Catolicismo Nº 238 – Outubro de 1970 [1]


O porquê deste número

Diante da vitória de Allende no Chile e de sua repercussão no Brasil, lançou a TFP uma campanha pública de difusão do trabalho de diretor seu, Fabio Vidigal Xavier da Silveira, intitulado "Frei o Kerenski chileno" lançado três anos antes ( Ver "Catolicismo" Nº 198-199 ) e que demonstrava como a política levada a cabo no Chile por Eduardo Frei e pela Democracia Cristã levaria à ascensão do comunismo.

Tal trabalho, pela precisão com que previu os fatos que se realizaram posteriormente, mais poderia ser classificado como uma retrospectiva, no lúcido comentário de um jornalista. Juntamente com o trabalho de Fábio Vidigal Xavier da Silveira difundiu-se o magistral artigo do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira "Toda a verdade sobre as eleições no Chile", abaixo reproduzido, pronunciamento admirável pelo descortínio, acerto e precisão, que constituiu uma tomada de posição sobre a crise em que se via envolvida a nação irmã, e que visava sobretudo esclarecer o público brasileiro acerca do que ali se passava.


 

A posição da TFP ante a vitória marxista no Chile

Toda a verdade sobre as eleições no Chile

 

Plinio Corrêa de Oliveira

 

O profundo impacto causado na opinião pública do Brasil e de toda a América do Sul pelo resultado da recente eleição presidencial chilena, torna indispensável uma análise serena e objetiva do que no país irmão acaba de ocorrer.

Tal análise, esperam-na da TFP os incontáveis brasileiros que se vêm habituando a receber dela — nas horas de incerteza e de dor — a palavra que esclarece, estimula e sugere uma solução. Assim, externo aqui o pensamento de nossa invicta entidade.

Avanço ou retrocesso do comunismo?

Após a Missa celebra por D. Antonio de Castro Mayer, na Igreja de Santo Antonio, em São Paulo, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira faz o lançamento da campanha de esclarecimento da opinião brasileira sobre a vitória do candidato marxista no Chile. A seu lado, Fabio Vidigal Xavier da Silveira, autor do best-seller "Frei, o Kerensky chileno" e a deputada Dulce Salles Cunha Braga.

O primeiro ponto a tratar é o alcance das eleições do Chile como indício dos rumos ideológicos da opinião naquele país, bem como em toda a América do Sul.

Com efeito, vai ganhando terreno entre nós a impressão de que o comunismo registrou um grande avanço no Chile, avanço este que estaria a indicar uma profunda transformação na atitude até aqui anticomunista das massas latino-americanas. Em outros termos, a vitória do comunismo no Chile pressagiaria análoga vitória para ele em nosso País e nas demais nações irmãs.

Tal conclusão é de molde a desalentar toda ação anticomunista. E com isto só tem a ganhar o comunismo. Pois — segundo ensinava Clausewitz — vencer um adversário não importa necessariamente em esmagá-lo: por vezes basta tirar-lhe a vontade de lutar.

Assim, o mais urgente, para o esclarecimento da opinião brasileira, consiste em tornar claro que o resultado do recente pleito chileno revela não um progresso, mas antes um retrocesso do marxismo no país amigo. Por mais que essa afirmação possa surpreender à primeira vista, funda-se ela em fatos e cifras incontestáveis. Estas últimas colhemo-las na fonte mais genuinamente "allendista" isto é, o diário comunista chileno "El Siglo", de 5 do corrente:

a) Em 1964, concorreram a disputa pela suprema magistratura dois candidatos, Eduardo Frei e Salvador Allende. O primeiro alcançou 1.409.012 votos, que constituíam 55,7% do eleitorado. O segundo obteve 977.902 votos, isto é, 38,7% do eleitorado.

Os votos dados a Frei provinham da coligação do PDC com dois outros partidos, o Conservador e o Liberal.

Allende — e este fato é capital — não era apoiado senão pelos comunistas, ou seja, pelo Partido Socialista (marxista), pelo Partido Comunista e por certos corpúsculos comunistas dissidentes. Assim, toda a votação de Allende era comunista, e toda a votação comunista era de Allende.

b) No pleito de 1970, pelo contrário, Allende se apresentou como candidato de uma coligação. Ou seja, além dos votos comunistas acima referidos, Allende recebeu o apoio do Partido Radical e de uma dissidência do PDC (MAPU). Era, pois, de esperar que o eleitorado de Allende tivesse crescido e fosse agora nitidamente maior.

Ora, sucedeu precisamente o contrário. Ou seja, no último pleito, o candidato socialista teve apenas 36,3% dos votos (contra 38,7% da eleição anterior).

Daí se deduz que o contingente marxista minguou. Pois agora — mesmo somado a outras forças — ele alcançou menor porcentagem de votos do que em 1964.

Pedecistas e outros esquerdistas, responsáveis pela vitória de Allende

Mas, objetar-se-á, se é verdade que a porcentagem eleitoral dos contingentes marxistas decaiu, pode-se pelo menos dizer que o número dos marxistas cresceu no interior de outras correntes políticas. Pois, do contrário, elas não teriam apoiado Allende.

Infelizmente, nós brasileiros temos boas razões para saber que tal não é a verdade. Enxameiam aqui clérigos de passeata, políticos com "p" pequeno, intelectuais e intelectualóides sequiosos de publicidade, que não se fartam de repetir que os não comunistas, embora conservando-se escrupulosamente alheios ao marxismo, devem fazer frente única com os adeptos deste, para derrubar o que chamam a oligarquia ora dominante. Há 20 ou 30 anos que isto se diz e se repete no Brasil.

Ora, segundo observava Napoleão, a repetição é a melhor figura de retórica. A força de pregar a coexistência pacífica, a "mão estendida", a colaboração com o marxismo, os cripto-comunistas, têm arrastado, em mais de um país, para votar em candidatos comunistas, contingentes maiores ou menores de inocentes-úteis, que não são comunistas.

"Há algo pior que o comunismo: é o anticomunismo", disse Frei. Sua lição frutificou. Das próprias fileiras do PDC, a que Frei pertence, uma apreciável força eleitoral se destacou para Allende. Quem semeia ventos colhe tempestades...

O Clero esquerdista, fator importante da vitória marxista

Uma circunstância especial reforça este argumento em prol da tese de que boa parte da votação dada a Allende no último pleito não era constituída de comunistas.

Em 1964, a infiltração comunista no Clero chileno era bem menor. O Clero todo trabalhou então por Frei, contra Allende.

Em 1970, essa infiltração assumiu proporções alarmantes. Agravando ainda a situação, o próprio Cardeal Silva Henriquez, Arcebispo de Santiago, declarou à imprensa ser inteiramente lícito a um católico — que, por definição, não é comunista — votar em candidatos marxistas (cf. Jornais "Última Hora" e "Clarín", de Santiago, de 24-12-69).

Supondo tratar-se de um engano de imprensa, a TFP chilena escreveu ao Purpurado, pedindo-lhe um esclarecimento ou uma retificação. A resposta foi o silêncio.

Quem conhece o estofo dos nossos clérigos vermelhos, bem pode avaliar quantos votos de inocentes úteis os clérigos vermelhos do Chile — prestigiados e estimulados por fato tão propício a seus intentos — terão encaminhado para Allende.

Inocentes-úteis, o peso decisivo

Insistimos. Não cresceu no Chile o número dos marxistas. Cresceu, isto sim, o número de inocentes-úteis que se deixam iludir pelo sonho de aproveitar o apoio marxista para a realização de certas reformas... sem chegar ao marxismo.

A TFP previu – A vitória de um grande livro

A população paulistana, com o interesse despertado pela campanha da TFP, não permaneceu alheia ao drama chileno

Isto posto, convém passar a outra consideração.

O Brasil ficou vendo, no exemplo chileno, a suma nocividade dos grupos de pressão da chamada "Terceira Força", contra cuja atuação a TFP não tem cessado de alertar a opinião pública, em campanhas que já hoje fazem parte da História. Entre essas campanhas, merece no momento uma especial referência a difusão pelas vastidões de nosso imenso território, do livro "Frei, o Kerensky chileno" (Editora Vera Cruz, São Paulo, 1967), de autoria de um dos diretores da entidade o Sr. Fábio Vidigal Xavier da Silveira.

Essa obra teve edições na Argentina e na Venezuela, e repercutiu intensamente na imprensa de toda a América Latina. Escrita com uma notável lucidez de doutrina e de observação, provou, há 3 anos, que o resultado da atuação de Frei seria a vitória da minoria comunista.

Entre nós, os grupelhos cripto-comunistas e os "sapos" não gostaram. Aqui estão os resultados...

Se Paulo VI tivesse atendido a nosso brado de alerta

Uma palavra sem nenhuma amargura, mas cheia de dor.

Em 1968, 120 mil chilenos uniram-se a 1.600.358 brasileiros, 280 mil argentinos e 40 mil uruguaios para pedir a Paulo VI medidas contra a infiltração comunista nos meios católicos.

O silêncio mais frio e completo seguiu-se à súplica entretanto filial, respeitosa, submissa, angustiada, ardente.

Nada se fez no Chile (para só falar dele), que pusesse cobro à onda.

A História registrará que essa omissão teve trágica importância no drama que está prestes a começar.

Agora exulta o comunismo internacional

Ou antes, no drama que já começou.

Enquanto, pelo menos até o momento, que saibamos, nenhum jornal católico oficial ou oficioso se ergueu para lamentar o escândalo do apoio de católicos ao comunismo no Chile, os jornais comunistas do mundo inteiro celebram a vitória de Allende como um triunfo do marxismo. E Fidel Castro procura desfazer com loas a Allende a impressão de derrota causada pelo seu discurso sobre o fracasso da safra açucareira cubana.

A vitória de Allende: maioria de opereta

De sua parte, Allende, que alguns otimistas incorrigíveis apresentam como um moderado, já começou a marcha para a ilegalidade e portanto para a violência.

A vontade popular só se exprime em maiorias palpáveis, pois, como é óbvio, pequenas diferenças eleitorais podem ter causas tão irrelevantes e várias, que são inadequadas para manifestar as aspirações autênticas e profundas de um país. Considerando isto, a Constituição Chilena dispôs de um modo sábio que, em casos como o presente, cabe ao congresso escolher livremente o Presidente da República, entre os candidatos mais votados.

Ora, o comando da Unidade Popular — união eleitoral pró-Allende — dando um golpe de Estado branco, acaba de contestar ao Congresso essa atribuição legal, declarando pura e simplesmente que a vitória de seu candidato é irreversível. O que quer dizer que ele recorrerá ao golpe de Estado vermelho, se o Congresso não se dobrar ao golpe de Estado branco.

Allende tenta começar a tragédia

A TFP iniciou a campanha de alerta sobre a vitória do marxismo no Chile com um desfile no Viaduto do Chá, no centro de São Paulo ( foto ). O encerramento, em outubro de 1970, foi marcado por uma caminhada na Av. Afonso Pena, em Belo Horizonte

Allende teve 36,3% do eleitorado. Alessandri 34,9%. A diferença é irrisoriamente pequena. Qualquer questiúncula entre cabos eleitorais, qualquer episódio a-ideológico de aldeia ou subúrbio a pode ter ocasionado.

Baseado entretanto nessa minoria ínfima, nessa vitória de opereta, Allende já começou — em nome da democracia — a demolição do Congresso. Assim, anunciou ele o propósito de dissolver o Senado e a Câmara dos Deputados, instalando uma "Assembléia do Povo", a ser eleita com o Chile sob o tacão da bota comunista.

Ao mesmo tempo, já pediu a instituição de juizes eletivos. Ou seja, da barbárie. Pois num país em que os juizes são nomeados sem prova de saber notório, e trabalham sem as garantias da vitaliciedade, da inamovibilidade e da irredutibilidade das rendas, domina, não o direito nem a lei, mas a barbárie.

DC tem a decisão nas mãos

No Congresso, os votos dos deputados da DC decidirão se o Presidente será Allende ou Alessandri. Ou seja, se o Chile imergirá ou não na barbárie comunista.

Levará a DC a triste coerência de sua posição de Terceira Força até o extremo de optar pela barbárie?

A este respeito, há um suspense não só no Chile e na América, mas no mundo. Todos se perguntam até onde irá, neste episódio, a DC. E o que ainda podem temer desta os outros países em que há PDCs fortes.

Paulo VI poderá ainda salvar tudo

Voltamos novamente agora nosso olhar para Roma.

Uma só voz há no mundo, que pode prevenir este mal. É a voz augusta de Paulo VI.

Será que ainda agora ele se manterá silencioso, omitindo pronunciamento oficial, claro, previdente, forte, paterno, que mesmo à beira do abismo ainda poderá salvar tudo?

É com toda a alma que imploramos à Providência essa palavra salvadora...

Irritação não convence; só argumentos

É de se prever que certas afirmações aqui contidas causem desagrado e até protestos em alguns círculos, especialmente nos do chamado progressismo cristão.

A esses lembramos simplesmente que os fatos que alegamos são incontestes e incontestáveis...

Súplica

Resta-nos pedir a Nossa Senhora do Carmo, Padroeira do Chile, que se condoa desse país, querido irmão do nosso. E abra os olhos dos brasileiros para a tremenda nocividade das correntes que se rotulam de a-comunistas, mas estendem a mão ao comunismo.


[1] O presente artigo foi publicado na íntegra em "Catolicismo", n.° 238, outubro de 1970; "Folha de S. Paulo", 10-9-70; "Gazeta do Povo", Curitiba, 13-9-70; "Diário de Notícias", Salvador, 18 e 19-9-70; "Tribuna da Serra", São Bento do Sul (SC), 19-9-70; "Correio do Povo", Porto Alegre, 20-9-70; "A Cruz", Rio de Janeiro, 20-9-70; "Diário dos Campos", Ponta Grossa (PR), 20.9-70; "Diário da Região", São José do Rio Preto (SP), 24-9-70; "Diário Catarinense", Florianópolis, 2-10-70; "Cidade de Blumenau", Blumenau (SC), 2-10-70; "Jornal Pequeno", São Luís, 4-10-70; "Correio do Ceará", Fortaleza, 6-10-70; "Jornal do Commércio", Recife, 6-10-70; "Diário do Norte", Jacarezinho (PR), 25-10-70 e 1.°-11-70. — Resumos foram publicados no "Diário da Noite", São Paulo, 11-9-70; "Diário de Notícias", Rio de Janeiro, 11-9-70; "Diário do Comércio & Indústria", São Paulo, 11-9-70; "Diário de S. Paulo", 13-9-70; "O Estado do Paraná", Curitiba, 13-9-70; "Diário do Paraná", Curitiba, 13-9-70; "Correio Braziliense", Brasília, 15-9-70; "O Fluminense", Niterói, 15-9-70; "A Gazeta", Florianópolis, 15-9-70; "Diário da Tarde", Belo Horizonte, 15-9-70; "Diário da Região", São José do Rio Preto, 15-9-70; "Folha do Comércio", Campos (RJ), 16-9-70; "Correio Lageano", Lages (SC), 18-9-70; "Diário Popular", Curitiba, 19-9-70; "O Popular", Goiânia, 19-9-70; "Cidade de Barretos", Barretos (SP), 20-9-70; "A Cidade", Ribeirão Preto (SP), 22-9-70; "Diário da Manhã", Ribeirão Preto (SP), 26-9-70; "A União", João Pessoa, 30-9-70; "Tribuna de São José", São José dos Pinhais, 3-10-70; "A Cidade", Campos (RJ), 25-11-70.