Instituto Plinio Corrêa de Oliveira
A Inocência Primeva e a Contemplação Sacral do Universo no pensamento de PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA |
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Parte ICapítulo 3A inocência, características,combates e tentações
1. A inocência na criançaA posse da inocência importa em ter uma noção primeva (ou primeira) cristalina, da perfeição originária de todas as coisas. Naturalmente, é mais lúcida em uns, menos lúcida em outros, de acordo com a graça e com a natureza. Numa criança, é geralmente uma noção não consciente. É possível que, em todos, esta noção primeva tenha existido em alto grau. Em alguns, em grau altíssimo. ‘A partir da inocência primeira, o senso psicológico é muito agudo, porém se embota com o tempo. Mas, por outro lado, há uma lucidez infantil que a maturidade pode levar depois à plenitude’.[1] Existindo no homem uma ordem fundamental, é-lhe impossível admitir a desordem como condição normal e fundamental do universo, a não ser à maneira de um desastre colateral e limitado. Em sua alma existem os primeiros elementos de um conhecimento racional, aliado aos primórdios de um amor cognoscitivo. Este primeiro conhecimento tem na aparência profundidades racionais assombrosas e também superficialidades não racionais espantosas. Não se sabe bem como é que esses conhecimentos convivem! Mas na realidade se conjugam perfeitamente. Vem daí que a criança fica vermelha quando se diz que o que fez é feio. Para educá-la, dizer que fazer alguma coisa é «feio» é mais cogente do que dizer que é «errado». E isto é muito significativo. A inocência é, portanto, uma forma de aliança com Deus que todas as almas tiveram em sua primeira infância. Há aí algo do gênero da famosa cena de Deus andando com Adão no Paraíso. É uma graça dos primórdios, em que o Criador se agrada conversando com sua criatura, o Autor com sua obra.* * Alusão ao Livro do Gênesis 3, 8. Napoleão reconhece que o dia mais feliz de sua vida foi o da primeira comunhão: ele, que se coroou em Notre-Dame! Não é dizer pouco. É um testemunho eloqüente. E Chateaubriand, com sua pena de grande autor, diz algo semelhante.
Uma boa criança tem uma forma de abertura de alma por onde é muito pouco interesseira. É meiga, é afável; com facilidade dá o que tem. Uma criança boa faz, por exemplo, pequenos desenhos com que procura presentear os outros. Tem um senso de admiração muito grande em relação aos mais velhos. Procura vê-los sob os melhores aspectos e se encanta com esses aspectos. Tomemos uma criancinha de três ou quatro anos. Uma das coisas que melhor caracteriza a inocência — mas a inocência no que tem de mais profundo, mais elementar e mais, por assim dizer, virginal — é certa forma de calma pela qual a criança dessa idade (dos tempos em que não havia TV, evidentemente) tem ‘uma calma por onde nada a agita, e de maneira geral não se apega nervosamente a nada. De maneira que quando, por exemplo, os pais lhe negam algo que ela quer, ela pode insistir, pode chorar, mas há um matiz que o estado temperamental dela não toma: o da cólera. Nem cólera, nem agitação...’.[2]
2. A calma: parte integrante da inocênciaO menino que contempla a rainha, na foto já comentada*, está calmo? — No auge de sua vitalidade, ele entretanto não perdeu a calma... * Cfr. Parte I, Cap. 1, item 13. A calma, aliás, é parte integrante da inocência. ‘Pode-se estar numa situação em que seja quase inevitável a sensibilidade efervescer. Mas a efervescência, pelo império da vontade, deve ser reduzida estritamente aos seus primeiros borbulhares’.[3] Além desse ponto não deve passar. Em outros termos, há alguma coisa que, conforme as circunstâncias, o indivíduo não consegue vencer, porque não é natural que vença. Mas, sem embargo disso, ele conserva a vitória sobre a agitação em todo o limite em que é humano conservar essa vitória. Existe inclusive um modo de ter apreensão e um modo de ter ira, pelo qual a pessoa não perde em nada o governo de si. Isto também pode chamar-se calma. Não se trata de distensão ou relaxamento, mas de um estado de alma pelo qual todo o temperamento, todos os instintos, toda a sensibilidade reagem de modo inteiramente proporcionado àquilo que têm diante de si. Nesse sentido, a calma faz parte da inocência. Aliás, tendo em vista o tema da felicidade, convém lembrar que ‘a calma é o maior prazer da vida. Quem não compreendeu isto, não compreendeu nada: não sabe viver’.[4] ‘Figura comunicativa da calma por excelência é Nosso Senhor Jesus Cristo. Ele é a calma, em todos os sentidos e gradações possíveis da palavra calma, o tempo inteiro. O Sudário de Turim comunica calma’.[5]
3. O combate: uma nova dimensão da inocência‘O natural é crescer com os outros meninos e rapazes. O instinto e a sociabilidade pedem isso, ele tem que sondar e tomar gosto do que a eles interessa. O mundo dos pássaros e das borboletas recua para trás. ‘Nessa altura, se a criança é realmente inocente, aparece uma provação que apenas se esboçava na fase anterior. Entra o mal, o sofrimento, a fidelidade penosa, a reação contra o que a agride, a luta, a batalha. ‘Se a inocência se mantém, toma outro caráter. Passa a encarar o mundo das almas, que ela não conhecia. ‘Ela também adquire a noção do horrível, que tinha muito vagamente, e pode passar a ser a sombra de sua vida. ‘O combate acaba se transformando num dos pólos da vida, fora do qual a inocência não é inocência. É um grande enriquecimento, e forma uma como que segunda inocência por cima da primeira. Segunda em todos os sentidos, porque muito mais consciente, muito mais conhecida, muito mais desejada. E, sobretudo, porque ela é esclarecida pela contradição. Ela se fecha como uma fortaleza. ‘De jardim aberto, ela se fecha em sua própria muralha. Mas ao mesmo tempo ela também define seu próprio eu. «Não vou ser os outros. Eu sou eu e, custe o que custar, serei eu, permanecerei eu; não sou os outros e luto com os outros se for preciso». ‘É uma maturação da alma, em todos os sentidos da palavra. Mas é também a aquisição de nova dimensão da inocência.’[6]
4. A tentação de Fausto em termos infantisMas — ai de nós! — como aconteceu com Adão e Eva no Paraíso Terrestre, em determinada altura vem a tentação: o mundo das belezas e das certezas originárias é apresentado como algo de muito alto, muito longínquo, e pouco útil. Precisa ser afastado. Nasce lentamente na criança a tendência de ir deixando de lado a inocência. Pensa ela, difusamente: ‘«Essas coisas são fantasia; são irreais e não devem ser tomadas em consideração». ‘Pensamento de efeito trucidante!’[7] ‘A pobre mãe ou o pai, se forem católicos, talvez ensinem a criança a rezar a Ave-Maria — o que é coisa preciosa! nem se sabe o que dizer! —’[8] mas só isso pode não ser suficiente. Pois o senso da ordem, característico da inocência, está em uma esfera que requer um trabalho especial, não bastando os cuidados comuns.
Antes de ser tentada, a criança pode ter amado o bem ‘com certo exclusivismo’[9], ou seja, rejeitando o que a ele se opõe. Se isto ocorreu, quando começa a tentação, ela está armada. Se ela o amou sem exclusivismo, mas por diletantismo, está desarmada. É na relação mais originária da criança com o bem que muitas vezes ela se define. ‘Difusamente, à maneira de um pensamento infantil, põe-se a questão: «Você atualmente tem a aprovação dos outros. Consente em ser diferente deles, se necessário? E ficar inteiramente isolado? Em penetrar no risco e na aventura de uma vida que não se parece com a de ninguém e que parece ser inferior à dos outros?»’[10] Vem depois o colégio. A vida do colégio freqüentemente é um rio que corre em sentido contrário à inocência ( Ver Excerto ao lado ). E então, com muita freqüência, de maneira mais explicita ou menos, o menino pensa: ‘«Tudo isto é espuma. São bolhas de sabão! Veja o outro lado, o valor e a grandeza das coisas materiais: aqui está o prestígio, a riqueza, a fama; mais adiante está a beleza física, com todas as formas de prazer. Veja a vida de louco que você vai levar! Você vai ser um faquir, um anacoreta, um eremita, você corre atrás de uma quimera...»’.[11] É a tentação de Fausto* que se apresenta em termos infantis. * Personagem legendário que vendeu sua alma ao demônio em troca de vantagens na vida terrena. Tema de um poema de Goethe. Algo de semelhante pode se passar na cabeça de alguém que tenha conservado a inocência até a idade madura. Fontes de referência:
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