Capítulo XIV

 

Saber esperar, na calma

 

 

 

 

 

 

 

 

Vou devagar porque tenho pressa (dito brasileiro)

Esperemos um pouco para terminar antes (provérbio inglês)

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Neste capítulo

A espera na calma é muitas vezes uma preparação. Ela nos força a ter diante dos olhos longamente o objeto de nossos anseios, e com isso nos prepara para quando se realizarem.

Ela é também uma maturação. Essa maturação faz-se muitas vezes pelo desejar. Desejar longamente algo torna-nos dignos de possuí-lo. Por isso, na Sagrada Escritura o Profeta Daniel figura como desideriorum vir – homem de desejos.

Erra quem espera com impaciência ou agitação! Saber esperar com calma é uma manifestação de bom-senso e de sabedoria. 

O Profeta Daniel na cova com os leões

Como encarar a espera

O mundo de hoje é muito habituado a apressar todas as coisas e suprimir as esperas. Até certo ponto se compreende isso, porque a espera parece engasgar o curso natural das coisas. Embora esse combate à espera tenha algo de natural, tem também algo de excessivo, e se perde o efeito que a espera exerce na maturação e na formação do homem.

Por exemplo, hoje o indivíduo toma um avião, e em poucas horas estará na Europa, depois de sobrevoar o enorme oceano Atlântico. De um salto, passa-se a outro mundo, outra civilização, outra vida. Antigamente tomava-se um navio, e só depois de 15 dias se acabava de deixar para trás o país de origem. Durante esse tempo a pessoa preparava o espírito para entrar no outro país. Levava guias e livros, e ficava lendo sobre o país de destino, preparando o espírito e se esquecendo um pouco dos hábitos do país de origem. Essa demora operava uma maturação. Hoje o passageiro entra num tubo, e poucas horas depois o tubo o ejeta em outro lugar, sem uma salutar transição.

 

 

Conjunto (séc. XVIII) representando Santa Ana, São Joaquim e Nossa Senhora criança, na igreja da Trinità (na cidade de Castelbuono, Itália). Fonte: wikipedia.

Benefícios da espera

Muitas vezes a espera é uma preparação, uma maturação, que se faz frequentemente através do desejar, pois quando a pessoa deseja longamente algo, vai se tornando digna desse algo.

Por exemplo, São Joaquim e Sant’Ana, os pais de Nossa Senhora, eram muito velhos. Estavam além da idade em que habitualmente um casal tem filhos, mas foi nessa situação que miraculosamente nasceu Nossa Senhora. Eles tinham a revelação de que iriam gerar a mãe do Messias, e passaram anos e anos esperando. Assim se prepararam longamente para receber Nossa Senhora. Teriam se preparado muito menos, se a mãe do Messias nascesse logo que se casaram.

A Escritura nos fala ainda de outras longas esperas, que muitas vezes são esperas contra o impossível. No Antigo e Novo Testamentos há manifestações de espera assombrosas. Espera-se contra toda esperança, e afinal de contas tudo dá certo depois da espera.

 

 

Estátua de São Paulo Apóstolo, em Roma

O drama de Nosso Senhor com os apóstolos

Pouco se reflete sobre a história dos apóstolos. Nosso Senhor os preparou para ser o que foram, mas numerosas vicissitudes intervieram na execução do plano divino. Basta ver que dos doze apóstolos um trai e se afasta; no Horto das Oliveiras Ele fica sozinho; um o renega, e é exatamente o que escolhera para cabeça da sua Igreja. São João, que ouvira na Santa Ceia a pulsação do Coração de Jesus, foi agarrado pela túnica, e para fugir desvencilhou-se dela e saiu correndo despido.107 Ou seja, aparentemente tudo dá errado, numa espera cheia de decepções, cheia de fatos desencontrados. Nosso Senhor ressuscita e convoca os Apóstolos, eles se reconvertem, tudo está promissor. Começa o apostolado pelo mundo, que inicialmente dá bom resultado. Convertem-se algumas cidades, e na Terra Santa algumas famílias. Depois, de cá e de lá, apenas algumas pessoas, tornando lento o resultado. Mas pouco depois converte-se São Paulo, que fora fariseu e perseguidor dos cristãos, e praticamente sozinho converteu quase toda a bacia do Mediterrâneo. Este foi o resultado da missão e trabalho dos Apóstolos. Quanta decepção, quanta demora.

Mas na ponta de tanta decepção, suportada com desejo e com esperança, a certeza de que a Igreja se ergueria, como acabou se erguendo. É preciso reconhecer a beleza disso, pois ela fala por si mesma, é uma verdadeira maravilha. Daqueles que desejam alguma coisa de Jesus, muitas vezes Ele quer que esperem longamente.

Modernidade sem maturação

Esperar pacientemente não está de acordo com os hábitos modernos. Toda forma de espera é vista hoje em dia com maus olhos. Toda forma de maturidade, reflexão, meditação está definhando, e uma das causas dessa lacuna pode ser a falta de espera. Os países onde mais se corre e menos se espera são os mesmos onde menos se pensa. Por isso mesmo não se encontram hoje grandes sábios como os de outrora – Aristóteles, Platão, Santo Agostinho, Santo Ambrósio, São Tomás. O benefício da espera é a vantagem da maturação.

Qual a beleza própria da espera? O que acontece com uma alma humana, quando aguarda uma coisa boa? Metaforicamente, pode-se dizer que a pessoa “gera” aquilo que espera. Quando quer muito uma coisa, o homem planeja o modo de consegui-la. De tanto planejar, acaba tomando o aspecto daquilo que planejou. No final das contas, pode obter o que deseja.

O exemplo de Colombo

A espera torna bonita a navegação. Podemos ver isso na história do descobrimento da América. Colombo tomou em Barcelona aqueles três naviozinhos, pensando que estava indo para a Índia ou a China. Não imaginava encontrar pelo meio esse fecundíssimo trambolho, que é a América.

Imaginemos que a história fosse diferente, como algo assim: Colombo foi muito favorecido, porque nesse ano, por tais e tais razões que depois os cientistas descobriram, só teve de navegar 12 dias de Barcelona até uma ilha do Caribe, onde aportou. A viagem foi fácil, simples e rápida. Chegaram, descobriram a América e tomaram posse. Tem isso algum aspecto épico e heroico?

Pelo contrário, aquela navegação que não acaba mais, os marujos que se revoltam contra ele. Pairava mesmo a dúvida de que talvez nunca chegariam a nada. Nesse caso estariam perdidos, chegaria um momento em que nem haveria mais água para beber, e neste caso o que os esperava era a morte. Afinal aparecem boiando pelo mar pedaços de vegetação, sinal de que a terra está próxima. Todos então se reconciliam, ficam amigos e se voltam encantados para a terra. É um acontecimento muito mais bonito, porque eles esperaram. Não só esperaram, mas o fizeram contra toda esperança. Batalharam para conseguir, sofreram, correram risco.

A promessa e a espera

Mais bonita ainda é a espera quando se precisa de um milagre. Por quê? Porque no milagre se vê a mão de Deus, a mão de Nossa Senhora. Por assim dizer, a mão de Deus vara as nuvens e dá aquilo que o homem deseja. Promete e depois cumpre, mas às vezes depois de toda espécie de dificuldades.

O episódio de Abraão com Isaac é lindíssimo. Deus prometera um filho a Abraão. Ele esperou muito tempo, e afinal lhe veio o filho quando já era velho. O menino Isaac foi o cumprimento da promessa de Deus para ele. Mas algum tempo depois Deus lhe pede que sacrifique o filho em sua honra. Abraão poderia argumentar:

— Senhor, como fica a vossa promessa? Vós me tirareis o filho que me destes para ser antepassado do Messias, mas ele morrerá sem ter tido geração. Não estareis burlando da esperança que fizestes nascer em meu débil coração de homem?

Mas ele não hesita nem argumenta, leva o menino até o alto do monte, disposto a sacrificá-lo. Sendo uma ordem de Deus, não era homicídio, pois Deus dispõe dos homens. Com a ajuda do próprio filho, constrói o altar onde ele seria morto. O menino pergunta:

— Meu pai, aqui está o altar, mas onde está a vítima?

Ele manda que o filho se deite sobre o altar, indicando-lhe que ele próprio era a vítima. Dócil como o pai, o menino se deita. Abraão toma a faca e vai brandir um golpe para matar o menino, mas no último momento aparece um anjo e interrompe o seu ato:

— Não! Pare! Deus estava te provando, queria ver até onde iria tua obediência. Em atenção à tua obediência, à tua esperança, à tua disciplina, os teus filhos serão mais numerosos que a areia do mar e as estrelas do céu!108

A questão ainda se requinta. Da descendência de Abraão nasceria o Messias, mas o patriarca não tinha ideia de que seria a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade que ia encarnar. O que de fato aconteceu foi infinitamente maior do que ele esperava: o próprio Verbo de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo, se fez carne e habitou entre nós.

Deus encarnou na raça judaica, dando portanto a Abraão, que era o depositário da promessa para o povo judaico, uma plenitude de recompensa incomparável. É verdade que a descendência dele seria mais numerosa que as areias do mar e as estrelas do céu, mas sobretudo qualitativamente seria maior, porque incluiria o Filho de Deus.

No momento em que nasce o Messias, o povo está de tal maneira podre, que o recusa e o mata. Mas vejam a esperança: Deus prometeu seu amor ao povo de Israel, e no fim dos tempos esse povo vai se converter. O mundo não acabará sem que o povo de Israel se converta. A promessa acabará se realizando. A história das relações de Deus com o povo judaico se abre por uma prova tremenda e termina com uma reconciliação dulcíssima. Esperar, esperar, esperar... Acaba dando certo. Bem-aventurados os que esperaram. Deles foi a promessa, deles é a vitória!109

Notas:

107. Mc. XIV-52.

108. Cf. Gn, 22, 17.

109. Todo o conteúdo deste capítulo foi extraído de conferência proferida em 3-7-1988, salvo indicação em contrário.

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