Plinio Corrêa de Oliveira
HISTÓRIA DA CIVILIZAÇÃO
anexo à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo
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Parte III Civilização egípcia
A D V E R T Ê N C I A O presente texto é cópia ipsis litteris das apostilas para o curso de "História da Civilização". Portanto, os erros de ortografia, falta de palavras, eventuais acréscimos ou omissões são da responsabilidade de quem taquigrafou e datilografou ditas apostilas. Texto não revisto pelo Prof. Plinio. |
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Já vimos a diferença que existe entre sociologia e História. Agora vamos passar ao estudo das civilizações orientais. Evidentemente eu deixarei em silêncio, por causa da brevidade com que sou obrigado a expor este assunto, toda a parte que é comumente mencionada nos compêndios de História da Civilização. Vamos ver então a mais antiga, que é a do Egito. Não vou falar sobre tudo o que está contido nos compêndios de História Universal a respeito deste assunto, porquanto os senhores já foram examinados no vestibular sobre isso tudo. Os senhores sabem o isolamento do povo egípcio, com relação aos outros povos da antiguidade, o que lhe proporcionou vantagens de diversas espécies. Por um lado, é ligado à Ásia pelo istmo de Suez, e dela separada pelo Mar Vermelho; tem ao norte o Mediterrâneo; por outro lado tem o deserto, onde havia poucas probabilidades de ataques por povos invasores. Nas terras do sul habitava um povo misterioso e pacífico: os etíopes. Todas estas circunstâncias proporcionaram ao povo egípcio uma relativa calma, e foi em paz que esse povo construiu a sua grandeza, não por meio de guerras de conquista, mas por pacíficas vitórias do trabalho e da inteligência. O povo foi civilizado pelos seus próprios recursos. Foi um grande império, que soube tirar de si mesmo tudo quanto podia dar. Não foram conquistadores, os egípcios, mas defenderam as suas riquezas. Com relação aos estudos científicos, foi um dos países mais cultos da antiguidade, a ponto de um historiador dizer que o Egito foi a "escola superior da antiguidade, onde os outros povos iam estudar". Assemelhava-se a um facho luminoso para os gregos. É muito curioso o seguinte: o povo egípcio é de história antiquíssima; por mais que nos aprofundemos na sua história, difícil nos será avaliar o seu valor, e por mais que nos aprofundemos nas suas origens, encontramo-lo sempre num alto grau de civilização. Havia no Egito dois elementos raciais distintos: 1) parece que, antes de ser invadido pelo povo que fez a sua grandeza, era habitado por uma raça de tez escura; 2) esta raça foi derrotada pelos invasores brancos. Essas duas raças misturaram-se, vindo daí a cor da raça que habitava o Egito, cor essa que ia ficando mais clara nas mais altas camadas da sociedade, a tal ponto que as principais personalidades do império eram quase brancas, sendo apenas tostadas pelo sol. O Egito devia a sua prosperidade à fertilidade das terras banhadas pelo Nilo, que transformava terras arenosas em terras fertilíssimas. Uma frase dos antigos egípcios sintetiza bem tal fato: "O Egito apresentava durante o ano três aspectos. Primeiramente era um pouco de areia; depois tornava-se um mar de água; e finalmente transformava-se num mar de flores". Isto se explica facilmente. Era um mar de areia nas secas, antes da enchente do Nilo; um mar de água durante a cheia do mesmo rio; e um mar de flores após a descida das águas desse rio, isto é, quando o Egito se enche de flores devido à fertilidade da terra, flores estas que se transformavam posteriormente em frutos. Os principais aspectos que devemos estudar na civilização egípcia são os seguintes: 1) cultura e religião; 2) organização política, econômica e social; 3) arquitetura e artes em geral. Religião Os homens, principalmente os primitivos, criam religiões e erguem ídolos para os adorar. Entre os egípcios este fenômeno atingiu grandes proporções. O egípcio é essencialmente supersticioso, e isto justifica a sua religião, que sempre foi a maior preocupação nacional. De fato, sendo extraordinariamente supersticiosos, os egípcios tomavam como manifestações de divindades ocultas todos os fenômenos que não compreendiam; daí o pânico que em geral se encontra em muitas passagens da história egípcia. Eis a razão dos muitos deuses. Características da religião egípcia - A característica principal é ser branda, sem os sacrifícios humanos que se notam nas demais. Fala-se que as pessoas ruivas, por terem a cor de "Seth", eram atiradas à fogueira, porém tal fato é assunto discutido, e na religião do meio e novo Egito desapareceu completamente. Preocupa-se a religião egípcia com a moral de seu povo, encontrando-se inúmeras provas, como por exemplo "O Livro dos Mortos". Cultos - Pode-se distinguir logo, entre os cultos praticados no Egito, o culto dos iniciados e o culto popular. O culto dos iniciados era praticado pelos sacerdotes e pessoas com nível intelectual melhor, e formava uma religião cuja filosofia está muito acima do rol comum. O culto dos populares, praticado pela população em geral, marcava uma série de cerimônias e atos cuja realização parece não encontrar outra explicação senão mostrar o espírito religioso e satisfazer as superstições do povo. Nos cultos populares podemos distinguir: cultos locais e cultos nacionais. Cultos locais - As cidades egípcias foram mais ou menos separadas, daí muitas possuírem cultos próprios. Por exemplo, o de Mênfis era o boi Ápis, assim como as célebres tríades de muitas cidades (Osíris, Ísis e Horo, a tríade mais importante). Às vezes, porém, uma cidade dominava o Egito, fazendo com que seus deuses fossem respeitados em todo o país, transformando-os em deuses nacionais. Muitos deles tomaram tais variedades de aspectos, e transformaram tanto os seus nomes, que poderiam hoje ser tidos como divindades diferentes. Cultos nacionais - Osíris era o deus nacional, mas aparece com uma série enorme de nomes: Ámon, Mã, Ftás, são todos o mesmo Osíris. Dos deuses nacionais, os mais conhecidos eram Osíris e os companheiros de sua tríade: Horo e Ísis. Osíris representava no culto popular o sol poente, Horo o sol nascente, e Ísis a lua. Relacionado com estas tríades, havia o mito de Osíris. Segundo a explicação popular, Osíris era o pai de todos, e fora morto pelo deus Set, seu irmão. Set, deus do deserto e das trevas, teria então reduzido Osíris a pedaços, atirando-os ao Nilo. Ísis procurou no rio os pedaços do marido, reuniu-os e os tornou novo deus: é Horo que surge. A lenda procurava assim explicar o dia e a noite. No culto popular aparecem as mais extravagantes divinizações. Adoram-se animais, como o boi em Mênfis; o gato era tido como sagrado; também era praticado o culto aos crocodilos, sendo célebre a adoração de Lebok; ainda eram adorados escorpiões, gaviões, gansos, escaravelhos e íbis. Modernamente, porém, tem-se a impressão de que o culto não era dirigido diretamente aos animais, sendo eles simples manifestações dos deuses. Culto dos iniciados - Durante muito tempo foi pouco estudado e conhecido o culto dos animais. Ele aparece hoje como uma nova manifestação da cultura egípcia. Se bem que ainda bastante rudimentares para a época, as concepções que aí aparecem são notáveis. Admitia-se um ser supremo, responsável pela criação e transformação da matéria. Era ele Osíris, que incluía em si o princípio da transformação da matéria, o espírito, o espaço e o tempo; tudo isto se reunia, formando então o ser supremo. Sendo uma concepção abstrata, não era compreendida pelas classes inferiores. Culto aos mortos - Encontra-se entre eles um culto especial, dedicado aos mortos. Admitiam a metempsicose, isto é, a passagem da alma e sua volta aos corpos. Aceitavam a existência de uma parte espiritual nos homens, além do corpo, o kã, que não desaparecia com o corpo. Permanecia junto dele enquanto o corpo vivia, e às vezes até por muito tempo após a morte, retirando-se depois, indo submeter-se ao julgamento de Osíris, mas voltaria um dia ao corpo abandonado. Daí a necessidade de conservar o corpo, isto é, a mumificação. O kã tinha necessidade de alimentos, e por isso eram colocados nos túmulos alimentos e bebidas. Ninguém podia se furtar ao julgamento de Osíris. Afirmam que até mesmo o faraó se submetia, porém sabe-se que só se submetiam os faraós usurpadores do poder. A alma tinha que se submeter ao julgamento. Para que não esquecesse nada de sua vida, era colocado no túmulo um livro com o nome de "Livro dos Mortos", no qual estava tudo que se devia dizer a Osíris. Como testemunho do que falava a alma, poderia invocar o coração, que não podia mentir. Essa crença dos mortos é preciosa, como fonte de estudos da moral egípcia. O que há de mais importante é o trabalho realizado no morto para a conservação do corpo. Para isto submetiam os cadáveres a uma série de operações. Chegavam mesmo a colocar junto do corpo imagens do morto, que pareciam ser colocadas para que, no caso de se estragar a múmia, serem utilizadas pelo Kã. Os antigos egípcios eram os mais religiosos dos homens da antiguidade. Um escritor disse que no Egito tudo era deus, menos o próprio Deus, porquanto adoravam tudo. Tinham poucos animais, mas todos eram adorados. As serpentes eram consideradas pelos egípcios como emblemas da dignidade real. Eram sagradas, e pode-se avaliar quanto eram consideradas pelos egípcios, pela maneira como eram tratadas. Quando aprisionadas, arrancavam-se-lhes os dentes, por serem venenosas, mas eram então tratadas com grande carinho. Forneciam-lhes bolos para a alimentação, e chegavam ao ponto de tocar música para que elas ouvissem. Além das serpentes, era também venerada a ave pernalta íbis, como os senhores já devem saber. Os crocodilos eram mantidos em lagos cercados de mármore, havendo homens para guardá-los. Os peregrinos, quando passavam por um viveiro desses animais, paravam para adorá-los. Todos os outros animais eram sagrados para os antigos egípcios, como os cães, os gatos, o celebérrimo boi-ápis etc. O povo egípcio tinha uma forma muito interessante na aquisição de alimentos para o animal escolhido. Conforme a situação mais ou menos difícil em que o crente se encontrava, era maior ou menor a quantidade de cabelos raspados. Esse gênero de crença, segundo certos historiadores, parece ser devido à influência dos primeiros habitantes do país, que eram de raça negra e foram até às mais elevadas classes sociais. O mesmo fato deu-se aqui no Brasil, com o fetichismo dos negros escravos trazidos da África, fetichismo esse que foi da senzala até a casa grande dos senhores das fazendas, isto é, subiu das classes baixas para as mais elevadas. Ao lado das crenças que expusemos, havia ainda um culto alto, mantido pelos sacerdotes. Os sacerdotes do antigo Egito eram ciosos dos seus conhecimentos, e o seu alto culto, a que já me referi, era por eles mantido em sigilo. Mormente os sacerdotes de Heliópolis, que chegaram a duvidar da veracidade do culto popular, e conceberam até a ideia de um único deus. Deus era para eles uma força suprema, da qual teriam saído todas as coisas existentes. As almas dos indivíduos se reencarnavam sucessivamente sob a forma de animais ou homens, até voltarem para o deus, ou melhor, até formarem parte integrante de deus. Todas as coisas ter-se-iam originado dum sopro divino, e é por isso que os egípcios penduravam simbolicamente um ovo nas portas dos seus templos. O homem, segundo tal crença, precisava expiar um delito cometido nos primórdios da humanidade. Após a morte, o homem devia passar por dois juízos: o juízo terrestre e o juízo divino. O juízo terrestre era muito interessante, e se processava da seguinte maneira: quando morria uma pessoa de certa posição social, seu corpo devia atravessar o rio Nilo num barco funerário todo especial, e era então recebido do outro lado do rio por personagens importantes dispostas em semi-círculo. Estes personagens ouviam as queixas contra o morto, de todos aqueles que as tinham, mas que deviam ser provadas. Se nesse julgamento eles chegavam à conclusão de que o morto tinha sido uma boa pessoa, davam sepultura ao corpo; do contrário, não o sepultavam. Este juízo era a tal ponto imparcial, que certa vez até a um faraó foi negada a sepultura. Por outro lado, uma cerimônia dessa espécie gravava-se profundamente no espírito do público, sendo assim muito educativa, porquanto dava aos povos uma noção bem exata da moral, a qual era muito cultivada entre o povo egípcio. Há um famoso documento egípcio, o papiro de Turini, que contém 42 preceitos a respeito da moral. A moral do povo egípcio diferia muito da moral dos outros povos da antiguidade. Ela recomendava a benignidade, a prática do amor ao próximo. Benignidade, brandura, respeito do filho ao pai, da mulher ao marido e vice-versa, do inferior ao superior etc., eram as características da moral egípcia. Isto não se dava com os outros povos contemporâneos dos egípcios, como por exemplo os assírios e babilônios, cujos reis julgavam que deviam granjear tão somente a fama de guerreiros e perversos, e que tinham por lema "dente por dente, olho por olho". Pode-se ver ainda, nas inscrições das ruínas de Nínive e Babilônia, qual era a característica do povo, ou melhor, da raça que habitou essas cidades. Nessas inscrições, vê-se que os reis assírios e babilônios ufanavam-se das suas crueldades e da sua depravação. Classes sociais As classes sociais no Egito eram três: 1) a classe sacerdotal; 2) a guerreira ou aristocrática; 3) a classe popular. Havia ainda uma classe, ou melhor, um outro grupo que não era considerado como classe social, e que era constituído pelos escravos. Classe Sacerdotal - Esta classe era hereditária, isto é, o filho de sacerdote tornava-se também sacerdote, e assim por diante. Possuía esta classe 1/3 do solo egípcio, e era dona de imensos bens. Gozava de recursos políticos e exercia o poder legislativo. Os sacerdotes eram ouvidos pelo faraó, o qual podia ser examinado por eles antes de ascender ao trono; tinham ainda o direito de proibi-lo de exercer as suas reais funções, caso não o julgassem competente para fazê-lo. Exerciam ainda o poder judiciário de segunda instância. Classes guerreiras ou aristocráticas - Esta classe, como a primeira, possuía 1/3 do território egípcio, o qual era dividido entre os componentes desta como feudos. O guerreiro, no seu feudo, tinha autoridade política, direito de cunhar moeda, e era chefe militar. A organização feudal egípcia era parecida com a que a Inglaterra teve posteriormente, isto é, era feita de maneira a nunca os guerreiros serem mais poderosos do que o faraó. Ainda assim, o poder deste era de certo modo limitado, porque, necessitando de forças militares, era obrigado, caso não desejasse contar com o apoio dos guerreiros, a pagar forças mercenárias, fato este que sempre provocava grande descontentamento entre a classe aristocrática. Classe popular - A terceira classe era formada por elementos de raça escura, e que eram livres, isto é, podiam ter casa, mudar de emprego, casar-se, etc. Contudo, não podiam ter propriedade, porquanto um terço era do faraó, outro dos sacerdotes e outro dos guerreiros; e tinham o seu serviço muito mal pago, viviam miseravelmente, eram-lhes confiados os trabalhos mais humildes, os últimos afazeres. Para que os senhores tenham uma ideia de como era tratada essa classe, basta dizer que, quando um egípcio de certa condição tocava num porco, ficava na obrigação de banhar-se no Nilo, mesmo que tivesse tocado neste animal com a ponta do manto, porquanto acreditavam que o contato com o porco dava impureza, não material, mas essencial, porque atingia o homem na sua alma, impureza essa que podia ser removida só com o banho no rio Nilo. Pois bem, os homens que deviam tratar com os porcos eram recrutados entre os elementos da classe popular. Havia ainda um grupo que não era considerado classe social. Era constituído pelos escravos, que viviam em situação pior que a dos animais. Não usufruíam nenhum direito, não tinham direito nem à própria vida. Quando um indivíduo estava na condição de escravo, podia ser morto, mesmo não havendo razão para tal, por um simples capricho do seu dono. Podiam ser maltratados à vontade pelo senhor, ser separados da família, e eram votados aos trabalhos mais penosos. É um tanto difícil compreender-se como o Egito, um país tão civilizado, pudesse chegar a tal ponto. É verdade que a existência da escravidão é peculiar a todas as sociedades antigas, mesmo na China. Esse regime degradante, da sujeição absoluta e absurda de um homem a outro, só foi expulso do mundo com o advento do Cristianismo. Foi com Nosso Senhor Jesus Cristo que nasceu a noção de que todos os homens são iguais perante o Altíssimo, tornando-se então a vida relativamente boa para todos os homens. Só então apareceu a ideia da distribuição das condições de vida, a fim de que todos os homens pudessem viver com dignidade. Antes do advento do Cristianismo, uns viviam com gozos materiais muito grandes, e outros eram completamente espezinhados pela prepotência dos primeiros, numa desigualdade chocante. O faraó no antigo Egito Já sabemos que o faraó era, no antigo Egito, o chefe do país. Ele era respeitado como um deus, porquanto supunham que ele tinha ascendência divina. É conhecida uma inscrição hieroglífica, em que um sacerdote se vangloria de haver calçado a sandália de um faraó. Eu li uma carta de um agente comercial de certo faraó, na qual ele se confessa indigno de beijar os pés do faraó. O faraó exercia o poder executivo e o poder judiciário de primeira instância. Os sacerdotes exerciam o de segunda instância, vendo-se por aí que realmente os sacerdotes estavam acima do faraó. Cumpre estabelecer-se bem a diferença entre os poderes executivo, legislativo e judiciário: o poder legislativo é aquele que concerne à criação de leis; o executivo refere-se à execução dessas leis; e o judiciário trata das dúvidas que podem advir quanto à execução das leis. Por exemplo: o 1º poder cria uma lei para evitar o roubo; o 2º poder faz com que esta lei seja posta em prática, isto é, executa-a, porque não basta criar uma lei; o 3º poder concerne a um caso como o seguinte: dois indivíduos brigam por causa de uma propriedade. Como resolver isto? É necessário haver então um tribunal, para verificar qual é realmente o dono da propriedade. Assim, o 1º poder estava com os sacerdotes; o 2º e o 3º com o rei, e nos feudos com a nobreza; e o judiciário de 2ª instância, ainda com os sacerdotes. Cultura Há coisas no Egito que são singularíssimas, e mostram que a cultura foi muito maior do que podemos imaginar examinando, por exemplo, os monumentos do Egito. Os sacerdotes eram ciosos da sua cultura, e conservaram-na escondida, revelando apenas uma parte dela aos estrangeiros. Podemos ler, no livro de Moreau, algo sobre a ciência misteriosa dos faraós. Nesse livro se estuda o seguinte problema: seriam as pirâmides destinadas a servir como monumentos funerários? Se daqui a 500 anos um arqueólogo encontrar na Europa os escombros de uma das catedrais do centro desse continente, verá nessas ruínas os túmulos dos bispos, príncipes etc., como aqui mesmo nós temos na catedral os restos de Tibiriçá. Poderá então o arqueólogo concluir que esses templos foram construídos para servir de túmulos, quando nós bem sabemos que a primeira função de tais templos é o culto. Moreau quer dizer que as pirâmides tinham como função secundária a de monumentos funerários, e como função principal a de servirem de reservatório à ciência. Tomemos por exemplo a grande pirâmide. Ela fica situada num lugar tal, que uma linha partida do seu vértice divide o delta do Nilo em 2 partes iguais. O delta do Nilo tomou esse nome por causa da letra do alfabeto grego, à qual se assemelha. Pode ser comparada a um triângulo irregular. A linha da grande pirâmide fica no vértice desse triângulo. Os cientistas que estudaram a colocação da grande pirâmide verificaram que ela está situada no maior meridiano terrestre do mundo, que atravessa a maior extensão de terras e a menor extensão de mares. Ela divide também as partes habitáveis do globo em 2 partes iguais, o que vem a ser uma situação geográfica única. Estas verificações tornaram-se mais estranhas ainda quando eles localizaram a colocação das portas da grande pirâmide. Os cientistas verificaram, com espanto, que a porta de entrada da grande pirâmide fica situada no ponto em que incidia, na época, o raio polar, no nascimento da estrela polar. Foi possível ver então qual era o ponto em que aparecia a estrela polar, no tempo em que construíram a grande pirâmide. O raio desta estrela apontava na porta da grande pirâmide. Há ainda uma multidão de conhecimentos que atestam serem as pirâmides verdadeiros repositórios de ciência. Além destas, houve ainda diversas outras descobertas científicas referentes às pirâmides, mas que eu não lhes darei por serem muito prolixas, e de caráter excessivamente técnico. O certo é que o estudo das pirâmides revelou que esses monumentos possuem um significado altamente científico, o que, portanto, nos leva a crer que elas não foram construídas ao acaso, mas têm um sentido profundo. Para que os senhores possam ter uma ideia acerca de tais monumentos, vou dizer o que narra um historiador, sobre cemitérios do antigo Egito. Depois de realizado o juízo do morto, o cadáver era conduzido para uma grande necrópole, cujas cavidades são enormes. Uma delas tinha uma base de 20.000 pés quadrados de superfície. O labirinto, nas vizinhanças do lago Méris, era o sepulcro de famílias e de povos inteiros. Esse labirinto era um recinto enorme, e compunha-se de imensos corredores, dispostos de modo a desnortear os estranhos que por eles se aventurassem. É curioso observar que pode-se notar no solo do labirinto a reprodução da disposição das estrelas celestes. Os monumentos egípcios são geralmente, nas suas paredes internas, pintados a fresco, representando estas pinturas o juízo dos mortos, cenas familiares etc. As pinturas murais egípcias manifestam a vida desse povo em todos os seus aspectos. As ciências, entre os egípcios, tiveram um desenvolvimento extraordinário, e nos deparamos então com um problema: teria a cultura grega sido uma cultura original, ou teria sido assimilada dos egípcios? Todos nós estamos habituados a considerar a Grécia como nossa mãe espiritual, mas se demonstrarmos que na Antiguidade o Egito foi o país que mais cultuou as artes, as ciências etc., ficará provado que os gregos não representaram o papel que se lhes atribui. Quando outros povos falavam dos gregos, falavam mal, como por exemplo os romanos. Plutarco diz que toda a cultura grega foi assimilada no Egito. O certo é que a música grega tinha origem na estrangeira. Pitágoras estudou no Egito, os grandes astrônomos gregos ou nasciam ou estudavam em Alexandria, e todos ou quase todos os grandes talentos gregos tiveram sua cultura influenciada pela dos egípcios. Os monumentos no Egito eram muito frequentes. Havia templos muito curiosos, como o labirinto, a que já nos referimos. Esses monumentos, como por exemplo as grandes pirâmides, serviam aos sábios do antigo Egito para a fixação dos seus conhecimentos. O templo era disposto da seguinte maneira: havia um primeiro recinto, com os aposentos dos sacerdotes; depois, um recinto mais interno, o templo propriamente dito, onde havia os colossos, estátuas monumentais, como por exemplo os colossos de Mémnon. Notava-se também nos templos egípcios um pátio interno, onde se realizavam as aparições. No fundo havia uma grande sala, onde o público era admitido certos dias. Era a sala das colunas, ou hipostilo. Ela se compunha de três naves diferentes. A do meio, mais alta que as duas outras, conduzia à sala da aparição. Era lá que se exibia o deus nos dias das grandes festividades. Finalmente, havia a sala dos mistérios, onde repousava a estátua do deus. Dava acesso ao templo uma estrada ladeada de esfinges. Na frente do templo encontravam-se dois obeliscos, logo depois os colossos, a entrada que era chamada de pilone etc. Eu acho que tudo isso já foi estudado pelos senhores. É então evidente que as ciências tiveram no antigo Egito um desenvolvimento extraordinário. A filosofia, que é a ciência das ciências, deve ter tido um desenvolvimento muito grande no Egito. Contudo, nada podemos afirmar a este respeito, porquanto os sacerdotes, ciosos do seu saber, não nos transmitiram o conhecimento das suas produções intelectuais. Não podemos, portanto, avaliar até que ponto foi a sua cultura. Não somente eram muito aprofundados no saber, como também os seus conhecimentos apareceram quando grande parte dos outros povos da História ainda estavam em parcas condições intelectuais. Estudando a história dos egípcios, notamos que esse povo, após passar por uma fase de tanta grandeza, decaiu e liquefez-se de uma maneira espantosa. Vamos ver depois as leis do progresso humano. Mas se é certo que o homem caminha de um progresso para outro progresso, e que esta força que impele o homem é muito grande, como se explica a queda de um progresso tão grande, como o progresso da civilização egípcia, como se se tivesse derretido de repente? Havia parado toda a vida que o animava, e o Egito tinha praticamente desaparecido, poder-se-ia dizer. E, ainda mais, os descendentes dos antigos egípcios estão em sua pátria como um povo estranho. Champollion foi ao Egito para decifrar o passado, porque os descendentes dos faraós não foram capazes de decifrar a escrita hieroglífica usada pelos seus próprios antepassados. Não se pode asseverar que há uma evolução cega em todos os povos. A prosperidade de um povo é precária, instável. Podemos compará-la à fortuna passageira dos homens. Têm-se dado casos de multimilionários tornarem-se mendigos de um momento para outro. Vamos ver agora a escrita dos antigos egípcios, que é uma das coisas mais importantes da sua história. Eles escreviam por meio de hieróglifos (hyero=sagrado, e graphos=gravar). Esses hieróglifos eram pequenos desenhos, ou melhor, pequenos traços com sinais convencionais. Foi possível dizer quais eram as letras, e interpretar depois os textos. As leis da leitura dos hieróglifos foram descobertas, em 1822, pelo sábio francês Champollion, comparando textos em que havia vários nomes como Cleópatra, Alexandre etc., escritos em hieróglifos, em grego etc. Ele decompôs o nome de Ptolomeu, e com a ajuda das primeiras letras foi decifrando outros nomes, até obter um alfabeto rudimentar. Quais são os poderes efetivos de que goza o rei, na Inglaterra de hoje? Qualquer líder de partido sobrepuja o rei, nesse sentido. O rei só tem direito de dar a sua opinião aos ministros. Apesar de tudo, o Império Britânico ficou em crise nervosa, por causa do que sucedeu com o seu ex-rei Eduardo, agora Duque de Windsor. Os sacerdotes egípcios eram muito poderosos. Mas em tempo de guerra, como já disse, os poderes do rei aumentam. No antigo Egito, o faraó vivia cercado de um enorme cerimonial, e era alvo de veneração de todos os seus súditos. Diz um escritor da antiguidade que um egípcio se interessava mais pelo rei do que pela sua própria família. Os senhores veem por aí uma coisa interessante: o homem é sempre o homem, e a política é sempre a política. Por mais que tudo varie, há sempre os mesmos artifícios políticos para resolver os mesmos problemas. Por isso a História é de grande valor para os modernos, pelo que ela relata acerca das experiências que se deram com os antigos, em certos casos que ainda se repetem, e isto é o que se pode obter de melhor da História. Há um fato interessante, que mostra que a história se repete. É o seguinte: os filhos dos soberanos derrotados eram educados nas cortes dos faraós, que eram muito mais magníficas que as outras. Assim, esses príncipes sem coroa assimilavam o espírito egípcio, e não mais se revoltavam contra o Egito. O que os antigos egípcios faziam com os países vencidos, a Inglaterra faz atualmente com a Índia. Quando nasceu Ramsés II, seu pai educou-o juntamente com 1700 meninos que haviam nascido no mesmo dia. Primeiramente, porque não queria que o espírito do futuro faraó fosse eivado de lisonja; em segundo lugar, porque queria criar um núcleo de dedicação em torno do príncipe. Isto se fazia também nas cortes europeias. A respeito da política exterior do Egito, devem-se ver os tratados do Egito com as potências vizinhas. A respeito da política interior, sabemos que o Egito se compunha de baixo e alto Egito, como que formando esse império duas coroas fundidas. Era uma monarquia mais ou menos centralizada. Houve tempo em que havia 12 coroas, que acabaram sendo fundidas. A administração dos faraós era muito suave num sentido, e muito despótica noutro sentido. Um problema de hoje é saber se um homem tem o direito de não trabalhar. Terá ou não um indivíduo o direito de não trabalhar? Houve um faraó que se preocupou com este problema. Muitas coisas que nós dizemos serem ultra-modernas, já existiram há muitos e muitos séculos atrás. Deve-se notar que a vida política egípcia, a administração, se fazia de um modo bastante desrespeitoso às condições individuais. Chegaram a deixar um faraó insepulto, e convocaram, ou melhor, obrigaram homens a trabalhar na construção dos grandes monumentos, sem lhes perguntar se queriam ou não desempenhar tal trabalho. O povo odiava tal trabalho. Leis penais As leis penais do Egito eram muito severas, mas algumas delas são bastantes criteriosas. O perjúrio era punido com a pena de morte, o que mostra o respeito à palavra empenhada. O parricida era atormentado, e depois queimado vivo; a mãe infanticida era obrigada a passar três dias e três noites abraçada ao cadáver de seu filho. O homicida sofria uma pena mais ou menos idêntica à anterior, passando só três dias abraçado ao cadáver da sua vítima. Era uma coisa medonha, essa punição, que valia por todos os suplícios do mundo. O homicídio era punido da mesma forma, tanto para o homem livre como para o escravo. A lei protegia tanto a vida do escravo como a do homem livre. O roubo era frequente, e havia até associações como as dos "gangsters" modernos. Para fazer-lhes face havia também uma polícia especial, que era considerada uma das melhores da antiguidade. Aos ricos era permitida a poligamia; aos sacerdotes, não. Os falsificadores de peso tinham a mão cortada; eles puniam o órgão que praticava o delito, e no caso do estelionatário era a mão. A legislação comercial impedia que os lucros fossem duas vezes maiores que o capital. Nas cidades viviam os artesãos, nos campos os trabalhadores humílimos. Havia o hábito de os filhos dos artífices tomarem a profissão dos pais, como mais tarde se deu na Idade Média. Arte A arte egípcia apresenta, como características de ordem material, grandes proporções e grande resistência. Há nelas combinações belíssimas. As maneiras como os egípcios conseguiram reunir o belo ao grande e ao forte são admiráveis. Os templos e túmulos egípcios são sempre enormes, mas construídos para o eterno, e geralmente de bela aparência. Sob o ponto de vista objetivo, a arte egípcia é apenas fúnebre e religiosa. De fato, os egípcios construíram apenas para Deus e para os mortos. A arte principal era a arquitetura, desempenhando a escultura e a pintura papéis decorativos. Pintura - A pintura egípcia é bastante defeituosa, porque os egípcios não conheciam a teoria da perspectiva e da sombra, assim como também não sabiam realizar a mistura das cores, e só as utilizavam puras. Também não sabiam enfraquecê-las, de sorte que a pintura é sempre berrante, sendo as cores preferidas o preto e o vermelho. No antigo Egito pintou-se tendo por motivos cenas campestres e pastoris. São comuns as pinturas onde aparecem lavradores cultivando o trigo, cenas das enchentes do Nilo etc. Mas depois de um certo momento, não bem precisado, só se pintaram cenas religiosas e fúnebres: a preparação de uma múmia, um enterro, peregrinação do Kã etc. Não se conhecem os nomes das pinturas que estão espalhadas entre [?] e baixos relevos. Escultura - A escultura se manifesta nas estátuas, nas esfinges e nos baixos relevos. As estátuas tinham duas funções: decorativas e fúnebres. Assim eram empregadas para adornar os templos e para substituir a memória. As estátuas mais antigas foram esculpidas sem regras fixas, e, portanto, com liberdade do artista, mas as posteriores seguiam sempre princípios religiosos. Quando de pé, a estátua tinha sempre os braços cruzados sobre o peito, os membros colados e o olhar fixo, voltado para um ponto; quando sentada, a estátua é semelhante, e os braços colados sobre as coxas. Entre as estátuas mais célebres, temos a do Escriba, a dos Colossos, a de Ramsés em Karnac etc. A esfinge é uma escultura especial no Egito, parece que simbolizando deuses protetores. É um misto de animal e homem: cabeça de homem e corpo de leão. Parece que a esfinge representava também a inteligência e a força. A mais célebre é a esfinge de Gizé, muito grande e esculpida na rocha. Arquitetura - Era entre os egípcios a arte principal. Conheciam a coluna, enfeitando o capitel com esculturas variadas, sendo mais comum esculturas representando plantas do Nilo. Conheciam-se o arco e a plataforma, que foi bastante empregada. A arquitetura fúnebre e religiosa é de grande porte, pois há no Egito a preocupação do gigantesco. As construções são em geral de pedras. Principais monumentos arquitetônicos - Sobressaem os túmulos, que podem ser superficiais e subterrâneos, e os templos. Entre os túmulos há uma categoria que parece ser primitiva, os (massabos), que tinham exteriormente a forma de um retângulo, e interiormente havia uma divisão: uma sala superior, onde ficava a estátua do morto, e uma inferior, onde ficava a múmia do morto. As pirâmides são os túmulos mais importantes. Eram e ainda são de base retangular e de face triangular. Foram construídas pelos faraós, e são dos mais notáveis monumentos egípcios. Assim como os túmulos, os templos podem ser subterrâneos e superficiais. Na entrada dos templos havia sempre uma fileira de esfinges. Entre os templos principais citam-se o de Karnac e o célebre templo Ipsambul. Ainda encontramos entre os egípcios trabalhos de joalheria e cerâmica, e primorosas joias e vasos nos túmulos. |