Folha de S. Paulo,
29 de
março de 1970
Artiguetes
ácidos e uma carta à Cyrano
O
artigo sobre o "direito" de saber – com o qual dei conhecimento aos
leitores da atitude de importantes círculos católicos face ao novo texto
da Missa – valeu–me algumas ácidas criticas. Estas provieram
paradoxalmente, de ambientes católicos ardidamente entusiasmados pelo
ecumenismo; não compreendo como se possa ser tão ecumênico em relação
aos que estão fora da Igreja, e tão agressivo para os que estão dentro
dela, pois sempre ouvi dizer que a caridade começa em casa. É esta a
principal observação que eu teria a fazer de ditos artigos. Quanto ao
conteúdo, são tão insignificantes que provavelmente não me ocuparei mais
com eles.
Em
compensação destas rebarbativas bagatelas, recebi do leitor, sr. Carlos
Ribeiro, uma carta inteligente e douta, cujas destrezas de argumentação
lembra as espadachinadas de um Cyrano. Desejo lê-la eu mesmo ainda uma
vez, para inteira assimilação de seu conteúdo. Entretanto, presenteio
com ela, desde já meus leitores.
"Senhor prof. Plínio Corrêa de Oliveira. Vi através do "Catolicismo" de
fevereiro seu artigo publicado na "Folha de São Paulo" de 25 de janeiro
p.p. sobre o direito de saber.
“O
senhor tem razão. Nós temos o direito de saber o que se faz na Santa
Igreja com o que de mais augusto temos em nossa religião, a Missa. Temos
o direito de saber o que atinge o mais profundo de nossa fé e afeta
nossa salvação eterna. Esse direito se torna mais sagrado, diríamos,
diante do densíssimo véu de silêncio em que se envolve tudo quanto não
favoreça o progressismo. Haja visto a esplendida campanha realizada pela
TFP, com o fim de alertar o nosso povo contra os grupos proféticos e o
IDO–C. Apesar, ou melhor, justamente porque os argumentos não tinham
resposta, a bem montada máquina progressista fez descer uma cortina de
silêncio sobre a campanha.
"Como
o senhor cita o "Courrier de Rome", certamente terá lido o apêndice ao
n.o 62, "Les faux-monayeurs".
"Se
ainda não o fez, vai aqui uma pequena contribuição para atender ao
direito de saber, de nós católicos do que se passa nos bastidores da já
famosa "restauração (!) litúrgica".
"Trata-se das traduções oficiosas da Constituição "Missale Romanum", que
promulga o novo "Ordo Missae". Diz o "Courrier":
"Esta
constituição tem três partes:
"A
primeira, depois de algumas frases de elogio dado ao missal de S. Pio V,
relata, numas trinta linha, a origem do novo.
"A
segunda parte, mais longa, faz, em três páginas, a análise das inovações
introduzidas neste missal reformado.
"A
terceira é a conclusão do documento, que deveria ser normalmente, a
parte "dispositiva", declarando em termos precisos, a vontade do
legislador: o que ele ordena, o que ele proíbe, o que ele permite. E
como, além disso, Paulo VI, legisfera sobre uma matéria já existente, em
pleno vigor, aguarda–se que ele anuncie expressamente a relação que
entende colocar entre a lei nova e a antiga: abrogação, simples
derrogação, intuito etc. etc.
"É
esta terceira parte que começa pela frase litigiosa. Ei–la:
"Ad
extremum, ex iis quae hactemus de novo Missali Romano exposuimus quiddam
nunc cogere et efficere placet."
"Sublinhamos as quatro palavras importantes.
"A
tradução sincera, exata, desta frase deve ser "De tudo o que acabamos de
expor até aqui sobre o novo Missal Romano, é–nos agradável tirar agora,
para terminar, uma conclusão."
Relatamos no n.o 59-60 do "Courrier de Rome" (...) numerosas opiniões de
distintos latinistas que confirmam esta tradução, justificada, aliás,
pelo contexto anterior e posterior. Juntemos três outras opiniões
recebidas depois.
–
Do
Revmo. p. Antônio Coecis, O.F.M Conv. (Roma): "Cogere" não pode
significar obrigar, mas apenas congregar, colocar junto; aliás o
quidam, alguma coisa, não teria sentido. Semelhantemente efficere
poderá ser traduzido por: concluir, fazer, efetuar".
–
Do
Revmo. pe. André Noche: "Para terminar, há uma conclusão precisa que nos
agrada deduzir agora do que expusemos até aqui sobre o Novo Missal".
–
De um
eminente latinista americano, religioso: "Finally, from all that we have
aid thus far concerning the Roman Missal, We Would like to draw a
particular conclusion right now".
"Ora,
eis a "tradução (sic) difundida pela sala de imprensa da Santa Sé"
(reproduzida na Doc.
Cathol.
de 10.8.69 – n.o 1541, p.517, col. 1): "Pour terminer, Nous voulons
donner force de loi à tout ce que nous avons exposé plus haut sur le
noveau Missel Romain".
"A tradução italiana
é idêntica: "Infine, vogliamo dare forza di lege a quanto abbiamo finora
esposto".
"A
diferença entre o texto latino e os textos franco-italinano é berrante:
Há mais do que um lapso de inépcia, há uma deformação positiva e
voluntária".
"O "Courrier
de Rome" continua a analisar isso que eu não sei como poderia chamar.
Entre outras coisas, produz uma carta do sr. Pierre Jounel, da Comissão
para aplicar a Constituição Litúrgica, que reconhece a existência da
diferença entre o original e as traduções, e que tal divergência cria
uma dúvida sobre o alcance da obrigatoriedade da Constituição. Apenas o
sr. Jounel culpa os membros da seção das Cartas Latinas, que "malheureusemente"
(infelizmente) não sabem traduzir com fidelidade "les nuances de la
redaction première" (os matizes da primeira redação), de maneira que,
embora "non officielles", as traduções italiana e francesa reproduzem
melhor o pensamento do Papa" (!!!). O "Courier de Rome" tem razão de se
espantar e propor uma das três hipóteses: ou o Papa não leu o texto
latino; ou leu e não entendeu; ou leu, entendeu e resolveu mudar de
intenção..."
"Nós
aqui pretendemos apenas dar uma pequena contribuição ao direito de
saber.
"Nesta mesma intenção, vou comunicar–lhe um dos efeitos de meu artigo.
Aliás, foi este efeito que me despertou ainda mais a curiosidade de
conhecê–lo.
"Entre muitos beócios que enchem a terra, a justificar a palavra da
Escritura, "stultorum infinitus est numerus", um houve, ao que parece
progressista novato, que, à maneira dos moleques de rua que avançam
palavrões, sem o menor propósito, para se fazerem melhor aceitos na
grei, pretendeu triunfar brilhantemente de toda a sua argumentação, como
se o senhor tivesse atacado alguém... Eis o arrazoado de nosso
indivíduo: "Se Max Thuriam pode celebrar a Ceia do Senhor com o novo
Ordo Missae e continuar a ser protestante, que mal há nisso? Pois eu
também digo a missa com o novo Ordo e continuo católico (sic)."
"Como
o senhor vê, uma maravilha de cretinice! Então a liturgia é indiferente
a qualquer credo religioso? Com efeito, é ser cretino demais.
"Mas,
como disse, é mera contribuição ao direito de saber.
"Com
as saudações do amigo leitor, Carlos Ribeiro".
Prepare–se o sr. Carlos Ribeiro para uma possível saraivada de
invectivas no estilo das que me referi no início deste artigo.