Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

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 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 11 de abril de 1971

No Chile: empate sob pressão

Quando das eleições presidenciais no Chile, escrevi para a "Folha de S. Paulo" um artigo em que examinava a votação obtida pelos três candidatos, o marxista, o demo-cristão e o nacionalista. Mostrei, então, que a vitória de Allende de nenhum modo significava que a maioria dos chilenos optara pelo regime marxista. Pois os votos somados dos candidatos nacionalista e pedecista superavam sensivelmente a votação alcançada pelo marxista.

No dia 4 passado, realizaram-se novas eleições no país irmão, desta vez para a escolha dos membros da Câmaras Municipais. O pleito, como se sabe, atraiu a atenção do mundo inteiro. Nele, com efeito, o povo chileno teria ocasião para se manifestar sobre a política pró-comunista desenvolvida por Allende nestes cinco meses de governo. Feita a apuração verificou-se que a coligação governista obtivera, abstraídos os votos nulos ou em branco, 50,86% dos votos, ao passo que os partidos de oposição somaram 49,14%. Em conseqüência, muitos comentaristas concluíram que, desta vez, a vitória da coligação governamental encabeçada pelos marxistas era mais significativa. Pois o total obtido por ela superava todos os seus adversários somados.

É natural que me perguntem muitos leitores o que digo a isto.

* * *

Começo por observar que a diferença pela qual a coligação governamental "venceu" foi de 1,68%, computados os votos nulos ou em branco. De fato, nesta base de cálculo, o governo teve 49,73% e a oposição 48,05% dos votos.

O governo se enganou, pois, ou enganou o público, quando anunciou para si uma maioria pouco superior a 50%, abstraindo jeitosamente os votos nulos ou em branco.

Do ponto de vista estritamente legal, a diferença de 1,68% basta para caracterizar uma vitória. Aliás, uma pálida e magra vitória. Mas provará ela que a maioria dos chilenos prefere mesmo a política de Allende? — Afirmo que não.

Considerada a eleição como um teste, a diferença de 1,68% é irrelevante. Pequenos fatores ocasionais e sem expressão ideológica podem ter causado essa diferença. De sorte que à vista dela qualquer crítico imparcial pode falar, no máximo, em empate.

Digo "no máximo", porque várias circunstâncias levam à convicção de que mesmo a autenticidade desse empate é duvidosa:

1) Antes de tudo, é preciso considerar as abstenções. Chegaram elas a pouco mais de 25%. Dada a disciplina de cabresto dos partidos marxistas, em geral as abstenções só ocorrem nos setores não comunistas. De cada quatro eleitores chilenos, desta vez um não votou. E este um não é marxista. O que quer dizer que — se ele tivesse votado — o marxismo teria sido folgadamente derrotado.

2) Qual a razão destas abstenções? Desinteresse? Desalento? Protesto? — Freqüentemente, as abstenções são numerosas nas eleições chilenas. Correspondem a áreas não politizadas, e portanto não bolchevizadas, da opinião pública. Seja como for, o desinteresse seria difícil de se supor, mesmo em tais áreas, à vista de eleições tão decisivas para o país e para a vida particular de cada qual. O desalento e o protesto, pelo contrário, são absolutamente explicáveis. Razão a mais para se considerar como antimarxista o significado das abstenções.

3) Vejo o muxoxo de alguns leitores diante da conclusão. Objetam, ao ler-me, que as abstenções são intrinsecamente ambíguas, pelo que não podem ser levadas à conta de um ou de outro lado. — Acho simplista a assertiva. Entretanto, só para argumentar, concedo que seja exata. Se 25% dos chilenos mantiveram uma atitude ambígua diante do teste eleitoral, como negar que o resultado de tal teste tenha sido ambíguo?

4) Acresce outro dado. O único partido não marxista da coligação governamental, o Radical, obteve 8,18% dos votos. Ou seja, se ele tivesse formado ao lado dos demais partidos da oposição a minúscula maioria pró-marxista teria sumido. Ora, tenho em mãos um cartaz de propaganda eleitoral desse partido. Segundo esse cartaz, que faixa eleitoral se empenha o Partido Radical em atrair? A faixa marxista? — De nenhum modo. Os descontentes com o marxismo, aos quais procura convencer que colaborem com Allende, por lhes ser mais útil ter no governo o freio de alguns não marxistas, a votar na oposição e ter assim um governo constituído só de marxistas. É inadmissível que os eleitores atraídos com esse argumento sejam computados como adeptos do marxismo.

5) Ademais, qualquer eleição — como esta de que tratamos — em que há, de um lado, um partido, ou conglomerado de partidos, apoiado às escâncaras e com toda a energia pelo governo, e, de outro lado, partidos oposicionistas, só pode ser aceita como expressão autêntica das tendências ideológicas de um povo quando a vitória é da oposição. Ou, então, quando a maioria obtida pelo partido oficial é grande. Pois o governo tem sempre — e máxime em tal caso — um peso eleitoral que arrasta numerosos votos. Muito e muito mais numerosos do que os minguados 1,68% de vantagem obtidos pela coligação allendista.

6) Isto, que é certo para qualquer eleição, no caso concreto é de furar os olhos. Pois Allende, em seus cinco meses de governo, desenvolveu um contínua série de intimidações violentas contra a imprensa de oposição. O mais importante diário não-marxista do Chile, "El Mercúrio", pertence à família Edwards. Allende começou por desferir uma ofensiva contra o Banco Edwards, da mesma família. O motivo alegado foi a necessidade de apurar certas irregularidades cambiais. A nomeação de um interventor para gerir o banco foi a primeira medida. Mas, logo depois, sob o pretexto de que "El Mercúrio" podia estar envolvido no caso, foram abertas duas investigações sucessivas no jornal, com grande orquestração difamatória na imprensa esquerdista. As investigações nada apuraram contra "El Mercúrio". Em seguida, o governo apresentou queixas-crime contra duas emissoras antigovernistas, a Rádio Minería e a Rádio Balmaceda.

A Rádio Minería teve de se sujeitar à pena de suspensão por 24 horas. O processo contra a Rádio Balmaceda ainda está em curso. Ao mesmo tempo, deputados comunistas visitaram várias rádios independentes, pressionando-as para que despedissem seus colaboradores antiesquerdistas, no que foram obedecidos. A editora Zig Zag, a maior do Chile, publicava grande número de revistas. Foi ela sujeita a uma greve de comunistas, que reivindicavam uma alta de salários exorbitante. À vista disto, a direção recusou o aumento. Allende nomeou então um interventor comunista, que deu ganho de causa aos operários. Diante da conseqüente insolvência da empresa, o governo a comprou... a vil preço. Esta é a liberdade no Chile de Allende. Assim, Allende mantém sob regime de terror as empresas de publicidade ainda livres. Por isso, inteiramente à vontade só atuaram, na última eleição, os órgãos de publicidade governamentais. — A isto, pode-se chamar de embate livre e sério? E se não o foi, como atribuir significado ideológico sério ao resultado eleitoral daí oriundo?

7) Aliás, está longe de ser só este o tipo de pressão eleitoral havido no Chile. Durante estes cinco meses de governo, Allende fez descer sobre seu país as primeiras sombras do terror policial. A partir do assassínio do general Schneider, quer o presidente, quer seus sequazes têm multiplicado as denúncias de reais ou supostas conspirações. E as correlatas ameaças. Isto incute, em muita gente, um verdadeiro pânico de ser enredado em um processo criminal calunioso e de desfecho imprevisível, se falar alto e forte contra o governo.

8) O elemento empresarial, cuja legítima influência poderia ter dado às eleições um sentido bem diverso, vive sob outra forma ainda de terror. O empresariado comercial e industrial depende do crédito. E este, no Chile, está cada vez mais em mãos do Estado. Com efeito, o governo marxista moveu uma campanha de imprensa para aterrorizar os acionistas de bancos particulares, ameaçando-os com o confisco bancário. Em conseqüência, muitos acionistas começaram a vender seus títulos. O governo comprou-os então. Em seguida, sempre por meio de ameaças fiscais ou outras, o governo adquiriu as restantes ações de que precisava para se tornar majoritário. E, por esta forma, passaram para o controle estatal oito bancos. Os que ainda sobrevivem em mãos de particulares — são dezesseis — estão a mercê de uma legislação penal ambígua, que os expõe a tantas multas e sanções, que o Estado os pode, a qualquer momento, esmagar. Nestas condições, um empresário que tome atitude clara contra o governo nas eleições se expõe a ter cortado todo o seu crédito. O empresariado rural — na medida em que ainda sobrevive às rajadas de confisco agrário — vive no terror da CORA ou das "ocupações" feitas pelos pelegos do allendismo. O melhor dos quadros dirigentes da opinião antimarxista ficou, pois, paralisado. Parte até emigrou. Há quem fale em mais de cem mil refugiados chilenos só em Buenos Aires.

9) Quanto ao setor eleitoral dos empregados conservadores, sensíveis à influência de seus patrões, desorientado, privado de seus chefes naturais, claro está que perdeu assim muito de sua iniciativa e coesão política. Isto sem falar da opressão exercida sobre os trabalhadores rurais "beneficiados" pela reforma agrária, dependentes hoje do apoio do governo em tudo e para tudo a fim de fazer produzir "suas" glebas. — A que sanções se expõe o distrito rural em que os candidatos governamentais não tenham obtido votação maciça!

Tudo isto somado, aceitar como concludente o resultado de uma vitória eleitoral como esta, é cômico. Ou trágico. Tanto mais quanto — como já dissemos — esta exígua "vitória" não passa de um autêntico empate.

-- Empate sob pressão o que exprime? Igual força de ambos os lados? Ou maior força do lado que, ainda sob pressão, se igualou ao senhor da polícia, da publicidade, do crédito e dos favores?

* * *

Pretendo retomar em outra ocasião meu anterior artigo sobre propriedade individual. Por ora, preciso ainda analisar o significado da queda dos votos radicais, pedecistas e nacionais. O que espero fazer no próximo artigo.


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