Instituto Plinio Corrêa de Oliveira

 

A Inocência Primeva e a Contemplação Sacral do Universo

no pensamento de

PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA

© 2008 - Todos os direitos desta edição pertencem ao

INSTITUTO PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA

Dezembro de 2008

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Parte I

 

Capítulo 5

 

É possível recuperar

a inocência?

 

1. Toques de sino de uma catedral submersa

— Desaparecida a inocência, estaria tudo perdido? Ela é algo de irrecuperável ou pode ser restaurada?

Sem dúvida pode ocorrer uma restauração. Não se trata simplesmente da conversão de um pecador arrependido — embora a conversão tenha muita relação com o tema — mas da volta ao estado primevo de harmonia interna que constitui a inocência.

‘Segundo uma lenda bretã, portanto francesa, em certo lugar do mar da Bretanha, havia uma catedral — a catedral de Ys — que fora tragada (engloutie) pelas águas. Engloutie, neste caso, quer dizer: coberta tragicamente pelo mar. É a famosa lenda da cathédral engloutie.

‘De vez em quando, os anjos faziam soar, no fundo do mar, os sinos da catedral. Aquelas lindas sonoridades subiam, então, de camada em camada, até a superfície do mar. E os pescadores que por lá passavam, numa tarde calma, com o mar tranqüilo, ouviam os misteriosos sinos tocando no fundo do mar...’[1]

Os pescadores dizem que, um dia, a catedral voltará à terra firme ainda mais bela, pois conserva-se íntegra sob as ondas do mar.

‘Não há quem não perceba a extraordinária beleza, a extraordinária poesia dessa lenda.

‘A inocência primeva não é algo que o demônio consegue arrancar inteiramente de dentro de nossa alma, mas permanece como uma catedral engloutie, uma catedral imersa nas águas do pecado, que ainda existe em nós. De vez em quando, os sinos dessa inocência tocam e nos fazem sentir alguma melodia interior, alguma nostalgia, alguma esperança, em alguma hora boa que passa.

‘Qual de nós não sentiu isso? — Certamente todos sentimos. — Em que ocasiões? Nas mil ocasiões que a graça escolhe. Na primeira comunhão... aqui, lá, acolá.

‘O problema da restauração da inocência primeva — usando a imagem da catedral engloutie — é fazer com que a catedral sepulta, que é a nossa inocência, a qual conservamos dentro de nós nas águas do pecado, deixe de ser engloutie e suba de novo à tona. Então as águas da catedral escorrerão e ela brilhará à luz do sol. A catedral estará restaurada’.[2]

 

2. Mais do que um perdão a reconquistar, é o perdão que nos reconquista

Assim, o homem que perdeu a inocência ouve por assim dizer no fundo de sua alma tocarem os sinos de uma catedral submersa. Ele tem saudades do tempo em que a ordem primeva — comparável a uma catedral maravilhosa — habitava em seu espírito.

São saudades que salvam: ‘Não é preciso fazer considerações flagelantes e dilacerantes a respeito do paraíso perdido com o qual se rompeu, e que também teria rompido conosco. Em vez disso, deve-se pensar o contrário: esse paraíso não rompeu conosco e a toda hora bate à nossa porta’.[3]

São os sinos da catedral submersa que se fazem ouvir.

‘Mais do que um perdão a reconquistar, é o perdão que nos reconquista’. [4]

‘É supérfluo dizer quanto é preciso cultuar o raciocínio, quanto ele deve ser esmerado, quanto se deve criticá-lo para ver se está bem certo. Mas há momentos na vida em que se recebe algo, que o mero raciocínio nunca seria suficiente para suscitar’.[5]

Cumpre então analisar o que se passa em nós, para ver se os efeitos produzidos em nossas almas estão de acordo com a razão. É claro que, se não estiverem, não devem ser aceitos. Mas se estão, podem ser o começo de uma via de refrigério, de luz e de paz.

 

3. A restauração da inocência

Podemos e devemos pedir a Nossa Senhora a restauração da inocência e dizer-lhe:

‘Há momentos, minha Mãe, em que minha alma se sente, no que tem de mais fundo, tocada por uma saudade indizível. Tenho saudades da época em que eu Vos amava e Vós me amáveis, na atmosfera primaveril de minha vida espiritual. Tenho saudades de Vós, Senhora, e do paraíso que punha em mim a grande comunicação que eu tinha convosco.

‘Não tendes também Vós, Senhora, saudades desse tempo? Não tendes saudade da bondade que havia naquele filho que fui?

‘Vinde, pois, ó melhor de todas as mães, e por amor ao que desabrochava em mim, restaurai-me: recomponde em mim o amor a Vós, e fazei de mim a plena realização daquele filho sem mancha que eu teria sido se não fosse tanta miséria.

‘Dai-me, ó Mãe, um coração arrependido e humilhado, e fazei luzir novamente aos meus olhos aquilo que, pelo esplendor de vossa graça, eu começara a amar tanto e tanto!...

‘Lembrai-Vos, Senhora, deste David e de toda a doçura que nele púnheis. Assim seja!’[6]

 

Fontes de referência:

[1] 27-12-1975. [2] 27-12-1975. [3] Sem data. [4] Sem data. [5] 31-3-1978. [6] Oração composta pelo autor em 1974.