Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Artigos na

 "Folha de S. Paulo"

Janeiro de 1979 - Almoço oferecido pela "Folha de S. Paulo" aos colaboradores de sua secção "Tendências e Debates". Vê-se o prof. Plinio Corrêa de Oliveira à esquerda do diretor do jornal, Octávio Frias

Folha de S. Paulo, 29 de março de 1970

Artiguetes ácidos e uma carta à Cyrano

O artigo sobre o "direito" de saber – com o qual dei conhecimento aos leitores da atitude de importantes círculos católicos face ao novo texto da Missa – valeu–me algumas ácidas criticas. Estas provieram paradoxalmente, de ambientes católicos ardidamente entusiasmados pelo ecumenismo; não compreendo como se possa ser tão ecumênico em relação aos que estão fora da Igreja, e tão agressivo para os que estão dentro dela, pois sempre ouvi dizer que a caridade começa em casa. É esta a principal observação que eu teria a fazer de ditos artigos. Quanto ao conteúdo, são tão insignificantes que provavelmente não me ocuparei mais com eles.

Em compensação destas rebarbativas bagatelas, recebi do leitor, sr. Carlos Ribeiro, uma carta inteligente e douta, cujas destrezas de argumentação lembra as espadachinadas de um Cyrano. Desejo lê-la eu mesmo ainda uma vez, para inteira assimilação de seu conteúdo. Entretanto, presenteio com ela, desde já meus leitores.

"Senhor prof. Plínio Corrêa de Oliveira. Vi através do "Catolicismo" de fevereiro seu artigo publicado na "Folha de São Paulo" de 25 de janeiro p.p. sobre o direito de saber.

“O senhor tem razão. Nós temos o direito de saber o que se faz na Santa Igreja com o que de mais augusto temos em nossa religião, a Missa. Temos o direito de saber o que atinge o mais profundo de nossa fé e afeta nossa salvação eterna. Esse direito se torna mais sagrado, diríamos, diante do densíssimo véu de silêncio em que se envolve tudo quanto não favoreça o progressismo. Haja visto a esplendida campanha realizada pela TFP, com o fim de alertar o nosso povo contra os grupos proféticos e o IDO–C. Apesar, ou melhor, justamente porque os argumentos não tinham resposta, a bem montada máquina progressista fez descer uma cortina de silêncio sobre a campanha.

"Como o senhor cita o "Courrier de Rome", certamente terá lido o apêndice ao n.o 62, "Les faux-monayeurs".

"Se ainda não o fez, vai aqui uma pequena contribuição para atender ao direito de saber, de nós católicos do que se passa nos bastidores da já famosa "restauração (!) litúrgica".

"Trata-se das traduções oficiosas da Constituição "Missale Romanum", que promulga o novo "Ordo Missae". Diz o "Courrier":

"Esta constituição tem três partes:

"A primeira, depois de algumas frases de elogio dado ao missal de S. Pio V, relata, numas trinta linha, a origem do novo.

"A segunda parte, mais longa, faz, em três páginas, a análise das inovações introduzidas neste missal reformado.

"A terceira é a conclusão do documento, que deveria ser normalmente, a parte "dispositiva", declarando em termos precisos, a vontade do legislador: o que ele ordena, o que ele proíbe, o que ele permite. E como, além disso, Paulo VI, legisfera sobre uma matéria já existente, em pleno vigor, aguarda–se que ele anuncie expressamente a relação que entende colocar entre a lei nova e a antiga: abrogação, simples derrogação, intuito etc. etc.

"É esta terceira parte que começa pela frase litigiosa. Ei–la:

"Ad extremum, ex iis quae hactemus de novo Missali Romano exposuimus quiddam nunc cogere et efficere placet."

"Sublinhamos as quatro palavras importantes.

"A tradução sincera, exata, desta frase deve ser "De tudo o que acabamos de expor até aqui sobre o novo Missal Romano, é–nos agradável tirar agora, para terminar, uma conclusão."

Relatamos no n.o 59-60 do "Courrier de Rome" (...) numerosas opiniões de distintos latinistas que confirmam esta tradução, justificada, aliás, pelo contexto anterior e posterior. Juntemos três outras opiniões recebidas depois.

Do Revmo. p. Antônio Coecis, O.F.M Conv. (Roma): "Cogere" não pode significar obrigar, mas apenas congregar, colocar junto; aliás o quidam, alguma coisa, não teria sentido. Semelhantemente efficere poderá ser traduzido por: concluir, fazer, efetuar".

Do Revmo. pe. André Noche: "Para terminar, há uma conclusão precisa que nos agrada deduzir agora do que expusemos até aqui sobre o Novo Missal".

De um eminente latinista americano, religioso: "Finally, from all that we have aid thus far concerning the Roman Missal, We Would like to draw a particular conclusion right now".

"Ora, eis a "tradução (sic) difundida pela sala de imprensa da Santa Sé" (reproduzida na Doc. Cathol. de 10.8.69 – n.o 1541, p.517, col. 1): "Pour terminer, Nous voulons donner force de loi à tout ce que nous avons exposé plus haut sur le noveau Missel Romain".

"A tradução italiana é idêntica: "Infine, vogliamo dare forza di lege a quanto abbiamo finora esposto".

"A diferença entre o texto latino e os textos franco-italinano é berrante: Há mais do que um lapso de inépcia, há uma deformação positiva e voluntária".

"O "Courrier de Rome" continua a analisar isso que eu não sei como poderia chamar. Entre outras coisas, produz uma carta do sr. Pierre Jounel, da Comissão para aplicar a Constituição Litúrgica, que reconhece a existência da diferença entre o original e as traduções, e que tal divergência cria uma dúvida sobre o alcance da obrigatoriedade da Constituição. Apenas o sr. Jounel culpa os membros da seção das Cartas Latinas, que "malheureusemente" (infelizmente) não sabem traduzir com fidelidade "les nuances de la redaction première" (os matizes da primeira redação), de maneira que, embora "non officielles", as traduções italiana e francesa reproduzem melhor o pensamento do Papa" (!!!). O "Courier de Rome" tem razão de se espantar e propor uma das três hipóteses: ou o Papa não leu o texto latino; ou leu e não entendeu; ou leu, entendeu e resolveu mudar de intenção..."

"Nós aqui pretendemos apenas dar uma pequena contribuição ao direito de saber.

"Nesta mesma intenção, vou comunicar–lhe um dos efeitos de meu artigo. Aliás, foi este efeito que me despertou ainda mais a curiosidade de conhecê–lo.

"Entre muitos beócios que enchem a terra, a justificar a palavra da Escritura, "stultorum infinitus est numerus", um houve, ao que parece progressista novato, que, à maneira dos moleques de rua que avançam palavrões, sem o menor propósito, para se fazerem melhor aceitos na grei, pretendeu triunfar brilhantemente de toda a sua argumentação, como se o senhor tivesse atacado alguém... Eis o arrazoado de nosso indivíduo: "Se Max Thuriam pode celebrar a Ceia do Senhor com o novo Ordo Missae e continuar a ser protestante, que mal há nisso? Pois eu também digo a missa com o novo Ordo e continuo católico (sic)."

"Como o senhor vê, uma maravilha de cretinice! Então a liturgia é indiferente a qualquer credo religioso? Com efeito, é ser cretino demais.

"Mas, como disse, é mera contribuição ao direito de saber.

"Com as saudações do amigo leitor, Carlos Ribeiro".

Prepare–se o sr. Carlos Ribeiro para uma possível saraivada de invectivas no estilo das que me referi no início deste artigo.

Cyrano de Bergerac é uma das mais célebres peça do teatro francês (composta por Edmond Rostand), inspirada em um personagem real, Savinien Cyrano de Bergerac (1619-1655). Na referida composição literária, seu protagonista é brilhante tanto pelo uso da palavra como pela esgrima. Acima, estátua de Cyrano de Bergerac, praça de la Myrpe em Bergerac (Dordogne, França).


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