Plinio Corrêa de Oliveira
Salmo "De Profundis" (129): a prece do aflito inocente, do aflito culpado nessa terra, do aflito culpado no Purgatório
"Santo do Dia", 28 de fevereiro de 1966 |
A D V E R T Ê N C I
A O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de
conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da
TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor. Se o
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre
nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial
disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da
Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como
homenagem a tão belo e constante estado de
espírito: “Católico
apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja.
Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja
conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”. As palavras "Revolução" e "Contra-Revolução", são aqui
empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em
seu livro "Revolução
e Contra-Revolução", cuja primeira edição foi publicada no Nº
100 de
"Catolicismo", em abril de 1959.
| ||||||
N.C.: Nesta conferência o Prof. Plinio iniciou o comentário dos Salmos Penitenciais, tratando dos salmos 37, 50 e 129. Para facilitar a sua leitura a matéria foi desdobrada em duas: Introdução e comentários aos Salmos 37 e 50 e comentários ao Salmo 129.
Então vamos ver o famoso “De Profundis”. É interessante que o De Profundis é apropriado pela Igreja às almas do purgatório, porque as almas do purgatório também estão nessa situação. E cantar um Réquiem e um De Profundis são coisas equivalentes e fica muito próprio, muito bonito. É o aflito nesta terra, o aflito inocente, o aflito culpado nessa terra, o aflito culpado do outro mundo, que são as almas do purgatório. Todos os salmos [penitenciais] podem ser apropriados às almas do purgatório, mas o De Profundis tem uma coisa especial. Então o texto é:
Esses dois versículos fazem um todo só. Eu creio que não se traduz bem O De Profundis pelo “do mais profundo”. Mas esse Profundis é plural, e quer dizer propriamente: “das profundidades”, umas profundidades. Quer dizer, das maiores profundidades dentre as profundidades, ou da mais negra das aflições, do mais fundo do pior dos pecados, eu clamei a ti, ó Senhor. Acontece que Deus está no mais alto dos céus, no extremo oposto do mais profundo. Depois Ele é o Santo em relação ao pecador, Ele é o extremo oposto. Então vem o medo. Ele ouvirá a minha voz? Então vem uma solução: “Senhor ouvi a minha voz”; a gente vê o receio, não é? Aí começa um primeiro pedido, que indica o círculo vicioso santo e o ato de confiança na misericórdia. Como eu sei que a minha voz não pode ser ouvida, eu começo por pedir que [se] ouça a minha voz. Ou seja, eu sou tão miserável que tenho que acabar pedindo de ser ouvido. Mas aqui é um ato de confiança, que é uma pontinha da misericórdia, sempre ao alcance de minha mão, que eu posso puxar. Eu posso pelo menos pedir de ser ouvido, uma pontinha da misericórdia está sempre ao alcance de cada um, mesmo do mais miserável, mesmo do aflito em condições inimaginavelmente perdidas, mesmo da alma do purgatório mais condenada. Destes profundos pode-se pedir alguma coisa. “Senhor ouvi a minha voz”. A primeira coisa então é isto. Ele insiste no pedido: “Estejam atentos os teus ouvidos à voz da minha súplica”. A idéia de um Deus distraído, que não quer prestar atenção, que finge que não ouve. E de um fiel, de um coitado que sabe que Deus finge que não ouve, ou como que finge que não ouve, ou nos parece não ouvir, mas no fundo ouve. Tanto é que se a gente gritar para Ele, Ele acaba ouvindo. Ou seja, que quer que nós insistamos e que insistindo com humildade [Ele nos] atenderá. No meio desta idéia de uma separação prodigiosa entre Deus e o pecador, porque existe mesmo, no meio disto existe também a idéia do fim da misericórdia que nunca se rompe. E de um ouvido que pelo menos isto ouve quando a gente diz: queira ouvir, por favor. É muito bonito este jogo de luz e sombra expresso aqui de um modo patético, indicando o pecador que conhece a malícia de seu pecado e humildemente o reconhece. E se apresenta a Deus contando o pecado que fez, “eu fiz”.
É este o publicano, a oração do publicano tem essa [característica]: bate no peito, não ousa chegar perto do altar, mas tem confiança em Deus [e] sai justificado. Enquanto o fariseu que não quer reconhecer seu pecado, chega perto e não é [com o] De Profundis que se dirige a Deus. Ele chega perto do altar e fala: eu Vos dou graças porque eu sou bom, etc., etc.. Quer dizer, a parábola do fariseu e do publicano [Lc 18:9-14] é uma ilustração do pressuposto que está nesse salmo , nesses salmos todos, mas especialmente neste aqui quanto à questão de ser ouvido por Deus. Continua. Um argumento então. Porque é interessante que tudo isto é muito bem argumentado. É oração, se a gente ousasse dizer, do estilo [do jornal] “Catolicismo”, em que tudo é [exposto] como [o são] as razões de um advogado. Ele dá uma razão. Eu compreendo que Vós não queirais me ouvir por causa das minhas iniqüidades. Aliás eu preciso dizer que acho a palavra iniqüidade uma beleza para exprimir o mal que o homem faz, pelo som da palavra, eu diria quase pelo onomatopaico da palavra, a gente diria que iniqüidade exprime “en su tinta” a malícia que o pecado teve. Então o argumento é este. Senhor, eu sei que Vós não quereis me ouvir por causa das minhas iniqüidades, mas eu tenho um argumento para Vos mover e o argumento é este: “Senhor, se examinares as iniqüidades, quem se sustentará?” Quer dizer, eu sei que Vós não agireis assim com ninguém, porque Vós não quereis a perdição de todos. E só não examinando as iniqüidades e ouvindo a todos, mas se Vós ouvis a todos, ouvi também o último que faz parte desses todos, que é um desses todos, que de fato esta colocado no mais fundo, que está..., etc., mas faz parte desses todos que Vós mesmo quereis salvar. E como Vós sois Salvador, ouvi-me a mim também. O principio é esse. Se Vós não tratais justiça por justiça, nem olho por olho, nem dente por dente para ninguém, quebrantai este ponto alem da justiça em meu favor e ouvi-me a mim também que, reconheço, sou mais miserável. Eu não sei se eu torno claro a admirável beleza de alma dessa atitude, toda a humildade que tem, reconhecendo a Deus como pai e até como mãe! E como este modo de rezar ainda tem mais realidade no Novo Testamento do que no Antigo. E na era do Reino de Maria mais do que anteriormente à era do Reino de Maria, não é verdade? Porque cada vez mais Deus vai se mostrando assim para as almas à medida que a história corre, que o tempo corre, que a Revolução corre, que a Contra-Revolução nasce, cada vez mais Deus vai se mostrando assim. É bonita a invocação duas vezes, “Senhor, Senhor”. Ao mesmo tempo chamando de Senhor, mas ao mesmo tempo este Senhor se transforma em alguma coisa que no fundo quer dizer Pai, meu Pai, meu Pai. Bom, ele continua. Mas então Tu não poderias..., ninguém se sustentaria, “porém em Ti se acha clemência e por causa da Tua lei pus em Ti, Senhor, a minha confiança”. Quer dizer: Senhor, Tu és a sede da clemência, a clemência por excelência, a clemência personificada és Tu, então a Ti eu me dirijo sabendo disto e eu ponho a minha confiança em Ti, porque Tu mesmo me mandaste confiar em toda ocasião. Há uma coisa patética aqui. Não diga que é atrevimento, porque isto que é atrevimento de fato é obediência, tua lei me mandou isto, que em todo momento eu confiasse em Ti, mandou a todos, então até a mim, até realmente a este último miserável que está no fundo. Mas ninguém escapa ao império de Tua lei, por mais fundo que esteja, inclusive eu que obedeço a Tua lei confiando em Ti, aqui eu estou. Eu acho de uma lógica tal que me parece que um advogado não poderia imaginar lances de argumentação mais bonita. Do último miserável para um Deus esplendidamente, intocavelmente perfeito, não [se] poderia imaginar uma argumentação mais bonita do que esta. Uma coisa esplendorosa. “A minha alma está confiada na Tua palavra, a minha alma esperou no Senhor”. Aqui é um pouco mais ousado. Diz não é só a Tua lei, mas é a Tua honra, palavra é palavra, Tu garantiste, eu confio na Tua palavra, não me desmintas. Tem até uma santa audácia, uma linda audácia, que é no fundo um ato de confiança na veracidade de Deus. Ele nunca nega aquilo que Ele mesmo disse. E notem o poder de síntese com que isso está expresso. Numa palavrinha está dito isso, está enunciado, tudo é pensamento. Mas não é um pensamento frio, um pensamento que a gente sente borbulhar, de fato aqui há grande alma, possante, imensa. Embora miserável levantando-se a Deus numa atitude que, no meio de todo o charco em que está, tem qualquer coisa de gigantesco. Mas é da grande alma que se faz pequena e que se humilha até o último ponto. Segue: “Desde a vigília da manhã até a noite, espere Israel no Senhor”. Quer dizer, toda a nação eleita, todos os judeus, entre os quais eu também, desde a manhã quando nos levantamos, até a noite quando adormecemos, nossa vida é um ato contínuo de esperança em Deus, Deus vai nos atender, Deus vai nos ajudar, Deus vai nos tirar da dificuldade. Esperança, confiança contínua e filial em Deus, do povo eleito e dele como membro do povo eleito. Mesmo quando o povo eleito tenha cometido esses pecados, também deve esperar em Deus. Quando a gente pensa que esse povo tem a promessa da conversão, a gente compreende o que há de profético nessas coisas todas. Depois continua: “Porque no Senhor está a misericórdia e nEle é copiosa a redenção”. Ele é misericordioso e o resgate que Ele dá é copioso. É tão copioso que chega até o fundo, chega até a mim na minha mediocridade, na minha sujeira, na minha traição, na minha sordície, na maldade que eu pus em mim, mea culpa, mea culpa, mea máxima culpa. Pois bem, até lá chega e é também para mim. Nenhuma porta está fechada para ninguém e Ele mesmo redimirá Israel de todas as suas iniqüidades. Quer dizer, eu não vou encontrar em Deus, eu não vou encontrar em mim o meio de me remir, mas é Deus que vai me resgatar, vai me tirar do monturo onde eu estou e vai me elevar de qualquer jeito e por pior que eu esteja; este é Deus. Os senhores vêem que a parte, a final, é muito profética, não? Esta redenção abundante e depois esta misericórdia. E a afirmação de que Israel vai ser redimido de todas as iniqüidades. Muito apropriadamente a Igreja conclui depois: “Glória ao Padre, ao Filho e ao Espírito Santo”. É o comentário final, natural de uma coisa tão magnífica.
|