Plinio Corrêa de Oliveira
- III -
O idealista e a grande sinfonia do Universo
|
|
A beleza de Deus se reflete no conjunto hierárquico e harmônico de todos os seres, de tal maneira que não há, em certo sentido, modo melhor de conhecermos a beleza infinita e incriada de Deus do que analisando a beleza finita e criada do universo, considerado não tanto em cada ser, mas no conjunto de todos eles.25 Plinio Corrêa de Oliveira
Neste capítulo As desigualdades — por exemplo, as desigualdades sociais — são um bem ou um mal? Ou apenas um fato consumado? Como deve vê-las um idealista? O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, que já foi denominado pelo pensador italiano Giovanni Cantoni “o teólogo das desigualdades sociais”, ilustra o tema em suas verdades e suas belezas.
As desigualdades: uma oração Meu Deus, como vos agradeço de me terdes criado, de me terdes destinado a um lugar no conjunto de vossa criação! Como vos agradeço que nesse lugar me tenhais posto de modo a haver tantos superiores e tantos inferiores a mim, que não haja ninguém igual a mim! Em rigor do termo, nenhum homem é igual a outro; assim, na minha mediania, nas minhas lacunas, nas minhas insuficiências, sou entretanto diante de Vós, meu Senhor, único. De maneira tal que, se eu não existisse, vos faria falta; se eu não existisse, Vós me criaríeis como criastes todas as pedras preciosas dentro da câmara de preciosidades da qual faço parte. Como amo os maiores! Como amo os menores! E tenho uma mensagem única a dar a quem queira prestar atenção nela.26
Cidade das Artes e das Ciências, Valença, Espanha A grande e nefasta utopia Um mundo em cujo seio as pátrias unificadas numa República Universal não sejam senão denominações geográficas, um mundo sem desigualdades sociais nem econômicas, dirigido pela ciência e pela técnica, pela propaganda e pela psicologia, para realizar, sem o sobrenatural, a felicidade definitiva do homem: eis a utopia para a qual a Revolução nos vai encaminhando.27
Roger Garaudy (1913-2012, escritor comunista francês) Igualitarismo e ateísmo Com as desigualdades, que Deus criou harmônicas entre si e benfazejas para cada categoria de seres como para cada ser em particular, quis Ele prover o homem de abundantíssimos meios para ter sempre presentes as infinitas perfeições d’Ele. As desigualdades entre os seres são ipso facto uma escola sublime e amplíssima de anti-ateísmo. É o que parece ter compreendido o escritor comunista francês Roger Garaudy (posteriormente “convertido” ao islamismo), quando realçou a importância da eliminação das desigualdades sociais para a vitória do ateísmo no mundo: “Não é possível, para um marxista, dizer que a eliminação das crenças religiosas é uma condição sine qua non para a edificação do comunismo. Karl Marx mostrava, pelo contrário, que só a realização completa do comunismo, ao tornar transparentes as relações sociais, tornaria possível o desaparecimento da concepção religiosa do mundo. Para um marxista, pois, é a edificação do comunismo que é condição sine qua non para eliminar as raízes sociais da religião, e não a eliminação das crenças religiosas a condição para a construção do comunismo”.28 Querer destruir a ordem hierárquica do Universo é, pois, privar o homem dos recursos para que ele possa livremente exercer o mais fundamental dos seus direitos, que é o de conhecer, amar e servir a Deus. Ou seja, é desejar a maior das injustiças e a mais cruel das tiranias.29 O igualitarismo se infiltra no ambiente católico Na crise progressista de nossos infelizes dias, em que se encontra a Santa Igreja de Deus, as coisas se passam muitas vezes de modo tão, tão e tão irregular. Na voz de muitíssimos católicos, vemos muitas vezes afirmações sobre as desigualdades sociais, que são uma verrina quase incessante contra os exageros delas. É evidente que, onde há o exagero, pode haver facilmente uma injustiça. Mas a questão é saber se em si a desigualdade social é legítima ou não. E isto é o que os Papas nos ensinam com grande abundância de argumentos. O pensamento anti-igualitário da doutrina da desigualdade harmônica e proporcionada é ensinado pela Igreja através de Papas, de doutores, de santos, de uma torrente incontável de moralistas e teólogos. Trata-se portanto, e eu não hesito em dizer, de um pensamento celeste. As classes desiguais, portanto, existem para viver — sem desigualdades excessivas, aberrantes — em harmonia e mútua colaboração.30 A tristeza invejosa Por vezes, o homem de tal maneira se ama a si próprio, que recusa maravilhar-se com as coisas de Deus e servi-lo. Entende que esta vida terrena lhe foi dada para viver agradavelmente, e portanto vai tratar de viver agradavelmente. A partir desse momento, é inevitável que se forme no espírito do homem uma tristeza pelo fato de que os outros possuem bens que ele não possui. Uma apetência de possuir tudo para si. E portanto um desejo de igualdade completa. O ponto de partida está em que a vida foi dada para ele existir, e deve ser utilizada em seu benefício. Não deve ser usada abnegadamente para contemplar a Criação.31 A inveja é uma injustiça Desde que um homem tenha o que é necessário à subsistência e prosperidade sua e de sua família, e receba a justa remuneração de seu trabalho, não tem direito a deplorar que outras pessoas ou famílias possuam mais. Se o deplorar, peca por orgulho e por inveja. Por orgulho, não aceitando a vontade de Deus, que criou homens de capacidade física e intelectual desiguais, dando assim origem à desigualdade de bens. Por inveja, ao sentir-se triste ou revoltado ante o fato de alguém possuir legitimamente maiores bens, de qualquer natureza que estes sejam. O amor ao próximo preceitua, a quem tem menos, que se alegre porque outro tem mais. E que aceite suas próprias condições alegremente, se são justas e condignas.32
São Tomás de Aquino A magnanimidade é uma virtude Em todas as classes nascem por vezes indivíduos de um valor que — em medida maior ou menor — supera o da média. Eles têm uma justa e sensata noção de sua capacidade, noção esta muito diversa das ilusões que algum fátuo [muito estulto e com alta opinião de si próprio; vaidoso e oco; presunçoso, n.d.c.] forme sobre si mesmo. Eles estão em seu direito, desejando elevar-se. Não os move o orgulho, pois querem o que merecem — porque sentem em si o latejar de sua própria capacidade — e não o que não merecem. Não os move a inveja, tanto que não querem lesar nem despojar ninguém. A virtude que leva o homem a aspirar às honras no convívio social se chama, na saborosa expressão de São Tomás de Aquino, “magnanimidade”, isto é, grandeza de alma.33 O desejo de ascensão social participa dessa virtude.34 |