Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Artigos na

 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 18 de abril de 1971

Nem vitória autêntica, nem pleito livre

Como já vimos, o resultado obtido nas eleições chilenas pela coligação socialista-comunista não representou, para esta última, uma vitória autêntica. Os partidos que apoiam Allende alcançaram simplesmente empate. E um empate sob forte e omnímoda pressão, o que equivale, moralmente, a uma derrota.

Foi o que — em essência — sustentei em meu último artigo. Ao que parece, o próprio governo chileno se deu conta da inutilidade de blasonar vitória a propósito de tão magro resultado. Pois, em seguida às fanfarronadas das primeiras 48 horas, o governo se calou sobre seu "êxito" eleitoral. É nas notícias que nos chegam do país irmão, não figura mais uma só referência de Allende a seu teste de popularidade. O que é propriamente meter a viola no saco.

Um dado a mais, que não cheguei a comentar, ajuda a melhor entender o que há de frustro, para o governo marxista, no resultado das eleições. é que o total de "regidores" — isto é vereadores — eleitos se compõe de 914 filiados a partidos de oposição e 766 à coligação governamental. O que faz pensar que se o governo obteve melhor votação em algumas cidades mais povoadas, no interior ela lhe foi desfavorável. Precisamente nesse interior que o governo vem "beneficiando" pela reforma agrária, apregoada como profundamente popular pelos socialistas, pedecistas, progressistas e comunistas...

* * *

Isto posto, continua de pé, sem embargo, um fato óbvio. É que — de um ou outro modo — a votação governista cresceu da eleição presidencial de setembro do ano passado para a eleição municipal de princípios deste mês. E cresceu em proporções nada desprezíveis, ou seja, de 36,3% a 49,7%.

Olhemos de frente para este fato. De onde proveio a diferença? — Obviamente ela só pode ter vindo das correntes de oposição. Explico-me.

O Partido Nacional, que é de certo modo a direita no panorama político-ideológico chileno, desenvolveu, durante a campanha eleitoral, uma propaganda mole, desanimada e ininteligente. Boa parte de seus eleitores, segundo tudo leva a crer, engrossou as fileiras dos abstencionistas. E outra parte, vendo na DC maior dinamismo e melhores possibilidades de vencer o marxismo, terá votado a favor dela. Ou, então, do Partido Radical, corpúsculo inocuamente a-marxista incrustado na coligação governamental. Assim, embora a votação de Alessandri, candidato apoiado pelo Partido Nacional, tenha correspondido a 34,9% do eleitorado em setembro do ano passado, nas eleições do corrente mês o PN não obteve senão 18,1% dos votos.

Ora, a votação do PDC e a do PR não indicam a alteração correlata. O eleitorado do PDC passou de 27, 8% em setembro para 26,1% nas últimas eleições. Quanto ao Partido Radical, os dados são um pouco mais complexos. Porém igualmente concludentes. O PR — cujos votos se situavam em torno de 13% nas eleições municipais de 1967 e 1969, respectivamente — cindiu-se em duas alas, por ocasião da eleição de Allende. A ala que conservou o nome de Partido Radical recebeu agora 8% dos votos, e a outra ala, a Democracia Radical, de tendência mais bem direitista, obteve 3,8% dos votos. O que perfaz o total de 11,8%.

Como explicar tudo isto, já que a votação dos demo-cristãos e dos radicais deveria estar acrescida pelos votos dos nacionais?

De um lado, é absurdo supor que os direitistas descontentes tenham votado no marxismo. De outro lado, o coeficiente de aumento das abstenções (16,3% em setembro passado e 25,5% agora em abril) não basta para explicar a evasão dos votos direitistas. Onde, então, a chave do mistério?

Tudo leva a crer que os marxistas se beneficiaram de votos de simpatizantes. Ora, em matéria de simpatizantes, os que o marxismo possui estão na DC e no PR. Logo, devem ter votado pró-marxismo muitos membros destas duas correntes. E como estas provavelmente se beneficiaram do apoio de eleitores alessandristas, a evasão dos votos das fileiras delas para a esquerda foi de algum modo compensada, e se nota pouco nos números.

* * *

Assim vistas as coisas, é-se propenso a afirmar que Allende teria sido derrotado nas eleições municipais, e as coisas estariam hoje bem diversas no Chile, se os simpatizantes não marxistas do marxismo não tivessem, mais uma vez, dado a vitória a este.

Insistamos sobre o fato. Agora, mais uma vez, foram eleitores que se prezam de não marxistas, os que deram a vitória ao marxismo. Tão fraco é este para conquistar o poder só por si.

* * *

Foram, pois, os simpatizantes não marxistas do marxismo, os grandes responsáveis pela vitória deste nas eleições municipais. Postos os olhos nos seus congêneres dos demais países sul-americanos, "sapos", demo-cristãos e progressistas, não é difícil perceber que estes se aprestam a fazer o mesmo por toda a parte.

Daí se tira um conseqüência prática do maior alcance. É que, no tocante ao perigo comunista, não basta alertar a opinião pública contra o PC propriamente dito. Mas é absolutamente indispensável, é urgente, é capital alertar o público contra as correntes que, sem se dizerem comunistas, fazem um muxoxo ao anticomunismo e mostram para com o comunismo uma condescendência inspirada nas mais tolas e perigosas ilusões.

Mas esta já é outra matéria. Fiquemos apenas na análise das eleições chilenas. Tal análise, com o presente artigo, chega ao fim.

Como ficou dito, ela prova que, se a coligação prómarxista obteve agora certo aumento de votos em relação ao pleito anterior, deve-o a votos... não marxistas! Tão ilusória é a posição "majoritária" de Allende em seu país.

* * *

Este fato tem muito alcance, por certo.

Desde o manifesto de Marx, lançado em 1848, jamais um candidato comunista obtivera a vitória em eleições autênticas e livres. Este crônico insucesso eleitoral produzia duas conseqüências importantes, uma no seio do próprio PC internacional, outra na opinião publica em geral.

No seio do PC, fortalecia-se cada vez mais a corrente dos que achavam que, sem violência, não é possível ao marxismo chegar ao poder.

A assim chamada — e tão apregoada — "vitória" do marxismo em dois pleitos sucessivos, no Chile, viria dar argumentos à corrente contrária à violência. Pelo menos uma vez, em um país, os processos legais e pacíficos teriam levado o comunismo ao poder. A estas horas, entretanto, os especialistas do PC já terão concluído suas análises, e já terão chegado à mesma conclusão que nós: ambas as "vitórias" provam que a maioria, se se lhe der ocasião de votar em pleito livre, se manifestará renitentemente anticomunista. E que, em conseqüência, continua de pé o princípio de que, sem pressão nem ameaça de violência, o comunismo não alcança o apoio da maioria autêntica dos eleitores.

A outra conseqüência, extramuros do comunismo, salta aos olhos.

Para seus partidários, para seus simpatizantes, para o imenso rebanho dos ingênuos, o comunismo apresentar-se como o grande movimento reivindicatório de imensas massas oprimidas. Como as massas são a maioria, e, segundo as doutrinas democráticas à Rousseau, as maiorias são soberanas, resistir ao comunismo é resistir ao único poder legítimo, isto é, o das multidões. Daí a fundamental iliceidade de todos os movimentos anticomunistas.

Suposta verdadeira a doutrina pagã de Rousseau, segundo a qual as massas podem tudo quanto pode um déspota oriental, inclusive suprimir todos os direitos assegurados pela Lei de Deus — o raciocínio é impecável enquanto mero raciocínio feito no ar. Entretanto, falta-lhe a base. Pois uma de suas premissas é falsa. Não se pode pretender que o comunismo exprima anelos de imensas massas, se ele sempre e por toda a parte perde as eleições. E com isto rui por terra a construção armada pela propaganda vermelha.

Pode-se imaginar quanto mal-estar isto causa à propaganda comunista.

Ora, com o resultado das eleições chilenas tentou o comunismo reabilitar-se aparecendo pela primeira vez como vencedor em um pleito eleitoral livre.

Não houve vitória autêntica, nem pleito livre. É o que quisemos provar nos sucessivos artigos que consagramos ao assunto.


Home