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Plinio Corrêa de Oliveira
Projeto
de Constituição angustia o País
1987 |
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Parte
I – A democracia nos seus mecanismos de representação
Realizado
o pleito eleitoral de 15 de novembro de 1986, tornou-se clara para a TFP a
necessidade de publicar a análise de todos os resultados daquele
importante acontecimento. Ainda
mais se firmou nas fileiras da TFP a convicção de tal necessidade,
quando foram divulgados, de um lado, as votações das diversas legendas
partidárias, os nomes dos candidatos eleitos nessa ocasião para
governadores de Estado, para membros da futura Constituinte (senadores e
deputados federais), para deputados às Assembléias Legislativas
estaduais; como também, de outro lado, os totais de votos em branco ou
nulos, e das abstenções. Após
exaustivo trabalho de coleta e análise dos dados disponíveis, sai hoje a
lume o presente estudo que versa não só sobre a representatividade da
atual Constituinte, como também sobre o Projeto de Constituição ora em
elaboração, bem como o desfecho que se pode vislumbrar ante o eventual
divórcio do novo texto constitucional em relação ao pensamento majoritário
da Nação. Não
constituem, pois, objeto deste estudo, as escolhas de governadores e
deputados estaduais. Algumas referências a tais escolhas, feitas no
presente trabalho, serão apenas ocasionais, e não terão em vista senão
auxiliar a elucidação do quadro psicológico e político em que se deu a
eleição dos Constituintes. Dada
a própria finalidade da TFP[1],
o objetivo essencial da atenção desta entidade será aqui a elaboração
da Carta Magna que regerá os destinos do País. *
* * O
desenvolvimento do tema pressupõe que o leitor tenha presente ao espírito
os princípios doutrinários e as circunstâncias políticas que
influenciaram o regime da Abertura, sob a ação da qual foram realizadas
as eleições de 15 de novembro e se vêm desenvolvendo os trabalhos da
Constituinte. Por
amor à brevidade, o estudo não entra na crítica doutrinária de tais
princípios. Simplesmente, estando eles vigentes no País, é segundo a
coerência dos mesmos que os resultados do pleito, bem como o processo de
elaboração do futuro texto constitucional, serão aqui analisados. Por
isto, logo de início se recordam sumariamente alguns desses princípios,
para uso dos leitores. Quanto
às circunstâncias políticas e outras cuja consideração possa
interessar ao presente estudo, irão sendo expostas e analisadas quando
venham a propósito, no decurso da exposição. Capítulo I – A democracia na era política da
“Abertura” – Representação e autenticidade
1.
O Brasil no regime de “Abertura”
A
“Abertura” teve, no Brasil, seus primórdios em 1978, isto é, em
plena vigência do regime militar. Animou-a desde logo uma tendência para
a gradual liberalização do regime, até a inteira democratização do
Estado, e também – mais tarde se veria – da sociedade e da economia. Tal
importava na eletividade de todas as funções políticas, na plena
liberdade de pensamento e de palavra para todas as correntes doutrinárias
ou ideológicas, quer versassem sobre matéria religiosa, quer filosófica,
política, social ou econômica. Decorreria daí a cessação de qualquer
ação repressiva do Poder Público nessas matérias. A
democracia constituía, pois, o elemento central da nova ordem de coisas
que parecia fadada a marcar toda a nossa vida pública, no período
presidencial do Dr. José Sarney. Importa,
pois, que o leitor tenha uma idéia clara sobre o que seja a democracia. 2.
Democracia e vontade popular – Unanimidade e maioria
Democracia
é a forma de governo em que a direção do Estado cabe ao povo. O
pressuposto da democratização política é a igualdade de todos perante
a lei. A
situação ideal da democracia é aquela em que a vontade popular é unânime
acerca dos assuntos de interesse público. Mas tal situação só muito
raras vezes se verifica na prática. E só acerca de questões
determinadas. Quando ela ocorre, costuma ser efêmera. Assim,
na democracia se atribui a força decisória não à unanimidade dos cidadãos,
mas à vontade da maioria deles. 3.
Democracia direta e democracia representativa
Nos
países de muito pequena população, a democracia se tem exercido pela
manifestação direta da vontade de cada cidadão, expressa em reunião
plenária, levada geralmente a efeito em logradouro público. A contagem
dos votos se faz publicamente e in
actu. Tal é a chamada democracia direta. Esta se exerceu em remotas eras. Por exemplo, nos Estados
de dimensões municipais da antigüidade helênica. Mas ela é impraticável
nas nações contemporâneas. Dado
que a amplitude da população e do território tornam impossível, nos
Estados contemporâneos, tal modo de ser da democracia, esta última se
exerce de modo indireto, ou seja, representativo. Assim,
os cidadãos elegem representantes que votam as leis e dirigem o Estado
segundo as intenções do eleitorado. É a democracia representativa[2]. O
poder político de fazer ou de revogar leis (Legislativo), é exercido
habitualmente, nas democracias representativas, de modo colegiado, através
de parlamentos ou congressos. Neste caso, as decisões são tomadas pela
maioria dos representantes populares (deputados ou senadores). E a maioria
parlamentar representa – pelo menos em princípio – a maioria do
eleitorado. 4.
A proteção das minorias na democracia representativa
A
democracia representativa – assim constituída por todo um mecanismo de
representação – chega à mais inteira coerência consigo mesma quando
procura não constituir mero domínio da maioria sobre a minoria, mas
atende também, na medida do exeqüível, às aspirações desta última.
Assim, as decisões parlamentares buscam reunir em torno de si, em um
consenso convergencial, não só as opiniões da facção majoritária,
mas, em alguma medida, as de todos os cidadãos – maioria e minoria. É
o que se obtém mediante o respeito dos direitos da minoria. 5.
O referendum
Outro
mecanismo há, para que a democracia representativa – segundo as formas
de representação mais ou menos inspiradas nas doutrinas da Revolução
Francesa – obtenha a inteira fidelidade no exprimir e cumprir a vontade
popular: é o referendum.
Consiste este em que, aprovada uma lei de especial alcance para o bem
comum, não seja ela posta em execução sem consulta ao eleitorado.
Assim, todos os eleitores são convocados para se manifestarem diretamente
sobre um projeto de lei aprovado pelo Legislativo. Tal projeto só entrará
em vigor se obtiver voto favorável da maioria. Através
do referendum, o povo dispõe de um meio seguro, e até insofismável,
para ratificar a decisão dos seus representantes, quando esta lhe exprime
a vontade; ou para rejeitá-la, quando não a exprime. 6.
O voto direto e secreto
São
também dispositivos acautelatórios da autenticidade da democracia
representativa: a)
o
voto direto, pelo qual o eleitor escolhe seus representantes diretamente
(ao contrário dos Estados Unidos, por exemplo, onde a votação é
indireta, isto é, os eleitores escolhem diretamente representantes que
formam um colégio eleitoral distinto do Congresso, e incumbido de eleger
o Presidente da República); b)
o
voto secreto, que deve garantir contra pressões de terceiros, a livre
escolha do eleitor. 7.
A representação na democracia: natureza – autenticidade
Em
virtude de todo o acima exposto, a relação entre o eleitor e o candidato
por ele sufragado é, em essência, a de uma procuração. O eleitor
confere ao candidato a deputado ou senador de sua preferência um mandato
para que exerça o Poder Legislativo segundo o programa que este deve
expor normalmente ao conhecimento do eleitorado durante a campanha
eleitoral: programa este que se supõe que o eleitor tenha lido
previamente, e que ratifica ao dar seu voto ao candidato em questão. Uma
vez eleito, o deputado ou senador é assim um procurador ou mandatário do
eleitor. É o executor da vontade deste. Ele será um procurador fiel se
agir de acordo com o programa eleitoral com o qual se apresentou às
urnas. E será infiel, caso se desinteresse de fazer prevalecer seu
programa nos debates parlamentares. Ou, pior ainda, caso se manifeste ou
vote contra esse programa em relação ao qual assumiu para com o corpo
eleitoral um compromisso sagrado de fidelidade. Análogas
afirmações cabem quanto às eleições para o preenchimento de vagas no
Poder Executivo: isto é, em nosso País federativo, as vagas para a
Presidência da República, os governos estaduais e as prefeituras
municipais. Dado
serem as eleições para a Constituinte objeto essencial da presente análise,
é sobretudo em vista delas que se farão as considerações a seguir. 8.
Vícios que podem afetar a autenticidade da representação
Segundo
a ordem natural das coisas, a normalidade de um ato praticado pelo
procurador está condicionada: 1º)
à liberdade do mandante no ato de escolha do procurador; 2o)
à autenticidade da procuração e a clareza dos poderes e das instruções
que a procuração contém; 3º)
à expressa aceitação do mandato pelo procurador; 4º)
à atuação deste em estrita conformidade com os poderes e as instruções
que recebeu. A
faltar algum desses elementos, a ação do procurador – no caso
concreto, do Constituinte – poderá ser tachada de inautêntica, nula ou
ilícita, conforme as circunstâncias concretas. E
esses vícios, que dizem respeito à ação individual de um Constituinte,
podem analogamente referir-se de modo global ao desempenho de toda uma
bancada partidária. Ou até da Assembléia Constituinte considerada como
um todo, caso tais vícios afetem não só este ou aquele deputado ou
bancada. 9.
Alcance da representatividade na avaliação de um regime democrático
Em
conseqüência de quanto foi aqui exposto, a autenticidade do regime
democrático repousa por inteiro sobre o caráter genuíno da representação. É
isto óbvio. Pois, se a democracia é o governo do povo, ela só será autêntica
se os detentores do Poder Público (tanto o Executivo, como o Legislativo
e, na sua ótica muito específica, também o Judiciário) forem
escolhidos e atuarem segundo os métodos, e tendo em vista as metas
desejadas pelo povo. Se
tal não se dá, o regime democrático não passa de uma vã aparência,
quiçá de uma fraude. Esta
é a razão pela qual a representatividade é focalizada com tanta atenção
ao longo das presentes reflexões. [1] “A Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade que poderá designar-se também pela sigla SBDTFP ou TFP, é uma associação civil, de fins não econômicos. Estritamente extrapartidária, ela tem caráter cultural e cívico, visando esclarecer a opinião nacional e os Poderes constituídos, sobre a influência deletéria exercida sempre mais, na vida intelectual e na vida pública, pelos princípios socialistas e comunistas, em detrimento da tradição brasileira e dos institutos da família e da propriedade privada, pilares da civilização cristã no País” (Estatutos da TFP, art. 1º). [2] As dimensões do presente estudo, destinado ao grande público, não comportam a exposição das diversas correntes doutrinárias nem das obras dos mais célebres autores sobre a democracia como forma de governo. São eles, entre outros, Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704), Jean-Jacques Rousseau (1712-1778), Edmund Burke (1729-1797), Thomas Paine (1737-1809), Benjamim Constant (1767-1830), Stuart Mill (1806-1873), Walter Bagehot (1826-1877). Bem entendido, no Brasil só é possível, na atual quadra histórica, a democracia representativa. A autenticidade representativa deste tipo de democracia tem tido importantes opositores. Sem embargo, ele corresponde sem dúvida às convicções, bem como aos hábitos políticos da muito grande maioria dos brasileiros. E foi em função dela que se operou gradualmente a substituição do regime militar pelo Estado de Direito ora vigente. |