Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Minha

 

Vida Pública

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Parte X

Livros e Campanhas de grande repercussão na década de 1970

 

Capítulo VII

“Não se iluda, Eminência”: mensagem ao Cardeal Arns (1975)

1. CNBB contra qualquer tipo de repressão ao comunismo

Se no âmbito internacional ia a velas soltas a Ostpolitik vaticana, no âmbito brasileiro tivemos de enfrentar uma certa política de direitos humanos também incrementada por elementos do Episcopado, numa linha em geral favorecedora do comunismo.

Proclamando-se a justo título defensora da dignidade e dos direitos humanos, e denunciando abusos que, admitindo-se que tenham sido como os descrevia aquele órgão eclesiástico, realmente mereciam categórico repúdio e urgente remédio, a CNBB adotava entretanto uma inexplicável atitude de hostilidade para com a repressão em si mesma, e contra os órgãos que a executavam.

Esse procedimento, aliás, se conjugava com o fato de que a repressão interna ao comunismo nos meios católicos, estabelecida pelo inesquecível Pio XII no Decreto da Sagrada Congregação do Santo Ofício de 1º de julho de 1949, estava em inteiro desuso no Brasil.

Nessas condições, não espanta que no fundo da alma simpatizasse com a inteira imobilização da repressão civil quem, como a CNBB, assumia a responsabilidade, no âmbito eclesiástico, pela inteiríssima imobilidade da repressão canônica [130].

2. Nossa posição diante da política de repressão no regime militar

O regime militar havia seguido uma política anticomunista que nós não teríamos adotado. Cheguei mesmo a escrever, nos primeiros anos do governo militar, uma carta ao Presidente Castelo Branco a respeito desse ponto*.

* Essa carta, datada de 13 de janeiro de 1967, criticava a lei de imprensa enviada pelo governo para debate no Congresso (cfr. Catolicismo n° 194, fevereiro de 1967).

Eu considerava que não era de boa tática anticomunista arrochar a imprensa, e proibi-la de fazer propaganda pró-comunista. Nem de proibir os comunistas de fazer a sua propaganda. Isto porque, assim, o perigo deixava de se mostrar. E deixando de se mostrar, anestesiava o anticomunismo. O anticomunismo deixava de tomar um caráter doutrinário elevado, para ser apenas uma repressão policial. E, como todas as repressões policiais, propensas frequentemente a abusos.

Audiência do Prof. Plinio e demais membros da diretoria da TFP com o presidente Castelo Branco

Nós achávamos que era melhor dar liberdade a eles em tudo aquilo que não fosse recurso às armas para subverter, pela força, a ordem existente.

Castelo Branco até recebeu bem essa carta, convocou-nos para uma audiência, disse que estava de acordo, mas tudo ficou no ar.

Depois saíram as leis de repressão ao comunismo. Essas leis nunca as elogiamos. Não podíamos criticar, porque a imprensa não publicava críticas ao regime. Mas a vários militares graduados que eram amigos meus, eu disse o que estou dizendo*.

* Quando saiu a Lei de Segurança Nacional (decreto-lei nº 314, de 13 de março de 1967), em pleno regime militar, Dr. Plinio se manifestou contrário. E pediu sua refusão ou revogação. Seu pronunciamento teve grande repercussão e foi publicado pela Folha de S. Paulo de 22/3/67:

“Nada mais eficaz para persuadir a quem quer que seja da necessidade de tal refusão, do que a análise — ainda que sucinta — de alguns dos dispositivos do referido diploma. Por exemplo, reza o seu art. 48: ‘A prisão em flagrante delito ou o recebimento da denúncia, em qualquer dos casos previstos neste decreto-lei,  importará, simultaneamente, na suspensão do exercício da profissão, emprego em entidade privada, assim como de cargo ou função na administração pública, autarquia, em empresa pública ou sociedade de economia mista, até a sentença absolutória’.

Fac-símile da declaração à Folha de São Paulo sobre a Lei de Segurança Nacional

“Assim, basta que seja recebida pelo Juiz a denúncia (o que de nenhum modo quer dizer que o crime e sua autoria estejam cabalmente provados) e já uma sanção severa se descarrega sobre o acusado. Essa sanção poderá durar por tempo indeterminado, pois, quando uma ação se inicia, é quase impossível prever quanto tempo levará para percorrer todos os seus trâmites, tantas vezes tumultuados por imprevistos de toda ordem. Sujeitar assim uma pessoa possivelmente inocente a uma punição gravíssima, é contrário aos mais fundamentais princípios da Moral e do Direito, os quais preceituam a iliceidade de qualquer castigo aplicado ao inocente.

“Outros reparos, também graves, poderiam ser feitos a mais de um dispositivo do decreto-lei n° 314.

“Diante de tanta severidade, oposta à nossa formação jurídica e à índole de nosso povo, fica-se a perguntar qual o interesse público que a justifique.

“A Lei de Segurança nacional figurará provavelmente, aos olhos dos que a apoiam, como um remédio heróico e amargo, a ser imposto na presente conjuntura do País.

“Precisamente aí está, a meu ver, a incógnita. O único mal que me parece proporcionado com a gravidade do remédio, isto é, com o caráter draconiano da lei, é o comunismo. E ainda assim haveria que expungir dela algumas disposições manifestamente injustas.

“No Brasil, ninguém há que se oponha ao comunismo com intransigência tão constante e meticulosa quanto a TFP. Somos, pois, inteiramente insuspeitos para dizer que aqui o perigo comunista — considerado enquanto consistente na implantação direta de um regime marxista — é remoto. O Partido Comunista se arrasta entre nós, desprestigiado e impopular, porque não têm faltado vozes que contra ele vêm alertando a opinião nacional, fundamentalmente cristã.

“O verdadeiro perigo comunista no Brasil não resulta diretamente da atuação do Partido Comunista, porém da expansão contínua, rápida, e o mais das vezes velada, de certas formas de progressismo, rotulado de socialista ou cristão, de demo-cristianismo esquerdista etc. Ele tende a derruir o instituto da família por leis e costumes que lhe arruínem a estabilidade, e desprestigiem a autoridade paterna ou materna. Ele vai minando e mutilando gradualmente a propriedade privada por uma série de leis de índole socialista e confiscatória.

“Assim, sem o perceber, por um processo semelhante ao da erosão, o País vai perdendo seu húmus cristão, e nossa civilização cristã vai-se transformando em uma civilização socialista. Por sua vez, à medida que o socialismo for-se requintando e extremando, iremos nos aproximando do comunismo.

“Ora, não me parece que a lei em apreço tenha sido feita contra esse processo lento e gradual de ‘socialistização’ (que não confundo com ‘socialização’). E nem creio que ela fosse apta para deter tal processo.

“Se, pois, assim é, a Lei de Segurança nacional, proporcionada quiçá a um perigo que entre nós não é próximo, põe o Brasil numa camisa de força.

“Desse modo parece-me que sua refusão pelas vias legais competentes, ou sua inteira revogação, corresponde ao verdadeiro interesse nacional” (cfr. Folha de S. Paulo, 22/3/67 e Catolicismo n° 196, abril de 1967).

3. Livro branco sobre a infiltração comunista: sugestão nunca acatada

Por outro lado, o regime militar teve em mãos um mundo de provas da existência da propaganda comunista nos meios de comunicação social, nos seminários, e de um modo geral na classe intelectual do País.

Ele poderia ter publicado isto para alertar o País sobre a atividade dessa propaganda. Cheguei a propor a pessoas chegadas ao governo que publicassem livros brancos com esse material.

Isso eles nunca fizeram. Preferiram não ter uma doutrina positiva, mas apelar só para a força. O resultado é que em certo momento isso cansou, e o regime militar vergou.

*   *   *

Dentro desse regime militar, havia bons amigos da TFP. E havia também adversários, pessoas esquerdistas. Esses adversários em diversas ocasiões perseguiram a TFP e procuraram até fechá-la sob vários pretextos.

São fatos remotos que não interessa estar lembrando aqui. Mas foram fatos que tivemos que enfrentar várias vezes [131].

4. Postura diante da desconcertante “Declaração de Itaici” do Episcopado paulista

Nesse contexto de direitos humanos, foi distribuído nas igrejas do Estado de São Paulo, no domingo de 9 de novembro de 1975, um documento subscrito em Itaici por todos os Srs. Bispos das Dioceses paulistas, intitulado Não oprimas teu irmão*.

* O documento era de responsabilidade da Regional Sul I da CNBB, a qual tinha à frente o Sr. Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns e faziam parte todos os Srs. Arcebispos e Bispos do Estado de São Paulo.

Essa declaração foi distribuída no domingo, dia 9 de novembro, nas igrejas do Estado de São Paulo, com grande estardalhaço na imprensa.

O estudo daquele texto episcopal produziu em nosso espírito um profundo desconcerto [132].

Em 14 de novembro, a TFP divulgou pelos jornais uma mensagem ao Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns sob o título Não se iluda, Eminência* [133].

* Este manifesto foi publicado em 14 de novembro de 1975 simultaneamente nos principais órgãos de imprensa de São Paulo e depois sucessivamente em outros jornais de expressão do País, chegando ao total de 31 publicações (cfr. Catolicismo n° 299-300, de novembro-dezembro de 1975).

Começamos por ressaltar que no documento havia aspectos bons. Pecaríamos contra a justiça se nos omitíssemos de os louvar, e nos cingíssemos à crítica.

Por certo, os Pastores deste Estado de São Paulo cumpriam a missão sobrenatural que lhes incumbia, ao manifestarem todo o seu zelo por que fossem integralmente respeitados, entre nós, os direitos naturais da criatura humana, definidos nos Dez Mandamentos da Lei de Deus.

Convinha que tal elogio ficasse inscrito logo no início da nossa mensagem, para a omissão dele não ser tida como sintoma de paixão, unilateralidade e injustiça.

E tanto mais convinha quanto era precisamente uma omissão desse gênero o grande defeito que deixava perplexa a TFP, no tocante ao documento episcopal de Itaici.

Todo o povo brasileiro estava consciente de que a Rússia e a China empreendiam, naqueles dias, um esforço gigantesco de conquista ideológica, política e, por fim, militar, de todas as nações.

A violência, a corrupção e a miséria que infelicitaram ontem o Chile, e o exemplo de Portugal, bem à vista de nossos olhos, impediam, mesmo aos brasileiros mais desatentos, que esquecessem essa verdade*.

* A Revolução dos Cravos, que a 25 de abril de 1974 derrubou o regime salazarista, levou ao poder próceres marxistas. A Reforma Agrária então aplicada provocou o colapso da produção: 1,5 milhão de hectares de terras são expropriadas, e mais de 700 mil ocupadas ilegalmente, só voltando às mãos de seus proprietários a partir de 1978. O divórcio civil foi franqueado e o aborto aprovado.

Além disso, recentes declarações das mais altas autoridades do País haviam denunciado a presença desse perigo dentro de nossas próprias fronteiras. Em seu discurso de 1º de agosto do mesmo ano, o Presidente da República, General Ernesto Geisel, havia aludido à infiltração do comunismo nos partidos políticos.

Em face da subversão, o que fizeram o Cardeal Arns e os Srs. Bispos reunidos em Itaici?

Deram a público o referido documento, talvez o mais enérgico da história eclesiástica brasileira (preferiríamos antes dizer o único documento violento da história eclesiástica brasileira), para, de começo a fim, criticar as Forças Armadas e a repressão que estas faziam ao fascismo vermelho.

Se o Episcopado paulista se tivesse mantido em posição imparcial, encareceria sobretudo o sentido profundamente cristão e patriótico da repressão ao comunismo, a necessidade e a urgência dela.

Apontaria depois as falhas que em tal repressão encontrasse.

Os signatários do documento de Itaici pareciam não ver isso, e seu zelo se voltou todo, não para a Pátria ameaçada, mas para a defesa dos direitos humanos de agentes da subversão, ou de pessoas suspeitas de tal.

Era desconcertante tão espantosa omissão em Pastores de almas.

A estes cabia certamente serem ciosos dos direitos individuais de suas ovelhas, ainda que se tratasse de subversivos ou suspeitos de subversão.

Porém, muito mais lhes cabia o desvelo por todo o rebanho, isto é, a população ordeira e laboriosa que os subversivos queriam atirar na desgraça.

O que era fundamental, em matéria de comunismo, é que agentes subversivos estrangeiros articulavam brasileiros transviados, para impor ao País o regime marxista, negador de todos os direitos humanos.

Estávamos perplexos. Por que tais atitudes?

5. Um alerta: vai se abrindo um fosso entre o Episcopado e o povo

Tínhamos razão para recear que esta pergunta, que não era apenas nossa, mas de milhões de paulistas, ficasse sem resposta.

Não se iludisse, porém, S. Eminência - frisávamos em nossos comunicado. Nosso povo continuava a encher as igrejas e a freqüentar os Sacramentos. Mas as atitudes como a dos signatários do documento de Itaici iriam abrindo um fosso cada vez maior, não entre a Religião e o povo, mas entre o Episcopado paulista e o povo.

A Hierarquia Eclesiástica, na própria medida em que se omitia no combate à subversão comunista, ia se isolando no contexto nacional.

E nos parecia indispensável que alguém dissesse ao Sr. Cardeal que a subversão era profunda e inalteravelmente impopular entre nós, e que a Hierarquia paulista tanto menos venerada e querida ia ficando, quanto mais bafejava a subversão.

Preferíamos que Sua Eminência dela se inteirasse por intermédio de filhos cristãmente francos e profundamente respeitosos, a que a conhecesse amanhã através da evidência dos fatos, ou da gargalhada satânica dos subversivos.

E como poderiam não rir os agentes do demônio, vendo que conseguiram transformar em instrumentos da expansão comunista precisamente Pastores instituídos por Nosso Senhor Jesus Cristo para esmagar o poder das trevas?

Como católicos, desejávamos ardentemente que tal não sucedesse. E este desejo, respeitoso e filial até mesmo na expressão franca de nossas perplexidades e nossas apreensões, motivou a nossa mensagem [134].

*   *   *

Em síntese, o avanço comunista em nosso País nada teve que temer da CNBB e dos que a seguem.

Nestas condições, era praticamente impossível evitar que muitos católicos engajados nas melhorias sociais passassem a ver nos comunistas bons companheiros de luta, e em boa medida até companheiros de ideal. E isso os tornava vítimas naturais da propaganda comunista. Começavam por sentir-se “companheiros de viagem”, formavam uma esquerda “católica” impregnada de espírito de revolta e sedenta de reivindicações sociais. E daí chegavam a todos os desacertos do socialismo “católico”, quando não do comunismo. E assim, através do esquerdismo “católico”, eram sugados para o comunismo, arrastando consigo, como cauda, toda a área da opinião que conseguiam sensibilizar [135].

 


NOTAS

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