1. CNBB contra qualquer tipo de repressão ao comunismo
Se no âmbito internacional ia a velas soltas a
Ostpolitik vaticana, no âmbito brasileiro tivemos de enfrentar uma
certa política de direitos humanos também incrementada por elementos do
Episcopado, numa linha em geral favorecedora do comunismo.
Proclamando-se a justo título defensora da dignidade
e dos direitos humanos, e denunciando abusos que, admitindo-se que tenham
sido como os descrevia aquele órgão eclesiástico, realmente mereciam
categórico repúdio e urgente remédio, a CNBB adotava entretanto uma
inexplicável atitude de hostilidade para com a repressão em si mesma, e
contra os órgãos que a executavam.
Esse procedimento, aliás, se conjugava com o fato de
que a repressão interna ao comunismo nos meios católicos, estabelecida
pelo inesquecível Pio XII no Decreto da Sagrada Congregação do Santo
Ofício de 1º de julho de 1949, estava em inteiro desuso no
Brasil.
Nessas condições, não espanta que no fundo da alma
simpatizasse com a inteira imobilização da repressão civil quem, como a
CNBB, assumia a responsabilidade, no âmbito eclesiástico, pela
inteiríssima imobilidade da repressão canônica [130].
2. Nossa posição diante da política de repressão no regime militar
O regime militar havia seguido uma política
anticomunista que nós não teríamos adotado. Cheguei mesmo a escrever, nos
primeiros anos do governo militar, uma carta ao Presidente Castelo Branco
a respeito desse ponto*.
* Essa carta,
datada de 13 de janeiro de 1967, criticava a lei de imprensa enviada pelo
governo para debate no Congresso (cfr.
Catolicismo n° 194,
fevereiro de 1967).
Eu considerava que não era de boa tática
anticomunista arrochar a imprensa, e proibi-la de fazer propaganda
pró-comunista. Nem de proibir os comunistas de fazer a sua propaganda.
Isto porque, assim, o perigo deixava de se mostrar. E deixando de se
mostrar, anestesiava o anticomunismo. O anticomunismo deixava de tomar um
caráter doutrinário elevado, para ser apenas uma repressão policial. E,
como todas as repressões policiais, propensas frequentemente a abusos.
|
Audiência do
Prof. Plinio e demais membros da diretoria da TFP com o presidente
Castelo Branco |
Nós achávamos que era melhor dar liberdade a eles em
tudo aquilo que não fosse recurso às armas para subverter, pela força, a
ordem existente.
Castelo Branco até recebeu bem essa carta,
convocou-nos para uma audiência, disse que estava de acordo, mas tudo
ficou no ar.
Depois saíram as leis de repressão ao comunismo.
Essas leis nunca as elogiamos. Não podíamos criticar, porque a imprensa
não publicava críticas ao regime. Mas a vários militares graduados que
eram amigos meus, eu disse o que estou dizendo*.
* Quando saiu a Lei
de Segurança Nacional (decreto-lei nº 314, de 13 de março de 1967), em
pleno regime militar, Dr. Plinio se manifestou contrário. E pediu sua
refusão ou revogação. Seu pronunciamento teve grande repercussão e foi
publicado pela Folha de S. Paulo de 22/3/67:
“Nada mais
eficaz para persuadir a quem quer que seja da necessidade de tal refusão,
do que a análise — ainda que sucinta — de alguns dos dispositivos do
referido diploma. Por exemplo, reza o seu art. 48: ‘A prisão em flagrante
delito ou o recebimento da denúncia, em qualquer dos casos previstos neste
decreto-lei, importará, simultaneamente, na suspensão do exercício da
profissão, emprego em entidade privada, assim como de cargo ou função na
administração pública, autarquia, em empresa pública ou sociedade de
economia mista, até a sentença absolutória’.
|
Fac-símile
da declaração à Folha de São Paulo sobre a Lei de Segurança Nacional |
“Assim, basta
que seja recebida pelo Juiz a denúncia (o que de nenhum modo quer dizer
que o crime e sua autoria estejam cabalmente provados) e já uma sanção
severa se descarrega sobre o acusado. Essa sanção poderá durar por tempo
indeterminado, pois, quando uma ação se inicia, é quase impossível prever
quanto tempo levará para percorrer todos os seus trâmites, tantas vezes
tumultuados por imprevistos de toda ordem. Sujeitar assim uma pessoa
possivelmente inocente a uma punição gravíssima, é contrário aos
mais fundamentais princípios da Moral e do Direito, os quais preceituam a
iliceidade de qualquer castigo aplicado ao inocente.
“Outros reparos,
também graves, poderiam ser feitos a mais de um dispositivo do decreto-lei
n° 314.
“Diante de tanta
severidade, oposta à nossa formação jurídica e à índole de nosso povo,
fica-se a perguntar qual o interesse público que a justifique.
“A Lei de
Segurança nacional figurará provavelmente, aos olhos dos que a apoiam,
como um remédio heróico e amargo, a ser imposto na presente conjuntura do
País.
“Precisamente aí
está, a meu ver, a incógnita. O único mal que me parece proporcionado com
a gravidade do remédio, isto é, com o caráter draconiano da lei, é o
comunismo. E ainda assim haveria que expungir dela algumas disposições
manifestamente injustas.
“No Brasil,
ninguém há que se oponha ao comunismo com intransigência tão constante e
meticulosa quanto a TFP. Somos, pois, inteiramente insuspeitos para dizer
que aqui o perigo comunista — considerado enquanto consistente na
implantação direta de um regime marxista — é remoto. O Partido Comunista
se arrasta entre nós, desprestigiado e impopular, porque não têm faltado
vozes que contra ele vêm alertando a opinião nacional, fundamentalmente
cristã.
“O verdadeiro
perigo comunista no Brasil não resulta diretamente da atuação do Partido
Comunista, porém da expansão contínua, rápida, e o mais das vezes velada,
de certas formas de progressismo, rotulado de socialista ou cristão, de
demo-cristianismo esquerdista etc. Ele tende a derruir o instituto da
família por leis e costumes que lhe arruínem a estabilidade, e
desprestigiem a autoridade paterna ou materna. Ele vai minando e mutilando
gradualmente a propriedade privada por uma série de leis de índole
socialista e confiscatória.
“Assim, sem o
perceber, por um processo semelhante ao da erosão, o País vai perdendo seu
húmus cristão, e nossa civilização cristã vai-se transformando em uma
civilização socialista. Por sua vez, à medida que o socialismo for-se
requintando e extremando, iremos nos aproximando do comunismo.
“Ora, não me
parece que a lei em apreço tenha sido feita contra esse processo lento e
gradual de ‘socialistização’ (que não confundo com ‘socialização’). E nem
creio que ela fosse apta para deter tal processo.
“Se, pois, assim
é, a Lei de Segurança nacional, proporcionada quiçá a um perigo que entre
nós não é próximo, põe o Brasil numa camisa de força.
“Desse modo
parece-me que sua refusão pelas vias legais competentes, ou sua inteira
revogação, corresponde ao verdadeiro interesse nacional” (cfr.
Folha de S. Paulo, 22/3/67 e
Catolicismo n° 196, abril de
1967).
3. Livro branco sobre a infiltração comunista: sugestão nunca acatada
Por outro lado, o regime militar teve em mãos um
mundo de provas da existência da propaganda comunista nos meios de
comunicação social, nos seminários, e de um modo geral na classe
intelectual do País.
Ele poderia ter publicado isto para alertar o País
sobre a atividade dessa propaganda. Cheguei a propor a pessoas chegadas ao
governo que publicassem livros brancos com esse material.
Isso eles nunca fizeram. Preferiram não ter uma
doutrina positiva, mas apelar só para a força. O resultado é que em certo
momento isso cansou, e o regime militar vergou.
* *
*
Dentro desse regime militar, havia bons amigos da
TFP. E havia também adversários, pessoas esquerdistas. Esses adversários
em diversas ocasiões perseguiram a TFP e procuraram até fechá-la sob
vários pretextos.
São fatos remotos que não interessa estar lembrando
aqui. Mas foram fatos que tivemos que enfrentar várias vezes [131].
4. Postura diante da desconcertante “Declaração de Itaici” do
Episcopado paulista
Nesse contexto de direitos humanos, foi distribuído
nas igrejas do Estado de São Paulo, no domingo de 9 de novembro de 1975,
um documento subscrito em Itaici por todos os Srs. Bispos das Dioceses
paulistas, intitulado Não oprimas teu irmão*.
* O documento era
de responsabilidade da Regional Sul I da CNBB, a qual tinha à frente o Sr.
Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns e faziam parte todos os Srs. Arcebispos e
Bispos do Estado de São Paulo.
Essa declaração foi distribuída no domingo, dia 9 de novembro, nas igrejas do Estado
de São Paulo, com grande estardalhaço na imprensa.
O estudo daquele texto episcopal produziu em nosso
espírito um profundo desconcerto [132].
Em 14 de novembro, a TFP divulgou pelos jornais uma
mensagem ao Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns sob o título
Não se iluda,
Eminência* [133].
* Este manifesto
foi publicado em 14 de novembro de 1975 simultaneamente nos principais
órgãos de imprensa de São Paulo e depois sucessivamente em outros jornais
de expressão do País, chegando ao total de 31 publicações (cfr. Catolicismo n° 299-300, de novembro-dezembro de 1975).
Começamos por ressaltar que no documento havia
aspectos bons. Pecaríamos contra a justiça se nos omitíssemos de os
louvar, e nos cingíssemos à crítica.
Por certo, os Pastores deste Estado de São Paulo
cumpriam a missão sobrenatural que lhes incumbia, ao manifestarem todo o
seu zelo por que fossem integralmente respeitados, entre nós, os direitos
naturais da criatura humana, definidos nos Dez Mandamentos da Lei de Deus.
Convinha que tal elogio ficasse inscrito logo no
início da nossa mensagem, para a omissão dele não ser tida como sintoma de
paixão, unilateralidade e injustiça.
E tanto mais convinha quanto era precisamente uma
omissão desse gênero o grande defeito que deixava perplexa a TFP, no
tocante ao documento episcopal de Itaici.
Todo o povo brasileiro estava consciente de que a
Rússia e a China empreendiam, naqueles dias, um esforço gigantesco de
conquista ideológica, política e, por fim, militar, de todas as nações.
A violência, a corrupção e a miséria que
infelicitaram ontem o Chile, e o exemplo de Portugal, bem à vista de
nossos olhos, impediam, mesmo aos brasileiros mais desatentos, que
esquecessem essa verdade*.
* A Revolução
dos Cravos, que a 25 de abril de 1974 derrubou o regime salazarista,
levou ao poder próceres marxistas. A Reforma Agrária então aplicada
provocou o colapso da produção: 1,5 milhão de hectares de terras são
expropriadas, e mais de 700 mil ocupadas ilegalmente, só voltando às mãos
de seus proprietários a partir de 1978. O divórcio civil foi franqueado e
o aborto aprovado.
Além disso, recentes declarações das mais altas
autoridades do País haviam denunciado a presença desse perigo dentro de
nossas próprias fronteiras. Em seu discurso de 1º de agosto do mesmo ano,
o Presidente da República, General Ernesto Geisel, havia aludido à
infiltração do comunismo nos partidos políticos.
Em face da subversão, o que fizeram o Cardeal Arns e
os Srs. Bispos reunidos em Itaici?
Deram a público o referido documento, talvez o mais
enérgico da história eclesiástica brasileira (preferiríamos antes dizer o
único documento violento da história eclesiástica brasileira), para, de
começo a fim, criticar as Forças Armadas e a repressão que estas faziam ao
fascismo vermelho.
Se o Episcopado paulista se tivesse mantido em
posição imparcial, encareceria sobretudo o sentido profundamente cristão e
patriótico da repressão ao comunismo, a necessidade e a urgência dela.
Apontaria depois as falhas que em tal repressão
encontrasse.
Os signatários do documento de Itaici pareciam não
ver isso, e seu zelo se voltou todo, não para a Pátria ameaçada, mas para
a defesa dos direitos humanos de agentes da subversão, ou de pessoas
suspeitas de tal.
Era desconcertante tão espantosa omissão em Pastores
de almas.
A estes cabia certamente serem ciosos dos direitos
individuais de suas ovelhas, ainda que se tratasse de subversivos ou
suspeitos de subversão.
Porém, muito mais lhes cabia o desvelo por todo o
rebanho, isto é, a população ordeira e laboriosa que os subversivos
queriam atirar na desgraça.
O que era fundamental, em matéria de comunismo, é que
agentes subversivos estrangeiros articulavam brasileiros transviados, para
impor ao País o regime marxista, negador de todos os direitos humanos.
Estávamos perplexos. Por que tais atitudes?
5. Um alerta: vai se abrindo um fosso entre o Episcopado e o povo
Tínhamos razão para recear que esta pergunta, que não
era apenas nossa, mas de milhões de paulistas, ficasse sem resposta.
Não se iludisse, porém, S. Eminência
- frisávamos em nossos
comunicado. Nosso povo continuava a encher as igrejas e a freqüentar os
Sacramentos. Mas as atitudes como a dos signatários do documento de Itaici
iriam abrindo um fosso cada vez maior, não entre a Religião e o povo, mas
entre o Episcopado paulista e o povo.
A Hierarquia Eclesiástica, na própria medida em que
se omitia no combate à subversão comunista, ia se isolando no contexto
nacional.
E nos parecia indispensável que alguém dissesse ao
Sr. Cardeal que a subversão era profunda e inalteravelmente impopular
entre nós, e que a Hierarquia paulista tanto menos venerada e querida ia
ficando, quanto mais bafejava a subversão.
Preferíamos que Sua Eminência dela se inteirasse por
intermédio de filhos cristãmente francos e profundamente respeitosos, a
que a conhecesse amanhã através da evidência dos fatos, ou da gargalhada
satânica dos subversivos.
E como poderiam não rir os agentes do demônio, vendo
que conseguiram transformar em instrumentos da expansão comunista
precisamente Pastores instituídos por Nosso Senhor Jesus Cristo para
esmagar o poder das trevas?
Como católicos, desejávamos ardentemente que tal não
sucedesse. E este desejo, respeitoso e filial até mesmo na expressão
franca de nossas perplexidades e nossas apreensões, motivou a nossa
mensagem [134].
* *
*
Em síntese, o avanço comunista em nosso País nada
teve que temer da CNBB e dos que a seguem.
Nestas condições, era praticamente impossível evitar
que muitos católicos engajados nas melhorias sociais passassem a ver nos
comunistas bons companheiros de luta, e em boa medida até companheiros de
ideal. E isso os tornava vítimas naturais da propaganda comunista.
Começavam por sentir-se “companheiros de viagem”, formavam uma
esquerda “católica” impregnada de espírito de revolta e sedenta de
reivindicações sociais. E daí chegavam a todos os desacertos do socialismo
“católico”, quando não do comunismo. E assim, através do esquerdismo
“católico”, eram sugados para o comunismo, arrastando consigo, como cauda,
toda a área da opinião que conseguiam sensibilizar [135].
NOTAS
Índice da "Parte X"
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