Plinio Corrêa de Oliveira
Introdução
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“Catolicismo” dá a lume, hoje (1), seu centésimo número, e quer assinalar o fato marcando a presente edição com uma nota especial, que propicie um aprofundamento da comunicação de alma, já tão grande, que tem com seus leitores. Para isso, nada lhe pareceu mais oportuno do que a publicação de um artigo sobre o tema Revolução e Contra-Revolução. É fácil explicar a escolha do assunto. “Catolicismo” é um jornal combativo. Como tal, deve ser julgado principalmente em função do fim que seu combate tem em vista. Ora, a quem, precisamente, quer ele combater? A leitura de suas páginas produz a este respeito uma impressão talvez pouco definida. É freqüente encontrar, nelas, refutações do comunismo, do socialismo, do totalitarismo, do liberalismo, do liturgicismo, do maritainismo, e de outros tantos “ismos”. Contudo, não se diria que temos tão mais em vista um deles, que por aí nos pudéssemos definir. Por exemplo, haveria exagero em afirmar que “Catolicismo” é uma folha especificamente antiprotestante ou anti-socialista. Dir-se-ia, então, que o jornal tem uma pluralidade de fins. Entretanto, percebe-se que, na perspectiva em que ele se coloca, todos estes pontos de mira têm como que um denominador comum, e que é este o objetivo sempre visado por nossa folha. O que é esse denominador comum? Uma doutrina? Uma força? Uma corrente de opinião? Bem se vê que uma elucidação a respeito ajuda a compreender até suas profundezas toda a obra de formação doutrinária que “Catolicismo” veio realizando ao longo destes cem meses. * * * O estudo da Revolução e da Contra-Revolução excede de muito, em proveito, este objetivo limitado. Para demonstrá-lo, basta lançar os olhos sobre o panorama religioso de nosso País. Estatisticamente, a situação dos católicos é excelente: segundo os últimos dados oficiais constituímos 94% da população. Se todos os católicos fôssemos o que devemos ser, o Brasil seria hoje uma das mais admiráveis potências católicas nascidas ao longo dos vinte séculos de vida da Igreja. Por que, então, estamos tão longe deste ideal? Quem poderia afirmar que a causa principal de nossa presente situação é o espiritismo, o protestantismo, o ateísmo, ou o comunismo? Não. Ela é outra, impalpável, sutil, penetrante como se fosse uma poderosa e temível radioatividade. Todos lhe sentem os efeitos, mas poucos saberiam dizer-lhe o nome e a essência. Ao fazer esta afirmação, nosso pensamento se estende das fronteiras do Brasil para as nações hispano-americanas, nossas tão caras irmãs, e daí para todas as nações católicas. Em todas, exerce seu império indefinido e avassalador o mesmo mal. E em todas produz sintomas de uma grandeza trágica. Um exemplo entre outros. Em carta dirigida em 1955, a propósito do Dia Nacional de Ação de Graças, a Sua Eminência o Cardeal D. Carlos Carmelo de Vasconcelos Motta, Arcebispo de S. Paulo, o Exmo. Revmo. Mons. Angelo Dell'Acqua, Substituto da Secretaria de Estado, dizia que “em conseqüência do agnosticismo religioso dos Estados”, ficou “amortecido ou quase perdido na sociedade moderna o sentir da Igreja”. Ora, que inimigo desferiu contra a Esposa de Cristo este golpe terrível? Qual a causa comum a este e a tantos outros males concomitantes e afins? Com que nome chamá-la? Quais os meios por que ela age? Qual o segredo de sua vitória? Como combatê-la com êxito? Como se vê, dificilmente um tema poderia ser de mais flagrante atualidade. * * * Este inimigo terrível tem um nome: ele se chama Revolução. Sua causa profunda é uma explosão de orgulho e sensualidade que inspirou, não diríamos um sistema, mas toda uma cadeia de sistemas ideológicos. Da larga aceitação dada a estes no mundo inteiro, decorreram as três grandes revoluções da História do Ocidente: a Pseudo-Reforma, a Revolução Francesa e o Comunismo (2). O orgulho leva ao ódio a toda superioridade, e, pois, à afirmação de que a desigualdade é em si mesma, em todos os planos, inclusive e principalmente nos planos metafísico e religioso, um mal. É o aspecto igualitário da Revolução. A sensualidade, de si, tende a derrubar todas as barreiras. Ela não aceita freios e leva à revolta contra toda autoridade e toda lei, seja divina ou humana, eclesiástica ou civil. É o aspecto liberal da Revolução. Ambos os aspectos, que têm em última análise um caráter metafísico, parecem contraditórios em muitas ocasiões, mas se conciliam na utopia marxista de um paraíso anárquico em que uma humanidade altamente evoluída e “emancipada” de qualquer religião vivesse em ordem profunda sem autoridade política, e em uma liberdade total da qual entretanto não decorresse qualquer desigualdade. A Pseudo-Reforma foi uma primeira Revolução. Ela implantou o espírito de dúvida, o liberalismo religioso e o igualitarismo eclesiástico, em medida variável aliás nas várias seitas a que deu origem. Seguiu-se-lhe a Revolução Francesa, que foi o triunfo do igualitarismo em dois campos. No campo religioso, sob a forma do ateísmo, especiosamente rotulado de laicismo. E na esfera política, pela falsa máxima de que toda a desigualdade é uma injustiça, toda autoridade um perigo, e a liberdade o bem supremo. O Comunismo é a transposição destas máximas para o campo social e econômico. Estas três revoluções são episódios de uma só Revolução, dentro da qual o socialismo, o liturgicismo, a “politique de la main tendue”, etc., são etapas de transição ou manifestações atenuadas. Sobre os erros através dos quais se opera a penetração larvada do espírito da Revolução em ambientes católicos, o Exmo. Revmo. Sr. D. Antônio de Castro Mayer, Bispo de Campos, publicou uma Carta Pastoral da maior importância (3). * * * Claro está que um processo de tanta profundidade, de tal envergadura e tão longa duração não pode desenvolver-se sem abranger todos os domínios da atividade do homem, como por exemplo a cultura, a arte, as leis, os costumes e as instituições. Um estudo pormenorizado deste processo em todos os campos em que se vem desenrolando, excederia de muito o âmbito deste artigo. Nele procuramos - limitando-nos a um veio apenas deste vasto assunto - traçar de modo sumário os contornos da imensa avalancha que é a Revolução, dar-lhe o nome adequado, indicar muito sucintamente suas causas profundas, os agentes que a promovem, os elementos essenciais de sua doutrina, a importância respectiva dos vários terrenos em que ela age, o vigor de seu dinamismo, o “mecanismo” de sua expansão. Simetricamente, tratamos depois de pontos análogos referentes à Contra-Revolução, e estudamos algumas das suas condições de vitória. Ainda assim, não pudemos explanar, de cada um destes temas, senão as partes que nos pareceram mais úteis, no momento, para esclarecer nossos leitores e facilitar-lhes a luta contra a Revolução. E tivemos de deixar de lado muitos pontos de uma importância realmente capital, mas de atualidade menos premente. O presente trabalho, como dissemos, constitui um simples conjunto de teses, através das quais melhor se pode conhecer o espírito e o programa de “Catolicismo”. Exorbitaria ele de suas proporções naturais, se contivesse uma demonstração cabal de cada afirmação. Cingimo-nos tão somente a desenvolver o mínimo de argumentação necessário para pôr em evidência o nexo existente entre as várias teses, e a visão panorâmica de toda uma vertente de nossas posições doutrinárias. Tendo “Catolicismo” leitores em quase todo o Ocidente, pareceu conveniente publicar uma tradução deste trabalho, em separata. Preferimos o francês, já consagrado pela tradição diplomática, por ser o idioma de país católico mais universalmente conhecido. Este artigo pode servir de inquérito. O que, no Brasil e fora dele, pensa exatamente sobre a Revolução e a Contra-Revolução o público que lê “Catolicismo”, que é certamente dos mais infensos à Revolução? Nossas proposições, embora abrangendo apenas uma parte do tema, podem dar ocasião a que cada um se interrogue, e nos envie sua resposta, que com todo o interesse acolheremos. Notas: (1) Esta Introdução foi publicada no n° 100 de “Catolicismo”, abril de 1959. (2) Cfr. Leão XIII, Encíclica “Parvenus à la Vingt-Cinquième Année” [vide tradução em português neste mesmo site], de 19-III-1902 – “Bonne Presse”, Paris, vol. VI, p. 279). (3) Carta Pastoral sobre os Problemas do Apostolado Moderno - Boa Imprensa Ltda., Campos, 1953, 2ª. edição. |