Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Guerreiros da Virgem

 

A Réplica da Autenticidade

 

A TFP sem segredos

Capítulo V

Analogias forçadas entre fatos na TFP e métodos “clássicos” de “lavagem cerebral”

Para dar alguma consistência à acusação de “lavagem cerebral” contra os movimentos cívicos, filosóficos ou religiosos que combatem, os adversários destes procuram estabelecer analogias entre o que se passa no interior de tais grupos e as descrições ou interpretações dos autores “clássicos” sobre “lavagem cerebral”. Assim, tentam apontar elementos de identidade entre os dois processos, tais como: isolamento, controle da informação, humilhações, dieta alimentar pobre, privação do sono, doutrinação contínua, auto-acusação em público etc.

As analogias vão sendo manipuladas pelos partidários da teoria da “lavagem cerebral”, e outros elementos “de prova” novos, mais subtis, vão sendo por eles acrescentados, para conferir maior aceitabilidade à idéia de que qualquer alegada semelhança neste campo é de si comprobatória da existência dessa famosa “lavagem cerebral”.

A já citada monografia da TFP norte-americana sobre “lavagem cerebral” (cfr. “Catolicismo”, no 409, janeiro de 1985) expõe detalhadamente esse mecanismo.

Os cientistas sociais Richardson e Kilbourne fazem o seguinte resumo dessa montagem artificial, que depois passarão a criticar: “A conversão a tais grupos também é conceituada essencialmente em termos de um modelo de resocialização em três etapas. A primeira etapa consiste no que temos chamado de controle do estímulo e no típico processo do despojamento. Supostamente, os indivíduos que são atraídos ao grupo recebem intensa atenção personalizada, são submetidos a pressões sociais extremas, bombardeados com rituais e atividades, privados do sono e da alimentação, e são sistematicamente induzidos a estados alterados de consciência. Esta primeira etapa é calculada para ‘amaciá-los’ e fazer com que o neófito seja mais receptivo às idéias e ideologias, muitas vezes estranhas, próprias da ‘seita’. Na segunda etapa, de controle da reação (isto é, treinamento e identificação), o neófito é submetido a uma ‘maratona de conferências e a intensas atividades de piedade ou confessionais, calculadas para manter e fortalecer a receptividade do neófito’ (Clark et al., 1981, 14). O neófito é induzido constantemente a adotar e a ensaiar as idéias, práticas e comportamentos aprovados pela seita. Na terceira etapa, de controle normativo e renascimento do novo eu, ‘uma segunda personalidade artificial – a personalidade da seita – começa pouco a pouco a adquirir uma certa autonomia, à medida em que luta com a antiga personalidade para tomar posição preponderante na consciência’ (Clark et al., 1981, 17)” (RICHARDSON & KILBOURNE, Classical and Contemporary Applications of Brainwashing Models: A Comparison and Critique, in BROMLEY & RICHARDSON, op. cit., p. 37).

Com muita propriedade, os dois especialistas comentam essa concepção:

“A personalidade do indivíduo é vista, por aqueles que adotam uma perspectiva de reforma de pensamento ou lavagem cerebral, como se fosse determinada por poderosas forças instintivas, biológicas, culturais e sociais. Os indivíduos são simplesmente receptores passivos de suas personalidades (ou seja, esta é algo que lhes ocorre ou que lhes é dado) desde a mais tenra infância até a idade madura.

“A suposição meta-teórica da auto-transformação é também evidente em cada um dos quatro modelos de lavagem cerebral [Sargant, Merloo, Lifton e Shein]. Isto é, o eu da pessoa pode ser transformado em novas formas do eu, como os bichos-da-seda se transformam em borboletas. Esta suposição está na essência de todos os modelos de lavagem cerebral” (RICHARDSON & KILBOURNE, art. cit., in BROMLEY & RICHARDSON, op. cit., pp. 34-35).

Ora, toda a narração do sr. J.A.P. procura “arranjar” os episódios de sua novela autobiográfica de forma a se parecerem com essas descrições de suposta “lavagem cerebral” ou “manipulação mental”.

O imaginário ambiente de terror que seria criado na TFP, as pretensas técnicas de “aliciamento” e a exigência da castidade feita aos sócios e cooperadores, serão objeto dos capítulos seguintes. Por comodidade de exposição, serão analisadas agora algumas outras “analogias” com o processo de “lavagem cerebral” e de “manipulação mental” sugeridas pelo sr. J.A.P., para mostrar desde logo a completa falta de fundamento concreto dessa absurda acusação, no que se refere à TFP.

1. Ambiente das sedes cientificamente planejado a fim de agir sobre o subconsciente dos que as freqüentam?

Segundo o sr. J.A.P., todo o ambiente das sedes, todo o relacionamento entre os que as freqüentam, é tendente a influenciar o jovem “iniciando”, mais ou menos inadvertidamente, de maneira a fixá-lo na entidade e a modificar seus antigos gostos e preferências. Tendo em vista tal finalidade, a TFP planejaria minuciosamente a decoração de suas sedes, as músicas que nelas se tocam, as diversas modalidades de trato pessoal etc. (cfr. GV pp. 48 e 74). Tudo confluiria, nos ambientes da entidade, para esse objetivo, sem que fosse dito expressamente ao “inciando”.

De fato, a TFP procura fazer com que a decoração, o ambiente e o convívio em suas sedes estejam de acordo com os princípios e o espírito que animam a entidade, bem como com as normas de bom gosto e boa educação, e mais especialmente com os ensinamentos e a moral da Santa Igreja[1].

Mas isto, na TFP, se faz com toda a naturalidade, sem nada de imposto artificialmente ou de planejado cientificamente, como pretende o sr. J.A.P.

O pressuposto doutrinário dele parece se identificar com o dos racionalistas, que condenam o apelo subsidiário aos sentidos, recurso pedagógico clássico, largamente utilizado pela Igreja e pelos educadores de todos os tempos.

Esse racionalismo está presente – e não pouco – na crítica que os protestantes, afeitos a uma  liturgia desnudada de elementos capazes de falar aos sentidos, sempre fizeram à Igreja Católica, pela suntuosidade dos edifícios religiosos desta, pela beleza de suas imagens, pela riqueza de seus símbolos, pelo esplendor de seus paramentos e pela pompa de sua magnífica liturgia.

Para pessoas com tal mentalidade hirta, de fundo racionalista, o sentimento não é o auxiliar da inteligência no processo do conhecimento, nem é o estimulador da vontade no reto processo das simpatias e rejeições. Segundo elas, o sentimento é sempre suspeito de atuar como inimigo insidioso do pensamento lógico e objetivo, e do ato de vontade realmente livre.

Diametralmente oposto é o que sempre ensinou e pôs em prática a Igreja Católica.

Para não alongar as citações, veja-se, por exemplo, o que comenta a respeito um aliás muito conceituado manual de uso corrente: “É contrário à experiência que a vida intelectual esteja em razão inversa da vida afetiva; pelo contrário, uma e outra se desenvolvem, se enriquecem e se afinam reciprocamente. .... O sentimento dirige o curso de nossa atividade cognoscitiva, nossas percepções, nossas associações, nossas idéias sobre as coisas, nossos julgamentos e crenças; transforma nossas certezas em convicções pessoais muito caras; faz-nos aderir a certezas racionais antes indiferentes ou rejeitadas sentimentalmente, porque, sob a influência de uma pessoa que nos é simpática, acabamos por estudar suas provas, que nos convencem em seguida por sua força intrínseca” (Pe. ENRIQUE COLLIN,  Manual de Filosofia Tomista, Luis Gili ed., Barcelona, 1950, 2ª ed., tomo I, p. 454).

Considerem-se, a propósito, alguns exemplos fortemente distintos uns dos outros: uma função litúrgica, um desfile militar, um debate oratório, um minueto.

Essas várias ações, por mais que sejam diferentes quanto a seus fins fundamentais, têm todas uma finalidade de inegável alcance: fazer sentir aos respectivos públicos, por palavras, por gestos, pela indumentária, pelo acompanhamento da música, pela entonação da voz, pelas formas literárias etc., o significado profundo e o grau de dignidade respectivo daquilo que intrinsecamente elas são.

Daí o fato de que o ambiente em que se desenvolve cada uma dessas ações – uma igreja, um campo de parada, o salão de atos de uma academia literária, uma sala de baile do século XVII ou XVIII – ter também, cada qual, um cenário em harmonia com o respectivo fim.

Com isto, procedem tais instituições a uma “lavagem cerebral”? Manipulam elas o subconsciente dos que assistem a esses atos? Ou agem simplesmente como instituições civilizadas?

Se ter sedes em que a decoração, a música (que, diga-se de passagem, não se toca na TFP com a freqüência e a intensidade insinuadas pelo sr. J.A.P.) e o trato entre as pessoas simbolizam de algum modo os princípios de uma entidade, os seus fins e a sua dignidade intrínseca, com isto a TFP faz, porventura, algo à maneira de uma “lavagem cerebral”?  Ou simplesmente se mostra civilizada?

Com efeito, num país civilizado, não está a vida social marcada pelo hábito de usar recursos destes, até na esfera privada? No lar, por exemplo, o que faz cada família senão explicitar e definir um espírito, e comunicá-lo a todos os seus para o bem da unidade familiar, constituindo – por vezes apenas instintivamente, e muito aos poucos – seu ambiente próprio?

Pode-se então dizer que, procedendo assim, a Igreja, a família, as forças armadas, e tantas outras instituições fazem “lavagem cerebral” nos seus próprios membros, ou no público em presença do qual se realizam? Ou que as move toda a série de intuitos maquiavélicos e secretos que, em razão de práticas análogas, o sr. J.A.P., distorcendo a realidade, atribui à TFP?

Mas, poderia objetar o sr. J.A.P., se essa influência dos ambientes sobre a pessoa é inadvertida, ela não pode deixar de ser fraudulenta.

Sem dúvida, essa influência é muitas vezes implícita, mas não é completamente inadvertida, e menos ainda é dolosa.

Uma pessoa pode, por exemplo, sentir na igreja o efeito que sobre ela produzem o som do órgão ou do canto gregoriano, o perfume do incenso, a penumbra do ambiente. Ela nem sabe dizer com clareza no que, precisamente, consiste o efeito que aquilo lhe causa. Mas daí não se pode concluir que esteja sendo vítima de uma ação fraudulenta. Tanto é assim que muitas vezes a pessoa vai à igreja precisamente porque deseja aquele efeito. Porque sabe que daquilo advirão conseqüências benéficas para ela.

Ademais, no mero gostar e não gostar da música, de parada militar ou de retórica, há um ato seletivo consciente e livre, cuja raiz profunda é a mentalidade que o indivíduo tem. E esta mentalidade, ele a tem por fatores em parte congênitos e em parte adquiridos. Os congênitos, ele poderia modificá-los. Os adquiridos, ele poderia modificá-los, requintá-los ou suprimi-los livremente. Porque o gostar e o não gostar resultam, em última análise, de algo livre. O fato de que o homem nem sempre torne conscientes as relações entre seus gostos e suas idéias não quer portanto dizer que a liberdade esteja ausente de suas escolhas.

Aliás, se fosse necessário suprimir tudo quanto age inadvertidamente sobre o homem, seria necessário suprimir a civilização.

Por exemplo, quantos efeitos inadvertidos pode produzir o quadro da Mona Lisa sobre os que o vêem? Ou um vitral gótico? Ou o Parthenon?

O sr. J.A.P. parece tomar isto tudo como “lavagem cerebral”, “manipulação mental” ou coisas do gênero...

* * *

Um trecho pouco conhecido de Engels vem muito a propósito para estas considerações. Revela ele os preconceitos do ateu e marxista contra a pompa litúrgica da Igreja Católica. Porém ilustra igualmente a mentalidade de certas pessoas de formação racionalista, que querem ver, em todo apelo ao sentimento, um perigoso atentado à razão humana.

Assim descreve sua visita à catedral de Xanten, na Alemanha, o amigo e financiador de Marx:

“A catedral de Xanten ... cercada de velhas construções e de muros de convento, está separada de tudo o que é moderno. ...

“Entrei na igreja; oficiava-se justamente uma Missa solene. A música do órgão precipitava-se com majestade do alto do coro, como uma alegre tropa de guerreiros enfeitiçadores, e atravessava a nave ressonante para ir perder-se nos recantos mais afastados da igreja. ... Mas desde que os trompetes anunciam o milagre da Transubstanciação, quando o padre levanta o brilhante ostensório, quando a consciência de toda a comunidade está embriagada no vinho do recolhimento, então, precipita-te para fora, foge, salva tua faculdade de pensar fora desse oceano de sentimento que submerge a igreja com suas vagas” (“Telegraph für Deutschland”, no. 197, dezembro de 1840, MEGA, I, 2, 92, apud HENRI DESROCHE, Socialismes et Sociologie Religieuse, Éditions Cujas, Paris, 1965, pp. 189-190).

Se o sr. J.A.P. visitasse a catedral de Xanten com o mesmo espírito com que rememora os ambientes da TFP, é possível que não a descrevesse de outro modo. Pois é a partir dos mesmos pressupostos psicológicos de Engels que ele descreve as sedes da TFP.

“Foge, foge da TFP”- é o que em cada página, em cada letra, parece bradar seu livro tão sereno...

2. Imposto aos sócios e cooperadores o afastamento da família e dos ambientes extrínsecos à TFP?

Para mais facilmente modificar as idéias e o comportamento do jovem “iniciando”, a TFP procuraria mantê-lo quanto possível confinado nos ambientes das sedes, e afastá-lo sistematicamente da família e dos ambientes extrínsecos à associação. É o que Guerreiros da Virgem afirma ou insinua destramente em várias passagens (pp. 46 a 48, 54, 75-76, 96-97, 98, 139, 159, 186 e 200).

Em primeiro lugar, não é verdade que na TFP os jovens vivam confinados nas sedes, e afastados do ambiente externo. Sendo a atuação da entidade, por sua própria natureza, preponderantemente voltada para o grande público, a muito acentuada maioria dos sócios e cooperadores tem constante e intenso contato com pessoas extrínsecas à Sociedade. O público, aliás, já se acostumou a ver por toda parte os jovens cooperadores da TFP, sempre dignos, sempre alegres, sempre tão caracteristicamente da TFP que o sr. J.A.P. – invariavelmente malévolo – até vê nisso uma uniformidade  inexplicável sem uma “lavagem cerebral”...

O fato de que eles têm largo e freqüente contato com o público não exclui que eles se afastem por um movimento instintivo, de determinados ambientes. Quais são estes?

Antes de mais nada, os ambientes hostis, nos quais, pelo descaso ostensivo, pelo debique, pelo sarcasmo, quando não pela injúria caluniosa e infatigável, são objeto de um verdadeira guerrilha psicológica.

Exemplos de ambientes tais dá-nos o próprio sr. J.A.P. (GV pp. 15, 19, 90 a 97), quando se refere às pressões por vezes verdadeiramente cruéis que teve de sofrer da parte de colegas de classe, por freqüentar as sedes da TFP [2].

“Cet animal est très méchant: quand on l’attaque il se défend” (“Este animal é muito mau: quando atacado, ele se defende”) – diz uma canção popular correntemente citada pelos franceses (La Menagère, 1868). Essa a estranha posição de certos críticos da TFP, que acham très méchant que sócios e cooperadores se afastem, por defesa da própria dignidade, dos ambientes em que são vilipendiados de modo desconcertante. Tanto mais desconcertante quando vivemos numa sociedade cada vez mais permissiva, na qual até o direito de cidadania para a homossexualidade encontra apaixonados propugnadores.

Ambientes que chegam a esse extremo não são raros, mas, felizmente, não constituem a regra geral. Sem embargo, ainda há outros fatores que tornam explicável que deles se afastem – em medida maior ou menor, segundo as circunstâncias – sócios e cooperadores da TFP. E não só estes, como freqüentemente os correspondentes da Sociedade [3] esparsos por todo o Brasil, em geral pais e mães de família que, por imperativo de consciência inegavelmente respeitável, intencionam firmemente manter-se na prática dos princípios da Moral tradicional da Igreja.

Desta prática se afastou gradualmente, no decurso dos últimos vinte ou trinta anos, um impressionante número de ambientes sociais, nos quais os temas das  conversas, as liberdades de trato entre os sexos, a televisão ligada de modo incessante, e difundindo tantas e tantas vezes cenas imorais, não podem deixar de entrar em dissonância profunda com a consciência de católicos não progressistas.

Tais ambientes, em lugar de se adaptarem, na medida do necessário, às convicções e à sensibilidade moral dos católicos não progressistas, mantêm, em presença destes, exatamente o mesmo tônus em vigor se estes estivessem ausentes.

Isto eqüivale a lhes dizer: “Vocês são uns atrasados, de idéias estreitas e modo de ser antipático. Para vocês, só há cidadania entre nós se consentirem em calcar aos pés os princípios morais que professam”.

“Acolhidos” assim, que podem fazer os católicos não aggiornati pelo progressismo?

- Romper com a própria consciência? – Sofreriam merecidamente o desprezo mudo daqueles mesmos ante quem capitulassem.

- Protestar? – Desencadeariam com isto a indignação irada dos dominadores do ambiente, de onde se seguiriam discussões e rupturas. E, paradoxalmente, a fama de intolerantes ainda recairia sobre aqueles que o despotismo do espírito moderno não havia tolerado.

- Retirar-se? – Os arautos desse mesmo espírito os acusariam de “esquisitos”.

Resultado dessa situação é que, em certo número de vezes, o melhor para o católico não aggiornato consista mesmo em manter-se à distância.

Tudo quanto acaba de ser dito aqui, poucos têm a coragem de o afirmar em letra de forma, com tanta franqueza e tantos pormenores.

Mas, de uma vez por todas, era preciso que fosse dito. E dito fica.

* * *

Quanto ao afastamento das famílias, que o sr. J.A.P. maliciosamente apresenta como imposto na TFP, e quanto à idéia de que todas as famílias seriam necessariamente mal vistas na entidade, há que fazer alguns esclarecimentos.

Inicialmente, não é verdade que haja um afastamento obrigatório em relação às famílias. Uma expressiva parcela de sócios e cooperadores vive com suas famílias: os casados, obviamente, e também muitos solteiros.

A grande maioria,  porém, opta livremente por residir nas sedes da entidade. Por que o fazem? Para poderem melhor se dedicar às atividades dela, e também porque encontram no convívio com os irmãos de ideal um fator de mútuo afervoramento.

Significa isso renegar a família, como afirma explicitamente o sr. J.A.P. (GV p. 46)? Absolutamente não. Há muitas circunstâncias em que um homem pode deixar o convívio dos seus sem que isso de nenhum modo signifique renegá-los.

Um jovem que opte pela carreira diplomática, sabendo que dessa forma viverá sempre no Exterior, um comerciante que vai se estabelecer em outra cidade, em outro Estado ou até em outro país, um marinheiro da marinha civil, um militar – do exército, da marinha ou da aeronáutica – sujeito aos contínuos deslocamentos impostos pela função, um aviador profissional, deixam suas famílias, e pela mente de ninguém ocorre atribuir essas opções a uma aversão pelas respectivas famílias e, menos ainda, pela instituição da família enquanto tal. Pois salvo casos muito especiais em que sua presença no lar fosse indispensável, eles agem bem seguindo uma aspiração legítima que qualquer homem pode ter por um determinado gênero de vida honesto, ainda que, acidentalmente, o prive das vantagens da vida familiar.

Pode também acontecer que alguém deixe a família por amor a um ideal mais alto. É o caso, por exemplo, de um voluntário que vai para a guerra deixando os pais, a esposa e os filhos na consternação. É o caso de um missionário que parte para regiões longínquas, de um religioso ou religiosa que ingressa num convento, e cuja Regra – como normalmente acontece – acarrete o sacrifício de ter os contatos com a família muito restringidos. Procedem estes mal? Por aversão à família? A resposta dada a estas perguntas pelo senso comum só pode ser negativa. É por amor a um ideal mais alto, e sem menoscabo do muito amor que têm aos parentes, que seguem a vocação mais alta.

É precisamente o que se dá com o sócio ou cooperador da TFP, o qual sente em si uma vocação que, sem se identificar com as carreiras ou estados de vida aqui enumerados, não deixa de ter analogias com um ou outro.

Ademais, se os costumes modernos tornaram tão freqüente hoje em dia rapazes e moças, mesmo solteiros, deixarem o lar paterno, não com vistas, pelo menos proximamente, a se casarem, mas pelo simples gosto de morarem sós – sem que isso resulte necessariamente de conflitos familiares ou de incompatibilidade com os pais – por que não podem fazer algo semelhante os da TFP que se dedicam a um tão alto ideal?

Se também isto o consenso geral vê com toda naturalidade, por que – cabe insistir – verá com uma torva e fanática hostilidade que sócios e cooperadores da TFP, por  uma altíssima e premente necessidade da Pátria e da Cristandade, vão residir em sedes da TFP?

O sócio ou cooperador da TFP conserva – é óbvio – todo o afeto e todo o respeito pela família, e se algum dia esta precisar dele, ele será sempre o filho melhor e mais dedicado. Foi o que muitos pais já tiveram ocasião de comprovar em circunstâncias particularmente difíceis.

Por fim, cumpre acrescentar que os filhos menores só entram para a TFP com licença paterna escrita; e o mesmo se passa quando vão morar nas sedes da entidade. E assim que seja cassada a licença, cessam de freqüentar a TFP. E os dirigentes da Sociedade acolhem com toda a solicitude os pais, especialmente os filhos menores, que os procurem para obter esclarecimentos e informações.

A. A alta vocação da TFP: combater a guerra  psicológica revolucionária, a principal tática de conquista do imperialismo comunista, em nossos dias

Mas a que chama de tão alto, esta alegada vocação da TFP?

Importa ser absolutamente claro a tal respeito:

1. É opinião corrente entre os entendidos, que a investida da guerra psicológica revolucionária, principal tática de conquista do imperialismo comunista moderno, constitui hoje uma verdadeira arma de guerra, tão genuína como a artilharia, a infantaria ou a aviação, tão desleal quanto a espionagem e ainda mais perigosa que esta[4].

2. Com efeito, o êxito dessa guerra psicológica revolucionária consiste na conquista de parte da opinião pública para o comunismo, na paralisação de outra pela absorção total, artificialmente provocada, da grande maioria dela, em afazeres particulares (com a conseqüente ausência de zelo e vigilância pela causa pública), e pela tentativa de dividir, afogar sob uma tempestade incessante de calúnias,  e pelo desânimo, os poucos que resistem.

Uma vez alcançado este sinistro resultado, a Pátria fica impossibilitada de reagir à agressão externa soviética e/ou  à revolução sócio-econômica comunista à mão armada.

E a vitória da ofensiva soviética acarreta a destruição da civilização cristã, bem como a perseguição atroz a tudo quanto na Igreja não se identifique com o progressismo e a Teologia da Libertação. Sem falar da perda da independência nacional em benefício de Moscou.

3. É compreensível que sócios e cooperadores da TFP, nessa conjuntura supremamente crítica, considerem que o Brasil esteja em perigo muito maior do que se algum ponto de suas fronteiras tivesse sido invadido e uma parte do seu território ocupada por um agressor externo. E que, nessas condições, se ufanem de consagrar à pacífica e legal atuação anticomunista promovida pela entidade, o tempo e o esforço que todo bom brasileiro não negaria à Pátria no caso de uma agressão estrangeira.

4. O que tanto mais os urge e os empolga quanto presenciam a todo momento a maré montante dessa ofensiva psicológica contra a Pátria e a civilização cristã. E a negligência – quando não a cumplicidade – de tantas figuras exponenciais de certo alto capitalismo, de certo Clero, de importantes setores universitários e órgãos de comunicação social, ante a investida que sopra pelo País todo.

Fantasia da TFP? – “Inocentes úteis”,  “companheiros de viagem” etc.: quem não tem ouvido falar deles em nossos dias, pelo Brasil e pelo mundo afora?

5. Focalizando ainda mais diretamente o aspecto religioso do problema, é compreensível ainda que, como católicos, os sócios e cooperadores da TFP desempenhem com espírito de Fé e com uma dedicação de inspiração religiosa essa patriótica atuação contra o inimigo máximo da Igreja em nossos tempos. Pois eles vêem nessa verdadeira Cruzada do século XX uma eminente forma de sacralizar a ordem temporal, tarefa própria dos leigos católicos, para a qual os convocou o Papa Pio XI em célebre Alocução aos participantes do II Congresso Mundial para o Apostolado dos Leigos, em 5 de outubro de 1957: “As relações entre a Igreja e o mundo exigem a intervenção dos apóstolos leigos. A ‘consecratio mundi’ [sacralização do mundo] é, no essencial, obra dos próprios leigos, de homens que estão intimamente entremeados à vida econômica e social, que participam do governo e das assembléias legislativas” (Alocução aos participantes do II Congresso Mundial para o Apostolado dos Leigos, Documentos pontifícios, no. 127, Vozes, Petrópolis, 1960, 2ª ed., p. 18) [5].

6. Não é digno de aplauso que um grande número de jovens poupe até as migalhas de seu tempo disponível, ou, ainda mais, dedique seu tempo integral para estudar e agir de maneira a enfrentar, dentro da lei e da ordem, o inimigo insidioso da soberania nacional, da civilização cristã e da própria Igreja? E isso precisamente numa época em que tantos e tantos jovens desperdiçam o tempo em ocupações menos nobres ou até francamente condenáveis?

B. O juízo da TFP sobre a família moderna “in genere”

Diz o sr. J.A.P. que a TFP julga severamente as famílias modernas.

Vivemos em um mundo fortemente paganizado, não há como negá-lo. Sendo esse mundo constituído de famílias, é forçoso reconhecer que muitíssimas delas, hoje em dia, estão paganizadas. E, consequentemente, que nelas se tenha, no que diz respeito ao bem dos filhos, uma concepção puramente materialista, não tomando na devida conta a importância da formação espiritual que cumpre dar-lhes. A incompreensão ainda sobe de ponto no que se refere ao serviço que a família deve prestar à Igreja ou à Pátria, dando a uma ou a outra os filhos que se sentirem a isso chamados. Por falta de espírito de Fé, uma família desse gênero teria igualmente dificuldades para compreender um filho que aderisse à TFP.

É também fora de dúvida que incontáveis famílias não vêem o perigo em que se encontra a civilização cristã, ameaçada pela expansão do comunismo, como deveriam vê-lo. Seja por simpatia ideológica, ou – o que é muito mais freqüente – por acharem que o comunismo constitui um perigo tão remoto para o Brasil que é perda de tempo preocupar-se com ele. Naturalmente, se um rapaz de uma dessas famílias quisesse se consagrar à luta ideológica anticomunista da TFP, elas não veriam isso com agrado, porque lhes faltam os pressupostos para tal.

Há, por fim, os pais que, à margem do pesar que sentem por verem prejudicado aquilo que reputam o verdadeiro interesse dos filhos, têm uma certa concepção cooperativista da família, em que cada um dos membros é obrigado a concorrer para o bem de todos. Se um filho quer sair desse circuito fechado e, num contexto mais amplo, concorrer para o bem comum de toda a sociedade, religiosa ou temporal, consideram que este – sobretudo se se tratar de pessoa particularmente bem dotada – está sonegando à família uma colaboração a que ela teria direito.

Esse, aliás, é um vezo comum em muitas famílias em época de decadência religiosa. No século passado, por exemplo, não era raro, na Europa como também no Brasil, se destinar para o Sacerdócio ou para a vida religiosa filhos menos inteligentes, menos favorecidos. E se procurava a todo custo reter no mundo os mais bem dotados, como quem quer dar a Deus apenas os frutos que não fazem muita falta. De algum modo, como os frutos que Caim ofereceu a Deus, e que provocaram a sua ira... (Gen. IV, 5).

Infelizmente, por outro lado, a instituição da família está muito longe, hoje em dia, de ter sempre e universalmente aquela santa estabilidade ainda freqüente décadas atrás. A imoralidade desbragada de tantos e tantos órgãos de comunicação social (e a este respeito é inevitável mencionar as devastações da TV nos lares), a legislação cada vez mais permissivista, a introdução do divórcio, o livre curso de contraceptivos, o aborto que, “despenalizado”, se vai generalizando em todo o mundo, são outros tantos fatores que vêm sistematicamente corroendo a tradicional e santa instituição [6].

Por mais que doam estas verdades, é imperativo de honestidade intelectual vê-las de frente: o pai ou a mãe que estão dispostos a matar o filho nascituro, que grau de amor têm ao filho que efetivamente nasceu?

É confrangedor ter que reconhecê-lo, mas, em nossos dias, na grande maioria dos casos, a influência de incontáveis famílias sobre os filhos que queiram viver inteiramente segundo a Lei de Deus é negativa. Isto é, conduz de um modo ou outro à transgressão dessa Lei. Se não por uma pressão direta (não rara...) em favor da frequentação das ocasiões próximas de pecado grave, pelo menos por uma permissividade carregada de indulgência ou de sorridente simpatia.

Por aí se configura facilmente uma situação em que um jovem católico – ainda fazendo abstração do caso concreto dos da TFP – pode precisar se defender contra a pressão negativa de seus familiares. É um direito, e mesmo um dever dele, porque “é preciso obedecer antes a Deus que aos homens” (Act. V, 29). Isso, evidentemente, sem prejuízo do amor, do respeito e da obediência que, dentro dos limites da Lei de Deus, ele sempre deve a quem lhe deu a vida.

Mas – perguntará alguém – não é uma enormidade ver com estes olhos tão severos um  número indeterminado mas amplíssimo de famílias?

Se o mundo atual se encontra na situação em que está – e não há mais quem negue estar ele devorado por crises múltiplas e cada vez mais graves – é em larga medida por um reflexo da situação da instituição familiar, como acaba de ser descrita.

Quem considera o mundo na perspectiva em que o considerou Nossa Senhora quando apareceu em Fátima, em 1917 – devorado por múltiplas crises que se avolumam e rumam para um trágico desenlace, com guerras, revoluções, o aniquilamento de muitas nações etc. (cfr. adiante, Cap. VI, 3), e isso tudo por causa de uma situação moral péssima – esse evidentemente só pode concluir que, em nossos dias, muitíssimas famílias não estão cumprindo o seu dever.

Toda essa visão de conjunto do mundo atual – da qual o sr. J.A.P. parece nem cogitar – é no entanto indispensável para destruir a impressão falsa, sugerida por Guerreiros da Virgem, de que a TFP estaria em guerra declarada até mesmo contra as famílias cristãs e exemplares[7] .

Aliás, o próprio sr. J.A.P.,  no parágrafo final do tópico mais especialmente dedicado ao assunto, deixa bem ver o que ele entende por família, ao incluí-la num só contexto com bailes, convívio de jovens de sexos opostos, músicas, cinema etc. Diz ele: “O julgamento que os teefepistas faziam da família causava-me a mesma estranheza que muitas de suas opiniões em relação às manifestações da vida moderna: os bailes, o convívio entre jovens de sexos opostos, as músicas, o cinema, o teatro, as revistas, jornais e livros. Tudo, tudo – segundo eles – fora contaminado pela Revolução ou simplesmente era produzido por ela” (GV p. 48).

Na perspectiva dele, tudo isso forma um todo solidário, em inteira e desabotoada conformidade com os costumes contemporâneos, já que é esta a posição que ele adota expressamente. E, portanto, lhe parece injusto o pensamento da TFP sobre esse conjunto. Ora, é evidente que nos aspectos da vida moderna por ele enumerados (dentre os quais inexplicavelmente omitiu a televisão) existe muita imoralidade, para quem ainda conserve a noção do que é moral...

C. A TFP e as famílias de seus sócios e cooperadores

No caso concreto das famílias dos sócios e cooperadores da TFP, será verdade, como pretende o sr. J.A.P., que elas são necessariamente mal vistas pela entidade, e que esta procura obstar o relacionamento dos filhos com os respectivos familiares?

Ainda aqui o sr. J.A.P. distorce a realidade.

Já no tempo dele havia um número considerável de famílias exemplares, que entregavam com entusiasmo seus filhos à TFP, e apoiavam calorosamente a dedicação deles aos ideais da entidade. Nos últimos anos, graças a Deus, o número dessas famílias tem ainda crescido substancialmente.

Tanto é assim que, nos primeiros anos da década de 70, quando começou a se formar a vasta e pujante rede dos correspondentes da Sociedade, foi precisamente entre as famílias de sócios e cooperadores que o movimento teve seu grande impulso inicial. E embora hoje ele se tenha expandido em outros meios – inclusive entre ex-membros de Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) desiludidos com o rumo cada vez mais debandadamente esquerdista que o Clero progressista vem tomando – ainda é nas famílias de sócios e cooperadores que ele encontra uma boa parte de sua propulsão.

Com efeito, entre os participantes do último Encontro Nacional de Correspondentes da TFP, realizado em São Paulo de 2 a 5 de agosto de 1985, dos 1418 inscritos, 274 eram parentes próximos – pais, mães, irmãos, irmãs, filhos, filhas ou esposas – de sócios e cooperadores da entidade.

Se a TFP obrigasse sistematicamente seus elementos a romper os laços familiares, como afirma o sr. J.A.P., eles só teriam encontrado inimizades e incompreensões entre os parentes, e a Sociedade nunca poderia ter formado tão vasta e benemérita rede de simpatizantes.

Bem entendido, mesmo fora das fileiras de correspondentes da TFP, há muitas famílias que vêem com bons olhos a participação de seus filhos na entidade. Entre estas, há pais e mães que, não tanto por simpatia ideológica para com a TFP, mas por verem nela um poderoso fator de preservação moral dos filhos – nesta época em que a imoralidade, as drogas e a criminalidade se vão alastrando impunes entre jovens e adolescentes – dão todo o apoio a que eles freqüentem as sedes da Sociedade. Prova disso é que ela possui 864 documentos de apoio de pais e mães de sócios ou cooperadores, elogiando a formação dada pela TFP a seus filhos, ou se solidarizando com ela por ocasião de investidas publicitárias de que foi alvo.

D. “FMR”: uma expressão despectiva e injuriosa?

E o que dizer da expressão “FMR” – “fonte de minha revolução”- que, segundo o sr. J.A.P., serve para designar despectiva e injuriosamente as famílias dos sócios e cooperadores?

A Revolução, conforme a já citada obra Revolução e Contra-Revolução, é um movimento nascido no fim da Idade Média, de uma explosão de orgulho e sensualidade, a partir da qual se originou todo o processo de decadência da civilização cristã, que, em etapas sucessivas, através da pseudo-Reforma protestante, da Revolução Francesa e do Comunismo, chegou até nossos dias.

De tal forma a Revolução, como um todo, penetrou nos mais diversos ambientes, que praticamente não há nenhum campo da vida do homem em que sua influência deletéria não tenha penetrado em grau maior ou menor. Mesmo dentro das sedes da TFP, e  no interior das almas de muitos e muitos dentre os melhores sócios e cooperadores da entidade, essa influência se faz notar, como aliás realça em diversas passagens o livro Guerreiros da Virgem (pp. 80-81, 110, 159).

Só poderia se espantar com isso quem ignorasse o importante papel que desempenham, na História, as osmoses culturais que às vezes se verificam até entre os adversários ideológicos mais categóricos.

Por exemplo, ao longo das lutas ideológicas, políticas e militares dramáticas e violentas entre a França revolucionária e a Europa monarquista (1789-1815), é fato notório que houve permeações ideológicas de parte a parte. De tal sorte que, depois do Terror, a França foi evoluindo gradualmente para a República do Diretório, o Consulado, a ditadura coroada de Napoleão e, por fim, o regime monárquico não ditatorial dos Bourbons; e, paralelamente, as nações monárquicas foram inalando influências republicanas, as quais determinaram a evolução em todo o Continente das monarquias absolutas para monarquias constitucionais, e destas para repúblicas democráticas.

Essas transformações de um lado e de outro teriam sido impossíveis sem as permeações culturais que freqüentes vezes se operaram na mente de republicanos e de monarquistas dos mais fogosos. E sem que, nem uns nem outros, advertissem que estavam caminhando rumo ao mal cujo avanço queriam tolher.

Das influências revolucionárias não estão isentas as famílias, mesmo as melhores e mais entusiasticamente contra revolucionárias. Por outro lado, é normalmente muito grande e muito profunda a influência que as famílias exercem sobre os filhos. Daí o se ter originado o costume de alguns jovens se referirem às próprias famílias como “fonte de minha revolução”, ou, abreviadamente, “FMR”. Queriam com isso se referir ao ponto mais sensível da influência revolucionária que sentiam dentro de si mesmos.

Convém deixar claro que essa expressão surgiu há já cerca de 15 anos, mais como um gracejo que em determinado momento se tornou habitual entre os jovens da TFP. Mas a direção da TFP mais de uma vez a desaprovou e recomendou que não fosse empregada para se referir às famílias, pois parecia suscetível de interpretações malévolas como a que faz o sr. J.A.P.

É o que compreendem os pais que com isenção de ânimo considerem o assunto.

E. A TFP, fator de divisão das famílias?

Com tudo isso, não será a TFP, de alguma maneira, um fator de divisão dentro das famílias?

Precisamente o contrário se dá. Os jovens da TFP sem dúvida se defendem interiormente da influência revolucionária que possam sofrer de suas famílias, mas paralelamente devem evitar querelas e discussões inúteis. Eles não são um fator de desunião na família, salvo nos pontos indispensáveis a sua própria perseverança na boa doutrina e nos bons costumes. E, mesmo nesses casos extremos, procuram sempre se manifestar modelarmente respeitosos em relação a seus pais.

Espanta, por sinal, que haja quem se preocupe tanto com a imaginária divisão das famílias, que faria a TFP.

Admita-se, só para argumentar, a hipótese absurda de que a TFP realmente dividisse as famílias de seus sócios e cooperadores.

Quantas são essas famílias? Pouco mais de mil. Seria uma quantidade minúscula, se se considerarem os milhões de famílias atingidas pelos incontáveis fatores de divisão e de desagregação dos dias de hoje, e que em conseqüência desses fatores acabam sendo tragicamente cindidas.

Entres esses fatores ocupa papel de não pequeno destaque a televisão imoral. A TV Globo, por exemplo, com sua imoralidade pública e notória. Precisamente a emissora que em 1978 moveu uma estrepitosa e acirrada campanha contra a TFP, acusando-a, entre outras coisas, de dividir as famílias...

3. Disciplina rígida e tratamentos de choque para extirpar do sócio ou cooperador da TFP os resquícios revolucionários de sua vida passada?

Segundo o sr. J.A.P., também seria uma componente da “lavagem cerebral” a “rígida disciplina” (GV p. 36) que, dentro da TFP, coarctaria as legítimas liberdades e quebraria as personalidades.

A esse respeito, é preciso dizer desde logo que a disciplina interna da TFP está muitíssimo longe de ter a rigidez que o sr. J.A.P., em seu novelesco livro, procura fazer crer.

A doutrina católica sobre a liberdade humana ensina que esta consiste, não no direito ou na faculdade de fazer tudo quanto aprouver aos sentidos e à imaginação, mas em seguir os ditames da razão, por sua vez ilustrada e amparada pela fé[8]. O que constitui precisamente o contrário da doutrina de Freud e da maior parte das escolas psicológicas e psiquiátricas que surgiram depois dele.

Ora, nestas condições, a sujeição a uma disciplina voltada a impedir que o homem se ponha em ocasiões de ser arrastado pelo bramido irracional e turbulento dos instintos, constitui, não um vínculo ou uma algema para a liberdade, mas uma preciosa proteção para ela.

Assim, proibir a um jovem que freqüente ambientes onde se fume maconha não é limitar a liberdade dele, mas garantir essa liberdade contra a tirania do vício, para o qual uma tentação sutil ou torrencial pode atraí-lo de um momento para outro.

E quando um religioso se obriga, mediante voto, a obedecer a seu Superior, visa com isso garantir melhor sua própria liberdade contra os assaltos da natureza humana desregrada por efeito do pecado original e dos pecados atuais, bem como “instrumentalizada” pelo demônio. Esses assaltos o expõem tantas vezes ao risco de ter procedimentos e, por fim, de adquirir hábitos que sua razão e seus princípios religiosos censuram absolutamente. E, por isso, com o voto de obediência, ele pratica a perfeição heróica da liberdade cristã.

Mas – poderia redargüir o sr. J.A.P. – os procedimentos indicados em Guerreiros da Virgem como sintomas de disciplina rígida na TFP manifestam, não propriamente a obediência, mas o exagero da obediência[9]. Disto se tratará em seguida, ficando claro que não existe tal exagero.

* * *

O sr. J.A.P. dramatiza especialmente, em sua novela autobiográfica, os exercícios de adestramento realizados em duas sedes da TFP localizadas no bairro de Itaquera, em São Paulo. A disciplina férrea então imposta, a atividade contínua e extenuante, com alterações bruscas e inopinadas de programa, os pretensos “exercícios paramilitares”, o tratamento bruto, as punições pelas mínimas faltas cometidas, tudo não teria outro fim – segundo ele – senão quebrar as resistências que o militante da TFP ainda apresentasse “em relação ao comportamento julgado ideal” (GV p. 146). As “Itaqueras” constituiriam, portanto, verdadeiros “tratamentos de choque” para extirpar os resquícios revolucionários da vida passada do sócio ou cooperador da entidade. O que, na ótica do sr. J.A.P., corresponderia, por assim dizer, à etapa final do processo de “lavagem cerebral”, a qual acabaria por modelá-lo segundo o figurino característico da TFP (cfr. GV pp. 55 a 67, 142 a 147, 159-160).

Depois disso, regras de vida muito estritas (“Ordos”)[10] e um convívio intenso assegurariam “o comportamento padronizado que distingue ao longe um membro da TFP” (GV p. 146).

Como sempre, em sua novela autobiográfica, a narração do sr. J.A.P. é feita com sagazes omissões e bem calculadas distorções, de forma a impressionar desagradavelmente os leitores. Ele omite todas as explicações que poderiam manifestar o caráter profundamente sensato e razoável desses exercícios, e por outro lado desfigura aspectos fundamentais deles, o que rebaixa sua descrição ao nível de mera caricatura da realidade. Nessa ótica, os exercícios de adestramento praticados em Itaquera – que, aliás, não se realizaram mais desde 1974 – ou segundo o “espírito de Itaquera” (GV p. 160), não passariam de um conjunto de aberrações e brutalidades próprias a quebrar qualquer personalidade, algum tanto à maneira da suposta “lavagem cerebral”. E submetê-la ao arbítrio dos dirigentes da entidade. Bem entendido, tudo visto sob o prisma do drama interior do sr. J.A.P., que importa para ele mais do que a verdadeira natureza dos fatos e a correspondente justificação objetiva e lógica.

Em primeiro lugar, não se compreende por que ele quis tanto participar dos exercícios de adestramento realizados em Itaquera (“a tão esperada Itaquera”, GV p. 142) aos quais, agora – atendendo aos desígnios que se propôs, de denegrir e difamar a TFP – descreve com as cores próprias a caracterizar o processo arbitrariamente designado por “lavagem cerebral”.

O sr. J.A.P. naturalmente dirá que se sentia coagido a tal participação, pois segundo sua ótica atual, sua mente estava “dominada” pela TFP, em decorrência do processo de “lavagem cerebral”. Só agora, liberto das garras da Sociedade, é que ele estaria em condições de reinterpretar tudo o que sofreu, e denunciá-lo à opinião pública.

Essa argumentação não tem valor, pois padece do defeito designado em Lógica como “petição de princípio” (vício de raciocínio que consiste em dar como argumento probante aquilo mesmo que se quer provar).

Ele inclui as “Itaqueras” como parte do processo de “lavagem cerebral” e “prova” que as pessoas não eram livres para deixar de ir a Itaquera porque haviam sofrido “lavagem cerebral”...

Tendo, portanto, o sr. JAP ciência prévia do que iria encontrar durante os dois ou três dias da “Itaquera” (cfr. GV p. 66) – isto é, o inopinado, a atividade prolongada e cansativa, o estado de mobilização espiritual e corporal contínuo – e havendo se submetido a isso voluntariamente e por razões que lhe eram então perfeitamente claras, não pode alegar agora que se tratava de um processo de “lavagem cerebral” próprio a quebrar-lhe as últimas resistências da personalidade. Pois o elemento básico que caracterizaria a “lavagem cerebral” - segundo os que admitem a eficácia desse processo - seria a coerção.

A afirmação de que as “jornadas de Itaquera” constituíam etapas de um processo para quebrar as resistências da personalidade carece de qualquer fundamento. A finalidade desses exercícios era justamente o contrário, isto é, produzir um robustecimento da alma e do corpo. Com esse objetivo é que a TFP os promovia, o que explica o entusiasmo com que sócios e cooperadores se consagravam a eles.

Não é outra, aliás, a finalidade com que as Forças Armadas promovem os exercícios de ordem unida e os chamados “exercícios de vivacidade”, que se distinguem dos adestramentos especificamente militares.

Nem há porque chamar tais exercícios de “paramilitares”, pelo fato de serem eles predominantemente praticados nas Forças Armadas. As nossas escolas secundárias, tão civilistas, até hoje ensinam a formação e os movimentos de ordem unida, quando mais não seja para efeito dos desfiles da Semana da Pátria. E os exercícios de vivacidade são praticados em várias de suas formas pelos escoteiros e até pelas tenríssimas bandeirantes, a partir dos 7 anos de idade, naturalmente proporcionados ao seu desenvolvimento físico e mental.

Mas, posto que é nas Forças Armadas que tais exercícios são aplicados de forma mais característica, é nelas que cumpre estudar sua finalidade e seus efeitos.

A priori deve ser rejeitada a tese de que tais exercícios são uma fábrica de loucos, ou de autômatos. Pois se assim fosse, as Forças Armadas o seriam também. O que evidentemente não é verdade, por mais que as mentalidades excessivamente civilistas queiram ver estes ou aqueles defeitos no modo de ser militar.

E qual é a finalidade desses exercícios na preparação militar? Eles estão obviamente subordinados ao fim último do soldado, que é a sua atuação na guerra.

Não é preciso ser um especialista em assuntos bélicos para entender que o soldado, na guerra, tem que atuar disciplinadamente, com rigorosa obediência às ordens recebidas, precisão e coesão de movimentos, energia de execução, destreza e agilidade diante do inopinado, tenacidade na luta, capacidade de sofrimento.

Nada disto é possível sem um adestramento habilmente dosado e convenientemente prolongado, para aumentar (e não quebrar...) a resistência do soldado, habituando-o a enfrentar, com ânimo alegre, a fadiga e o sofrimento, agilizando suas reações físicas e mentais, tornando-o, enfim, um homem rijo e destro de alma e de corpo.

É um axioma da formação militar que só quando os soldados houverem aprendido a “cerrar os dentes” para, com grande esforço, permanecerem em forma durante os exercícios realizados em tempo de paz, é que se poderá contar com um bom desempenho deles no campo de batalha.

A esse adestramento físico, que projeta seus efeitos no campo psicológico, cumpre acrescentar uma preparação específica no campo moral, incutindo no soldado a convicção de que defende uma causa justa, desenvolvendo nele o amor à Pátria e uma alta compreensão do seu destino histórico, a confiança nos chefes e o sentimento do seu próprio valor como combatente.

Assim estará o soldado plenamente formado para derramar o seu sangue, se preciso for, em defesa da Pátria.

Esta situação não é sem analogias com outras muito diferentes quanto aos objetivos que perseguem.

As Irmãs de Caridade, que se dedicam ao cuidado dos doentes nos hospitais, das crianças nos orfanatos, dos velhos em asilos, não precisam de menor energia de alma e de corpo, e para isso são convenientemente preparadas nos Noviciados e seguem uma Regra rígida.

Os missionários que abandonam tudo para levar a Fé católica aos pagãos no Oriente e na África, ou aos índios no interior do Brasil, recebem nos Seminários a formação adequada.

E a simples cura de almas de um Vigário de aldeia não exige menor desapego e capacidade de trabalho, com fadigas inenarráveis, que a opinião pública muitas vezes desconhece.

À luz dessas considerações, é fácil compreender a posição da TFP, que se consagra, por vocação específica de apostolado dos leigos, à defesa dos valores básicos da civilização cristã. A TFP escolheu para si o método de contato direto com o público, seja nas pacatas cidades do Interior, seja no centro das megalópolis febricitantes.

Como não entender que a formação do sócio ou cooperador da TFP exige essa dedicação multiforme, essa preparação para o inopinado, essa capacidade de enfrentar a fadiga, essa disciplina de procedimento que implica o contato direto com os transeuntes nas ruas e praças desse imenso Brasil?

Todos estes eram motivos bastante claros aos olhos do sr. JAP quando ele desejou submeter-se aos exercícios de Itaquera, "a tão esperada Itaquera" (GV p. 142).

Se o flash dessas razões se apagou diante de seus olhos, elas não se apagaram de todo de sua memória, e ele as recorda e descreve, embora caricaturalmente, em sua novelesca autobiografia (loc. cit.).

Mas nada disso o autoriza a reinterpretar agora, sob uma luz falsa, os fatos que observou nas “Itaqueras”, ajustando-os aos moldes science-fiction da “lavagem cerebral”.

4. Para quebrar a personalidade do “tefepista”, uma uniformização no pensar e no agir?

Segundo se depreende da leitura de Guerreiros da Virgem, a TFP obrigaria seus aderentes a se uniformizarem nas idéias, no modo de vestir, no modo de ser e no comportamento, até nas coisas mais corriqueiras da vida, a fim de forçá-los a rejeitar todo o seu passado, e quebrar-lhes a personalidade individual (cfr. GV pp. 19, 21, 36, 37, 81, 145, 146, 171 etc.).

Três questões distintas são assim levantadas:

A. Se a TFP impõe uma uniformização nas idéias;

B. Se ela impõe uma uniformização quanto ao modo de vestir dos sócios e cooperadores;

C. Se há um modo de ser e de se portar próprio da TFP, se ele é imposto, e se quebra as personalidades individuais.

A. Se a TFP impõe um pensamento uniforme

Pode causar estranheza a mais de um espírito relativista que a TFP tenha um corpo de princípios coeso e lógico, que vem atravessando os anos, os lustros e as décadas sempre enriquecido, sempre desdobrado, mas permanecendo inalterado em suas linhas essenciais.

Estranheza ainda maior pode causar que esse sólido e vasto conjunto de princípios seja aceito por um tão grande número de pessoas das mais variadas procedências, idades e condições, sem que surjam, continuamente, contradições, contestações, dissidências.

Para um espírito atolado no relativismo e no permissivismo modernos, só poderia explicar tal fenômeno uma “lavagem cerebral”, imposta para modificar o pensamento dos que entram, seguida de uma drástica e ditatorial disciplina intelectual para impedir que saiam da linha “ortodoxa” os cérebros já “lavados”.

O mesmo por certo pensaria, caso vivesse hoje, qualquer dos protestantes fanáticos dos séculos XVI a XIX, ou mesmo muito protestante de nossos dias, se posto em presença da majestosa e monumental uniformidade na Fé que caracteriza a Igreja Católica.

* * *

Mas haverá na TFP uma ditadura intelectual?

É preciso considerar, antes de tudo, que a TFP constitui uma escola de pensamento, e uma não pequena escola de pensamento.

O que caracteriza as escolas de pensamento é justamente que seus seguidores tenham em comum não só os grandes princípios gerais, mas também toda uma série de princípios menores, por sua natureza secundários - o que não significa pouco importantes - como são por exemplo os de ordem operativa.

Dentro desse patrimônio comum, dentro dessa unidade fundamental, é próprio às escolas de pensamento bem constituídas que haja uma grande variedade e uma grande liberdade na aplicação dos princípios gerais.

Não seria sem propósito estabelecer uma certa analogia, naturalmente com as devidas proporções, com o princípio clássico que a Igreja admite para as diferenças que, dentro de seu regaço materno, as várias escolas de pensamento legitimamente têm: In necessariis unitas, in dubiis libertas, in omnibus caritas - naquilo que é necessário, unidade; no que é duvidoso, liberdade; e em todas as coisas, caridade, ou seja, amor de Deus.

O que é o necessário na escola de pensamento da TFP? Antes de tudo, uma adesão total e entusiasmada à doutrina da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, expressa nos ensinamentos dos Romanos Pontífices, e do Magistério eclesiástico em geral (atribuindo a cada documento, segundo a natureza dele, toda a medida de acatamento preceituada pelo Direito Canônico).

Em seguida, adesão a uma série de princípios teóricos, ou teórico-práticos, que foram deduzidos, com escrupuloso rigor de lógica, da doutrina católica ou da análise da realidade - seja a atual, seja a histórica - segundo metodologia e critérios elaborados cuidadosamente na TFP, e cujos fundamentos se encontram largamente expostos no ensaio Revolução e Contra-Revolução, já mencionado.

Por fim, adesão a uma série de princípios operativos que foram sendo constituídos pela análise atenta da prática, ao longo de décadas de atuação comum. Tais princípios também têm seus fundamentos traçados em Revolução e Contra-Revolução (Parte II, Caps. V a XI).

Esses princípios todos constituem um conjunto que é o patrimônio fundamental da escola de pensamento da TFP. Em torno deles, graças a Deus, tem havido muita coesão, de tal forma que podem ser contadas nos dedos as pessoas que deixaram a Sociedade por discrepâncias doutrinárias.

* * *

Essa grande unidade de metas, de métodos de pensamento e de ação não significa nem um pouco que na TFP as idéias sejam impostas por força.

Que existe uma sadia e ampla liberdade na escola de pensamento da TFP, é fácil demonstrar. Pois sem a necessária medida de liberdade, nenhuma escola de pensamento pode ser verdadeiramente fecunda. Pelo contrário, torna-se repetitiva e enfadonha em suas produções, seus adeptos vão rareando, os leitores desaparecem, ela se estiola e acaba morrendo.

Ora, a vitalidade, a fecundidade e a pujança da TFP como escola de pensamento são atestadas pelos mais de 20 livros ou ensaios publicados pela TFP brasileira (cfr. relação no final desta obra), bem como pelas volumosas e densas coleções do “Legionário” de 1933 a 1947, e do “Catolicismo” de 1951 até nossos dias.

Em seus livros, como nas páginas desses órgãos, a TFP tratou e trata dos mais variados temas - religiosos, filosóficos, políticos, sociológicos, artísticos, psicológicos, históricos, econômicos etc. - sempre dentro das linhas gerais acima referidas, mas com a mais ampla liberdade de aplicação e de desdobramentos.

Isso para não falar na também muito considerável produção intelectual das TFPs de 14 outros países, que, sem prejuízo de sua inteira autonomia, se inspiram nos mesmos princípios da TFP brasileira e se inserem na mesma escola de pensamento. Todas elas editam habitualmente jornais e revistas, e várias delas têm livros publicados (cfr. relação no final deste volume).

Aliás, qualquer pessoa que conheça um pouco os ambientes internos da TFP - e o sr. JAP se gaba de os conhecer - sabe quão grande é a liberdade que existe dentro da entidade para qualquer um estudar o que quiser, como e quando quiser, sem nada de artificial ou imposto. Normalmente, as iniciativas intelectuais que surgem nos mais variados setores da TFP são acolhidas com boa vontade, e recebem todo o incentivo dos dirigentes.

O respeito intelectual que há dentro de suas paredes chegou a surpreender o sr. JAP, que, como ele mesmo reconhece, não estava acostumado a ser tratado com tanta consideração. O que não o impede, aliás, de ver nessa própria consideração, uma “técnica de aliciamento”![11]

A direção da TFP tem por norma nunca lançar uma campanha pública ou uma iniciativa importante sem reunir os sócios e cooperadores - mesmo os muito jovens - e expor-lhes suas razões e suas metas, ouvir as perguntas de todos, esclarecer as dúvidas, responder as eventuais objeções.

Em todas as reuniões de rotina, a palavra é sempre franqueada aos presentes – inclusive aos mais moços - e todos podem, com inteira liberdade, ponderar, perguntar ou objetar o que queiram.

Nessas reuniões, qualquer que seja o conferencista, nunca há uma palavra que não seja eximiamente polida, nunca se expõe uma tese que não seja fartamente apoiada em argumentos ou em documentos, nunca se faz uma afirmação sem que todos os presentes tenham tempo, ocasião e ambiente para examinar e contra-argumentar à vontade. Nunca uma objeção ou dificuldade que não seja resolvida com toda a atenção e fraterno afeto.

O sr. JAP reconhece que isso é assim na fase de aproximação do neófito. Mas diz que tal respeito pelo novato não passa de um artifício para atraí-lo às malhas da TFP. Em relação àqueles em quem a TFP já deitou garras, o que fica maliciosamente insinuado em Guerreiros da Virgem é que o trato é bem outro. Nas reuniões da TFP todos ficariam intimidados, aterrorizados, aceitando passivamente as afirmações mais abstrusas sem ousar sequer enunciar uma simples dúvida.

Nada mais contrário à realidade. E o sr. JAP sabe disso perfeitamente.

Aliás, nem seria possível obter a coesão dessa mocidade turbulenta, agitada, inquieta, e por isso muitas vezes agressiva, do século XX, sem afeto, sem respeito, sem lógica. E sobretudo sem profundo espírito de Fé.

O que é muito especialmente verdadeiro em nosso País, dada a índole especial do brasileiro (cfr. Cap. II, 3).

É esse, e não outro, o "segredo" da adesão entusiástica que a TFP desperta entre os jovens.

B. Se na TFP é imposta uma uniformização quanto ao modo de vestir

 Se na TFP houvesse um modo comum de vestir, nada daí se poderia deduzir quanto à “lavagem cerebral”, ou a imaginários abusos do princípio de autoridade. Porém manda o amor à verdade que se acrescente não existir na TFP essa uniformidade.

Durante muito tempo, os sócios e cooperadores da TFP se trajaram habitualmente com terno e gravata, como era então costume de todo homem ou rapaz que saísse de sua casa para o trabalho, para o estudo, ou para freqüentar algum ambiente social. Costume esse ainda existente em muitos ambientes brasileiros atuais. E que continua bastante corrente em vários países, como os Estados Unidos e a Inglaterra.

Esse costume vinha desde as primeiras décadas do século, mas no Brasil foi caindo em desuso a partir de meados dos anos 60. E as modas masculinas que vieram depois - para falar só das masculinas - tinham uma acentuada nota de extravagância.

Essa extravagância era particularmente notável nas modas para rapazes, fortemente influenciadas pelos estilos surgidos no final da década com o hipismo, e resultava da tendência revolucionária moderna para generalizar a extravagância em todos os domínios da existência.

Daí se ter espontaneamente originado na TFP, como reação, a tendência a conservar, quanto possível, o uso do paletó e da gravata. Não era uma imposição, como afirma o sr. JAP (cfr. GV p. 177), não se tratava de nenhuma decisão oficial da entidade, mas tão-somente, por um consenso tácito, se foi conservando um costume que era considerado justo por todos à vista do contexto de fatos há pouco exposto.

Já em meados da década de 70, o paletó e a gravata haviam deixado quase completamente de ser usados no Brasil por rapazes. E começava a causar crescente estranheza que os usassem os da TFP, mais ou menos como se estranharia que um homem de idade se pusesse a andar pelas ruas com a bengala e o chapéu coco que ele mesmo usara quando moço...

Para uma entidade que se dirige habitualmente ao grande público, convém não destoar demais dos usos correntes. "Se estiveres em Roma, vive como os romanos", diz velho provérbio que, embora com os devidos matizes, cumpre tomar em conta.

Ademais, certa imprensa contrária à entidade começava precisamente a apresentar o terno e a gravata como elementos inseparáveis da figura do sócio ou cooperador da TFP, algo à maneira de um uniforme, o que nunca correspondeu à realidade.

Por essas razões - e não como um disfarce para atuar na clandestinidade, como maliciosamente pretende o sr. JAP (cfr. GV p. 177) - em 1975 a direção da entidade julgou conveniente recomendar aos mais moços que procurassem escolher, dentre os gêneros de roupas usados pelos rapazes de sua geração, aqueles que pudessem adotar sem prejuízo da compostura e dignidade que sempre caracterizam a apresentação dos sócios e cooperadores da TFP.

Teria a entidade, com isso, transigido em matéria de princípios? Teria ela feito uma concessão oportunista ao laxismo indumentário ao dar tal recomendação? - Não, porque embora o uso do terno e da gravata fosse de si preferível ao que veio depois, ele nunca fora apresentado como ideal dentro da TFP. Era mesmo muito objetável de diversos pontos de vista[12]. Se os da TFP o adotavam então, é pela mesma razão por que depois os mais jovens passaram a adotar outros modos de trajar. Ou seja, porque normalmente as pessoas devem vestir-se como o fazem os seus contemporâneos de mesma condição. Salvo, obviamente, quando surgem modas imorais ou de uma extravagância tão gravemente atentatória ao bom senso, que se torna por isso  incompatível com a dignidade humana.

Hoje, os jovens da TFP, na sua quase totalidade, preferem usar blusões ou jaquetas, e raramente paletó e gravata, como ainda o faz a maior parte das pessoas que atingiram certa idade. E sem embargo de conservarem todos a nota de compostura e dignidade característica da TFP, é muito grande a variedade de modelos e de cores que adotam tanto os mais antigos como os mais jovens.

O que não impede o sr. JAP, na sua permanente e mal disfarçada má-vontade em relação a tudo na TFP, de ver nos trajes dos sócios e cooperadores um “uniforme” (GV p. 11).

C. Se há um modo de ser e de se portar próprio da TFP, se ele é imposto, e se quebra as personalidades individuais

 Que há um modo de ser e de se portar característico da TFP, é inegável. Esse modo de ser é aliás tão inconfundível, que só mesmo o sr. JAP pode imaginar que as roupas adotadas pelos mais jovens cooperadores da entidade, a partir de meados da década de 70, poderiam habilitá-los a agir na “clandestinidade” sem serem imediatamente identificados como da TFP...

É preciso lembrar, a esse propósito, que a eclosão de um tipo humano específico e diferenciado não constitui peculiaridade da TFP. Ela é o produto natural de uma sociedade pujante e organicamente constituída. As diversas espécies de atividades profissionais, por exemplo, são de molde a engendrar tipos humanos característicos: Sacerdotes, militares, médicos, artistas, são não raro identificáveis com facilidade, mesmo quando não estejam usando qualquer sinal visível de suas profissões.

Também o convívio de certos grupos humanos tende a destilar todo um modo de ser e de se portar comum, que se reflete até com particular força de expressão em pormenores às vezes ínfimos, como no modo de escrever ou de falar, ou de andar pela rua.

É freqüente, por exemplo, que um jornalista novato, entrando para a redação de um jornal ou revista, pouco a pouco assimile o estilo dos mais antigos, e por esse mecanismo - em que pode entrar, a princípio, algo de mimetismo, mas que tem muito de legítimo e de tradicional - se constitua, ao cabo de algum tempo, um estilo próprio daquele órgão[13].

Também na linguagem da conversa quotidiana essa influência se faz sentir muito fortemente. Por exemplo, não há casa de família, ambiente de trabalho ou agrupamento humano de qualquer natureza em que o convívio intenso de seus elementos não vá naturalmente cunhando uma série de expressões próprias, que ali todos entendem com determinado sentido, e que algum adventício provavelmente não entenderá desde logo. Constitui-se dessa forma um linguajar característico daquele grupo social ou profissional.

* * *

Não é apenas naturalmente, que se estabelecem essas uniformizações nos grupos humanos. Muitas vezes, a modelagem dos estilos é feita artificialmente.

A esse propósito, cumpre contestar o princípio genérico subjacente em certas críticas do sr. JAP, de que toda e qualquer uniformização, padronização ou estilização é intrinsecamente compressiva e deformante da personalidade.

Tal princípio, de sabor freudiano, importa na negação de tudo quanto é norma de asseio, de compostura, de boa educação, e conduz à anarquização das mentalidades e dos costumes.

A modelagem artificial pode, sem dúvida, estereotipar a pessoa, e fazer com que perca suas legítimas peculiaridades. É o que, em grande medida, faz hoje em dia, por exemplo, a televisão. Mas nem toda modelagem artificial estereotipa necessariamente, e às vezes é até um possante meio de desenvolvimento da personalidade. Longe de amesquinhá-la, permite que ela explore todas as suas potencialidades.

Essa modelagem é levada por vezes a ponto de não apenas modificar certos aspectos exteriores, mas toda a impostação da vida, toda a mentalidade. E é obtida num contexto de rígida disciplina e ensinamento constante.

Importaria isso em uma “lavagem cerebral”? - De nenhum modo, como se pode verificar no contato com Religiosos, militares e tantos outros que passam por semelhante modelagem e apresentam marcante personalidade. Aliás, isto é do mais elementar bom senso.

Nessa linha, são interessantes as considerações dos cientistas sociais David G. Bromley e Anson D. Shupe Jr.

Segundo eles, a doutrinação e a disciplina severa impostas a um conjunto de pessoas em regime de internamento (freqüentemente apresentadas como características principais da “lavagem cerebral”) não têm, na realidade, o efeito de transformar as pessoas em meros “robôs”, sendo adotadas em instituições nas quais se exige do indivíduo grande capacidade de decisão pessoal, como academias de oficiais das forças armadas e também em conventos católicos: “Em outro estudo clássico, o sociólogo Sanford N. Dornbusch examinou as técnicas de doutrinação utilizadas na Academia Naval Guarda-Costeira dos Estados Unidos. Os cadetes são primeiramente despojados de suas identidades civis anteriores: suas cabeças são raspadas e se lhes entregam uniformes; seus antigos empregos, realizações e laços familiares, não só são desvalorizados, mas muitas vezes nem lhes é permitido referir-se a eles. Um novo sistema de prêmios e castigos substitui gradualmente seus valores, e eleva os novos objetivos – os da academia militar – acima de quaisquer outras lealdades e interesses. O contato com o mundo exterior é estritamente controlado. A princípio, as cartas e as visitas não são permitidas. Até mesmo as reflexões pessoais sobre sua vida atual são desestimuladas: os diários íntimos são proibidos. Segundo os padrões civis convencionais, o sistema de vida de um cadete guarda-costeiro é restritivo e mesmo repressivo. Ele remodela os valores, altera as personalidades. Disciplina os indivíduos e determina suas perspectivas, mas não os converte em robôs. Técnicas similares são utilizadas correntemente nos campos de treinamento de todas as forças armadas, assim como em muitos conventos e mosteiros da Igreja Católica Romana" (BROMLEY & SHUPE JR., Strange Gods – The Great American Cult Scare, Beacon Press, Boston, 1981, pp. 97-98).

Também na formação religiosa clássica havia um empenho de modelar todo o modo de ser do seminarista, de tal forma que ele adquirisse o maintien (porte, postura, modo de apresentar-se em sociedade) que se julgava mais adequado para um Sacerdote.

Já o Concílio de Trento (1545-1563) enunciava o princípio geral que devia regrar o maintien de um eclesiástico: "Convém absolutamente que os clérigos chamados a ser a herança do Senhor disponham de tal forma sua vida e seus costumes, que sua veste, seu gesto, seu caminhar, sua conversação, assim como tudo o mais de sua conduta nada apresentem que não inspire gravidade, temperança e espírito religioso" (Sess. XII, cap. 1, De Ref.).

Não apenas os princípios gerais de comportamento eram ensinados nos seminários, mas se entrava também no terreno da vida prática. Conheceu grande voga, no século passado, o clássico manual Politesse et Convenances Ecclésiastiques, do Padre sulpiciano L. Branchereau (Vic et Amat, Libraires-Editeurs, Paris, 12.} ed., 572 pp., com prefácio de Mons. Félix Dupanloup, Bispo de Orleans, datado de 22-3-1872).

Na época em que Saint-Sulpice dava por assim dizer o tônus para os seminários da Europa e de todo o mundo, esse manual, que compendiava o espírito e o modo de ser do sulpiciano clássico, teve amplíssima divulgação nos meios eclesiásticos. Nele, até o modo de equilibrar a cabeça sobre o pescoço, de carregar um guarda-chuva, de pisar o chão com maior ou menor força ao caminhar, de modular o timbre de voz nas conversas, tudo é minuciosamente tratado, com o objetivo de que cada seminarista ou cada Sacerdote aproxime ao máximo seu aspecto exterior do padrão considerado ideal para um eclesiástico. Em certas empresas comerciais ou industriais existem também cursos para formação dos funcionários, descendo por vezes até a pormenores bastante minuciosos. E isso não apenas para dar ao público uma boa imagem da empresa, como para a própria eficiência do serviço. Ainda hoje, são freqüentes os cursos de aperfeiçoamento em todos os níveis, desde “executivos” até relações públicas, secretárias, vendedores etc. E o efeito normal desses cursos é modelar as pessoas, a tal ponto que elas adquirem o modo de ser próprio de sua profissão ou até mesmo de sua empresa. Ficará assim despersonalizado o profissional? Normalmente se dará o contrário.

* * *

E na TFP, o que se passou ou se passa nessa linha?

Realmente se pensou, no ano de 1976, em elaborar uma espécie de “ordo” ou diretório geral para o sócio ou cooperador da TFP, com normas de maintien, procedimento, trato pessoal etc., de tal forma que a imagem da entidade que cada um deles dá ao público com o qual tem contato correspondesse à elevação dos ideais da associação.

Uma primeira redação desse diretório chegou a ser esboçada, e, como experiência, alguns pontos começaram a ser adotados por certos grupos dentro da TFP. Porém não como um modo de ser artificial e arbitrariamente imposto. Tratava-se, em considerável parte, mais bem de uma compilação e de uma ordenação de costumes que, ao longo dos anos, já vinham sendo organicamente adotados na TFP. E que, consuetudinários como eram, deveriam sofrer a influência gradual das circunstâncias que fossem mudando.

Dada a grande expansão que a entidade teve na última década, e devido à absorção de muitos nas atividades sociais sempre crescentes, não foi infelizmente possível completar o referido diretório, e menos ainda estender sua aplicação a toda a TFP. Ficou para alguns como um ideal a ser atingido, sempre orgânica e consuetudinariamente, com o favor de Nossa Senhora, no momento oportuno. Para outros, caiu no esquecimento.

* * *

Diz o sr. JAP que os sócios e cooperadores se despersonalizam e se transformam em robôs (cfr. GV pp. 19 e 197).

 “Despersonalizam”: expressão elástica, que se pode prestar a confusão.

Segundo a doutrina católica e a experiência da sabedoria de todos os séculos, a influência exercida por alguém de personalidade e de procedimento modelares é essencialmente benfazeja, pois “verba movent, exempla trahunt” (as palavras movem, os exemplos arrastam). E, conforme o caso, pode projetar-se não só sobre este ou aquele aspecto da personalidade influenciada, mas até modelá-la em seu conjunto. Foi o que fez Nosso Senhor Jesus Cristo com os Apóstolos, e estes com os fiéis que foram atraindo para a Igreja nascente. O exemplo dos Mártires suscitava outros Mártires, o dos Apóstolos outros Apóstolos. E assim por diante, a imensa caudal dos bons exemplos que se vêm sucedendo na Igreja ao longo dos séculos. Quando esta última eleva um Santo à honra dos altares, apresenta-o como exemplo para todos os homens em todos os séculos.

Para as pessoas chamadas ao estado de perfeição evangélica, a fidelidade ao exemplo dado pelo fundador dos respectivos institutos religiosos deve modelar toda a personalidade de seus membros. A este propósito, um autorizadíssimo biógrafo do Bem-aventurado Miguel Rua, primeiro sucessor do glorioso Fundador da Congregação Salesiana, São João Bosco, afirma que Dom Rua "era conhecido como uma personificação de Dom Bosco" (Memorias biográficas del Reverendo Padre D. Miguel Rua primer sucesor de Don Bosco, por el Sac. J.B. FRANCESIA, salesiano, Tip. Salesiana del Colegio Pio IX, Buenos Aires, 1911, p. 120) [14].

Teria São João Bosco “despersonalizado” o Bem-aventurado Miguel Rua? Indo mais longe, teria o Divino Salvador “despersonalizado” tantos e tão santos e gloriosos fiéis que fizeram da mais perfeita imitação dEle o ideal de sua vida?

Quem o afirmasse mostraria ignorar a própria essência da perfeição cristã. Esta visa conformar em tudo o fiel com os Mandamentos e os conselhos evangélicos. O que em nada destrói as características pessoais de cada fiel, mas pelo contrário as confirma, as purifica, as retifica e as eleva.

É o que se prova pela experiência: o efeito benfazejo exercido pela Moral e pela civilização cristã sobre todos os povos em todos os séculos, é incontestável.

Se necessário fosse maior aprofundamento de matéria já de si tão evidente, caberia recomendar o citado livro Servitudo ex caritate, de Atila Sinke Guimarães (Artpress, São Paulo, 1985, pp. 184 a 210).

Aliás, é público e notório que os sócios e cooperadores da TFP se fazem notar facilmente por sua presença onde quer que estejam. Marcar tanto um ambiente será indício de falta de personalidade, de automatismo? A coragem e a altaneria com que os da TFP enfrentam a pressão adversa, sem recuar ou esmorecer, não é pelo contrário sintoma de uma personalidade robusta e bem constituída?

Ainda segundo o sr. JAP, a TFP reduz os seus a uma espécie de inibição, impedindo que desabrochem as potencialidades de cada um (cfr. GV p. 200). No entanto, onde quer que eles vão, portam-se com desembaraço, expõem com clareza suas idéias, sabem sustentá-las com argumentos lógicos, de modo cortês mas firme. Em contatos com personalidades exponenciais dos mais variados ramos da atividade pública ou particular, têm desempenhado à altura missões delicadas, não raras vezes colocando perguntas embaraçosas a líderes socialistas em visita ao País [15]. E o sr. JAP os considera incapazes!

5. TFP, fábrica de loucos?

Segundo o sr. JAP, os sócios e cooperadores da TFP vivem sob contínua pressão psicológica, tensos, nervosos, aterrorizados, isolados do mundo e vigiados dentro das sedes, reprimidos quanto à prática sexual, de tal sorte que é grande a incidência de doenças nervosas ou mentais entre eles (GV p. 169). A TFP disporia até de uma casa especialmente montada, em Belo Horizonte, para tratar desses doentes (GV pp. 163-164).

Pessoas padecendo de doenças psíquicas as há, em número cada vez maior, no mundo contemporâneo. O fato é óbvio e, como se verá a seguir, numerosas estatísticas o confirmam.

Evidentemente, as fileiras da TFP não estão ilesas desse mal que não poupa qualquer país, organização, classe social ou profissional.

Será o número de casos de neurose ou psicose maior na TFP do que em outros segmentos no Brasil atual?

Lembrou-se jamais alguém de investigar até que ponto esses males existem nas fileiras do PCB, do PC do B ou do MR-8? Não. O que o anticomunismo jamais empreendeu contra essas organizações, o anti-anticomunismo não hesita em usar contra a TFP...

Nos arredores de Brasília são numerosas as organizações de índole mais ou menos filosófico-religiosa, com peculiaridades bastante acentuadas. Lembrou-se jamais algum crédulo ou algum seguidor fanático do mito da “lavagem cerebral” e da tese da nocividade intrínseca das “seitas” de investigar tais organizações uma por uma, a fim de indagar, por exemplo, das condições neuro-psíquicas dos que as freqüentam?

O espiritismo... Quanto se falou, não há tanto tempo, da devastação que ele estaria produzindo na saúde mental de seus adeptos! Entretanto, que medidas práticas essas versões provocaram?

E os candomblés e macumbas, tão do agrado de muitos políticos à cata de votos ou de ajudas "talismânicas"?

Com a superficialidade que jamais deixa de ter quando lhe convém, o sr. JAP de nada disso fala, quando empreende alarmar os leitores acerca dos casos supostamente numerosos de neuroses ou psicoses que, segundo ele, existem na TFP.

Sua destra simplificação vai ainda mais longe. Em um mundo tão devastado pelas doenças mentais, ele faz tabula rasa da possibilidade de que algum sócio ou cooperador da TFP afetado por um mal desse gênero já fosse portador discreto dele ao ser admitido na entidade (quer por algum fator hereditário, quer em virtude da instabilidade do lar, tantas e tantas vezes dilacerado por dramas entre o pai e a mãe, quer pelos efeitos da TV, já ingeridos desde a primeira infância, quer pela trepidação da vida moderna etc.). E pressupõe do modo mais arbitrário que absolutamente todos ingressaram na TFP em condições neuro-psíquicas sadias.

Aliás, o fato de o sr. JAP ter ficado doente dos nervos enquanto estava na TFP não prova que esta o tenha desequilibrado. Ele precisaria começar por provar que não tinha nenhuma tendência ao desequilíbrio antes de ser da TFP. E isso, como se vê pelos traços psicológicos que ele revela no seu livro, é pelo menos muito discutível.

Com efeito, ao se descrever a si mesmo como era antes de conhecer a TFP, ele faz um esforço não pequeno para mostrar-se um mocinho normal[16], equilibrado, sociável, com muitos amigos. A TFP é que o teria levado “à beira da loucura”.

 A despeito desse esforço, é uma mentalidade facilmente desequilibrável a que ele apresenta como sendo a sua, anteriormente a seu ingresso na TFP (cfr. cap. I).

Assim, quando fala da atração que a Igreja exercia sobre ele, é apenas de uma atração imaginativa, sentimental, quase infantil, que ele descreve. Não é a atração de um rapaz normal diante da Religião.

É próprio do espírito varonil não se deter na mera sensibilidade, mas analisar, raciocinar, procurar as razões. O subjetivismo e o egocentrismo que ele revela ao longo do livro, já estavam presentes na descrição que faz do mocinho supostamente normal que ele era antes de conhecer a TFP.

Sem embargo do que, o sr. JAP não hesita em concluir arbitrariamente que todos os distúrbios em sócios ou cooperadores da TFP só foram adquiridos por culpa desta.

Aqui ficam, para conhecimento do sr. JAP como dos que lhe tenham lido a farfalhante prosa, alguns dados tirados da grande imprensa:

"De 1976 até hoje, 123 mil pessoas foram internadas na rede hospitalar de Brasília com doenças mentais. E o movimento está subindo: há dois anos, o atendimento mensal era de 2.890 pacientes; atualmente os casos chegam a mais de 4 mil por mês" ("Folha de S. Paulo", 10-11-1980).

"As doenças nervosas constituem a moléstia de maior incidência entre os atendimentos realizados pela previdência social no Brasil" ("Folha de S. Paulo", 5-8-1981).

Cerca de 20% dos franceses sofrem ou sofreram de depressão nervosa (cfr. "Le Matin", Paris, 17-2-1984).

Cerca de 15% das pessoas apresentam algum tipo de problema mental que merece atenção psiquiátrica. Desse total, um terço sofre de doenças sérias, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde (cfr. "Folha de S. Paulo", 19-5-1985).

25% da população de Buenos Aires tem necessidade de assistência psiquiátrica, e o problema tende a se agravar, segundo a Secretaria da Saúde e do Meio Ambiente da municipalidade de Buenos Aires (cfr. "Tiempo Argentino", Buenos Aires, 10-2-1985).

Mais de 20% da população supostamente saudável do Peru sofre de algum problema psiquiátrico; 14% dos adolescentes peruanos tomam bebidas alcoólicas em excesso e ao fim de 10 anos sofrem de transtornos mentais (cfr. “O Estado de S. Paulo”, 19-5-1985).

• “Em São Paulo, cerca de 150 jovens se suicidam anualmente, o que representa uma morte a cada dois ou três dias. Em intervalos de 40 minutos ocorre uma tentativa de suicídio, resultando numa média de 30 a 35 por dia e 15 mil por ano. Desse total, 75% são praticadas por jovens, a maioria mulheres, .... na faixa etária dos 12 aos 24 anos. E mais: as tentativas também estão aumentando entre as crianças de 7 a 12 anos” (“Folha de S. Paulo”, 17-6-1985).

• “Dez por cento da população brasileira (cerca de 12 milhões de pessoas) sofrem de algum tipo de distúrbio psíquico que requer tratamento psiquiátrico ou psicoterápico. A Associação Brasileira de Psiquiatria estima que esta cifra chegue a 32 milhões até o fim da década se não houver um trabalho de prevenção por parte do Governo” (“O Globo”, Rio de Janeiro, 21-7-1985).

• “Calmantes, pílulas para dormir e psicotrópicos já não são privilégio de adultos. .... Pesquisa feita pelo Dr. Alain Lazartigues, da clínica de psiquiatria de crianças e adolescentes do Hospital Salpetrière, em Paris, revela que 15,7% das crianças com menos de sete anos tomam, com relativa freqüência, medicamentos que atuam sobre o sistema nervoso. .... Segundo estatísticas, o consumo de remédios desse tipo é uma tendência comum nos países ocidentais, onde são chamados de ‘aspirina psicológica’ “ (“Folha de S. Paulo”, 13-10-1985).

Se as doenças nervosas atingem de tal forma o homem contemporâneo, a ponto de haver quem se refira a elas como “o mal do século”, nada mais explicável que haver na TFP também pessoas atingidas por elas.

Mas a observação diária e constante da vida interna da TFP permite afirmar com segurança que o número de doentes nervosos na entidade é baixo, sensivelmente inferior à da média da população.

Durante a perseguição brutal que o governo socialista da Venezuela moveu - e continua movendo - contra o Escritório de representação das TFPs em Caracas, bem como contra a Associação Civil Resistência, coirmã das demais TFPs, naquele país, alguns elementos da entidade foram submetidos a exames psiquiátricos pelos órgãos policiais. Ao mesmo tempo, os jovens procuraram um conceituado psicólogo particular, para um eventual confronto dos exames. O resultado foi que eram rapazes perfeitamente normais do ponto de vista mental e nervoso. E no entanto é preciso notar que esses exames foram realizados em circunstâncias particularmente desfavoráveis para eles, sujeitos que estavam havia mais de 10 dias a pressões psicológicas de toda ordem, respondendo seguidamente a interrogatórios extenuantes de várias horas cada um, sob contínuo assédio da imprensa, rádios e TVs hostis à entidade.

* * *

Se é assim, por que razão - perguntará alguém - iam tantos sócios e cooperadores a Belo Horizonte, para tratamento de saúde?

Por razões inteiramente circunstanciais, em Belo Horizonte a TFP contava com três médicos - um clínico geral, um alergista, um oftalmologista - e dois cirurgiöes-dentistas, integrantes da Sociedade ou muito chegados a ela, os quais se prestavam a tratar dos sócios e cooperadores gratuitamente.

Esses beneméritos profissionais - muito considerados entre seus colegas, e com bom relacionamento em diversos hospitais - conseguiam ademais certas facilidades para os sócios e cooperadores da TFP que necessitavam de atendimento médico de outras especializações.

Havia, além disso, em Belo Horizonte, um laboratório de análises clínicas pertencente a um sócio da entidade, então residente na Capital mineira, que depois o vendeu por motivo de mudança, o qual prestava gratuitamente seus serviços aos da TFP.

O que, tudo, tornava muito compensador para os nossos irem a Belo Horizonte quando precisavam de algum tratamento médico ou dentário de maior vulto. Muitos foram e ainda vão lá com essa finalidade, para tratar dos mais variados problemas, para fazerem cirurgias diversas etc.

Daí a TFP ter alugado, em 1978, uma casa na Rua Marquesa de Alorna, destinada a hospedar essas pessoas.

Quando o sr. JAP esteve em Belo Horizonte, ele se hospedou numa sede da Rua Paraíba. Era uma sede de hospedagem comum, e não se destinava, como mais tarde a da Rua Marquesa de Alorna, especialmente a alojar pessoas em tratamento médico ou dentário.

Alguns casos de neuro-psiquiatria também os houve no tempo em que lá esteve o sr. JAP. E continuaram a haver. E o curso normal das coisas no Brasil e no mundo faz prever que ainda os haverá. Não temos o direito, é claro, de lhes revelar os nomes. Mas podemos dizer com toda a segurança que são casos de origens muito diferentes, e alguns deles provêm de fatores comprovadamente hereditários.

Assim narrados os fatos em sua simplicidade, e esvaziados de seu conteúdo emocional, a realidade que surge é completamente diferente da imaginada pelo sr. JAP em sua novelesca autobiografia.


 

[1] Sobre a influência das artes e dos ambientes na boa ou má formação da mentalidade, ver PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, Revolução e Contra-Revolução, Parte I, Cap. X.

[2] Não seria demais lembrar aqui o episódio lancinante, ocorrido na Venezuela, de um pai que, em debate de televisão, acusou seu filho de se afastar do ambiente doméstico. A isto respondeu o filho, ato contínuo, que o pai chegou a condená-lo a tomar as refeições, durante dez dias, junto à casinha do cachorro, como punição por freqüentar a sede da Associação Civil Resistência, coirmã das TFPs naquele país. Ao que o pai... se calou.

[3] Correspondentes da TFP são as pessoas de um ou outro sexo que, solidárias com o pensamento, as metas e os métodos da entidade, lhe emprestam apoio habitual, desempenhando com dedicação diferentes tarefas de propaganda e difusão, de inegável utilidade.

Os correspondentes se propõem a distribuir pela imprensa, rádio e televisão locais os boletins e comunicados da entidade, e a difundir, quando a ocasião se apresenta espontaneamente, os princípios e ideais da TFP no círculo de suas relações familiares e sociais, profissionais etc. Presentemente a TFP conta com correspondentes em mais de cem cidades do Brasil.

[4] A existência da guerra psicológica é reconhecida tanto por especialistas do Ocidente, como por comunistas:

Diz o Marechal soviético Nikolay Bulganin: “A guerra moderna é uma guerra psicológica, devendo as Forças Armadas servir apenas para deter um ataque armado ou, eventualmente, para ocupar o território conquistado por ação psicológica”  (apud HERMES DE ARAÚJO OLIVEIRA, Guerra revolucionária, Biblioteca do Exército Editora, Rio de Janeiro, 1965, p. 60).

Terence H. Qualter, da Universidade de Waterloo (Iowa), Estados Unidos, observa: “Originariamente, a guerra psicológica era planejada como uma preliminar da ação militar, com o objetivo de desmoralizar os soldados inimigos antes que o ataque fosse lançado, ou como auxiliar da ação militar, apressando e reduzindo os custos da vitória.

Hoje ela se tornou um substituto da ação militar. ... Uma derrota na guerra fria poderia ser tão real e tão definitiva quanto uma derrota militar, e, certamente, seria seguida da derrota militar” (Propaganda and Psychological Warfare, Random House, New York, 1965, pp. XII-XIII).

O General Humberto B. Martins, Comandante da Academia Militar de Portugal, assim a apresenta: “Uma nova arma secreta foi encontrada e é habilmente manejada pelos que pretendem alcançar a sua total hegemonia na Europa e na Ásia. As técnicas letais, baseadas fundamentalmente no estudo dos recuros de manobra psicológica das massas, são magistralmente reunidas em sistemas de forças convergentes que visam o aniquilamento da estrutura moral, econômica e militar das nações visadas em cada fase” (Prefácio do livro de HERMES DE ARAÚJO OLIVEIRA, Guerra revolucionária, Biblioteca do Exército Editora, Rio de Janeiro, 1965, p. 21).

É do especialista francês Maurice Mégret a observação de que “de Clausewitz a Lênin, a evolução das técnicas e o progresso das ciências psicológicas conspiraram para conferir à guerra psicológica os poderes quase mágicos de uma ‘arte da subversão’”(La guerra psicológica, Editoral Paidós, Buenos Aires, 1959, p. 31).

Outro conhecido especialista francês, Roger Mucchieli, acrescenta:

“A concepção clássica fazia da subversão e da guerra psicológica uma máquina de guerra entre outras, durante o tempo das hostilidades, e cessavam com o fim destas. Os Estados de  hoje, imobilizados por esta distinção arcaica, não compreeneram que a guerra psicológica faz estourar a distinção clássica entre guerra e paz. É uma guerra não convencional, estranha às normas do Direito Internacional e das leis de guerra conhecidas; é uma guerra total que desconcerta os juristas e persegue seus objetivos ao abrigo de seus códigos. ....

“A guerra moderna é antes de tudo psicológica, e a relação com as armas clássicas está invertida. Hoje é o combate no campo (a guerrilha)  que se tornou auxiliar da subversão” (La subversion, Bordas, Paris, 1972, pp. 26-27).

O mesmo Roger Mucchieli explica:

“A subversão [tal é a denominação dada por ele ao que outros chamam guerra psicológica] não é uma agitação, nem mesmo uma propaganda política propriamente dita; não é uma conspiração armada nem um esforço de mobilização das massas. Ela é uma técnica de enfraquecimento do poder e de desmoralização dos cidadãos. Esta técnica é fundada no conhecimento das leis da psicologia e da psico-sociologia, porque visa tanto a opinião pública quanto o poder e as forças armadas de que este dispõe. Ela é uma ação sobre a opinião por meios sutis e convergentes, como descreveremos.

“A subversão é, pois, mais insidiosa do que sediciosa. A ruína do Estado (quando se trata de subversão interna) ou a derrota do inimigo (quando se trata de subversão organizada do Exterior) são visadas e obtidas por vias radicalmente diferentes da revolução (entendida no sentido de levante popular)  e da guerra (entendida no sentido de confronto entre exércitos adversários e de batalha territorial). O Estado visado afundará por si mesmo na indiferença da ‘maioria silenciosa’ (porque esta é um produto da subversão); o exército inimigo cessará por si mesmo de combater, porque será completamente desmoralizado e desarticulado pelo desprezo que o cerca” (op. cit., p. 7).

Marius Trajano T. Netto, do Exército brasileiro, conclui acertadamente que “a Guerra Revolucionária é ... muito mais uma Guerra de Almas do que de Armas” (A guerra revolucionária e o misoneísmo, in “Military Review”, edição em português, agosto de 1974, p. 53).

[5] De seu lado, fala neste sentido o Concílio Vaticano II:

“A obra de redenção de Cristo, enquanto tende por si a salvar os homens, propõe-se também à restauração de toda a ordem temporal. Por isso, a missão da Igreja não é apenas anunciar a mensagem de Cristo e sua graça aos homens, mas também impregnar e aperfeiçoar toda a ordem temporal com o espírito evangélico.

“Em conseqüência, os leigos, ao realizarem essa missão, exercem seu apostolado tanto no mundo como na Igreja, tanto na ordem espiritual como na temporal. ... O leigo, que é ao mesmo tempo fiel e cidadão, deve sempre conduzir-se, em ambas as ordens, com a mesma consciência cristã. ....

“É preciso que os leigos tomem a restauração da ordem temporal como sua função própria, e que, conduzidos nisso pela luz do Evangelho e pela mente da Igreja, e movidos pela caridade cristã, atuem diretamente e de forma concreta; que os cidadãos cooperem uns com os outros, com sua competência específica e com sua responsabilidade própria; e que em todas as partes e em tudo busquem a justiça do reino de Deus. A ordem temporal deve ser restaurada de tal forma que, observadas integralmente suas próprias leis, esteja conforme aos mais altos princípios da vida cristã, adaptada às várias circunstâncias de lugares, tempos e povos” (Apostolicam Actuositatem, no.s 5 e 7).

[6] Em 14 de julho último, o “Jornal do Brasil” publicou um Suplemento de seis páginas sobre A nova família. Na apresentação da ampla matéria, lê-se: “A família brasileira mudou, dizem os sociólogos, antropólogos e psicanalistas. Alguns sinais dessa mudança: a classe média dos grandes centros urbanos já não se sente tão escandalizada com o fato de alguém optar por ter duas mulheres ao mesmo tempo, ou sustentar quatro famílias, ser homossexual, preferir não coabitar com o parceiro amoroso, viver como ‘single’, ou ser mãe solteira. Há 30 anos, seria muito diferente”.

[7] Em nenhum momento, ao longo desta exposição, se teve em vista aludir à Exma. Família Pedriali, que sabemos digna de respeitosa simpatia. Nem ao que o sr. J.A.P. narra no tocante a suas relações com ela enquanto freqüentou a TFP.

Com efeito, nessa refutação, que as exigências de defender o renome da TFP vão tornando por demais extensa para o tempo de leitura do homem médio contemporâneo, a necessidade de resumir nos obriga a cuidar só do que tem interesse geral, deixando de lado a casuística desta ou daquela situação concreta. E, de outro lado, o próprio sr. J.A.P. – sempre se imaginando paradigmático – trata desse episódio muito menos como de um aspecto de sua biografia do que como um caso típico das relações da TFP com as famílias de seus sócios e cooperadores.

Ora, este assunto genérico vem sendo objeto de sistemáticas explorações da parte dos adversários da TFP. Já na torpe tempestade de calúnias que foi o estrondo publicitário de 1984 na Venezuela, esse tema foi objeto das distorções mais flagrantemente opostas à verdade. Para não falar de análogos fogachos congêneres no Brasil e em mais de um país, onde têm surgido tentativas de exploração clérico-progressistas na matéria.

Bom é que o tema seja tratado, pois, na amplitude geral de seus aspectos, ad perpetuam rei memoriam.

De onde a presente exposição sobrepairar os casos concretos.

[8] É esse o luminoso ensinamento de Leão XIII, na Encíclica Libertas Praestantissimum, de 20 de junho de l888:

 "A liberdade, portanto, é, como temos dito, herança daqueles que receberam a razão ou a inteligência em partilha; e esta liberdade, examinando-se a sua natureza, outra coisa não é senão a faculdade de escolher entre os meios que conduzem a um fim determinado. É neste sentido que aquele que tem a faculdade de escolher uma coisa entre algumas outras, é senhor de seus atos. ....

Assim como o poder enganar-se, e enganar-se realmente, é uma falta que acusa a ausência da perfeição integral na inteligência, assim também aderir a um bem falso e enganador, ainda que seja um indício do livre arbítrio, constitui contudo um defeito da liberdade, como a doença o é da vida. Igualmente a vontade, só pelo fato de que depende da razão, desde que deseja um objeto que se afaste da reta razão, cai num vício radical que não é senão a corrupção e o abuso da liberdade. Eis por que Deus, a perfeição infinita, que, sendo soberanamente inteligente e a bondade por essência, é também soberanamente livre, não pode de nenhuma forma querer o mal moral. E o mesmo sucede com os bem-aventurados do Céu, graças à intuição que têm do soberano bem. ....

O Doutor Angélico ocupou-se freqüente e longamente desta questão; e da sua doutrina resulta que a faculdade de pecar não é uma liberdade, mas uma escravidão. Muito sutil é a sua argumentação sobre as palavras do Senhor Jesus: "Aquele que comete o pecado é escravo do pecado' (Jo. VIII, 34). “Todo ser é o que lhe convém segundo sua natureza. Logo, quando se move por um agente exterior, não age por si mesmo, mas pelo impulso de outrem, o que é próprio de escravo. Ora, segundo a natureza, o homem é racional. Por isso quando se move segundo a razão, é por um movimento próprio que ele se move, e opera por si mesmo, o que é essência da liberdade; mas, quando peca, procede contra a razão, e então é como se fosse posto em movimento por um outro e sujeito a uma dominação estranha. É por isso que aquele que comete pecado é escravo do pecado' " (Documentos Pontifícios, no 9, Vozes, Petrópolis, 1961, 4ª ed., pp. 6 a 8).

A respeito, comenta ainda o teólogo e filósofo de reputação mundial, Pe. Victorino Rodríguez y Rodríguez O.P.:

A análise psicológica da liberdade .... mostra-nos que ela é mais que o simples querer ou odiar, muito mais que um simples desejo realizável segundo dê na veneta de alguém.

"A eleição livre implica em deliberação, em seleção nos gostos e desejos; é a fixação de meios em ordem a um fim, é a "electio mediorum servato ordine finis' de que fala São Tomás (Suma Teológica, I, 62, 8 ad 3).

"Uma busca espontânea de um bem elementar não é exercício de liberdade. A liberdade humana é mais que a espontaneidade espiritual (Bergson) e, sobretudo, é mais que a espontaneidade instintiva e causadora de prazer (Freud), que se dá também no animal em meio de um ambiente propício de vida. Pode-se optar livremente por essas espontaneidades, mas elas não são a liberdade. Ambas as coisas se confundem, por exemplo, nesta passagem de André Gide: ‘É preciso não ter leis para ouvir a lei nova. Oh, libertação! Oh, liberdade! Irei até onde possa alcançar meu desejo' (Los nuevos alimentos, Buenos Aires, 1962, p. 117)” (Pe. VICTORINO RODRÍGUEZ OP, Temas-Clave de Humanismo Cristiano, Speiro, Madrid, 1984, p. 110). 

[9] Que idéia terá o sr. JAP da obediência religiosa, e do que nela distingue a observância heróica do exagero? Não é de crer que ele enverede por esse campo que lhe é tão pouco familiar. Se o quiser fazer, seria aconselhável antes ler alguma coisa da abundante bibliografia sobre o assunto. Para lhe facilitar o trabalho de pesquisa, eis algumas indicações: SÄO BERNARDO DE CLARAVAL, Del Precepto y de la Dispensa, in Obras Completas de San Bernardo, BAC, Madrid, 1955, vol. II, pp. 777 a 823; SANTA CATARINA DE SIENA, El Diálogo, parte V (De la obediencia), in Obras de Santa Catalina de SienaEl Diálogo, BAC, Madrid, 1955, pp. 514 a 548; SÃO FRANCISCO DE SALES, Entretiens Spirituels, deuxième entretien Discours de l'obéissance, e douzième entretien De l'obéissance, in Oeuvres, Gallimard, Paris, 1969, pp. 1011 a 1019 e 1142 a 1172; SÄO ROBERTO BELLARMINO, Tractatus de Obedientia, quae caeca nominatur, in Pe. XAVIER-MARIE LE BACHELET SJ, Auctarium Bellarminianum –Supplément aux Oeuvres du Cardinal Bellarmin, Gabriel Beauchesne Ed., Paris, 1913, pp. 377 a 385; SÃO VICENTE DE PAULO, Conferências às Filhas da Caridade, Lisboa, 1960, pp. 43 a 49, 335 a 348, 514 a 525 e 706 a 714; Pe. MANUEL MARIA ESPINOSA POLIT SJ, La Obediencia Perfecta – Comentario a la Carta de la Obediencia de San Ignacio de Loiola, Editorial Jus, México, 1961, 2ª ed., 394 pp.; Pe. F. MAUCOURANT, Probación religiosa de la obediencia, Garnier, Paris, 1901, 363 pp.; Dom COLUMBA MARMION OSB, Jesucristo Ideal del Monje, Editorial Difusión, Buenos Aires, 1951, pp. 266 a 307; Dom ILDEFONSO HERWEGEN OSB, Sentido e Espírito da Regra de São Bento, Edições Lumen Christi, Rio de Janeiro, 1953, pp. 108 a 114, 395-396, 400 a 403. 

[10] O Pe. Antônio Royo Marín, na sua conhecida Teologia de la perfección cristiana, destaca a importância de um plano de vida até mesmo para os simples leigos:

 "Como é sabido, o plano de vida consiste em traçar para si um horário completo e detalhado das ocupações e dos exercícios de piedade que se há de praticar durante o dia, a fim de, uma vez aprovado pelo diretor espiritual, cumpri-lo fielmente.

“A grande utilidade do plano de vida está fora de qualquer discussão, sobretudo para os espíritos caprichosos e inconstantes. Sem ele, perde-se muito tempo, aumenta-se a indecisão, descuidam-se as obrigações, ou se cumprem desordenadamente, e se desfecha na inconstância e na volubidade de caráter. Pelo contrário, submetendo-nos a um plano sabiamente traçado, não cabe lugar a vacilações nem a perdas de tempo, nada de importante fica sem prever, sobrenaturalizamos as menores ocupações pela obediência ao diretor, e educamos nossa vontade submetendo-a ao dever de cada momento.

“Tal plano de vida é utilíssimo para os leigos, para o Sacerdote secular, e ainda para pessoas que vivem em comunidade.

"Para os leigos – Vivendo, como vivem, no mundo, sem um superior a quem obedecer nem um regulamento a que sujeitar-se, dificilmente poderão evitar os inconvenientes de que acabamos de falar sem um plano de vida aprovado pelo diretor, e ao qual se submetam com a mais exímia pontualidade, ao menos na forma compatível com as mil circunstâncias imprevistas que comporta a vida no mundo. ....

“Para obter do plano de vida o máximo rendimento e utilidade, é preciso traçá-lo sabiamente, de acordo com o diretor espiritual .... Em geral, será preciso ter em conta as seguintes normas:

"1º) Deve estar, antes de mais nada, perfeitamente acomodado aos deveres do próprio estado, às ocupações habituais, às disposições de espírito, do caráter e do temperamento, às forças do corpo, ao nosso grau atual de perfeição e aos atrativos da graça.

“2º) Será ao mesmo tempo flexível e rígido. Flexível, para não nos sentirmos escravizados por ele, quando a caridade para o próximo ou uma circunstância grave absolutamente imprevista nos obrigue a omitir algum exercício ou a substituí-lo por outro equivalente. Rígido, para não deixar uma válvula de escape para a inconstância e o capricho do momento.

“3º) Deverá abarcar duas partes essenciais: o horário, ou quadro de ocupações desde a manhã até a noite, e a lista das más inclinações a reprimir e dos bons hábitos a fomentar. E tudo isso deve estar perfeitamente controlado pelo exame de consciência diário. ....

"O cumprimento do plano de vida será severo e perseverante, se não queremos tirar-lhe quase toda a sua eficácia. Como já dissemos, a menos que a caridade, a impossibilidade material ou uma circunstância grave absolutamente imprevista no-lo impeça, devemos ser inflexíveis em ajustar a ele nossa conduta" (op. cit., BAC, Madrid, 1955, 2ª ed., pp. 741 a 743). 

[11] ) "As pessoas eram cultas e atenciosas, havia respeito intelectual. Essa atenção eu não encontrava no meu círculo religioso e social. .... Na organização, qualquer besteira que eu falasse era discutida com atenção e recebida até com carinho. Mais tarde, eu constataria que isso também fazia parte de uma série de técnicas de aliciamento" – declarou ele à “Folha de S. Paulo”, de 29-6-85. 

[12] Cfr. PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, Indumentária, Hierarquia e Igualitarismo, in “Catolicismo”, no 133, janeiro de 1962. 

[13] O próprio “OESP” (o jornal em que trabalha o sr. JAP) foi, em princípios do século, acusado precisamente de despersonalizar seus redatores:

"O escritor que para lá entra, na qualidade de membro efetivo da redação, o primeiro impulso que experimenta é o de uma irreprimível exasperação do orgulho pessoal ....

"Aproveitando-se desse desvanecimento de alma em que os seus colegas se comprazem, o secretário geral da redação opera habilmente, sem que nenhum o perceba, a capitulação completa de cada responsabilidade pessoal diante da irresponsabilidade impersonal do critério coletivo – simbolizado no poder autocrático que o referido secretário nas suas mãos despóticas enfeixa. As personalidades fundem-se e desaparecem, tragadas voraginosamente por aquele centro absortor de todos os esforços isolados; umas deixam de produzir, malferidas nos seus naturais estímulos para o trabalho mental; outras só produzem de acordo com a inflexível orientação do secretário todo-poderoso, e, portanto, com absoluta quebra de sua independência intelectual. Uma única exceção, talvez, conheço até agora: é Plinio Barreto. ....

Além da plena acomodação aos gostos e inclinações pessoais do secretário-mór, timbram os redatores de ‘O Estado’ em imitar a maneira de escrever do sr. Júlio de Mesquita. Não há, nesse movimento, nenhum servil intuito bajulatório: é um irreprimível e espontâneo impulso de admiração que os leva a assim proceder. .... Dentro de pouco tempo estão escrevendo como ele, em períodos curtos, em frases incisivas, em locuções nervosas e vibrantes. Se, no decurso de uma discussão momentosa, acontece que um acaso qualquer impossibilita o diretor de traçar a sua nota, é ele substituído, e de tal arte o seu estilo foi assimilado pelos outros redatores, que só os profissionais com larga experiência percebem – e assim mesmo com que dificuldades! – que houve substituição de homem no leme” (J. ALBERTO DE SOUZA, Amadeu Amaral - Urzes, névoas, espumas, ed. d’O São Paulo Imparcial, São Paulo, 1918, pp. 15, 16, 21 e 23).

[14] O Pe. Francesia – que conviveu 60 anos com o Bem-aventurado Miguel Rua, e privou com São João Bosco por cerca de 40 - recorda em sua obra alguns episódios que permitem aquilatar até que ponto Dom Rua procurou imitar as virtudes e assimilar o espírito de seu Fundador:

 "Quando Dom Bosco nos oferecia algum trabalho e, por estar eriçado de dificuldades não nos comprometíamos a levá-lo até o fim, acudia sempre a Dom Rua, certo de ser secundado. Muitas vezes tive ocasião de ouvir estas palavras da boca de Dom Bosco: ‘fica tranqüilo, pois Dom Rua fará tudo, e às mil maravilhas’. O que não me surpreendia, pois sabia muito bem que Dom Rua era intérprete fiel dos pensamentos de Dom Bosco. .... Previa o que tinha para fazer, e propunha os meios para a execução, procurando ajustar-se na prática ao pensamento de Dom Bosco. .... O humilde Dom Rua trabalhava em silêncio, quase como se não existisse. Dom Bosco lhe assinalava os rumos, e ele punha o maior empenho em cumprir a vontade de seu pai. ....

“No ano de 1883 Dom Bosco percorreu triunfalmente a França. .... É algo que escapa à mente humana descrever o entusiasmo que Dom Bosco despertou em Paris. .... Os milhares de visitantes vão desfilando lentamente, e muitos dentre eles devem contentar-se em falar apenas com ‘o Secretário de Dom Bosco’, como era [D. Rua] chamado naqueles dias. Muitos exclamavam após ter-lhe falado: ‘É cópia fiel de Dom Bosco; até nos gestos se parece com ele’. ....

 "A 8 de dezembro de l885, [Dom Bosco] nomeou Dom Miguel Rua como seu Vigário Geral: ‘De hoje em diante ele me substituirá no governo de toda a Pia Sociedade, e tudo o que posso fazer, ele o poderá também, com plenos poderes’. À  primeira vista, parece que o novo encargo deveria pôr Dom Rua mais em contato com Dom Bosco, para mais amiúde trocar idéias com ele e uniformizar os sentimentos. Mas, na realidade, de nenhum ponto de vista se deveria alterar o procedimento do novo Vigário .... De fato, Dom Rua até aquele momento havia posto todo seu empenho em interpretar, até em seus menores detalhes, o pensamento de Dom Bosco, para em seguida pô-lo escrupulosamente em prática. .... Não era pequeno consolo para Dom Bosco ver como seus filhos se dirigiam ao novo Vigário, especialmente quando proferiam frases como esta: ‘Ele é outro Dom Bosco, pois herdou grande parte de seu espírito’. ....

“Morto Dom Bosco, Dom Rua não quis introduzir modificação alguma em redor de si. .... Como outrora na França se anunciava a morte do Rei com estas palavras: ‘morreu o Rei, viva o Rei’, assim também nós teríamos podido exclamar: ‘morreu Dom Bosco, viva Dom Bosco’, porque, para nós, Dom Rua era Dom Bosco” (pp. 131 a 133, 134 a 136, 141 a 143, 159 a 161).

[15] Cfr. “Catolicismo”, no 390, junho de 1983, p. 6; no 397, janeiro de 1984, p. 6; no 398, fevereiro de 1984, p. 8; no 417, setembro de 1985, p. 2.

[16] É interessante ver o que o sr. JAP entende por “normal”. Em depoimento publicado pela “Folha de S. Paulo” de 29 de junho de 1985 e pela “Folha da Tarde” de mesma data, diz ele, referindo-se à fase em que se aproximava da TFP: “Eu continuava estudando, flertando, me masturbando, até relação sexual já tinha tido com uma garota, tinha ainda uma vida normal mas me deixava envolver cada vez mais pela TFP”.

 


 

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