Reforma Agrária - Questão de Consciência


Secção II

Opiniões socializantes que preparam o ambiente para a "Reforma Agrária": exposição e análise

Observações preliminares

 

Objetivo da Secção II

A Secção II desta Parte tem por fim considerar, não mais o sistema de idéias socialista, mas as mais importantes dentre as opiniões que preparam o ambiente – até mesmo em círculos que se reputam conservadores e anti-socialistas – para uma certa receptividade em relação a reformas socializantes de nossa organização social e econômica, e portanto também para a "Reforma Agrária".

O sistema socialista, já analisado na Secção anterior, é abordado agora em plano apenas secundário, e a dois títulos diversos:

– Dado que várias dessas opiniões, nascidas em geral do laicismo, do sentimentalismo, do filantropismo e do positivismo jurídico, sem serem exclusivas do socialismo, se encontram também nele, as refutações feitas aqui atingirão acidentalmente alguns aspectos do sistema socialista, radical ou moderado.

– Para refutar algumas das opiniões impugnadas nesta Secção II, usaremos como argumento o simples fato de que elas são tipicamente socialistas. A eficácia do argumento resulta de ser provado, em capítulo anterior (55), a incompatibilidade entre o socialismo e a doutrina católica.

 

Confronto de proposições

Ao enunciar cada uma dessas opiniões, confrontamo-la com a proposição oposta, inspirada na doutrina católica. Tal confrontação nos parece o meio mais eficiente para acentuar o contraste entre as convicções tradicionais e cristãs do povo brasileiro, e o espírito socialista ou socializante que vem soprando sobre ele.

Não se visa pois, aqui, principalmente a esclarecer pessoas que já tomaram posição firme no assunto, nem a fornecer uma noção deste a quem o ignore inteiramente. O objetivo do confronto consiste em dar, a muitos leitores que consciente ou subconscientemente ainda hesitam, a sensação viva da transformação ideológica que neles se passa sem que, absorvidos pelas mil ocupações da vida cotidiana, a tenham notado.

 

Comentários

Acompanhamos em geral as proposições de comentários tão sintéticos quanto possível. Esses comentários não tratam de toda a matéria contida nas proposições, mas apenas de um ou outro ponto mais relevante.

 

Textos pontifícios

Em seguida aos comentários, citamos com freqüência textos hauridos no imenso e rico acervo dos documentos pontifícios: Encíclicas, Cartas Apostólicas, Alocuções etc.

O desejo de não ampliar excessivamente as dimensões do trabalho priva-nos de publicar maior número de textos alusivos às matérias aqui tratadas. Escolhemos de preferência aqueles que afirmam os grandes princípios básicos em torno dos quais gira toda a controvérsia referente à "Reforma Agrária". Também nos empenhamos em documentar com ensinamentos pontifícios alguns pontos talvez não capitais, mas a cujo respeito nos parece haver muita confusão na opinião pública.

As proposições são apresentadas concatenadamente, de sorte que as posteriores são de algum modo prejulgadas, pelo menos no que têm de mais essencial, pelas soluções dadas às anteriores. É natural, pois, que à medida em que as proposições se sucedem, as citações de Papas se vão tornando mais raras. Como o capítulo IV versa matéria algum tanto diferente, comporta textos pontifícios especiais, que, por isso, a partir da pág. ... voltam a ser mais numerosos.

As epígrafes que precedem os textos visam a realçar nestes algum aspecto, relacionando-o ao mesmo tempo com o tema versado na respectiva proposição ou comentário.

 

Divisão e concatenação das proposições

Dividimos as proposições em cinco capítulos.

O primeiro versa sobre questões relacionadas mais diretamente com a legitimidade do instituto da propriedade privada, da família, das desigualdades sociais e econômicas, do salariado etc., em face da moral e da doutrina social da Igreja.

O segundo capítulo trata, em suas várias proposições, de outro problema. Uma estrutura agropecuária pode ser, em seus próprios princípios constitutivos, contrária às conveniências da produção. Analisados a esta luz os princípios constitutivos de nossa estrutura presente, pode-se mostrar que são bons.

O terceiro capítulo cuida de matéria afim, mas diversa. Ele abstrai dos princípios constitutivos, para só considerar os fatos concretos. Nas proposições impugnadas, apresenta os vários traços do quadro de nossa realidade agropecuária, deformado pelos prismas socialistas. Nas proposições afirmadas, vem descrito o quadro objetivo dessa mesma realidade.

Um e outro quadro abrem horizonte para a Parte II, pois ambos se ordenam principalmente em função do problema da produção: na ordem concreta dos fatos, a lavoura e a pecuária estão produzindo o necessário para a prosperidade e o progresso do País? A atual estrutura agropecuária é a grande culpada pela crise brasileira?

A demonstração cabal de que o quadro descrito nas proposições afirmadas é verdadeiro, e de que o das proposições impugnadas é falso, se encontra na Parte II.

Este capítulo terceiro dá, pois, o nexo entre os aspectos religiosos e sociais da "Reforma Agrária" (Parte I) e seus aspectos econômicos (Parte II).

Em seguida, no capítulo quarto, estuda-se o problema: deve a opinião católica pronunciar-se sobre a "Reforma Agrária"?

Os assuntos tratados são agora algum tanto diversos.

Lidos os capítulos anteriores, o espírito se volta com interesse particular para o problema, já rapidamente abordado na Introdução, da congruência de uma intervenção da Igreja nos assuntos atinentes à "Reforma Agrária" (56). E, nos flancos deste problema, ganham vulto as questões relativas à oportunidade dessa interferência, quer do ponto de vista da Igreja, quer do País. Essas questões de oportunidade podem resumir-se assim:

– que conseqüências terá sobre a opinião pública o fato de se patentear, na atual fase de proselitismo em prol da "Reforma Agrária", a incompatibilidade entre esta e a doutrina católica?

– quais as conseqüências que a promulgação da "Reforma Agrária" traria para a vida religiosa do Brasil? Delineia-se aqui a questão de consciência (57).

Enunciadas todas as proposições, pareceu conveniente resumi-las num quadro sintético, o qual constitui o Capítulo V.

 

Capítulo I

A atual estrutura rural brasileira é em si mesma contrária aos princípios da justiça?

 

Introdução

 

Impugnada

A "Reforma Agrária", que visa dividir as propriedades grandes e médias, de forma que no Brasil só existam propriedades pequenas, é intrinsecamente uma admirável medida de justiça.

Com efeito, a existência de propriedades agrícolas de tamanhos desiguais é em si mesma injusta porque:

Afirmada

A "Reforma Agrária", que visa dividir as propriedades grandes e médias, de forma que no Brasil só existam propriedades pequenas, é gravemente injusta em si mesma.

Com efeito, a existência de propriedades de tamanhos desiguais é intrinsecamente justa porque:

 

Proposição 1

 

Impugnada

A razão mostra que os homens são todos iguais por natureza. Não é, pois, justo que uns tenham muita terra, outros pouca, e outros, enfim, nenhuma.

 

 

 

Afirmada

Todos os homens ativos e probos têm igual direito à vida, à integridade física, à fruição de condições de existência suficientes, dignas e estáveis.

Mas é justo que os mais capazes, mais ativos, mais econômicos tenham, além deste mínimo, o que produzirem graças a suas superiores possibilidades.

Daí decorre legitimamente a diferenciação das propriedades em grandes, médias e pequenas, e quiçá a existência de uma classe condignamente remunerada, mas sem terras.

 

Comentário

 

Negar os princípios contidos na proposição afirmada importa em declarar inerente ao homem a condição de escravo.

Com efeito, se o homem é dono de seu ser, é dono de seu trabalho. Se é dono de seu trabalho, é dono do fruto de seu trabalho. E como a capacidade de trabalhar, quer do ponto de vista da quantidade, quer da qualidade, varia de homem para homem, a desigualdade daí decorre necessariamente. Essa desigualdade tem aliás limites, como se verá abaixo.

Se o homem não é dono de seu ser, é escravo. É a essa igualdade de escravo que o socialismo nos conduz. Afirma-o Leão XIII: o socialismo leva a "uma odiosa e insuportável servidão para todos os cidadãos" (58).

Poder-se-ia objetar que o ideal último dos comunistas não é a igualdade completa, uma vez que vigora na URSS o princípio de que se deve exigir de cada um segundo sua capacidade, e dar a cada qual segundo sua necessidade. Ao Estado cumpre regular soberanamente a aplicação desse princípio. Mas esta aplicação tem sido feita de maneira que os chefes têm outro passadio que não os operários. Estes não podem, por exemplo, abastecer-se nos armazéns reservados aos funcionários do Kremlin, nem sentar-se à mesa dos engenheiros.

Este argumento comporta uma ressalva preliminar: é muito difícil saber com inteira certeza o que se passa na URSS. E mesmo que determinado fato tenha sido demonstrado como verídico em um ano qualquer, já não se pode dá-lo como certo no ano seguinte.

Sem dar, pois, estes fatos como incontestes, pode-se admitir que, sob vários aspectos, o regime existente na URSS não tem realizado a igualdade completa.

Deve-se isto, provavelmente, em parte a abusos dos detentores do poder, mas em boa parte a outra causa. Com efeito, ao contrário do que imagina o grande público, o regime concretamente existente na URSS não constitui a aplicação total dos princípios marxistas. A URSS vive numa etapa de transição para a instauração do marxismo integral. E, em conseqüência, muito do que ali ocorre deve ser tido como concessão inevitável a uma tradição de desigualdade mais do que milenar, que só por etapas pode ir sendo abolida.

Assim, do fato de subsistirem atualmente algumas desigualdades no regime vigente na URSS, nada se pode concluir contra o caráter estritamente igualitário do marxismo, considerado este em seus fins últimos.

Aliás, o simples fato de que, mesmo hoje em dia, tudo quanto o trabalhador intelectual ou manual produz se destina à coletividade, que regula segundo seu inteiro critério a distribuição desta produção, sujeita o homem à condição de peça anônima e sem direitos dentro do mecanismo social. E onde existe a ausência de direitos para todos, todos são radicalmente iguais.

* * *

A proposição impugnada é unilateral, e daí conduz a conseqüências falsas.

Por natureza, os homens todos em um sentido são iguais, mas em outro sentido são desiguais.

Iguais, eles o são porque criaturas de Deus, dotadas de corpo e alma, e remidas por Jesus Cristo. Assim, pela dignidade comum a todos, têm igual direito a tudo quanto à condição humana é próprio: vida, saúde, trabalho, Religião, família, desenvolvimento intelectual etc. Uma organização econômica e social justa e cristã repousa, destarte, sobre um traço fundamental da verdadeira igualdade.

Mas, além dessa igualdade essencial, há entre os homens desigualdades acidentais postas por Deus: de virtude, de inteligência, de saúde, de capacidade de trabalho, e muitas outras. Toda estrutura econômica e social orgânica e viva tem de estar em harmonia com a ordem natural das coisas. Essa desigualdade natural há de se refletir nela, portanto. Tal reflexo consiste em que, desde que todos tenham o justo e condigno, os bem dotados pela natureza possam, por seu trabalho honesto e sua economia, adquirir mais.

A igualdade e a desigualdade se compensam e se completam assim, desempenhando papéis diversos mas harmônicos na ordenação de uma sociedade justa e cristã.

Esta regra constitui, aliás, um dos traços mais admiráveis da ordem universal. Todas as criaturas de Deus têm o que lhes compete conforme sua própria natureza, e nisto são tratadas por Ele segundo a mesma norma. Mas, além disto o Senhor dá muitíssimo a umas, muito a outras, e a outras, enfim, apenas o adequado. Essas desigualdades formam uma imensa hierarquia, em que cada degrau é como uma nota musical a compor uma grande sinfonia que canta a glória divina. Uma sociedade e uma economia estritamente igualitárias seriam, portanto, antinaturais.

Vistas a esta luz, as desigualdades representam uma condição de boa ordem geral, e redundam, pois, em vantagem para todo o corpo social, isto é, para os grandes como para os pequenos.

Esta escala hierárquica está nos planos da Providência como meio para promover o progresso espiritual e material da humanidade pelo estímulo aos melhores e mais capazes. O igualitarismo traz consigo a inércia, a estagnação e, portanto, a decadência, pois que tudo quanto é vivo, se não progride, se deteriora e morre.

Por esta forma se explica a parábola dos talentos (59). A cada qual Deus dá em medida diversa e de cada um exige rendimento proporcionado.

 

Textos Pontifícios

 

Caráter socialista da tese impugnada

"Os socialistas não cessam, como todos sabemos, de proclamar a igualdade de todos os homens segundo a sua natureza" (60).

A igualdade de condições é impossível

"Quaisquer que sejam as vicissitudes pelas quais as formas de governo são chamadas a passar, haverá sempre entre os cidadãos essas desigualdades de condições, sem as quais uma sociedade não pode existir nem conceber-se" (61).

A igualdade sonhada pelos socialistas é antinatural

"O primeiro princípio a pôr em evidência é que o homem deve aceitar com paciência a sua condição: é impossível que na sociedade civil todos sejam elevados ao mesmo nível. É, sem dúvida, isto o que desejam os socialistas; mas contra a natureza todos os esforços são vãos. Foi ela, realmente, que estabeleceu entre os homens diferenças tão multíplices como profundas; diferenças de inteligência, de talento, de habilidade, de saúde, de força: diferenças necessárias, de onde nasce espontaneamente a desigualdade das condições. Esta desigualdade, por outro lado, reverte em proveito de todos, tanto da sociedade como dos indivíduos; porque a vida social requer um organismo muito variado e funções muito diversas, e o que leva precisamente os homens a partilharem estas funções é, principalmente, a diferença de suas respectivas condições" (62).

Da desigualdade das pessoas decorre a desigualdade de bens

"A Igreja, que reconhece... que existe a desigualdade entre os homens, naturalmente diferentes nas forças do corpo e do espírito, e que esta desigualdade também existe na propriedade dos bens, determina que o direito de propriedade, ou domínio, que vem da própria natureza, fique intacto e inviolável para cada um" (63).

O universo, a Igreja e a sociedade civil refletem o amor de Deus a uma orgânica desigualdade

"Aquele que criou e governa todas as coisas regulou com a sua sabedoria providencial que as ínfimas coisas ajudadas pelas medianas, e estas pelas superiores, consigam todas o seu fim.

Por isso, assim como no Céu quis que os coros dos Anjos fossem distintos e subordinados uns aos outros, e na Igreja instituiu graus nas ordens e diversidade de ministérios de tal forma que nem todos fossem apóstolos, nem todos doutores, nem todos pastores (1 Cor. 12, 27); assim estabeleceu que haveria na sociedade civil várias ordens diferentes em dignidade, em direitos e em poder, a fim de que a sociedade fosse, como a Igreja, um só corpo, compreendendo um grande número de membros, uns mais nobres que os outros, mas todos reciprocamente necessários e preocupados com o bem comum" (64).

Nada repugna tanto à razão quanto uma igualdade matemática

"... se considerarmos que todos os homens são da mesma raça e da mesma natureza e que devem todos atingir o mesmo fim último, e se olharmos aos deveres e aos direitos que decorrem dessa comunidade de origem e de destino, não é duvidoso que eles sejam iguais. Mas, como nem todos eles têm os mesmos recursos de inteligência, e como diferem uns dos outros, seja pelas faculdades do espírito, seja pelas energias físicas; como, enfim, existem entre eles mil distinções de costumes, de gostos, de caracteres, nada repugna tanto à razão como pretender reduzi-los todos à mesma medida e introduzir nas instituições da vida civil uma igualdade rigorosa e matemática" (65).

A Igreja condena a igualdade de direitos e deveres

Leão XIII condenou os que "pregam a igualdade absoluta de todos os homens no que diz respeito aos direitos e deveres" (66), e qualificou de errônea e naturalista a tese de que "os homens são, todos, iguais em direitos, e sob todos os pontos de vista são de igual condição" (67).

Pio XI, por sua vez, reafirmou o mesmo princípio: "Não é verdade que na sociedade civil todos tenhamos direitos iguais, e que não exista hierarquia legítima" (68).

Citaremos adiante textos de Pio XII e João XXIII no mesmo sentido (69).

Igualdade e desigualdade nos planos da Providência

"... segundo as doutrinas do Evangelho, a igualdade dos homens consiste em que todos, dotados da mesma natureza, são chamados à mesma e eminente dignidade de filhos de Deus, e que, tendo todos o mesmo fim, cada um será julgado pela mesma lei e receberá o castigo ou a recompensa que merecer. Entretanto, a desigualdade de direitos e de poder provém do próprio Autor da natureza, "de quem toda a paternidade tira o nome, no céu e na terra". (Ef. 3, 15)" (70).

A Igreja quer que na sociedade haja classes desiguais

"A igualdade que a Igreja proclama conserva intactas as distinções das várias classes sociais, evidentemente requeridas pela natureza" (71).

No que existe entre os homens uma justa igualdade

"A vida temporal, posto que boa e desejável, não é o fim para que fomos criados; mas é a via e o meio para aperfeiçoar, com o conhecimento da verdade e com a prática do bem, a vida do espírito. O espírito é o que tem em si impressa a semelhança divina, e no qual reside aquele principado em virtude do qual foi dado ao homem o direito de dominar as criaturas inferiores e de fazer servir à sua utilidade toda a terra e todo o mar: "Enchei a terra e tornai-a a vós sujeita, dominai sobre os peixes do mar e sobre as aves do céu e sobre todos os animais que se movem sobre a terra" (Gn. 1, 28). Nisto todos os homens são iguais, e não há diferença alguma entre ricos e pobres, patrões e criados, monarcas e súditos, "porque é o mesmo o Senhor de todos" (Rom. 10, 12)" (72).

A Igreja ama todas as classes e a harmoniosa desigualdade entre elas

"... os Pontífices Romanos tiveram sempre um igual empenho em proteger e melhorar a sorte dos humildes, como em proteger e elevar as condições das classes superiores. Eles são, com efeito, os continuadores da missão de Jesus Cristo, não somente na ordem religiosa, mas também na ordem social. E Jesus Cristo, se quis passar sua vida privada na obscuridade de uma habitação humilde e ser tido por filho de um artesão; se, na sua vida pública, comprazia-se em viver no meio do povo, fazendo-lhe o bem de todas as maneiras, entretanto quis nascer de raça real, escolhendo por mãe a Maria, e por pai nutrício a José, ambos filhos eleitos da raça de Davi. Ontem, na festa de seus esponsais, podíamos repetir com a Igreja as belas palavras: "Maria se nos manifesta fulgurante, nascida de uma raça real".

Por isso, a Igreja, pregando aos homens que eles são todos filhos do mesmo Pai celeste, reconhece como uma condição providencial da sociedade humana a distinção das classes; por essa razão Ela ensina que apenas o respeito recíproco dos direitos e dos deveres, e a caridade mútua darão o segredo do justo equilíbrio, do bem-estar honesto, da verdadeira paz e da prosperidade dos povos.

Quanto a Nós, também, deplorando as agitações que perturbam a sociedade civil, mais de uma vez voltamos o Nosso olhar para as classes mais humildes que são mais perfidamente assediadas pelas seitas perversas: e Nós lhes oferecemos os desvelos maternais da Igreja. Mais de uma vez nós o declaramos: o remédio para esses males não será jamais a igualdade subversiva das ordens sociais, mas esta fraternidade que, sem prejudicar em nada a dignidade da posição social, une os corações de todos nos mesmos laços do amor cristão" (73).

O igualitarismo coletivista é nocivo ao operário

"... a conversão da propriedade particular em propriedade coletiva, tão preconizada pelo socialismo, não teria outro efeito senão tornar a situação dos operários mais precária, retirando-lhes a livre disposição do seu salário e roubando-lhes, por isso mesmo, toda a esperança e toda a possibilidade de engrandecerem o seu patrimônio e melhorarem a sua situação" (74).

Defender a propriedade é amar o povo

"... a teoria socialista da propriedade coletiva deve absolutamente repudiar-se como prejudicial àqueles mesmos a que se quer socorrer, contrária aos direitos naturais dos indivíduos, como desnaturando as funções do Estado e perturbando a tranqüilidade pública. Fique, pois, bem assente que o primeiro fundamento a estabelecer para todos aqueles que querem sinceramente o bem do povo é a inviolabilidade da propriedade particular" (75).

A igualdade socialista: igualdade na miséria e nudez

"Assim, substituindo a providência paterna pela providência do Estado, os socialistas vão contra a justiça natural e quebram os laços da família.

Mas, além da injustiça do seu sistema, vêem-se bem todas as suas funestas conseqüências: a perturbação em todas as classes da sociedade, uma odiosa e insuportável servidão para todos os cidadãos, porta aberta a todas as invejas, a todos os descontentamentos, a todas as discórdias; o talento e a habilidade privados dos seus estímulos, e, como conseqüência necessária, as riquezas estancadas na sua fonte; enfim, em lugar dessa igualdade tão sonhada, a igualdade na nudez, na indigência e na miséria" (76).


Notas:

(55) Secção I, Título II, Capítulo III.

(56) Proposição 31.

(57) Cfr. Secção III.

(58) Leão XIII, Encíclica "Rerum Novarum", de 15 de maio de 1891 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 11.

(59) Mt. 25, 14-30.

(60) Leão XIII, Encíclica "Quod Apostolici Muneris", de 28 de dezembro de 1878 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 8.

(61) Leão XIII, Encíclica "Rerum Novarum", de 15 de maio de 1891 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 25.

(62) Idem, pág. 13.

(63) Leão XIII, Encíclica "Quod Apostolici Muneris", de 28 de dezembro de 1878 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 12.

(64) Idem, pág. 9.

(65) Leão XIII, Encíclica "Humanum Genus", de 20 de abril de 1884 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 20.

(66) Leão XIII, Encíclica "Quod Apostolici Muneris", de 28 de dezembro de 1878 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 4.

(67) Leão XIII, Encíclica "Humanum Genus", de 20 de abril de 1884 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 17.

(68) Pio XI, Encíclica "Divini Redemptoris", de 19 de março de 1937 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 17.

(69) Cfr. Textos Pontifícios da Proposição 2.

(70) Leão XIII, Encíclica "Quod Apostolici Muneris", de 28 de dezembro de 1878 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 8.

(71) Leão XIII, Encíclica "Parvenu", de 19 de março de 1902 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 16.

(72) Leão XIII, Encíclica "Rerum Novarum", de 15 de maio de 1891 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, págs. 28 e 29.

(73) Leão XIII, Alocução de 24 de janeiro de 1903 ao Patriciado e à Nobreza Romana – "Bonne Presse", Paris, tomo VII, págs. 169-170.

(74) Leão XIII, Encíclica "Rerum Novarum", de 15 de maio de 1891 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 6.

(75) Idem, pág. 12.

(76) Idem, págs. 11 e 12.


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