Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Guerreiros da Virgem

 

A Réplica da Autenticidade

 

A TFP sem segredos

Capítulo III

Para disfarçar a ausência de provas, sutis destrezas de exposição

1. Um acusador que é a única testemunha e se pretende o único juiz

O sr. J.A.P. conta a história, toda interna, das reações de um jovem, próprio a ser classificado como integrante de certa faixa de psicologias existente na juventude hodierna. Esse jovem-tipo é ele mesmo.

Tendo ingressado na TFP em 1971, permaneceu nela dos 15 aos 21 anos, ou seja, até 1977. Refletindo agora – cerca de oito anos depois – sobre sua trajetória psicológica dentro da TFP, se afigura a ele ter sido sua mente objeto de toda uma série de manipulações concatenadas, por parte desta Sociedade. Tais manipulações teriam por escopo produzir nele certas mudanças interiores, a fim de o transformar em um “tefepista” total.

Subjetivista como é, e tendente a se imaginar no centro dos acontecimentos (cfr. Cap. I), o sr. J.A.P. se tem na conta de jovem típico ou até arquetípico do recrutando da TFP. E daí infere que análogo processo mental, se aplicado a outros jovens, teria de produzir sobre eles análogo efeito.

E dado que qualifica de altamente nocivos os efeitos desse processo, ele se considera no caso de denunciá-lo para o bem de tantos outros jovens. É o que ele diz ter pretendido ao publicar Guerreiros da Virgem.

Ora, todo espírito sensato que se disponha a ler uma denúncia baseada na narrativa de uma experiência pessoal se coloca naturalmente a questão: quais as provas dos fatos alegados para estear tal acusação? Pois, a não serem elas suficientes, o livro não será uma autobiografia, mas mera novela.

Dado que, segundo o autor, a TFP recruta principalmente jovens com peculiar mentalidade – da qual ele é um tipo – e esses jovens seriam submetidos a uma ação análoga à que ele teria sofrido, dever-lhe-ia ser fácil conseguir entre outros egressos da TFP depoimentos numerosos e concordantes entre si, que lhe corroborassem a denúncia.

Se bem que, em matérias polêmicas como essa, depoimentos concordantes entre si – quer sejam eles favoráveis, quer contrários a determinada tese – não são necessariamente conclusivos. Com efeito, várias pessoas, levadas pela paixão ou pelo interesse, podem concertar entre si de prestarem o mesmo depoimento falso.

Assim, mesmo esse recurso – que o sr. J.A.P. se exime muito prudentemente de seguir – teria sido para ele de um proveito dos mais duvidosos, à vista de toda a refutação desenvolvida neste livro.

Em todo caso, a apresentação de testemunhas teria pelo menos evitado ao sr. J.A.P. o escolho preliminar com que esbarra o seu arrazoado. É a ausência de credibilidade da testemunha única, que depõe em abono da tese que ela mesma sustenta.

Em vista dessa falha fundamental, é muito plausível que se o sr. J.A.P. tivesse dirigido análogas acusações contra outros contendores que não a TFP, vários dentre estes se tivessem abstido de toda a argumentação restante, como a que esta Sociedade cuidadosamente a seguir desenvolve. “Apresente outras testemunhas ou cale-se”- ter-lhe-iam objetado esses opositores. O que não seria muito diferente de dizer: “Cresça e apareça”.

E a própria TFP provavelmente também a isto se cingiria, se não estivesse cronicamente às voltas com a ferocidade publicitária de certo macrocapitalismo de esquerda ou de centro-esquerda, o que a obriga a cuidados especiais (cfr. tópico 7 adiante).

De qualquer forma, importa sublinhar desde já a objeção preliminar que o depoimento do sr. J.A.P. suscita.

A história que ele conta é exclusivamente a do que ele viu, do que ele ouviu, do que outros (uns poucos)  disseram ou fizeram a ele, e das reações interiores que ele sentiu.

Nas poucas vezes em que alarga algum tanto o âmbito prevalentemente subjetivo e interior de sua narração, quase sempre menciona dados inexatos e fáceis de desmentir (cfr. por exemplo, GV pp. 29, 30-31, 67, 144-145).

Assim, para provar a existência de iniciações na “seita” TFP, o autor cita uma série de conversas com sucessivos “iniciadores”. Cada uma dessas conversas, porém, ele a narra com tal luxo de pormenores e subtilezas de expressão, que qualquer pequeno lapso de memória quanto a esta ou aquela palavra tornaria inexpressiva e vazia a suposta iniciação.

Ele se dá bem conta de que, decorridos mais de dez anos, não pode lembrar-se de tudo isso, nem dar a exata seriação em que os diálogos se seguiram. Imaginando remediar essa tão grave carência, ele optou por vazar as suas recordações sob a forma de diálogos imaginários, e aliás inverossímeis, pois cada  interlocutor fala como se estivesse numa cena de teatro. Isto é, com tal método, que uma parte só interrompe a outra no ponto certo, e jamais desvia o assunto. Procedimento este mais do que incomum na conversa habitualmente vivaz de jovens brasileiros.

No entanto, o sr. J.A.P. teve a intenção de descrever por esse processo diálogos iniciáticos, em que precisamente o caráter de iniciação se infere da ardilosa matização de conceitos e de linguagem com que o iniciante vai preparando o espírito do iniciando, em função das reações deste último, naturalmente imprevisíveis mais de uma vez.

A mesma coisa dita ex-abrupto poderia não ter o caráter iniciático, e o adquire em conseqüência dessa matização.

Assim, se os diálogos registrados pelo sr. J.A.P. são imaginários quanto à forma, tal implica em reconhecer que a prova desse caráter iniciático é, ela mesma, imaginária. Pois ainda que os diálogos preservassem “a máxima fidelidade ao conteúdo”, como pretende o sr. JAP (GV Advertência 2, p. VI), eles não serviriam de prova do método iniciático que ele visa denunciar.

Ora, o sr. J.A.P. é muito insistente neste ponto. Ele insinua continuamente a existência de todo um método psicológico de revelação iniciática maquiavelicamente gradual, que estaria em uso na TFP. E, para fazer o leitor “sentir”  esse método... põe-se a figurar diálogos numa forma imaginária!

Sempre incorrigível subjetivista, parece não lhe ocorrer a natural objeção: se ele não se lembra das palavras, nem seque possui simples apontamentos sobre esse diálogos, como pode garantir, por essa reconstrução fictícia, que está reproduzindo o método? E, ademais, que o está fazendo com “a máxima fidelidade de conteúdo”?

A palavra máxima é muito categórica. E compromete a fundo o autor. Ou este quer dizer “fidelidade absoluta”, ou “a maior fidelidade possível”.

Se quer dizer “fidelidade absoluta”, o sr. J.A.P. imagina ter conseguido um resultado impossível. Ou  pelo menos tão árduo, que não se pode admitir – sem outras provas – que o tenha obtido.

Se quer dizer “a maior fidelidade possível”, isso importa no reconhecimento de que se trata de uma fidelidade apenas parcial, incompleta, relativa. Neste caso, qual o valor de prova de uma tal narração?

Isto ponderado, o leitor se perguntará naturalmente: o que distingue essa sua narração de uma novela?

E que credibilidade podem ter esses diálogos – verdadeiros diálogos de teatro! – que ele apresenta?

Tais perguntas parecem nem sequer vir ao espírito do sr. J.A.P.. Dir-se-ia que lhe soariam inesperadas e extravagantes. Pedriali dixit. Como então duvidar?

Na essência, em sua história-libelo, é ele o único narrador e, ademais, pelo menos no que há de capital, a única testemunha, o único acusador e o único juiz!

Um libelo de força persuasória inexistente, portanto, pois como diz o velho aforismo do Direito, “testis unus, testis nullus” (uma só testemunha eqüivale a nenhuma) [1].

Pode dizer-se, para atenuar a fundamental invalidade da narração do sr. J.A.P., que, pelo menos, é ele uma testemunha direta. Pois esteve dentro da TFP e narra sua experiência pessoal.

Isso não remedeia o fato de que ele é, no caso, o “testis unus”, irremediavelmente insuficiente.

Uma testemunha direta conhece a verdade. Mas tem tanto a possibilidade de a dizer, quanto de dizer o contrário.

Assim, sua alegada condição de testemunha direta não basta para fazer dele uma testemunha ipso facto suficiente.

2. Ademais, uma testemunha suspeita

Acresce que o sr. J.A.P. é um egresso da TFP. E que valor tem, em casos como esse, o depoimento difamatório de um egresso? Se é verdade que, de um lado, este dá o depoimento de sua experiência, ele é levado, de outro lado, a fazer a crítica dessa experiência à vista das razões pelas quais se afastou da entidade, e se transformou em inimigo dela. O que torna seu testemunho, a priori, suspeito de parcialidade.

Depoimentos de egressos – sobretudo quando são vários e não apresentam contradições de fundo entre si – podem, sem dúvida, ser tomados em consideração, mas não podem ser aceitos como o de testemunhas suficientes e indiscutíveis. É o que ponderam com perspicácia, quanto a depoimentos análogos aos do sr. J.A.P., os Professores David G. Bromley, Anson D. Shupe Jr. E J. C. Ventimiglia, da Universidade do Texas:

O papel do apóstata, que tem sido largamente negligenciado pelos sociólogos, tem um peso significativo para desacreditar um grupo dissidente e para justificar medidas de controle social. Como um indivíduo que abandonou a fé à qual aderia anteriormente, o apóstata é uma valiosa fonte de informação e pode representar o papel de testemunha ‘astro’ em processos públicos ou em campanhas de propaganda contra o grupo. Pode revelar atividades e segredos internos do movimento, de forma a confirmar as suspeitas e as alegações contra este, condená-lo com um conhecimento e uma certeza que os de fora não podem ter, e reafirmar os valores da sociedade convencional, ao confessar voluntária e publicamente o ‘erro’ ou seus caminhos.

“Os apóstatas contribuem substancialmente para o teor inverossímil dos contos de atrocidades. Tendo desprezado os valores do sistema dominante, o apóstata dificilmente pode esperar reconquistar sua aceitação na sociedade convencional mediante simples manifestação de que já perdeu o interesse pelo grupo dissidente. Cabe a ele mostrar, de modo convincente, que sua reafirmação dos valores dominantes é autêntica, que ele compartilha com os demais os sentimentos de desaprovação em relação àquele grupo, e que seu compromisso anterior não era sincero.

“Juntamente com uma confissão pública aceitável, o apóstata sente provavelmente alguma necessidade de explicar sua própria conduta. Outros poderão perguntar: se o grupo é tão manifestamente mau como ele agora afirma, por que ele abraçou essa causa anteriormente? Na tentativa de explicar como fora seduzido, e confirmar os piores temores em relação ao grupo, o apóstata é levado a pintar uma caricatura do grupo, que é elaborada mais pela sua condição atual de apóstata, do que por suas reais experiências do grupo ( The Role of Anedoctal Atrocities in the Social Construction of Evil, in DAVID G. BROMLEY & JAMES T. RICHARDSON [ed.], The Brainwashing / Deprogramming Controversy: Sociological, Psychological, Legal and Historical Perspectives, The Edwin Mellen Press, New York – Toronto, 1983, p. 156).

Essas ponderações valem inteiramente para o sr. J.A.P..

Evidentemente, a par do depoimento dele podem ser mencionados os de elementos da TFP, pois que é no recinto desta, e em contexto com elementos dela, que o sr. J.A.P. situa quase toda a sua narração.

Ora, os sócios e cooperadores da TFP, pela sua própria perseverança na entidade, constituem a negação viva e contínua de quanto o sr. J.A.P. depõe. Pois algum deles que admitisse como verdadeiras as narrações deste último, não teria outra coisa a fazer senão cortar ato contínuo qualquer liame com esta Sociedade.

As testemunhas da TFP depõem, portanto, em sentido contrário ao do sr. J.A.P. E não poderiam ser sumariamente ignoradas, embora pudessem ser argüidas de suspeitas pelos adversários da entidade.

Poderia alguém objetar que, dentro desta perspectiva, nenhuma associação de caráter ideológico poderia ser validamente investigada, pela radical impossibilidade de obter testemunhas insuspeitas do que nela se passa.

Tal objeção não procede. A análise comparativa do grau de crédito a dar a cada testemunha segundo seus predicados intelectuais e morais, os cargos e funções que exercia, e as possibilidades maiores ou menores de conhecer os fatos, conferidos por essas funções, por fim a verificação da coerência entre os elementos constitutivos de cada depoimento etc. – tudo isto sem falar da inspeção da contabilidade, das publicações e dos arquivos da entidade – pode fornecer a uma investigação provas das mais concludentes. Por fim, cabe lembrar que depoimentos favoráveis à entidade, provenientes de egressos dela, se revestem de particular caráter de validade, pois sua condição normalmente os torna insuspeitos de tal.

* * *

Mas, perguntará algum leitor, a descrição que o sr. J.A.P. faz de sua crise interior não é perfeitamente verossímil? E não é portanto digna de crédito?

Não basta algo ser verossímil para ser considerado ipso facto como demonstrado. Pois é normal que o sr. J.A.P. reinterprete agora toda a história de sua passagem pela TFP segundo a nova criteriologia que adotou, e procure fazê-lo com aparências de verossimilhança.

Aliás, movido pelos reflexos de alma tão freqüentes nos que abandonam um ideal, certos fatos que lhe pareciam inteiramente normais no período de sua permanência na TFP, pelo menos até o início de sua decadência espiritual, ele agora não pode deixar de os ver com maus olhos e de os interpretar malevolamente. Pois, como diz o Evangelho, “o teu olho é a lâmpada do teu corpo. Se o teu olho for são, todo o teu corpo terá luz. Mas se o teu olho for defeituoso, todo o teu corpo estará em trevas” (Mt. VI, 22-23).

3. Para convencer sem provas, aparência de sinceridade e imparcialidade

Tudo isto posto, o caminho que restava ao sr. J.A.P., ao escrever seu livro, era “convencer” sem provas. O que só lhe seria dado conseguir junto a espíritos desprevenidos, e por isso propensos a aceitar a narração dele pela simples impressão de sinceridade e de imparcialidade que conseguisse causar.

Ora, para tal, o autor parece não ter omitido medidas:

A) O livro é um furioso e novelesco libelo acusatório contra a TFP. O que se comprova à vista do fato de que sua leitura convida o leitor crédulo a formar, acerca desta Sociedade, um juízo global inteiramente negativo. E isto sem embargo de um ou outro aspecto positivo que a narração “imparcialmente” deixa ver. o autor disfarça entretanto esse caráter de seu trabalho, colocando o principal de sua acusação no fim, quando o espírito do leitor, após ter ingerido a longa narração, está predisposto a crer na novela-libelo. Como já se notou antes, essa cautela talvez tenha sido motivada pela inocuidade, junto à opinião pública, de outra recente investida contra a TFP, vazada nos velhos métodos de ataques furibundos e com pretensões a grandiloqüentes.

B) O livro adota um sistema de exposição muito próprio a captar a confiança do leitor, pois o autor parece limitar-se tão-só a narrar os fatos que viveu ou que presenciou, fazendo-o com destrezas literárias próprias a dar a impressão de que esses fatos falam por si.

O método de exposição que ele emprega se aparenta mais com o gênero “conversa” do que com o gênero “tese”.

Os assuntos parecem fluir da pena do sr. J.A.P. com a naturalidade repousada e descontraída de quem narra em uma roda de amigos suas recordações pessoais.

Isso lhe faculta passar através dos vários temas que aborda com   velocidades diversas: lento e minucioso quando pretende causar efeito sobre o leitor (por exemplo, nas pp. 115 a 134, a longa e prolixa descrição da visita a uma das sedes da TFP em São Paulo, o Êremo de São Bento) [2] ou quando visa entretê-lo com algum episódio inesperado e lúbrico (GV pp. 40-41, 90 a 92 e 190 a 193). Pelo contrário, rápido e sumário quando quer evitar pormenores que poderiam depor contra suas conveniências (por exemplo, GV pp. 176 a 179). Na realidade, porém, todos esses artifícios mal velam aos olhos do leitor experiente o caráter de verdadeira tese do livro.

C) A linguagem escolhida pelo autor também parece serena, branda. Em termos mais atualizados, dir-se-ia que ela é “espontânea” e “descontraída”. De princípio a fim, anima-a – como já se fez notar – o sorriso ligeiro e quase bonachão com que certos espíritos céticos e relativistas costumam adoçar o amargor das “experiências” pelas quais passaram, e até das injustiças que, ao longo dessas “experiências, sofreram... ou imaginam ter sofrido.

“É o sumo da imparcialidade” – comentará então, em seu foro interno, o leitor ingênuo, sensibilizado pelo que lhe parecerá uma grande autenticidade de alma. E começará a crer!

Quem ler o livro do sr. J.A.P. poderá dar-se conta de que esses artifícios, ele os usa com habilidade incontestável [3].

Mas, analisada seriamente a matéria, é fácil verificar que a realidade é muito outra. No depoimento do sr. J.A.P. sobre seu itinerário interior, ao longo de seus seis anos de TFP, não há uma só historieta, uma só frase, dir-se-ia nem sequer uma só palavra que não tenda muito estudadamente a fazer o leitor aceitar a imagem falseada da entidade que eclode no final do livro. No relato do sr. J.A.P., nada é efetivamente espontâneo, nada é realmente descontraído nem benévolo. Tudo é pesado, contado e medido de acordo com uma segunda intenção cautelosamente velada. E esta é furiosamente acusatória.

Entretanto, para notá-lo é necessária uma prática de análise por assim dizer especializada. Prática que, naturalmente, a maior parte dos leitores não possui.

4. Uma amostra da imparcialidade “sui generis” do sr. J.A.P.: abstração quase completa da atuação pública da TFP e silêncio sobre as raízes profundas dessa atuação

A vida secreta na TFP: tal é o subtítulo que o sr. J.A.P. quis dar a seu livro.

Presume o autor apresentar uma imagem suficientemente completa dessa “vida secreta” em uma narração de 201 páginas, formato 21x13,5 cm, com caracteres em corpo 10. E o faz – como se viu – abstraindo quase por completo da imensa e heróica atuação pública da TFP. Sistema unilateral e deformante, até mesmo no que concerne o próprio espírito e a vida interna da associação, cuja descrição o autor se empenha em fazer.

Com efeito, a atuação pública de uma pessoa, de um grupo ou de uma associação é fruto natural de toda uma preparação interna. Assim, a apreciação do fruto de uma organização – como a TFP, ou outra – oferece critério seguro para o conhecimento da própria organização. “Não é boa a árvore que dá maus frutos, nem é má a que dá bom fruto. Porque cada árvore se conhece pelo seu fruto” (Lc. VI, 43-44), ensina o Divino Mestre.

Nenhuma descrição da vida quotidiana da TFP será completa enquanto não se lhe analise a atuação pública, e não se chegue por este meio ao conhecimento de suas mais profundas raízes de alma. O que é tanto mais evidente, quanto a ação pública da entidade é de grande envergadura e vem empolgando, ao longo das décadas, não só amigos como por vezes opositores desta Sociedade. E em nível mundial, isto é, nos cinco continentes. Atuação desenvolvida com a fé, o desinteresse pessoal e o heroísmo jubiloso de cruzados.

Ora, no livro do sr. J.A.P., a narração – pelo próprio fato de se empenhar em parecer serena – deixa ver, embora de passagem, belos episódios da vida interna da TFP. Porém jamais, em nenhum momento, põe em relevo o conjunto de princípios, as doutrinas que se ensinam na TFP, os fatos exemplares de que se tem conhecimento na convivência quotidiana com a entidade, próprios a explicar a florescência dessas qualidades.

O enredo é sempre calculado de modo a persuadir o leitor das teses gravemente difamatórias do livro. O autor jamais omite realçar o que lhe parece desfavorável na vida da entidade. E para isso faz uso freqüente de seu estilo novelesco e venenoso. Porém o mais das vezes tão implicitamente venenoso quanto é de estilo na investida publicitária moderna de bom quilate técnico.

Mais ainda. O sr. J.A.P. bem vê que, na TFP, a vida individual dos sócios e cooperadores não apresenta nenhuma nódoa moral. Ele seria, aliás obrigado a apontá-las, se as notasse, para dar a seu depoimento foros de estrita objetividade. E como se esta ausência de nódoas fosse o fato mais corriqueiro nos dias presentes, ele passa por cima sem maior análise. Por onde se vê bem o naipe de sua imparcialidade: uma imparcialidade que sabe calar aspectos dignos do mais caloroso elogio...

5. Outro recurso: tornar-se simpático aos olhos do leitor

Para se tornar crível, lança ainda mão o sr. J.A.P. de outro recurso, aliás de gênero análogo: tornar-se simpático aos que o leiam. Isto, ele o tenta mediante uma descrição de si mesmo aparentemente natural e despretensiosa, mas em realidade “enfeitada” e toda voltada a despertar compaixão.

O sr. J.A.P. se apresenta, no ponto de partida da narração (cfr. GV pp. 11 a 20), como um mocinho de Londrina, piedoso e bom – dir-se-ia uma versão masculina do “Chapeuzinho Vermelho” - embora com uma psicologia um pouco peculiar.

Outros jovens, iludidos ou mal-intencionados, a serviço de um insaciável sorvedor de admirações, entusiasmos e dedicações – o Presidente do Conselho Nacional da TFP – se acercam do sr. J.A.P., atraem-no e tentam transformá-lo, por misterioso processo psicológico, em um moço fanatizado, agressivo, com o espírito agrilhoado e ao mesmo tempo superexcitado pelo pânico.

Tudo isto tende a reduzi-lo a mero robô em mãos desses manipuladores de sua mente.

Hipnotizado por aspectos do que há de elevado no comportamento destes e na meta que lhe apresentam, o jovem caminha heroicamente nessa via, que ele agora – decorridos oito anos de seu afastamento da TFP – compara a um subterrâneo soturno, obscuro e mal arejado. Em conseqüência, o estado de seus nervos se deteriora e se agrava progressivamente. Mesmo assim, o abnegado idealista resiste. Resiste tentando adequar-se inteiramente aos métodos indicados, e ademais rezando, rezando, rezando. “A estátua da Virgem de Sion transformara-se em minha confidente nas noites indormidas, nas manhãs suaves e frescas, nas tardes pontilhadas de amargura e solidão” - diz ele, à p. 161, com não pequena dose de romantismo, referindo-se à imagem de Nossa Senhora que se venerava no jardim da antiga sede de Curitiba, e que anteriormente pertencera ao Colégio de Sion, da mesma cidade.

- Leitor, não é simpática a figura desse jovem idealista, abnegado e sofrido? Assim descrito, como não se sentir propenso a crer nele?

6. Até mesmo o reconhecimento das próprias fraquezas...

Sim, sem dúvida todo esse heroísmo desperta simpatia. Mas a era dos heróis de teatro do grande Corneille – imaculados e  inquebrantáveis – já vai longe. O público de hoje só aplaude sem reservas um herói quando nele vê, também, uma ou algumas fraquezas. Ao herói de hoje cumpre ser, por alguns lados, um idealista, mas, por outro lado, é indispensável que se mostre democraticamente um igual, ou talvez melhor se dissesse, um cúmplice. Na presente quadra histórica que caminha para a anarquia permissivista sob o signo do freudismo, o herói tem de ser “descontraído”, concessivo, compassivo, sensual.

Por isso, o autor narra – aliás com mal disfarçado pendor autocontemplativo – os impulsos fortes e até incontidos, que a sensualidade desperta em seu interior. Efeitos disso são, por exemplo, as cenas pornográficas antes referidas. O quadro fica assim inteiramente ao sabor de inumeráveis apreciadores das obscenidades de TV, rádio e imprensa. E lhes ganha as simpatias.

Esse impulsos para a sexualidade desbragada desempenham, aliás, papel destacado em sua divisão interior: de um  lado, o ideal que o chama para novas ascensões e novas alturas; de outro lado, o receio da catástrofe psico-patológica e os apelos da carne que o convidam para o terra-a-terra psiquicamente distensivo, mas também prosaico, da realidade palpável.

Esta tensão o leva ao desequilíbrio nervoso, e ele teme chegar à loucura.

Um suposto episódio, relacionado com o passageiro impedimento do Presidente do Conselho Nacional da TFP, vítima de um desastre de automóvel, em 1975, impressiona-o mal quanto à retidão de intenções dos mais altos dirigentes da entidade. É o golpe de misericórdia.

Ele se vai dessa forma afastando da TFP, dela se desinteressa por completo, e por fim se reintegra na vida terra-a-terra, prosaica e sem ideais da maior parte dos homens de hoje.

7. Embora ninguém seja obrigado a provar que é inocente, a refutação da TFP vai até lá

De tudo isso emerge, com certas tintas de verossímil, a acusação – muito difusa ao largo do livro, mas insinuada mais claramente em suas últimas página, quando já se encontra bem preparado o terreno – de que a TFP é uma seita iniciática que pratica a “lavagem cerebral” em seus membros, com detrimento para a saúde mental deles.

Qual o alcance real dessa acusação, que constitui, por assim dizer, o eixo de toda a montagem novelesco-difamatória do sr. J.A.P.?

Em rigor, o que ficou dito sobre a ausência de provas de Guerreiros da Virgem é tão concludente, que de si bastaria para replicar cabalmente ao sr. J.A.P. Porém, no caso concreto da TFP, tal não é suficiente. Pois tem ela numerosos detratores, que se sucedem ao longo das décadas, no afã -  graças à proteção da Santíssima Virgem, sempre vão – de a incompatibilizar constantemente com a opinião pública. Desses detratores, alguns são instrumentos remotos e inconscientes de Moscou (“inocentes úteis”, diz-se em nosso idioma; “idiotas úteis”, diz-se em castelhano, talvez com mais propriedade), que a propaganda comunista encontra no caminho, e dos quais tira proveito quanto pode – e outros são agentes conscientes e até disciplinados. A todos esses instrumentos humanos, Moscou os estrutura numa imensa máquina de detração contínua.

Ora, o ódio de Moscou é infatigável. Atingida em seu cerne por alguma argumentação concisa e incontestável, uma determinada ofensiva difamatória de Moscou pode cessar. Mas continua muitas vezes a propaganda desta a insistir em algumas acusações subsidiárias da tese refutada, enquanto tais acusações secundárias não sejam, elas também, refutadas por sua vez uma a uma.

As ofensivas de Moscou poderiam comparar-se assim a árvores dantescas, cujos galhos fossem serpentes. Abatido o tronco, estas continuariam a se mover com vida própria, a picar e a envenenar.

Isto é dito para explicar ao leitor as peculiaridades metodológicas de uma refutação que não quer se contentar com a alegação, de si suficiente, da ausência de provas de Guerreiros da Virgem.

É verdade que ninguém é obrigado a provar que é inocente, pois o encargo da prova incumbe ao acusador: “Actori onus probandi incumbit” – diz a máxima do Direito.

Mas a TFP quer ir mais longe e eliminar as serpentes entroncadas na árvore abatida. Só assim sua réplica será completa. Para isso importa-lhe provar, quanto possível, que são inverídicas as acusações contra ela assacadas.

Assim, serão analisadas a seguir as principais dentre essas múltiplas acusações, mostrando-lhes a vulnerabilidade, no que têm de intrinsecamente falso, de contrário ao que é de notoriedade pública etc. Ou simplesmente opondo ao testemunho sem provas do sr. J.A.P. o testemunho da própria TFP.

Este é um indiscutível direito do acusado: diante de uma acusação gratuita, responder por uma simples negação: “quod gratis asseritur, gratis negatur”. Ou seja, ao que é afirmado sem provas, o acusado pode replicar validamente por uma simples negativa.


 

[1] Sentindo provavelmente a carência do valor documentário do depoimento de uma só testemunha, o sr. J.A.P. resolveu consagrar o livro “à memória de Ricardo, meu primo, que também passou por esta experiência” (GV p. VI), deixando entrever que antes de morrer esse jovem cooperador da entidade, dele recebera confidências acerca de sua própria experiência na TFP, análogas às suas.

Essa confirmação viria, pois, de... um morto!

A esse respeito cumpre esclarecer que o sr. Ricardo Pedro Romagnolli, efetivamente primo do sr. J.A.P., freqüentou a TFP sucessivamente em Londrina, Curitiba e Porto Alegre, entre 1971 e 1982. Neste ano faleceu num banal desastre de motocicleta, naquela última cidade. Tinha então 23 anos.

Bem ao contrário de seu primo, o jovem Romagnolli foi continuamente um modelar cooperador da TFP. E sua conduta jamais apresentou sintomas que deixassem entrever nele a crise que o sr. J.A.P. descreve em si mesmo, tão fantasiosamente, nas páginas de Guerreiros da Virgem.

As relações da TFP com a digna Família Romagnolli foram sempre das mais cordiais. E é com o beneplácito dela que é publicada a presente nota.

[2] Em algumas sedes da TFP introduziu-se – por desejo dos sócios ou cooperadores que ali residem ou trabalham – um regime de silêncio fora das horas de reunião e de lazer, com vistas à obtenção de um clima de recolhimento propício ao trabalho ou ao estudo.

Quem primeiro sugeriu adotar esse sistema foi o saudoso membro do Conselho Nacional da TFP, Fábio Vidigal Xavier da Silveira, falecido em 1971. Alguns anos antes de falecer, o Dr. Fábio visitara o célebre Eremo dell’Carcere, lugar de recolhimento e oração perfumado pela presença sobrenatural de São Francisco de Assis, que o construíra. A recordação do Êremo de São Francisco entusiasmava o Dr. Fábio. E sua imaginosa vivacidade brasileira transpôs logo a palavra italiana para a sede do setor da TFP que ele dirigia.

O nome colocado pelo Dr. Fábio foi recebido com simpatia geral na TFP. E de modo natural, logo surgiram outros Êremos. E foi assim se institucionalizando esse regime de recolhimento, estudo, oração e trabalho em comum.

Na realidade, os Êremos não são mais do que sedes de estudo ou trabalho em que se requer maior concentração de espírito, ou simplesmente se tem em vista um melhor aproveitamento da ação. Pois os Êremos revelaram-se altamente eficazes como fator de aprofundamento intelectual e rendimento nos trabalhos. Por extensão, são chamados eremitas os que residem nos Êremos.

[3] A ostentação de serena imparcialidade com que o sr. J.A.P. pretende marcar sua obra não se coaduna bem com a seguinte apresentação que dela faz, na orelha do livro, o sr. Luiz Fernando Emediato, repórter de “OESP” e diretor da “Coleção Testemunho”, da qual Guerreiros da Virgem é o volume 7:

“Este é um livro sobre o fanatismo da extrema direita, o delírio de um homem que se julga predestinado a dirigir os povos e a subir aos céus, no fim dos tempos, num carro de fogo, como o profeta bíblico. É o livro impressionante e aterrador, mas bem-humorado, sobre a experiência de um adolescente que foi aliciado para as hostes deste fanático e ali manipulado ao longo de seis longos anos, durante os quais quase enlouqueceu, obrigado a ver um comunista em cada esquina, um demônio em cada mulher, o pecado em cada prazer. ‘Guerreiros da Virgem’ é uma grande denúncia: pela primeira vez em sua história a TFP é realmente devassada, exibida para que a sociedade saiba o que se passa em seus mosteiros secretos, onde seus militantes são treinados não só para venerar Plinio Corrêa de Oliveira, seu dirigente maior, mas também – se for preciso – enfrentar armados os comunistas pecadores que, no delício [sic, certamente por ‘delírio’]  de Dominus Plinius, ameaçam todos os quadrantes da Terra.

“Não por acaso esse depoimento sincero e corajoso de um ex-tefepista é prefaciado por um ex-comunista, o escritor Domingos Pellegrini. Como ele próprio lembra em seu prefácio, a extrema esquerda e a extrema direita têm mais semelhanças que diferenças. Os aguerridos militantes do MR-8 usam jeans. Os fanáticos entorpecidos da TFP usam ternos e gravata. Uns e outros são dirigidos e manipulados por interesses que nem sempre compreendem inteiramente. Como muito já fez a Igreja, como ainda o Estado faz enquanto o serviço militar for obrigatório, tanto a esquerda como a direita recrutam jovens, ressalta Pellegrini. Tanto para quem adora a Virgem Maria como para quem adora Lênin, as idéias a seguir, desenvolver e divulgar são as dos líderes. Pensar por sua própria conta cansa – é mais fácil e mais prudente ser liderado. Ai daquele que decide ser independente: desprezado pela direita e pela esquerda, duplamente traidor, está condenado a vagar pelos cantos como um renegado. A gerontocracia pesudo-socialista soviética ou o consumismo genocida norte-americano: não há meio termo num planeta polarizado por um confronto ideológico de consequencias imprevisíveis para os comuns mortais. Dominus Plinius e seus fanáticos da TFP, entretanto, não têm dúvidas: uma catástrofe de dimensões apocalípticas destruirá o urso da Sibéria e a Águia das Montanhas Rochosas, levando de roldão o resto da humanidade. Depois da catástrofe o mundo voltará ao que era, segundo a TFP, a idade de ouro do homem: os princípios medievais prevalecerão, o demônio será vencido e Dominus Plinius, imortal, reinará ao lado da Virgem Santa.

“ ‘Guerreiros da Virgem’, que José Antônio Pedriali sofreu para escrever – ninguém se liberta com facilidade dos fantasmas do passado – é um depoimento revelador pelo que tem de acusação e advertência. Milhares de jovens são aliciados, neste e em outros países, para lutar por alguma causa nem sempre muito clara. É preciso saber antes de optar. É preciso ser livre antes de lutar por alguma coisa. Do contrário, jamais haverá liberdade para todos”.

Tal apresentação – visivelmente colocada na orelha do livro Guerreiros da Virgem como “chave” para facilitar aos leitores a intelecção da difusa prosa do sr. J.A.P. – explicita muito do que estava jeitosamente implícito no texto do livro.

O sr. L. F. Emediato – note-se de passagem – não procura velar, como o sr. J.A.P., seu fanatismo anti-TFP. É, aliás, digna de nota a completa ausência de senso crítico dele: dá como absolutamente provado tudo quanto o sr. J.A.P. afirma – e isso antes mesmo de ouvir o depoimento da TFP.

Ora, não é de crer que esse pronunciamento tenha sido aduzido ao livro do sr. J.A.P. sem a aquiescência deste.

E, uma vez que ele aquiesce em fazer-se apresentar – melhor se diria, apoiar – por tal xingatório, fica reduzida a pedaços a imagem de imparcialidade, tão necessária para dar um mínimo de credibilidade aos seus depoimentos.

 


 

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