Plinio Corrêa de Oliveira
Todos os Santos combateram os erros de sua época
Santo do Dia, 18 de novembro de 1974 |
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A D V E R T Ê N C I A Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor. Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
São Guénolé de Landévennec nasceu no final do séc. V e faleceu em 532, na Bretanha (França), tendo fundado a abadia de Landévennec. Acima, estátua do Santo na catedral de Saint-Corentin de Quimper (Finistère - França). Foto de Moreau.henri — Trabalho pessoal, CC BY-SA 3.0, Wikipedia ...O primeiro aspecto é o modo pelo qual a Providência dispôs as coisas com a existência deste santo. Se nós ouvimos essa narração, é uma vida tão diferente da nossa e é um gênero de virtudes tão diferente daquele que somos chamados a exercitar, que tenho a impressão até que alguns se sentiriam tentados a pensar que é [uma biografia] "heresia branca" [concepção sentimental e romantizada da virtude da caridade e, portanto, deformada da verdadeira santidade, n.d.c.]. E exatamente essa é uma ocasião boa para mostrarmos que não se trata de "heresia branca", mas se trata da prática das melhores virtudes católicas. Se nós imaginamos um santo que é assim como descreve essa ficha, e ele foi assim, quer dizer, nós devemos admitir que ele tenha sido como a ficha descreve, porque ele tendo sido assim dava para ser santo canonizado. Portanto, é uma questão de doutrina que está empenhada nisso. Então, um santo que era muito bom que, muitíssimo humilde, muitíssimo apagado, que como os srs. estão vendo, era muito bem quisto, não aparece aí o caso de uma luta dele com ninguém, todo mundo gostava dele. Tinha o dom dos milagres, de maneira que todo mundo ia atrás dele, pediam uma coisa ele dava uma bênção; recolocava um olho, a multidão se extasiava, mas que maravilha! Ele, mais adiante, consertava uma perna quebrada, as pessoas ficavam encantadas com ele: ó que maravilha!... Ele sai e as pessoas acham que é uma desolação; ele chega, as pessoas acham que é uma alegria. Inundado de graças celestes, de dons celestes o tempo inteiro... Nós vamos comparar isto com a vida de um militante da TFP, em contínua fricção com o ambiente, em contínua luta com a Revolução cada vez mais prepotente, em contínuo desacordo portanto com tudo aquilo que habitualmente se admite como valor ou como princípio estabelecido; não praticando milagres, não recolocando olho de ninguém, de vez em quando quebrando a perna no karatê, ou jiu-jitsu, e não tendo quem dê uma bênção para consertar e é preciso ir para o médico para encanar. E são meses de perna e braço encanado... Os srs. veem um contraste tão grande que a pessoa é levada a pensar o seguinte: “o que seria feito de mim se eu levasse a vida de São Guénolé? Seria uma maravilha! como eu ficaria mansinho... como seria gostoso. Mas também eu daria o guerreiro, eu daria o escravo de Nossa Senhora, eu daria o herói que eu queria ser?...” Não dá impressão que exatamente este é o contrário do herói que nós queríamos ser? Então, em que sentido este santo é um modelo para nós? Há um primeiro princípio que é o seguinte e esse princípio eu já mencionei várias vezes, eu me limito a relembrá-lo aqui: quem pratica uma virtude em grau heroico, possui todas as outras virtudes em grau heroico. De maneira que um santo que tenha sido herói nessas virtudes, quer dizer, tenha encontrado todas as dificuldades que a criatura humana caída no pecado original sente para ser inteiramente fiel aos Mandamentos da lei de Deus, aos conselhos evangélicos, à missão que tem – isto é sempre, para todo homem uma luta e uma coisa dificílima – esse santo então que foi heroico na paciência, heroico na mansidão, heroico na humildade, este santo teria todos os títulos para ser um grande guerreiro desde que as circunstâncias exigissem dele, para ser um desses que enfrentam as multidões e que as increpam, e que lutam contra elas, se as circunstâncias exigissem isso dele. A prova disso os srs. tem nos próprios fatos que são narrados na ficha. Os srs. já imaginaram que humildade heroica é preciso ter para uma alma estar dotada num tão alto grau do dom dos milagres? Estar cercado da admiração universal de tal maneira e, entretanto, se conservar inteiramente humilde, um modelo de humildade para todo mundo? Os srs. imaginem cada um em si próprios a tentação: é um taumaturgo [que faz milagres, n.d.c.], passa distribuindo bênçãos e curando as pessoas. Os srs. não teriam uma tentação de orgulho, de vaidade, de egocentrismo? Evidentemente teriam. Está bem, ele não consentiu nisso uma só vez, ele lutou o tempo inteiro e conservou-se humilde até o fim. Os srs. imaginem essa morte (que teve São Guénolé). Podem imaginar a megalice que poderia dar a alguém na hora da morte uma coisa assim: o homem se despede de todo mundo e diz “eu vou morrer”. - “Mas como?! vós estais em boa saúde, como ides morrer?” – “Ah, eu recebi um aviso que vem os Anjos do Céu me pegar”... Os srs. podem imaginar os ares, hein...?! E as vontades de se valorizar que uma coisa dessas pode dar. Depois, chega a hora da morte, grande show. Para um vaidoso é um show. Vai todo mundo, ele reza a Missa, todo o mundo ouvindo as últimas palavras dele, espiando, olhando, etc. Depois ele pára com os braços abertos em cruz, junto ao altar e começa a salmodiar, salmodiar, salmodiar até que os Anjos vem. Chegam em determinado os Anjos, ele sorri e cai morto... É uma coisa a mais envaidecedora que possa haver. É preciso ser herói [para não ceder a essa tentação] como foi herói um qualquer santo que tombasse nas cruzadas, é preciso ser um verdadeiro herói para não ceder à vaidade e à megalice nessas circunstâncias. E, portanto, se ele foi herói nisso, ele poderia ser um herói de espada na mão, se as circunstâncias exigissem dele outra coisa. Por quê? Porque quem se domina a esse ponto, não domina apenas a vaidade, mas domina todos os outros instintos desregrados que há no homem. E é capaz, portanto, de dominar o instinto de conservação em seus pânicos, em seus sustos, sem seus desregramentos. É capaz de dominar a preguiça, é capaz de dominar o gosto de ser bem tratado, de não estar exposto aos sóis, às ardências, aos arenais efervescentes, por assim dizer, do Oriente. É capaz de vencer a tudo isso para cumprir seu dever. É um homem segundo Deus, capaz de cumprir o seu dever em todos as circunstâncias. Esse é o santo. Mas de outro lado os srs. veem como a Providência dispõe da vida de um santo de acordo com os intuitos dela. Nesse tempo ele estava evangelizando povos novos; povos que ainda estavam recebendo os primeiros rudimentos da doutrina católica. Descendentes muito próximos de bárbaros e que tinham, portanto, a fé exposta a todas as dúvidas, a todos os vais-e-vens de quem tem atrás de si séculos de idolatria; a todos os maus costumes e maus hábitos de quem tem atrás de si séculos de paganismo. Era preciso, era pelo menos muito conveniente que um santo nessas condições tivesse o dom dos milagres, para que a sua vida, os seus milagres provassem àqueles povos bárbaros a veracidade do anúncio evangélico que ele fazia. Os srs. veem bem, portanto, que esses milagres tinham uma razão de ser para a glória de Deus, para a implantação da Igreja; e que Deus deu a este santo esse dom, mas exigiu dele o contrapeso da humildade para ele cumprir uma grande missão. Qual era a missão? Era a vitória sobre os bárbaros daquele tempo, a vitória sobre um grande inimigo da Igreja naquele tempo, que era o paganismo. Porque ele soube ser humilde, ele praticou milagres, ele pôde receber o dom dos milagres. Porque ele recebeu o dom dos milagres, ele não só confirmou muitas pessoas na fé, mas ele atraiu a si muitos filhos espirituais; porque ele era humilde, porque ele era santo, ele formou toda uma descendência espiritual, toda uma Ordem religiosa de missionários, de homens de contemplação, que se espalharam naturalmente por aquelas paragens, e que fizeram muito bem, ajudaram a implantação da Igreja lá. Foi de homens assim, de milagres assim, que nasceu a mais bela das épocas da história que foi, como nós sabemos, a Idade Média. Esses são os precursores da Idade Média, ou os fundadores da Idade Média. Agora, de outro lado, é preciso notar o seguinte: é que quem tem descendência bárbara próxima, não tem a mentalidade que se costuma supor que tem um bárbaro. Todo mundo supõe que o bárbaro tem a psicologia, o temperamento de um de nós - só que anda meio nu por dentro das selvas. Não é verdade. Todos os impulsos, todos os instintos do bárbaro são desregrados, são diferentes dos nossos. Eles trazem consigo mil desordens, mil apetências más. Eu me lembro de ter lido uma vez uma história do Padre Anchieta, este fato significativo: quando Anchieta já estava velho e a aldeiazinha de São Paulo começava a florescer, ele encontrou uma índia velha, batizada e que estava muito triste, sentada num canto. Ele então passou perto dela e com doçura evangélica perguntou o que ela tinha. Ela disse na língua dela, que Anchieta falava perfeitamente: “Padre, eu estou com vontade de chupar o braço de uma criança tapuia...” era da raça inimiga dela. Quer dizer, os senhores estão vendo as rivalidades, a antropofagia e tudo, tentando uma mulher que estava convertida. Quer dizer, os piores instintos estão nesta gente. Para combater essa gente, para fazer o contrário do que a barbárie pedia a eles, era preciso um exemplo de mansidão. E por isso um santo extraordinariamente manso fazia a Contra-Revolução do tempo. Se o paganismo era a Revolução do tempo, a mansidão era a Contra-Revolução do tempo, era o que se chocava com o ambiente, que entrava em conflito com o ambiente. Eles não entendiam, podiam achar até que era covarde ou qualquer coisa assim. Mas depois, à força de verem aquela mansidão insistente, vê os milagres e tudo mais, iam se convertendo. Quer dizer, ele foi o contrário dos defeitos da época, como nós devemos ser o contrário dos defeitos de nossa época. “Nossa época, os srs. dirão, não é uma época de barbárie?” Eu digo: o pior de nossa época não é a barbárie, o pior de nossa época debaixo de certo ponto de vista, nem sequer é o comunismo. Se nós entendermos a afirmação neste sentido que o comunismo não seria um perigo real se não fossem as incontáveis pessoas não comunistas que por moleza, por um humanitarismo mal compreendido, por falta de fé, não combatem o comunismo como deveriam combater. E combatem os que combatem o comunismo. Quer dizer, o grande mal é exatamente esse irenismo, esse pacifismo mal-entendido, esse ecumenismo péssimo que os srs. conhecem e contra os quais a TFP levanta seu estandarte de luta. O que é profético (*) é, em cada época, combater a tendência da época, para fazer ali o que poderíamos chamar o jogo de Deus. Naquele tempo era assim que se combatia. Em nosso tempo, sem dar a virtude da mansidão por abolida, porque todas as virtudes terão que ser praticadas, e todos os conselhos evangélicos, até o fim do mundo, entretanto a tônica se desloca para a combatividade. E nós lutamos nas nossas condições. Então, é "heresia branca" um santo desses? É um absurdo pensar que um santo é "heresia branca". Além disso, a análise racional de sua vida mostra, pelo contrário, que ele neste sentido é um grande exemplo. Com isso o Santo do Dia está concluído. (*) Sobre o conceito de profetismo, vide tópico da obra “Guerreiros da Virgem - A RÉPLICA DA AUTENTICIDADE - A TFP sem segredos" (1986) , cap. IX, item 3, a. |