Capítulo XI

 

 

A Contra-Revolução e a sociedade temporal

 

 

 

 

 

 

 

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A Contra-Revolução e a sociedade temporal é tema já tratado a fundo, de ângulos diversos, em muitas obras de valor. Não podendo abarcá-lo todo, o presente trabalho se cinge a dar os princípios mais gerais de uma ordem temporal contra-revolucionária56 e a estudar as relações entre a Contra-Revolução e algumas das organizações mais importantes que lutam por uma boa ordem temporal.

1. A Contra-Revolução e as entidades de caráter social

Na sociedade temporal, agem numerosos organismos destinados a resolver a questão social tendo em vista, direta ou indiretamente o mesmo fim supremo da Contra-Revolução, a instauração do Reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo. Dada esta comunidade de fins57, importa estudar as relações entre a Contra-Revolução e aqueles organismos.

A. Obras de caridade, serviço social, assistência social, associações de patrões, de operários, etc.

a. Na medida em que as obras em epígrafe normalizam a vida econômica e social, prejudicam o desenvolvimento do processo revolucionário. E, neste sentido, são ipso facto, e ainda que de modo apenas implícito e indireto, auxiliares preciosos da Contra-Revolução.

b. Contudo, convém, para tal, lembrar algumas verdades que, infelizmente, não é tão raro encontrar obnubiladas entre os que abnegadamente se dedicam a essas obras:

* É certo que tais obras podem aliviar, e em certos casos suprimir as necessidades materiais geradoras de tanta revolta nas massas. Mas o espírito de Revolução não nasce sobretudo da miséria. Sua raiz é moral, e portanto religiosa58. Assim, é preciso que nas obras de que tratamos se fomente, em toda a medida em que a natureza especial de cada uma o comporte, a formação religiosa e moral, com especial cuidado no que diz respeito à premunição das almas contra o vírus revolucionário, tão forte em nossos dias.

* A Igreja, Mãe compassiva, estimula tudo quanto possa trazer alívio às misérias humanas. Ela não nutre a ilusão de que as eliminará todas. E prega uma santa conformidade com a doença, a pobreza e outras privações.

* É certo que nessas obras se apresentam ocasiões preciosas para criar um clima de compreensão e caridade entre patrões e operários, e consequentemente se pode operar uma desmobilização dos espíritos prontos já para a luta de classes. Mas seria errado supor que a bondade desarma sempre a maldade humana. Nem sequer os benefícios incontáveis de Nosso Senhor em sua vida terrena conseguiram evitar o ódio que Lhe tiveram os maus. Assim, embora na luta contra a Revolução se deva de preferência guiar e esclarecer amistosamente os espíritos, é patente que um combate direto e expresso contra as várias formas desta - o comunismo, por exemplo - por todos os meios justos e legais, é licito e, geralmente, até indispensável.

* É particularmente de se observar que essas obras devem incutir em seus beneficiários ou associados uma verdadeira gratidão pelos favores recebidos, ou, quando não se trate de favores mas de atos de justiça, um real apreço pela retidão moral inspiradora de tais atos.

* Nos parágrafos anteriores, tivemos em mente principalmente o trabalhador. Cumpre salientar que o contra-revolucionário não é sistematicamente favorável a uma ou a outra classe social. Altamente cioso do direito de propriedade, ele deve, entretanto, lembrar às classes elevadas que não lhes basta combater a Revolução nos campos em que esta lhes ataca as vantagens, e paradoxalmente favorecê-la - como tantas vezes se vê - pelas palavras ou pelo exemplo, em todos os outros terrenos, como a vida de família, as praias, piscinas, e outras diversões, as atividades intelectuais, artísticas, etc. Um operariado que lhes siga o exemplo e lhes aceite as idéias revolucionárias será forçosamente utilizado pela Revolução contra as elites “semicontra-revolucionárias”.

* Será igualmente nocivo à aristocracia e à burguesia vulgarizar-se nas maneiras e nos trajes, para desarmar a Revolução. Uma autoridade social que se degrada é, também ela, comparável ao sal que não salga. Só serve para ser atirada à rua e sobre ela pisarem os transeuntes59. Fá-lo-ão, na maioria dos casos, as multidões cheias de desprezo.

* Conservando-se com dignidade e energia em sua situação, devem as classes altas ter um trato direto e benévolo com as demais. A caridade e a justiça praticadas à distância não bastam para estabelecer entre as classes relações de amor verdadeiramente cristão.

* Sobretudo lembrem-se os proprietários de que, se há muitas pessoas dispostas a defender contra o comunismo a propriedade privada (concebida, é claro, como um direito individual com função também social), é pelo princípio de que ela é desejada por Deus e intrinsecamente conforme à Lei natural. Ora, tal princípio tanto se refere à propriedade do patrão quanto à do operário. Em conseqüência, o mesmo princípio da luta contra o comunismo deve levar o patrão a respeitar o direito do trabalhador a um salário justo, condizente com suas necessidades e as de sua família. Convém recordá-lo para acentuar que a Contra-Revolução não é a defensora apenas da propriedade patronal, mas da de ambas as classes. Ela não luta por interesses de grupos ou categoria sociais, mas por princípios.

B. Luta contra o comunismo

Referimo-nos com este subtítulo às organizações que não se dedicam principalmente à construção de uma ordem social boa, mas ao combate contra o comunismo. Pelos motivos já expostos neste trabalho, reputamos legítimo e muitas vezes até indispensável tal tipo de organização. É claro que desta forma não identificamos a Contra-Revolução com abusos que organismos deste tipo possam ter praticado num ou noutro país.

Entretanto, consideramos que a eficácia contra-revolucionária de tais organismos pode ser acrescida de muito se, conservando-se embora em seu terreno especializado, os seus membros tiverem sempre em vista algumas verdades essenciais:

* Só uma refutação inteligente do comunismo é eficaz. A mera repetição de “slogans”, mesmo quando inteligentes e hábeis, não basta.

* Essa refutação, nos meios cultos, deve visar os últimos fundamentos doutrinários do comunismo. É importante apontar o seu caráter essencial de seita filosófica que deduz de seus princípios uma peculiar concepção do homem, da sociedade, do Estado, da História, da cultura, etc. Exatamente como a Igreja deduz da Revelação e da Lei Moral todos os princípios da civilização e da cultura católica. Entre o comunismo, seita que contém em si a plenitude da Revolução, e a Igreja, não há, pois, conciliação possível.

* As multidões ignoram o chamado comunismo científico, e não é a doutrina de Marx que atrai as massas. Uma ação ideológica anticomunista deve visar, junto ao grande público, um estado de espírito muito difundido, que dá amiúde aos próprios adversários do comunismo certa vergonha de se voltarem contra este. Procede tal estado de espírito da idéia, mais ou menos consciente, de que toda desigualdade é uma injustiça, e de que se deve acabar, não só com as fortunas grandes, como com as médias, pois se não houvesse ricos também não haveria pobres. É, como se vê, um resíduo de certas escolas socialistas do século XIX, perfumado por um sentimentalismo romântico. Daí nasce uma mentalidade que, professando-se anticomunista, entretanto a si mesma se intitula, freqüentemente, socialista. Esta mentalidade, cada vez mais poderosa no Ocidente, constitui um perigo muito maior do que a doutrinação propriamente marxista. Ela nos conduz lentamente por um declive de concessões que poderão chegar até o ponto extremo de transformar em repúblicas comunistas as nações de aquém cortina de ferro. Tais concessões, que deixam ver uma tendência ao igualitarismo econômico e ao dirigismo, se vão notando em todos os campos. A iniciativa privada vai sendo sempre mais cerceada. Os impostos de transmissão causa mortis são tão onerosos que em certos casos o Fisco é o maior herdeiro. As interferências oficiais em matéria de câmbio, exportação e importação colocam na dependência do Estado todos os interesses industriais, comerciais e bancários. Nos salários, nos aluguéis, nos preços, em tudo o Estado intervém. Ele tem industrias, bancos, universidades, jornais, rádio-emissoras, canais de televisão, etc. E ao mesmo passo que o dirigismo igualitário vai assim transformando a economia, a imoralidade e o liberalismo vão dissolvendo a família e preparando o chamado amor livre.

Sem um combate específico a esta mentalidade, ainda que um cataclismo tragasse a Rússia e a China, o Ocidente dentro de cinqüenta ou cem anos seria comunista.

* O direito de propriedade é tão sagrado que, mesmo se um regime desse à Igreja toda a liberdade, e até todo o apoio, Ela não poderia aceitar como lícita uma organização social em que todos os bens fossem coletivos.

2. Cristandade e República Universal

A Contra-Revolução, inimiga da República Universal, também não é favorável à situação instável e anorgânica criada pela cisão da Cristandade e pela secularização da vida internacional nos Tempos Modernos.

A plena soberania de cada nação não se opõe a que os povos que vivem na Igreja, formando uma vasta família espiritual, constituam, para resolver suas questões no plano internacional, órgãos profundamente impregnados de espírito cristão e possivelmente presididos por representantes da Santa Sé. Tais órgãos poderiam também favorecer a cooperação dos povos católicos para o bem comum em todos os seus aspectos, especialmente no que diz respeito à defesa da Igreja contra os infiéis, e à proteção da liberdade dos missionários em terras gentílicas ou dominadas pelo comunismo. Poderiam tais órgãos, por fim, entrar em contacto com povos não católicos para a manutenção da boa ordem nas relações internacionais.

Sem negar os importantes serviços que em várias ocasiões possam ter prestado neste sentido organismos leigos, a Contra-Revolução deve fazer ver sempre a terrível lacuna que é a laicidade destes, bem como alertar os espíritos contra o risco de que esses organismos se transformem num germe de Republica Universal60.

3. Contra-Revolução e nacionalismo

Nesta ordem de idéias, a Contra-Revolução deverá favorecer a manutenção de todas as sadias características locais, em qualquer terreno, na cultura, nos costumes, etc.

Mas seu nacionalismo não tem o caráter de depreciação sistemática do que é de outros, nem de adoração dos valores pátrios como se fossem desligados do grande acervo da civilização cristã.

A grandeza que a Contra-Revolução deseja para todos os países só é e só pode ser uma: a grandeza cristã, que implica na preservação dos valores peculiares a cada um, e no convívio fraterno entre todos.

4. A Contra-Revolução e o militarismo

O contra-revolucionário deve lamentar a paz armada, odiar a guerra injusta e deplorar a corrida armamentista de nossos dias.

Não tendo, porém, a ilusão de que a paz reinará sempre, considera uma necessidade deste mundo de exílio a existência da classe militar, para a qual pede toda a simpatia, todo o reconhecimento, toda a admiração a que fazem jus aqueles cuja missão é lutar e morrer para o bem de todos61

Notas:

56) Cfr. especialmente Parte I - Cap. VII, 2.

57) Cfr. Parte II - Cap. XII, 7.

58) Cfr. Leão XIII, Encíclica Graves de Communi, de 18-I-1901, Bonne Presse, Paris, vol. VI, p. 212.

59) Cfr. Mt. 5, 13.

60) Cfr. Parte I - Cap. VII, 3, A, k.

61) Cfr. parte I - Cap. XII.

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