Folha de S. Paulo, 9 de janeiro de 1972
"Revolução comunista invisível"
Prometi aos leitores um comentário das palavras do Gal. Humberto de
Souza Mello, Comandante do II Exército, proferidas em homenagem à
Marinha de Guerra, na Semana de Tamandaré.
Agora
que, com o texto em mãos, me preparo para cumprir a promessa, hesito em
escolher os tópicos que mais convidam à análise: o elogio sóbrio e
vigoroso de Tamandaré, o enaltecimento comovido da missão e dos feitos
da Marinha, ou a caracterização de um adversário perigoso que, no
momento, ameaça nossa Pátria. Mas o critério para a opção facilmente me
vem ao espírito. Ser-me-ia mais atraente e distensivo tratar do primeiro
ou do segundo tema. Porém, mais importante para a formação da opinião
pública é o terceiro. Assim, devo optar por ele.
O
Gal. Souza Mello indica seu ponto de mira com uma linguagem concisa e
elegante, e de uma coragem toda militar: é "o adversário solerte,
covarde, e inconseqüente do comunismo", movido por "interesses espúrios
e contrários ao nosso sistema de vida" e "fáceis de descobrir".
Entretanto, não imagine o leitor que o General tratará do perigo
comunista em termos convencionais.
E tem
razão. Com efeito, se os interesses do comunismo são sempre claros, os
seus manejos são cada vez mais obscuros, e isto por uma imperiosa
necessidade tática. Outrora, o comunismo se caracterizava pela
brutalidade tanto na pregação ideológica desabrida como na ação
revolucionária violenta. Mas os resultados práticos desta brutalidade
são pífios. Mais de cem anos já lá vão, desde que Marx se atirou à luta.
E, até o momento presente, o comunismo não conseguiu maioria eleitoral
em nenhum país, nem aquém nem além da cortina de ferro. Digo nenhum,
porque o Chile não constitui exceção. Demonstrei em artigo publicado
neste mesmo jornal ("Toda
a verdade sobre as eleições no Chile", em 10-9-70) que naquele
país irmão foi à Democracia-Cristã que Allende deveu sua vitória. A
votação marxista até decaíra no pleito que levou o Senador comunista ao
poder.
Assim, do ponto de vista da conquista das massas, o comunismo se
encontra diante de um estrondoso insucesso. Demonstra-o muito bem
recente estudo da revista "Est-Ouest", que desejo comentar no próximo
domingo, como prolongamento do presente artigo. Antecipo simplesmente
que a conhecida revista prova, com dados estatísticos irrecusáveis, que
os PCs estão em retrocesso em toda a Europa. Nos últimos dias, as
agências telegráficas publicaram uma notícia que se acrescenta à
demonstração de "Est-Ouest" como um dado novo: o comunismo acaba de ser
derrotado também na Finlândia.
Deve-se, pois, rejeitar a impressão mítica de que o comunismo possui uma
verdadeira capacidade de atração sobre as massas.
Não
se pode, entretanto, negar que ele dispõe de técnicos de primeira ordem
na manipulação psicológica das multidões. Diante desse insucesso, tais
técnicos procurariam forçosamente meios novos.
O que
está acontecendo seria, pois, inevitável. O comunismo, sem de nenhum
modo renunciar à doutrinação e à ação violentas, que constituem a
subversão clássica, organizou paralelamente um estilo de luta
inteiramente novo. É para ele que o General Souza Mello volta sua
atenção.
* * *
O
Comandante do II Exército descreve este novo tipo de ação, com rara
lucidez:
1 -
Importa ele em uma ação "solerte (...) na utilização dos nossos meios de
difusão: jornais, revistas, cinema, teatro, rádio e televisão; ou ainda
através das artes e da literatura das coleções populares de grandes
escritores socialistas". Como vê o leitor, trata-se de uma propaganda
feita com ardil, pelo largo uso de meios tons, de afirmações apenas
discreta e implicitamente comunistas, pela difusão de doutrinas ou
programas para-comunistas, capazes de evoluir, aos poucos, para posições
pré-comunistas e, por fim, comunistas. "Tudo isso representa
contribuição decisiva para alcançar profundamente a vida das populações
dos centros urbanos e áreas rurais, principalmente a juventude
universitária, operária e camponesa", pondera o General. E com razão.
Pois todas essas áreas da opinião, que até aqui se têm mostrado pouco
sensíveis às técnicas clássicas do comunismo desabrido, podem ir sendo
impregnadas aos poucos de espírito comunista, por esse processo mais
sutil;
2 - O
General se refere também a um reformismo tumultuoso e inconsiderado, que
visa impulsionar "a transformação das estruturas sociais de forma
acelerada, sem atender ao equilíbrio interior, que requer, através de
algumas gerações, necessária adaptação psicológica e ajustes em termos
econômicos, para suportar as mudanças influentes na sociedade de hoje".
Esta observação — com dor o digo enquanto católico — me parece
especialmente merecida pelos Hélderes e Comblins, bem conhecidos por seu
programa truculento e açodadamente reformista;
3 -
Por fim, outro ponto importante. É o "vislumbramento do alcoolismo, do
sexualismo despudorado e do aumento do uso de tóxicos, que arrastam à
dissolução coletiva pelo desencadeamento de instintos perigosos e
inconscientes, e destroem as tradições nos mais elevados padrões morais,
espirituais e religiosos". Esta observação relaciona argutamente com os
métodos comunistas atuais, todo o imenso processo de deterioração moral,
religiosa e cultural, que vai devastando sempre mais nossa juventude.
Tanto tenho escrito aqui sobre vários aspectos desse fenômeno, que me
parece desnecessário insistir a respeito.
Em
conseqüência, passo desde logo à conclusão. Ela me parece de suma
importância: o conjunto das atividades enumeradas pelo Comandante do II
Exército constitui, segundo ele, "a revolução comunista invisível, tão
importante, ou talvez mais, do que a pregada por Fidel Castro,
recentemente (...)". Esse mesmo Fidel Castro que se dirige às multidões
"indicando o caminho da violência como a solução única à tomada do poder
na América Latina, apesar de considerar muito boas as condições que
possibilitam a revolução socialista pelo domínio comunista".
* * *
O
General Souza Mello dispõe de uma grande autoridade pessoal e funcional
para emitir esses conceitos. Foram eles externados em uma comemoração
essencialmente militar, mas creio que merecem chegar ao conhecimento de
toda a população civil do País.
Apesar do efeito pacificador inerente aos êxitos econômicos tão
brilhantes que o Brasil vem alcançando, apesar do declínio da subversão
violenta, o País se encontra em pleno impacto da revolução comunista
invisível. Uma revolução de métodos moderníssimos, a um tempo agressivos
e sutis, impalpáveis e penetrantes, aliciantes e perigosos, que tentam
envolver o País em uma atmosfera própria a intoxicá-lo
imperceptivelmente e profundamente de comunismo.
"A
revolução comunista invisível, tão importante, ou talvez mais, do que a
pregada por Fidel Castro", é a meu ver, o grande perigo do momento.
* * *
Dirigindo-se em nome do II Exército à Marinha de Guerra, o General
exclama, em conseqüência: "Cabe-nos, pois, vigiar e reagir seja contra
aquela solerte e invisível penetração, através [de] bem elaborada
campanha psicológica no lar, na escola, nas artes, nas instituições
culturais e nas diversões públicas, seja contra a sua expansão no
combate contínuo e violento aos diferentes tipos e formas de luta
aconselhados pelos dirigentes comunistas e executados pelas organizações
do partido".
É
óbvio que no cumprimento dessa nobre missão de lutar contra a "revolução
comunista invisível", o elemento civil tem uma parcela de
responsabilidade muito grande. Parece-me que a análise feita pelo
General Souza Mello torna bem claro que nenhum brasileiro pode assistir
de braços cruzados a esse drama, que é o envolvimento de sua própria
Pátria por essa terrível névoa ideológica. No lar, na escola, na
universidade, nos locais de trabalho, nos ambientes de lazer, nos
recintos religiosos, toca a cada um de nós a tarefa da vigilância e da
resistência proporcionadas à magnitude do perigo.
E é
por isto que não quis deixar de utilizar esta coluna para um apelo a que
os leitores tomem na mais alta conta as palavras do Comandante do II
Exército, e as adotem como um programa de ação.
* * *
O
fecho das palavras do General Souza Mello é animador. Proclama ele, com
justificada ufania: "Está (o II Exército) preparado, adestrado e vem se
empenhando juntamente com os demais Comandos e Órgãos de Segurança, na
defesa das instituições brasileiras e da tranqüilidade das populações
ordeiras em sua área de jurisdição, com fé e esperança na verdade que se
fundamenta no amor e paz de Jesus Cristo, sacrificado no Calvário".
Essa
garantia de vigilância e dedicação do setor militar, dada com os olhos
postos no Homem-Deus, repercute suavemente nos espíritos, nestes dias
marcados ainda pela doce unção do Santo Natal.