Plinio Corrêa de Oliveira

 

HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO


1936


Colégio Universitário

anexo à Faculdade de Direito da

Universidade de São Paulo

 

 

 

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Parte XI

Civilizações itálicas anteriores a Roma

 

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é cópia ipsis litteris das apostilas para o curso de "História da Civilização". Portanto, os erros de ortografia, falta de palavras, eventuais acréscimos ou omissões são da responsabilidade de quem taquigrafou e datilografou ditas apostilas. Texto não revisto pelo Prof. Plinio.

Como os gregos, os romanos nada conheciam de preciso sobre suas origens. Certas escavações, entretanto, nos revelaram que os primitivos habitantes da Itália, que ocuparam provavelmente toda a península no período da pedra lascada e da pedra polida, eram homens que viviam em cabanas redondas ou ovais, tendo por únicos orifícios uma porta e uma fenda para deixar escapar a fumaça. Esses homens enterravam seus mortos sobre o lado esquerdo, com as pernas dobradas e o corpo pintado. Eles eram pequenos, de tez escura, e pertenciam a uma raça estabelecida em toda a bacia ocidental do Mediterrâneo, tanto na Espanha quanto na Argélia ou na Itália.

Parece que, na época histórica, seus descendentes foram os ligúrios, que habitaram o golfo de Gênova, pelo que se lhes dá o nome de ligúrios. Posteriormente foram esses povos rechaçados ou subjugados por invasores de origem indo-europeia, estreitamente aparentados com os gregos, que mil ou dois mil anos a.C. invadiram a Itália, na qual introduziram o uso do bronze e do ferro. Esses invasores se denominam italiotas.

Essas populações habitavam aldeias construídas como as cidades lacustres, mas que se fixavam sobre terra firme, e eram circundadas, em geral, por uma fossa com água e uma paliçada para defesa em caso de guerra. Os detritos eram atirados pelo espaço contido entre as pranchas, sobre o chão. Quando eles atingiam a altura das pranchas, fixavam-se sobre estas novas estacas, e era construído novo terraço habitável, de sorte que cada uma dessas aldeias comportava frequentemente um alicerce, com diversas outras aldeias cobertas pelos entulhos. Habitações como estas se multiplicaram em toda a península itálica. Nos entulhos, encontramos diversos objetos característicos dessa época, como pentes, armas etc.

Depois de algum tempo, os italiotas se dividiram em diversos grupos, entre os quais os samnitas, os umbrianos, os lucanianos etc. Esses povos, entretanto, não tinham uma civilização desenvolvida, mas eram bárbaros. Coube aos etruscos e aos gregos a tarefa de os civilizar.

Sobre a origem racial dos etruscos, nada se sabe de positivo. Deixaram-nos eles 8.000 inscrições que, até o presente momento, não foi possível decifrar. Certos motivos de decoração fazem supor que os etruscos tenham vindo à Itália procedentes da Ásia. A esse respeito, são muito significativos os leões, tigres, esfinges, etc. Também alguns detalhes de sua indumentária e de seus hábitos religiosos confirmam essa suposição. O seu tipo racial não permite qualquer conjetura. Antes, pelo contrário, constitui um verdadeiro enigma, para se saber a origem desse povo.

Os etruscos construíram, no alto das montanhas, postos fortificados, que eles circundaram de grandes muralhas, análogas às de Hycenas. Do alto destes postos fortificados, dirigiam eles as populações submetidas ao seu jugo.

Nas cidades havia duas classes: a aristocracia, de origem etrusca, e a plebe, descendente dos vencidos. Os magistrados, que eram eleitos pela aristocracia, sentavam-se em pequenos assentos sem encosto e com os pés de marfim cruzados, e andavam pelas ruas precedidos por 12 lictores, que carregavam feixes de varas dos quais emergia um machado. O assento ficou perpetuado nas tradições romanas como "assento curial", próprio aos magistrados. Os lictores e o feixe também ficaram nos costumes romanos. O feixe serve até hoje de emblema aos fascistas da Itália (fascio).

Os etruscos souberam aproveitar admiravelmente os recursos da região itálica por eles ocupada, a Etrúria. Foram hábeis agricultores, além disto industriais de valor, que fabricaram objetos de numerosas espécies. A Etrúria estabeleceu desde muito cedo relações intensas com a Magna Grécia, de que daqui a pouco falaremos. Por isto a produção artística da Etrúria era, em geral, de inspiração grega. Por falta de originalidade no trabalho artístico, e sua facilidade na indústria dos metais, os etruscos lembram os fenícios.

A religião dos etruscos era singular. Para eles, os deuses que aguardavam os homens depois da morte eram tremendos. Mantus queimava os defuntos com uma tocha, depois de terem recebido do ancião Caronte (outra figura mitológica) um rude golpe. Tuculcha, outra divindade, tinha bico de águia, orelhas de burro e cabelos que subiam para atormentar os vivos. Para apaziguá-los eram necessários sacrifícios humanos de gladiadores, que combatiam sobre a sepultura. O sangue derramado apaziguava os mares inquietos. Algumas sepulturas etruscas se conservaram até nossos dias. Nada têm que as torne interessantes sob o ponto de vista artístico. Seu aspecto lembra às vezes, ao mesmo tempo, os edifícios egípcios e os gregos. A adivinhação do futuro era muito praticada pelos etruscos.

Como se vê, Roma conservou dos etruscos os combates de gladiadores, além da paixão pelos adivinhos, augúrios e presságios, que foi também confirmada pela influência grega.

Pouco numerosos, os etruscos acabaram sendo destronados por outros povos, da situação privilegiada que haviam conquistado na Itália. Os latinos, os samnitas, os gauleses, e finalmente os romanos, fizeram cair o império etrusco. A decadência começou provavelmente no ano 500 a.C.

Como as cidades gregas, as cidades etruscas nunca constituíram um grande império unificado. Tinham certos laços de aliança entre si, mas eram inteiramente autônomas. Foi essa, talvez, uma das causas do desabamento do poderio etrusco, ao qual Roma desferiu mais tarde o último golpe.

A Magna Grécia - Além dos etruscos, tiveram sobre os romanos grande influência os gregos, estabelecidos no sul da Itália. Pelo caráter inteiramente helênico de sua civilização, foi chamada "Magna Grécia". Aí fundaram os gregos numerosas e florescentíssimas cidades, entre as quais Crotona, Síbaris, Tarento, Cumes, Nápoles e Pesto (os templos da cidade de Pesto são famosos pela sua beleza). A civilização helênica brilhou aí com todo o seu esplendor. Mais ricos do que os atenienses, os habitantes da Magna Grécia puderam até ter um luxo que os atenienses consideravam com certo desprezo, como ostentação de "nouveaux riches".

As rivalidades de cidade a cidade, tão comuns na Grécia, também existiram na Magna Grécia e lhe foram fatais, ocasionando a ruína política dessa região, aos golpes dos soldados italiotas e dos cartagineses.

Os gregos tiveram na Itália uma missão providencial. Civilizaram os italiotas, fizeram progredir a civilização entre os etruscos, e prepararam assim o advento da civilização romana.

No Latium, região da península itálica situada na planície do Tibre, italiotas e ligúrios se misturaram, formando o povo latino. Esse novo povo recebeu a influência dos habitantes da Úmbria, da Etrúria e da Magna Grécia. Pequenas povoações como LaviniumTusculumTabur e Alba se formaram no Lácio, e na região central do Lácio se constituiria futuramente Roma.

A história legendária - Os romanos nada conheciam de positivo sobre a origem de sua cidade. Por esta razão, costumavam explicá-la com lendas de caráter mitológico, completadas por antiquíssimas tradições que possivelmente contêm algum fundo de verdade.

Segundo esse conjunto de lendas, que eram de molde a lisonjear o orgulho patriótico dos romanos, e que são conhecidas como "tradição romana", os primeiros habitantes do Latium tiveram por rei Jano, filho de Apolo, que fundou uma cidade sobre o Janículo. Sendo expulso do Olimpo o deus Saturno, Jano lhe ofereceu hospitalidade no Latium, tendo o deus se fixado no monte Capitólio. Saturno ensinou a agricultura aos latinos, como testemunho de sua gratidão. Um grego, Evandro, estabeleceu-se mais tarde sobre o monte Palatino, e fez prosperar aí a civilização. Hércules tinha morto sobre o monte Aventino o bandido Caco, e construído um altar às margens do Tibre.

Roma fora, portanto, civilizada e habitada por deuses, no primeiro período de sua história. Posteriormente, aportou no Latium o famoso Enéias, ilustre guerreiro troiano que, fugitivo dos gregos, conseguiu depois de inúmeras aventuras desembarcar no litoral italiano. Bem recebido pelo rei latino, Enéias desposou a filha deste e fundou a cidade de Lavinium. Seu filho fundou a cidade de Alba, da qual os seus descendentes foram reis.

Um descendente de Enéias, o rei Nimitor, foi destronado por seu irmão Amulius, que mandou matar Sílvia, filha de Nimitor, e expor dois filhos desta, Rômulo e Remo, sobre o Tibre inundado, para que perecessem. Uma série de circunstâncias favoreceu os jovens príncipes que, em lugar de morrerem, aportaram em terra seca, foram amamentados por uma loba, e finalmente educados por um casal de camponeses. Quando atingiram a idade madura, restabeleceram no trono seu avô Nimitor, em recompensa do que receberam terras, nas quais quiseram construir a cidade de Roma. Depois de uma desavença com Remo, em que este pereceu, Rômulo se tornou rei da nova cidade, que foi imediatamente povoada por uma série de aventureiros e escravos fugitivos, convidados por Rômulo.

Mas a cidade não podia subsistir com uma população exclusivamente masculina, como era a sua. Daí o famoso episódio do rapto das sabinas, que os romanos roubaram durante um jogo público por eles celebrado com os sabinos. Este rapto foi causa de uma guerra, na qual os romanos foram quase derrotados. A intervenção das sabinas, que queriam continuar com os raptores, e que se interpuseram entre os exércitos em luta, evitou que a guerra prosseguisse e acarretasse a derrota ou extermínio dos raptores. Ambos os povos resolveram fundir-se, reinando sobre eles, em comum, os reis Rômulo (Roma) e Tácio (Sabino). Algum tempo depois Tácio morreu assassinado. Também Rômulo, enquanto passava em revista as suas tropas, desapareceu misteriosamente, e foi adorado pelos romanos como deus Quirino.

Seu sucessor foi o sabino Numa Pompílio, homem justo e piedoso, que foi ao mesmo tempo sumo sacerdote e rei. Era de constituição romana, mas se conduziu muito mais como chefe religioso do que como chefe político, e deu à aristocracia romana um grande poder. O sucessor de Numa Pompílio foi Tulo Hostílio, sob cujo reino se deu a guerra entre Roma e Alba, imortalizada pela famosa luta entre Horácios e Curiácios. A vitória dos romanos sobre os habitantes de Alba conferiu àqueles a supremacia sobre todo o Latium.

Tulo Hostílio era romano. A ele sucedeu Anco Márcio, sabino pacífico que criou um porto em Óstia e fortificou a cidade. Foi também ele que construiu a ponte chamada Sablicius.

A Anco Márcio sucedeu Tarquínio, o velho, que parece ter sido filho de um grego e preceptor do filho de Anco Márcio. Tendo destronado seu aluno, Tarquínio passou a reinar sobre Roma, introduzindo a ciência dos adivinhos e os costumes e insígnias dos magistrados etruscos. Foi ele quem construiu o famoso templo de Júpiter Capitolino, um circo aos pés do Aventino e a famosa cloaca máxima, que até hoje presta serviços em Roma.

Sérvio Túlio, que talvez tenha sido genro do rei anterior, sucedeu-o no trono romano. Trabalhou ativamente na obra de edificação da cidade, e fez reformas sociais que desagradaram profundamente à aristocracia.

Substituiu-o seu genro Tarquínio o Soberbo, que reduziu os latinos à condição de súditos romanos e oprimiu a nobreza, conduzindo-se como um verdadeiro tirano grego. Tarquínio foi deposto por um motim aristocrático, que tomou por pretexto da rebelião o suicídio da famosa Lucrécia, que preferiu pôr termo à existência a ceder às instâncias de seu primo, o filho de Tarquínio. A deposição de Tarquínio assinala o fim da monarquia.

Crítica da tradição - Embora tenha algum fundo de verdade, foi desfigurada pela imaginação popular, não sendo possível dizer-se com certeza, dentre os fatos por ela narrados, quais os verdadeiros e quais os falsos. Esta tradição tem certo interesse histórico, porque deixa entrever claramente as lutas dos reis e da plebe contra a aristocracia na Roma nascente.

A Itália primitiva

Civilizações anteriores a Roma - Sobre os primitivos habitantes da Itália, que povoaram a península anteriormente à fundação de Roma, há versões contraditórias. O sul da Itália era povoado por gregos, que fundaram ali cidades florescentes dotadas de um alto grau de civilização, e nas quais o povo e a cultura da Grécia predominavam de modo tão exclusivo, que a essa região se deu o nome de Magna Grécia.

Um povo que também teve importância apreciável na Itália pré-romana foi o etrusco. Há um mistério completo sobre a origem desse povo. O tipo racial apresenta elementos característicos de muitos povos bem diversos. Os olhos em forma de amêndoas, e a sua estatura, fazem pensar no Extremo Oriente. Entretanto, a cor bronzeada leva a supor outra origem.

As instituições políticas e os hábitos da vida social da Etrúria exerceram sobre a Roma nascente uma forte influência. Parece ter sido de lá que os romanos copiaram a organização do Senado, isto é, do organismo mais importante da vida política romana.

Certas insígnias do poder provêm de lá. O uso dos feixes encimado por um machado, carregados por soldados, que precediam nas ruas os altos dignitários do Estado, bem como o uso dos bancos curris, também parece importado dos etruscos.

Além dessas populações havia os ligúrios, semitas etc.

Roma e a história legendária - De acordo com antigas lendas, Roma teria sido fundada por Rômulo e Remo, que foram amamentados por uma loba. Em seguida ter-se-ia estabelecido uma monarquia aristocrática, que terminou com a proclamação da república. É evidente que a lenda de Rômulo e Remo, se bem que provavelmente contenha um fundo de verdade, foi adaptada de modo a lisonjear o patriotismo romano.

Evolução - A história da civilização romana apresenta duas fases nitidamente diferenciadas:

1 - Na primeira, os romanos constituíam um povo pobre e rústico, notável pela pureza de seus costumes, pela rigidez quase espartana de suas virtudes cívicas, e por suas qualidades militares. À medida que o âmbito das conquistas foi sendo alargado, Roma se enriqueceu, e ao mesmo tempo começou a desenvolver dentro de si mesma uma vida cultural, artística e social, que dentro em pouco tempo transformou a cidade de Rômulo e entrou na segunda fase.

2 - A segunda fase se caracterizou pela absorção da cultura grega pelos romanos, bem como pela cosmopolitização de Roma.

Primeira fase - Quando Roma era apenas um pequeno município que procurava vencer obstáculos aparentemente intransponíveis, para submeter a seu jugo as aldeolas vizinhas, a civilização em Roma era tudo quanto se possa imaginar de mais incipiente.

A cidade ainda pequena compunha-se de ruas traçadas ao acaso, e que não forneciam beleza alguma sob o ponto de vista urbanístico. As casas sem beleza e sem luxo se prestavam exclusivamente como ambiente para uma vida familiar muito modesta. As festas eram de uma simplicidade que deveria encher de desdém as populações cultas e ricas da Magna Grécia. Os espíritos, pouco cultivados, se interessavam apenas pelos problemas de caráter econômico ou militar.

É certo que a política empolgava os espíritos em Roma, como acontecia naquele tempo a todos os municípios mais ou menos importantes, bem como às mais insignificantes populações da Grécia e da Itália. Tal fato, entretanto, se deve exclusivamente à furiosa luta de classes que por toda parte opunha a aristocracia à plebe. Para que Roma passasse dessa situação inicial para o fastígio do poder e da glória a que atingiu, foi necessária uma longa série de progressos graduais.

Ainda sob Augusto, isto é, depois das grandes conquistas da república, Roma tinha conservado seu aspecto primitivo, a tal ponto que Augusto, que a transformou, se pode gabar de ter encontrado uma cidade de tijolos e tê-la substituído por uma cidade de mármore.

Na sua primeira fase, Roma não se distinguia sob o ponto de vista cultural e econômico. Entretanto, sua futura grandeza estava em germe na virtude de seus filhos.

A vida de família era de uma pureza modelar, e se caracterizava não apenas pelo recato das esposas, mas também pela austeridade dos homens. A educação dos filhos mantinha neles, de modo vigoroso, uma moral muito pura, e famílias tão bem organizadas dotavam forçosamente o Estado de cidadãos modelares, capazes de se transformar, em tempo de guerra, em verdadeiros heróis.

Segunda fase - Na segunda fase, Roma começa a se enriquecer. O âmbito de suas conquistas não se confina mais a pequenas cidades circunvizinhas, mas se estende sobre regiões cada vez mais ricas e mais distantes, cujas riquezas afluem para Roma sob a forma de espólios de guerra, de um valor superior a tudo quanto se possa imaginar.

Além disso, Roma se enriquece com os impostos, cobrados com uma rapacidade única, e de modo arbitrário, sempre que as arcas do tesouro romano ameaçam esgotar-se. Finalmente os escravos, obtidos por meio de guerras ou do tráfico, cresceu tanto em número que, em determinado momento, se pagava menos por um escravo do que por um rouxinol.

A causa do sucesso político de Roma consistia nas virtudes domésticas e militares de seus filhos, e também na situação precária em que se encontravam todos os povos do Oriente. O mundo de então sentia-se velho e gasto, e essa sensação culminou no tempo de Augusto, época na qual os cronistas nos revelam que todo o mundo antigo esperava um salvador que curasse a humanidade, reerguendo-a da situação em que se encontrava. As grandes monarquias pareciam atingidas por uma corrupção íntima que, conservando uma aparência de pujança, minava toda a estrutura política e social.

Assim é que as colônias dos grandes impérios eram impotentes para sacudir o jugo, mas as monarquias que as oprimiam jamais poderiam fazer face a um levante bem organizado. Uma geral preocupação de gozar a vida tornava todos os reis, príncipes, generais, governadores e homens do povo indiferentes a seus deveres e aos atrativos da glória, e voltavam todas as atenções para a fruição imediata do prazer. A vitória de Roma sobre o Oriente e a Grécia foi em grande parte o triunfo de um povo forte, puro e moço, sobre o mundo corrupto.

Essa vitória assinalou, entretanto, o advento de uma nova ordem de coisas em Roma. O contato com as monarquias fantasiosas do Oriente, e sobretudo com a Grécia, deu a Roma o gosto pelo luxo, e esse gosto determinou uma inteira transformação da cidade. Palácios suntuosos, grandes praças e monumentos de valor apareceram por toda parte. A crescente influência da cultura grega, trazida pelos escravos provenientes da Grécia, e que eram não raras vezes homens de grande cultura e valor, fez com que, quer sob o aspecto material da cidade, quer sob o modo de pensar e de sentir de seus habitantes, se helenizassem rapidamente.

Ao mesmo tempo a cidade se cosmopolitizou pela importação de escravos provenientes do mundo inteiro, pelo contínuo afluxo de viajantes ilustres e pela importação de preciosidades e riquezas de toda parte.

Simultaneamente uma transformação moral profunda se operava. Segundo a frase de um romano ilustre, o Oriente se vingou de Roma, injetando nela os seus vícios. O culto das divindades imorais da Grécia e do Oriente se alastrou irreprimivelmente em Roma. O luxo perverteu os costumes, e ao cabo de algum tempo Roma foi apenas um imenso lupanar. A partir desse momento Roma se deixou dominar livremente pelos germes de corrupção que causaram sua ruína final. O espírito romano, no que ele tinha de mais nobre, se transformou inteiramente. As virtudes domésticas foram substituídas pelo amor livre, as virtudes cívicas desapareceram.

A Roma imperial conservava os tribunos, cônsules e senadores de uma república. Mas como a chave de todos os favores estava nas mãos do imperador, os dignitários das altas funções públicas não passavam de meros instrumentos do despotismo imperial. Na realidade, o imperador era a fonte de todo o poder, e como as pessoas de sua intimidade exerciam uma inevitável influência sobre ele, em última análise os destinos do mundo estavam na dependência das favoritas, dos bobos de corte e dos escravos libertos, que constituíam a companhia habitual de muitos imperadores.

Prejudicado e eliminado o patriotismo, o romano não poderia continuar bom soldado. Daí a decadência do exército romano, que começou por se desnacionalizar. Os romanos contraíram um verdadeiro horror à vida militar, e começaram a encher seu exército de estrangeiros, escravos (prisioneiros de guerra ou descendentes dos mesmos) e gladiadores (muito frequentemente, escravos ou filhos). Dentro de algum tempo o elemento estrangeiro tinha galgado todos os graus da hierarquia.

Com o hábito contraído pelo exército, de pôr em leilão o trono imperial, eram praticamente os estrangeiros que dispunham da púrpura. E esta, por sua vez, conferida frequentemente a estrangeiros antes de desaparecer o império romano, começou por deixar de ser romana.

Direito Romano - Já vimos duas das características da civilização romana: o seu aspecto cosmopolita, que fez dela a síntese harmoniosa de todas as civilizações até então existentes; e o seu cunho helênico, que levou um escritor a afirmar que a civilização romana foi a realização perfeita de tudo aquilo que, na ordem política, econômica e social, o gênio grego soube conceber, porém não soube realizar. Vejamos a terceira, que foi o senso jurídico dos romanos.

O direito romano, que é a produção mais nobre de toda a cultura de Roma, se impôs à admiração dos séculos e é estudado por todos os povos, porque não reflete apenas os interesses políticos e sociais de um determinado povo em determinada época, mas é sobretudo a expressão dos direitos e deveres conferidos aos homens pela natureza e pela razão, antes mesmo de qualquer legislação do Estado.

A natureza humana é invariável em todos os povos e em todos os lugares, bem como em todos os tempos. Por esta razão, há princípios universais de moral e de direito que devem reger, sempre e por toda parte, as sociedades humanas. Daí o fato, de fácil verificação, de que as leis de todos os povos civilizados apresentam traços fundamentais comuns, em todos os tempos e em todos os lugares. O direito romano teve o mérito incomparável de compreender e definir de modo imperecível esses direitos. Daí o fato de ser chamado "a razão escrita". Daí também o interesse apresentado pelo direito romano aos estudiosos, ainda em nossos dias.

A essa qualidade primordial, aliavam os romanos outros predicados que concorreram para dar ao seu direito um valor considerável. Uma grande precisão no pensar e no escrever, uma prodigiosa habilidade em interpretar os textos, e sobretudo um rigor lógico realmente maravilhoso na aplicação dos princípios gerais aos casos particulares, foram as características da mentalidade jurídica dos romanos.

Lei das Doze Tábuas - O mais antigo documento escrito da legislação romana foi a Lei das Doze Tábuas, confeccionada quando a luta das classes começava a atingir sua fase aguda. Até então as leis romanas haviam sido transmitidas oralmente de geração em geração. Os nobres eram os únicos conhecedores do texto da lei, o que lhes conferia evidente superioridade sobre os plebeus. Estes impuseram então a confecção de uma lei escrita. Roma designou pessoas incumbidas de estudar a legislação dos mais eminentes povos da época. Do fruto desses estudos proveio a Lei das Doze Tábuas, que constituiu assim um triunfo moral para os plebeus da época.

Evolução do Direito Romano - A evolução do direito romano consistiu no abrandamento do rigor com que as primitivas concepções jurídicas se encontravam estabelecidas no direito romano antigo. Em virtude de uma série de conceitos de caráter religioso ou jurídico, o direito romano primitivo era extremamente rigoroso para com certas categorias de pessoas. Protegia os nacionais contra os estrangeiros, a ponto de considerar esses últimos como excluídos da proteção benéfica do direito quiritário.

Daí a formação de duas classes sociais inteiramente distintas: 1) os patrícios, que eram aqueles em cujas veias corria sangue romano; 2) os plebeus estrangeiros e descendentes de estrangeiros, que tinham apenas certos direitos concedidos pela natureza, e não pelas leis romanas, como o direito à vida e à liberdade.

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