Reforma Agrária - Questão de Consciência


Considerações Finais

As pessoas recebem na eternidade o prêmio ou o castigo merecido por seus atos. Por isto, Deus às vezes concede a felicidade terrena ao ímpio, recompensando-o aqui por algum bem praticado e reservando a punição para depois da morte. De outro lado, não é raro que o justo pague neste mundo, com sofrimentos diversos, algum mal que tenha feito, e seu prêmio lhe seja dado principalmente na outra vida. Pode, pois, acontecer aqui que o bom seja por vezes infeliz, e o ímpio, feliz.

Em relação aos Estados, faz ver Santo Agostinho, a situação é outra. Também eles estão sujeitos à justiça de Deus. Mas como no Céu e no inferno não haverá nações, cumpre que estas sejam premiadas ou punidas já neste mundo. De onde ser a nação virtuosa normalmente feliz; e a pecadora, infeliz.

Desejamos, pois, preservar nosso amado Brasil de dolorosas perspectivas afastando-o da "Reforma Agrária", contrária à lei de Deus. Exprimimos o desejo de que todos os brasileiros, e mais particularmente todos os católicos, usem para tal os meios legais a seu alcance.

No momento em que a classe dos agricultores, há tanto tempo dividida e lesada, se encontra a sós frente a um risco inegável, é sem interesses pessoais de qualquer ordem, mas movidos pelo desejo de defender seus direitos, porque fundados no Decálogo e no bem comum, que publicamos este trabalho.

Como católicos, desejamos aqui externar quanto apreço nos merece a agricultura, tão respeitável em si, tão propícia à prática da virtude e à salvação das almas.

Como brasileiros, com prazer aproveitamos esta ocasião para dizer aos agricultores quanto reconhecimento lhes temos, por todo o bem que nosso País lhes deve.

Tudo isto nos põe à vontade para lhes apresentar algumas ponderações.

* * *

A desigualdade social e econômica é em si mesma legítima e necessária. Mas, hoje mais do que nunca, ela só se faz aceitar de bom grado quando a elite une a um verdadeiro senso de hierarquia de valores, um cuidado extremo em reconhecer os direitos dos que lhe são subordinados.

Empenhem-se pois nossos agricultores, por iniciativa própria, e sem parecerem arrastados a isto pela demagogia revolucionária, em preparar seriamente o soerguimento das condições de vida dos trabalhadores rurais. Para tanto, sejam ciosos de lhes pagar sempre o salário justo, familiar e não inferior a um mínimo razoável. Sejam propensos a admitir outras medidas com o mesmo fim, quando couberem, como a parceria, ou a difusão da pequena propriedade pelo sistema de loteamentos, que já se pratica, e outras análogas. Procurem criar nos seus empregados apreço sempre maior pela poupança, pelo asseio e pelo bom-gosto no lar.

Não ignoramos, aliás, que tal programa não depende só da classe dos agricultores, já tão onerada, mas de todo um conjunto de circunstâncias, entre as quais a compreensão do próprio trabalhador.

No conceber o progresso deste último, cumpre, como já dissemos (308), incutir nele o desejo não só de bem-estar como de prosperidade, embora não o transformando em citadino nem em burguês. Ademais, um sadio regionalismo deve velar por que se conserve e até se aprimore para o homem do campo todo o ambiente peculiar à sua respectiva zona.

Conselhos, aspirações vagas, palavras, dirá talvez alguém. Por que não traçar um programa concreto, fundar uma obra, fazer enfim algo de palpável?

A cada qual sua tarefa. Não somos agricultores, mas homens de estudo. Cientes de quanto pode em qualquer assunto a fixação de princípios básicos claros e verdadeiros, conjugamo-nos para de todo o coração dar ao problema o contributo que de homens de estudo, modestos embora, se pode esperar. Pertence aos agricultores o campo das realizações.

Mas um ponto há, que em geral se ressalta insuficientemente, e que deve servir de fecho a esta Parte I. A questão agrária ora agitada no Brasil é um aspecto da questão social. E esta, segundo ensinam os Papas, não é principalmente uma questão econômica, mas moral (309). Onde os homens são maus, nada pode ser bom. E a questão moral, todo bom católico o sabe, é essencialmente religiosa. A chamada moral leiga e sem Deus nada pode.

Uma verdadeira formação religiosa deve, pois, ser o meio primordial de se resolver a questão agrária. E neste sentido cabe ao proprietário um grande papel.

Deve ele favorecer quanto possa o culto católico e a instrução religiosa na fazenda, para crianças e para adultos. Ademais, evitando ser em sua propriedade os perpétuos ausentes, devem ele e os seus dar o exemplo aos empregados, freqüentando os Sacramentos, presidindo às orações em comum e ministrando instrução catequética quando não houver Sacerdote que o faça. Seus trajes e os dos membros de sua família sejam compostos e recatados. Façam quanto puderem para regularizar as uniões ilegítimas. Reprimam o alcoolismo e o jogo, favoreçam as boas diversões. Consagrem ao Sagrado Coração de Jesus e ao Imaculado Coração de Maria seu lar e a fazenda toda, convidando os trabalhadores a que repitam a consagração em suas respectivas casas.

Essas e outras medidas poderão assegurar o Reinado de Jesus Cristo no campo. E onde Jesus Cristo entra, cessam as divisões, as lutas de classe, as injustiças e os vícios.

Nesta via, cônscio de seu direito, atue e lute intensamente o agricultor para defender o que é seu. Faça-o por amor à justiça e à civilização cristã.

O homem que luta por seus direitos merece respeito. O que luta por princípios e ideais verdadeiros merece, mais do que isto, admiração.

Que Nossa Senhora, que de seu trono sagrado de Aparecida rege todo o Brasil, conceda a este trabalho a graça de contribuir para o bem com vistas ao qual foi escrito: a concórdia das classes numa sábia e harmoniosa hierarquia, em que sejam respeitados os direitos proporcionados dos grandes e dos pequenos, segundo a lei de Deus. Em suma, a paz verdadeira, que é a tranqüilidade da ordem (310) ou, em termos mais altos, a paz de Cristo no Reino de Cristo.


Notas:

(308) Cfr. Proposição 22.

(309) Cfr. Textos Pontifícios da Proposição 31.

(310) Cfr. Santo Agostinho, XIX "De Civ. Dei", c. 13.


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