade, para o maior dano do bem público e privado. ... É verdade que toda classe e toda categoria de cidadãos pode defender os próprios direitos, desde que o faça na legalidade e sem violência, no respeito dos direitos alheios, tão invioláveis quanto os seus. Todos são irmãos; é, pois, necessário que todas as questões se resolvam amigavelmente, com caridade fraterna e mútua”.

[Acta Apostolicae Sedis, vol. LI, no. 10, pp. 505-506]. – João XXIII.

Uma sociedade sem classes: perigosa utopia

Alocução aos jovens em Belo Horizonte, em 1º de julho de 1980:

“Aprendi que um jovem cristão deixa de ser jovem, e há muito não é cristão, quando se deixa seduzir por doutrinas ou ideologias que pregam o ódio e a violência. ...

Aprendi que um jovem começa perigosamente a envelhecer quando se deixa enganar pelo princípio fácil e cômodo de que ‘o fim justifica os meios’, quando passa a acreditar que a única esperança para melhorar a sociedade está em promover a luta e o ódio entre grupos sociais, na utopia de uma sociedade sem classes, que se pode revelar bem cedo na criação de novas classes”.

[Todos os pronunciamentos do Papa no Brasil, Loyola, São Paulo, 1980, p. 34]. – João Paulo II.

Destaques em negrito e subtítulos do autor.


[1] Comentando essa passagem do Evangelho, em que Maria, irmã de Marta e de Lázaro, “tomando uma libra de ungüento de nardo legítimo, de grande valor, ungiu os pés de Jesus e os enxugou com seus cabelos”, provocando assim os protestos de Judas Iscariotis (Jo. 12, 3 a 8). SÃO TOMÁS diz: “Às vezes deve-se fazer o que é menos necessário se há ocasião para fazer depois o que é mais necessário. E por isto o Senhor, embora fosse mais necessário dar o ungüento aos pobres do que ungir com ele seus pés, posto que isso ainda poderia ser feito pelo fato de sempre termos pobres entre nós, assim permitiu o Senhor que se fizesse o menos necessário” (Super Evangelium S. Joannis Lectura, Marietti, Taurini-Romae, 1952, p. 301 – destaques do autor).

No mesmo sentido, diz o PE. DENIS BUZY S.C.J., comentando a passagem paralela de São Mateus (26,11): “Jesus toma a defesa de Maria... A razão alegada é de uma intimidade comovedora”: “Pobres sempre tereis entre vós, mas a Mim não Me tereis sempre”. O Deuteronômio tinha já formulado a profecia, bem confirmada pelos fatos: “Nunca faltarão pobres no meio do povo” (Dt. 15, 11). Mas é a primeira vez que a santa Humanidade de Jesus se contrapunha a esta porção da humanidade sofredora e digna de interesse” (La Sainte Bible – Évangile Selon Saint Matthieu, Letouzey et Ané, Paris, tomo IX, 1946, pp. 341-342).


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