Plinio Corrêa de Oliveira

 

Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana

 

Apêndice à edição Norte-Americana

Setembro de 1993

 

ESTADOS UNIDOS: NAÇÃO ARISTOCRÁTICA NUM ESTADO DEMOCRÁTICO

 

Capítulo II

ELITES AUTÊNTICAS E INAUTÊNTICAS

 

No capítulo anterior, examinamos algumas teses da escola elitista de sociologia, cujas pesquisas confirmam a existência de elites estáveis e atuantes nos Estados Unidos. Ampliaremos agora os conceitos sobre a elite.

1. Elites1

1 - No seu sentido social, a palavra elite é definida por Webster’s Third New International Dictionary: The choice part or segment: Flower, Cream, Aristocracy; segment or group regarded as socially superior; a minority group or stratum that exerts influence, authority, or decisive power.

a. Elites locais

Num primeiro sentido, elite é um conjunto de pessoas de escol que se destacam, enquanto indivíduos, da massa de pessoas que constituem uma comunidade.

Este conjunto não é uma realidade apenas numérica. Não se trata de grandes homens considerados isoladamente, sem relações pessoais entre si, mas de um conjunto em que essas relações têm suficiente vida e assiduidade para que o convívio desses elementos exponenciais forme um ambiente que é o principal habitat psicológico e intelectual das pessoas que o compõem.

A elite, portanto, não é uma mera justaposição de pessoas eminentes. Ela se constitui quando essas pessoas eminentes entram em contato e relações entre si, com osmose de valores de umas para outras, de maneira a destilar-se um como que "caldo" especial, que é a cultura. A qual, por sua vez, é a síntese dos valores intelectuais e morais de todos os componentes deste grupo exponencial.

As pessoas que constituem uma elite não devem reunir-se necessariamente pelo atrativo de um tema concreto, mas pelo atrativo do brouhaha a respeito de temas introduzidos ao acaso, sob a inspiração da arte de bem conversar, cada um fornecendo uma colaboração própria, que resulta do interesse da conversa informal e espontânea.

É uma conversa que areja as cabeças dentro do imprevisto, do inesperado, com trânsito livre para qualquer assunto que apareça. Esta livre interpenetração de impressões e de idéias dá vida à conversa e faz o encanto e a importância cultural desse tipo de interlocução, que costuma deleitar especialmente os membros das elites.

Tomemos, por exemplo, um grande diplomata, um alto financista, um literato eminente, um médico extraordinário e um advogado muito conhecido. Estes homens podem constituir um grupo se, por exemplo, eles se reunirem uma vez por mês para conversar durante meia hora. Mas isto não constitui uma elite.

Este grupo só constitui verdadeiramente uma elite quando esses homens conversam entre si com mais freqüência, por mais tempo e com menos regularidade, sem hora muito marcada, sobre assuntos vários, havendo assim entre eles um intercâmbio de valores, do qual resulta um ambiente próprio, que gera como produto final um matiz específico da cultura geral.

Este intercâmbio de valores será ainda mais completo e eficaz se as esposas desses homens também formarem — more feminino — um círculo de relações sociais, onde se realize similar intercâmbio de valores.

Cumpre notar entretanto que, neste gênero de assuntos, a precisão e o método, valores tão necessários e deleitáveis, devem estar presentes de modo discreto e, por assim dizer, flexível. De sorte que nesse círculo feminino não figurem necessariamente todas as esposas do círculo masculino, e só elas. Mas se admita de boa vontade que uma das esposas pertença a outro círculo, no qual mais se compraz; e que outra dessas esposas traga para o círculo sua irmã, cujo marido entretanto não pertence ao círculo masculino correlato. A espontaneidade é a condição da autenticidade deste tipo de relações, que devem nascer livremente do jogo natural das coisas.

Estas circunstâncias, e muitas outras do mesmo gênero, reforçarão a vitalidade e a riqueza de valores de alma de uma elite.

Destarte se compreende melhor a criatividade de toda elite digna desse nome. É só na medida em que ela gera algo de comum a todos os seus componentes, na ordem do pensamento e da cultura, que ela merece ser chamada elite.

Isto é um primeiro modo de conceituar a elite: O conjunto de pessoas que localmente constituem o escol nas respectivas atividades — as quais também são atividades de escol — e cujo convívio gera cultura.

Um segundo conceito, decorrente do anterior, é a elite enquanto composta só pelos excelentes. Este conceito não considera o escol das várias profissões de primeira importância na cidade, mas apenas aquelas pessoas que são de uma importância excepcional, e que transcendem o ambiente da cidade.

Tais pessoas são uma elite num outro sentido da palavra. Pouco numerosas, elas não representam propriamente a elite cultural da cidade, mas são o creme da elite descrita no primeiro conceito, transcendendo-a.

b. Elites nacionais e internacionais

A elite da nação é formada pelas pessoas de primeira categoria dentro do país. Como é natural, a maior parte dentre elas não chega a ter fama internacional. Os que a alcançaram, sem deixar de pertencer à elite nacional, constituem dentro desta como que uma nata de especial qualidade.

No sentido mais alto da palavra, a elite de uma nação é o conjunto dos maiores expoentes de seus mais elevados setores de atividade, enquanto tendo entre si um certo convívio que pode dar-se, por exemplo, quando o presidente convida pessoas exponenciais no campo da política, das finanças, da cultura, etc, para um baile ou jantar na Casa Branca.

Abaixo desta elite nacional existem sucessivas camadas de elites menores, nas quais este convívio se repete, até chegarmos às elites locais descritas no item anterior.

Por exemplo, pode-se conceber uma cidade onde há uma forte presença das forças armadas, pela existência de uma renomada academia militar. Mas, ao mesmo tempo, há uma faculdade de Teologia, uma escola de pintura, e também pessoas ricas de alto nível social, que recebem em suas casas as sumidades dessas escolas. O convívio entre os diversos membros dessa elite local é menos alto que aquele em torno de um chefe de Estado que recebe os expoentes da nação, porém é análogo a ele.

Forma-se assim uma hierarquia que, começando pelas elites locais, chega até as elites mais quintessenciadas. É esta escala de elites, graduada e participativa, que constitui a estrutura de uma sociedade sadiamente elitista, onde as elites do mais alto nível destilam um estilo de vida e um tipo humano que influenciam de cima para baixo, harmonicamente, todo o conjunto de elites existentes nos diversos níveis sociais da nação.2

2 - Da mesma forma que relacionamentos harmônicos e influências devem existir dentro das elites, o mesmo relacionamento deve repetir-se entre as elites e os outros setores da população. Isto é próprio de uma sociedade bem ordenada, que pode ser vista como um ‘organismo’ no qual existe uma interdependência entre todas as partes. Este conceito teve muitos defensores, embora em outros termos, ao longo da História, incluindo não apenas teólogos, como John of Salisbury, mas também filósofos políticos como Edmund Burke, economistas como Adam Smith, sociólogos como Herbert Spencer, e modernos cientistas sociais da escola elitista.

Esta conceituação da escala das elites representa a realidade social formada historicamente no Ocidente, segundo o modelo da Civilização Cristã.

A contínua osmose em sentido vertical, mediante a qual as pessoas de verdadeiro mérito podem passar de um nível de status ou de elite para outro mais elevado; ou a osmose horizontal, pela qual pessoas do mesmo nível se completam reciprocamente do ponto de vista moral, cultural, etc, recebem, nos países de civilização autenticamente cristã, um impulso e uma riqueza de conteúdo notáveis. Isto se deve ao fato de que a caridade cristã, com seu cunho marcadamente sobrenatural, tem uma eficácia sem igual para unir fraternalmente os homens.

c. Elites tradicionais, aristocráticas e autênticas

A palavra elite costuma ser acompanhada por diferentes qualificativos, como elite profissional, cultural, moral, étnica, etc.

Por isso é útil e ordenativo consignar aqui o sentido de três designações particularmente freqüentes da palavra elite, e enunciar-lhes o significado específico. Trata-se das designações: elite tradicional, elite aristocrática e elite autêntica.

Uma elite profissional pode ser tradicional sem ser aristocrática. Ela pode, por exemplo, constituir-se do escol dos pescadores que praticam sua profissão ao longo do litoral de Nova Inglaterra há muitas gerações.

Por sua vez, uma elite aristocrática é aquela cujos membros exercem uma atividade pessoal compatível com a condição de aristocrata. Além disso, ela não pode deixar de ser tradicional, ou seja, ela deve existir por um período de tempo adequado para conferir-lhe um caráter tradicional.

A autenticidade de uma elite, tanto a tradicional quanto a aristocrática, provém da excelente qualidade do que ela faz, do modo pelo qual ela vive, etc. Ela provém igualmente do fato de que seus membros sejam verdadeiramente o que anunciam ser. Assim, uma elite artesanal de objetos de bijuteria, por mais qualificada e antiga que seja, não é autêntica se os seus membros se qualificam como joalheiros.

d. Elite e classe alta

A elite seria, por assim dizer, o nascedouro da classe alta. Não é ainda a classe alta, mas uma parte da classe alta provém dela. Fica mais fácil perceber a diferença entre uma e outra exemplificando-se com uma cidade pequena.

A elite da cidade, como já foi visto, é formada por aqueles que exercem profissões de alto prestígio, e que nessas profissões têm uma posição individual de primeira linha.

Um advogado ou médico sem destaque profissional não fazem parte da elite dessa cidade. Mas um médico ou advogado de prestígio, como também um fazendeiro ou um professor de relevo, fazem parte da elite. Portanto, todos aqueles que são de maior valor no conjunto das profissões mais importantes formam a elite, a qual ainda não é necessariamente uma classe social.

A elite assim formada é um conjunto de indivíduos, não é um conjunto de famílias. Quando esses indivíduos e sua descendência adquirem estabilidade em sua posição de alto nível, este hábito de estarem na primeira categoria passa a modelá-los, fazendo com que eles se tornem uma só classe. Isto por duas razões: porque eles se modelaram segundo a preeminência que adquiriram e porque as famílias se correlacionaram.

Assim, a classe alta é formada por um conjunto de famílias que atingiram um determinado grau de perfeição, pelo qual foram modeladas e no qual se fixaram.

e. O refinamento das elites

As anteriores considerações supõem um processo de refinamento e aculturação das pessoas e das famílias que aspiram à condição de membros da elite. Sem este refinamento elas poderão ser ricas, porém nunca serão uma elite tradicional autêntica.

Este processo se verifica quando um homem enriquece, e nasce nele o desejo de ter prestígio. Para conseguir tal prestígio é necessário que ele tenha predicados exteriores que o diferenciem do comum dos homens: mais cultura, melhor educação, maior refinamento, etc. Ele precisa adotar um estilo de vida que corresponda à idéia que o público tem a respeito do que deve ser um homem de prestígio. E, movido por tal desejo, ele começa a refinar-se segundo tal estilo.

Porém, quando este processo começou a dar-se nos Estados Unidos, a vida cultural norte-americana não oferecia padrões nacionais de prestígio nos seus mais altos graus. Como bem aponta Richard Bushman, a república truncou a cultura norte-americana, privando-a dos mais altos modelos humanos, isto é, os da aristocracia.3

3 - "Entre os problemas e dificuldades legados aos americanos, estava uma cultura truncada, cujo zênite e mais alta realização encontrava-se além das fronteiras nacionais. A república decepou o cimo da sociedade americana, ao proibir uma aristocracia americana. As linhagens aristocráticas, tradicionalmente portadoras da mais alta cultura, não podiam ser toleradas.... Isto significava que.... os modelos a serem seguidos estavam sempre fora do país.

"Até mesmo as melhores rodas sociais das grandes cidades viviam à sombra da sociedade aristocrática européia, ainda mais refinada.... Os aristocratas americanos viviam segundo um padrão que estava fora de seu próprio círculo. Eles não podiam libertar-se do hábito colonial e provincial de procurar a liderança alhures". (Richard L. Bushman, The Refinement of America - New York, Alfred A. Knopf, 1992, pp. 413-414)

Assim, os aspirantes à condição de membros da classe alta eram obrigados a imitar os modelos europeus, principalmente o inglês, que era o modelo natural para os norte-americanos. Por isso, eles achavam que viver à maneira de um gentleman inglês conferia prestígio social. Mas, como os ingleses reconheciam em geral a superioridade da moda feminina francesa, as esposas deveriam ser meio afrancesadas para terem prestígio junto ao público norte-americano.

Desse modo, elites nascentes, que na primeira geração poderiam ser inautênticas em seu estilo de vida, na segunda ou na terceira geração adquiriram uma certa autenticidade, que as tornava aptas a serem assimiladas pelas elites mais antigas.

Numa sociedade bem constituída, este processo de refinamento deveria acontecer em todas as classes sociais, e não só na mais alta. Subjacente a este processo está o desejo da perfeição.

2. Elites inautênticas

Qualquer estudo sobre as elites, nos Estados Unidos, depara-se com um problema, que é o das elites inautênticas. As elites do país são o resultado de um processo de refinamento na sociedade, e representam, em certo sentido, o que o país tem de melhor e mais elevado. Porém, é inegável que numerosas pessoas de elite têm mentalidade francamente revolucionária, e que certos grupos de elite são os paladinos das transformações de caráter liberal e socialista em vários campos. Também é inegável que tais pessoas e grupos assumem, com freqüência, atitudes de simpatia frente ao comunismo internacional.

Uma elite inautêntica pode possuir o patrimônio relevante ou a notoriedade pública, inerentes às elites autênticas, sem no entanto possuí-los há tempo suficiente para que deles resultem os predicados característicos das elites autênticas. Ou sejam, a largueza de horizontes, a excelência de tipo humano e de trato e a delicadeza de sentimentos que as distinguem.

Pode até acontecer que numa elite inautêntica exista um passado suficientemente longo para lhe proporcionar todos os predicados de uma elite autêntica e tradicional. Mas que esse grupo, movido por preconceitos ideológicos ou outros fatores, tenha preferido manifestar — ao lado de maneiras distintas, educação esmerada, e até hábitos aristocráticos — uma ideologia revolucionária e uma mentalidade democrática liberal, tendente a promover um Estado paternalista, em detrimento dos corpos sociais intermediários.

As elites inautênticas constituem verdadeiros corpos estranhos na tradicional contextura social de um país. E podem até formar, a respeito dos verdadeiros direitos e interesses do mesmo, uma noção tão anti-natural que chegue ao ponto de colaborar largamente com os adversários mais radicais e mais declarados desse país.

Ao fazer uma defesa genérica das elites, portanto, poder-se-ia perguntar se os autores da presente obra não estariam, ainda que implicitamente, favorecendo a ação demolidora destas elites liberais.

a. A "saparia"4

4 - O termo "sapo", com a conceituação que é desenvolvida no presente item, foi lançado em artigo do Professor Plinio Corrêa de Oliveira, publicado no diário "Folha de São Paulo", em 25-6-69.

Antes de tudo, parece necessário deixar bem claro que — ao tratar da questão das elites nos Estados Unidos — os autores as distinguem das elites artificiais ou inautênticas. Estas se apresentam sem ligações naturais com as melhores tradições deste país e os mais profundos anseios do povo norte-americano, chegando mesmo a contrariar essas tradições e esses anseios.

Dado que a distinção entre uma elite tradicional autêntica e tais elites espúrias nem sempre está presente com a devida nitidez no espírito de incontáveis pessoas, parece indispensável incluir o presente item explicativo.

Os estudos sociológicos citados mostram que existem elites tradicionais nos Estados Unidos, constituídas a partir de antecedentes históricos próprios a cada lugar. Essas elites têm ainda hoje uma influência social marcante sobre o conjunto da sociedade norte-americana, especialmente nas suas capilaridades.

Porém, muitas vezes os postos diretivos do Estado, das altas finanças, das grandes empresas, da mídia, das fundações e dos órgãos culturais, são ocupados por pessoas que não pertencem a elites autênticas, mas constituem uma espécie de contra-elite que faz ostentação de princípios, de idéias e de um estilo de vida em dissonância com o modo geral de pensar e de agir da maioria da população.

Estas elites inautênticas, longe de representarem a nação, nela constituem quase um corpo estranho, aparecendo aos olhos do público de modo muito mais visível — e, sob certos aspectos, mais brilhante — que as elites tradicionais. Elas ocupam muito maior espaço nos órgãos de publicidade e ofuscam o realce que as verdadeiras elites deveriam ter.

Assim, formou-se na mente de numerosos norte-americanos a idéia de que elite é só isto, podendo daí advir em muitos uma injustificada antipatia às elites in genere, em vez de uma não raras vezes explicável antipatia dirigida apenas contra as falsas elites.

Para simbolizar o perfil moral e psicológico do tipo humano de tais elites inautênticas — existentes nos Estados Unidos, como em quase todo o Ocidente — tomou curso no linguajar corrente das TFPs a palavra "sapo", e ao conjunto dos sapos a denominação coletiva de "saparia".

Em geral, o "sapo" nasceu da Revolução Industrial. Ou seja, ele é o fruto — artificial, sob certos pontos de vista — de uma economia de base industrial que gerou fortunas excessivamente grandes, sem proporção com a massa geral dos patrimônios individuais do país. Estas fortunas podem ser de natureza industrial, financeira, e mesmo artística ou esportiva, como no caso de certas personalidades do cinema, da televisão e dos esportes.

Há um tal desequilíbrio entre os "sapos" e os outros níveis econômicos da população, que eles parecem viver numa espécie de estratosfera em relação ao restante do corpo social, levando uma vida econômica e socialmente desproporcionada às suas origens e ao seu nível cultural.

Pode haver também um tipo de "sapo", igualmente rico, descendente de famílias tradicionais, de aparência aristocrática, mas que usa de sua posição e de seu prestígio social para favorecer a implantação de reformas de caráter liberal e igualitário.

b. Caráter malfazejo da "saparia"

Nessas condições, o "sapo" — a expressão pode ser forte demais — é quase um câncer no corpo social. Longe de ser o coroamento de uma hierarquia harmônica de elites, a "saparia" dá ensejo ao estabelecimento no país da própria estrutura de poder, de influência e de prestígio dela, sem imbricação com os demais níveis de elites. O peso dessa estrutura anti-natural acaba por prejudicar seriamente aquilo que deveria ser uma sadia e equilibrada vida política, econômica, social e cultural da nação. Mesmo que, individualmente, os membros desta contra-elite possam não ter essa intenção, o próprio dinamismo do sistema por eles dirigido acaba conduzindo a este fim.

Assim como o último degrau da escada deve ter proporção com os degraus anteriores, a elite verdadeira deve ter proporção com os outros elementos do corpo social. Uma escada em que o último degrau fosse exageradamente mais alto que os outros, tornaria a escada inutilizável.

Nas sociedades modernas e industriais, este último degrau exageradamente alto teve sua origem, muitas vezes, em fortunas desmedidas, acompanhadas de um poder, de uma influência e de uma cobertura publicitária igualmente desmedidas. Os possuidores de tais fortunas, sejam eles indivíduos ou empresas, famílias novas ou antigas, têm haveres e interesses em muitas regiões do país e em diversas partes do mundo, escapando assim aos limites naturais e sadios da propriedade privada, e constituindo quase estados dentro do Estado.

Pela amplitude que tomam, estas contra-elites acabam gerando em seus membros uma mentalidade característica, que leva ao ceticismo geral no terreno doutrinário, com desprezo por tudo quanto representa idéias, maneiras e tradições de uma Civilização Cristã. Leva também a uma exclusiva valorização do poder e do status que a super-fortuna confere, como meio para exercer uma ação a seu modo tirânica sobre o país.

Este conjunto de super-fortunas supra-nacionais, sejam elas individuais ou societárias, forma no cume da vida econômica do país uma trans-elite, que mais se assemelha a uma "nomenklatura".

c. Os "sapos" e o comunismo

Ao observar como foi o comportamento desta "saparia" nos países capitalistas ocidentais, em relação ao mundo comunista, constata-se um fato perplexitante: Longe de estar na liderança de uma ampla ação contra o comunismo internacional — como sua condição pareceria exigir — os membros da "saparia" se mostraram concessivos frente a ele, sempre prontos a negociar, a abrir-lhe os cofres do crédito ocidental, a aplainar-lhe o caminho em tudo que fosse possível.

Esta atitude foi uma das características mais chocantes de tal contra-elite. Pois ela freqüentemente se dispôs a salvar de seu fracasso um regime que sempre fez questão de se apresentar como o pior inimigo do capitalismo. Foi o caso, por exemplo, de titulares de grandes patrimônios, que destinaram à Rússia comunista, até mesmo nos períodos de tensão daquele país com nossa pátria, recursos econômicos indispensáveis para a sobrevivência daquele regime.

Embora a explicação mais profunda deste fato seja bastante complexa, e até enigmática, para ser exposta em poucas linhas, é certo que um dos fatores que mais pesou para essa atitude foi a semelhança entre o papel desta "saparia" nos regimes capitalistas ocidentais e a "nomenklatura" nos Estados comunistas. Realmente o super-poder do Estado comunista, dotado de uma capacidade de ingerência em todos os campos da vida humana, tem muito de parecido com o super-poder de que esta contra-elite goza em países do Ocidente. Assim sendo, a nomenklatura é uma imagem da "saparia" dentro do regime comunista.

Não é de surpreender, portanto, que entre duas "elites", tão afins sob certos aspectos, as barreiras ideológicas se transponham com facilidade, e que a "saparia" capitalista ocidental mostre simpatia para com sua congênere — que é ao mesmo tempo sua antítese — do capitalismo de Estado.5

5 - Domhoff aponta os fatores que levaram a uma weltanschauung comum entre a saparia norte-americana e a nomenklatura soviética: "O internacionalismo, a aceitação do governo centralizador e do Estado previdenciário, são três características do pensamento atual no mundo dos grandes negócios. Isto levou os ultra-conservadores a comparar o país [Estados Unidos] dominado pelas grandes empresas à situação vigente na Rússia soviética. Existe, afinal, uma semelhança apreciável. O grande homem de negócios da atualidade não tem uma concepção religiosa do mundo.... Sua concepção é laica e baseada em sua educação liberal e cientificista". (G.W. Domhoff, The Governing Class in America, The Higher Circles, p. 295)

d. O "jet set"

Também como exemplo expressivo de elite inautêntica, cumpre distinguir o que a linguagem moderna designa com o nome de jet set.

A expressão jet set indica os mais ricos — de todos os tipos — que vivem gastando e se divertindo. O jet set pode incluir uma princesa real, um croupier, um jockey famoso, uma estrela de cinema, etc. As pessoas mais díspares entre si figuram no jet set, desde que tenham dinheiro em quantidade que lhes permita gastá-lo a mancheias.

O que caracteriza o jet set é a posse de dinheiro com a vontade de gastar e de aparecer aos olhos do público. Poder-se-ia quase fazer a tal propósito uma equação matemática: dinheiro + vontade de gastar + vontade de aparecer = jet set.

Neste campo também se manifesta a ação nociva da mídia, ao assestar os holofotes da propaganda quase exclusivamente sobre o jet set, relegando as elites tradicionais ao ostracismo. Para o jet set a mídia é generosa. Assim, se um membro de uma família tradicional pertence ao jet set, quando houver um casamento nessa família a mídia lhe dará toda publicidade, negligenciando outros membros que se mostrem mais tradicionais.

Na realidade o jet set constitui a caricatura de uma elite autêntica.

Este aspecto caricatural nota-se não só nas pessoas, mas também nas decorações e nos ambientes típicos do jet set, profundamente marcados pelo predomínio do desejo de manifestar riqueza, e não pela distinção ou pelo bom gosto. São ambientes que, ao lado de uma nota de opulência e extravagância, apresentam um luxo que nunca é aristocratizante, mas sim vistoso e demagógico.

3. As diferentes vias para as elites autênticas e inautênticas

Quando uma pessoa adquire fortuna por mérito próprio ou por herança, ela tem diante de si dois caminhos: refinar-se a ponto de abrir para si — ou, pelo menos, para seus descendentes — as portas da assimilação às elites tradicionais; ou enveredar pelo caminho da "saparia".

a. O caminho da assimilação às elites tradicionais

No primeiro caso estão as pessoas que, tendo adquirido uma certa fortuna, não se preocupam muito em aumentá-la. Julgam elas que, ao assimilar valores da tradição e da cultura européias, isso já lhes basta para ter um prestígio suficiente em seu meio social. A administração equilibrada de seus bens lhes permite desenvolver um estilo de vida refinado, análogo ao da aristocracia, sem maiores preocupações de ordem financeira.

Segundo esta mentalidade, desde que o patrimônio seja suficiente para manter o status já adquirido, e a pessoa tenha valores culturais correspondentes à sua alta posição, ela se julga realizada em suas aspirações. Seu prestígio vem mais do status de elite do que de sua fortuna.

Tais pessoas tornam-se independentes em relação às máximas de uma sociedade revolucionária, às imposições das altas finanças e aos imperativos de certas modas extravagantes e da propaganda. Passam então por um processo de aperfeiçoamento, que as torna assimiláveis às elites tradicionais. Elas adquirem um feitio de espírito aristocrático, um modo de ser que lhes dá uma superioridade intrínseca que não vem do dinheiro, mas de fatores psicológicos e culturais. Podem então formar parte de uma autêntica elite tradicional, seja ela de âmbito regional ou nacional.

b. As vias da "saparia"

Outras pessoas tomam um rumo oposto, enveredando pela via do pragmatismo revolucionário, menosprezando a tradição e visando acima de tudo a aquisição de fortuna e poder econômico cada vez maiores.

Elas têm como idéia fixa que o dinheiro é a única fonte de prestígio, e querem aumentar seu patrimônio a todo custo. Para isso lançam-se no mundo das finanças internacionais e rompem os laços que as prendiam às tradições de seu lugar de origem. Inteiramente tomadas pela preocupação dos negócios, falta-lhes de todo em todo o espírito ponderado próprio à verdadeira aristocracia.

Uma terceira via é representada por aquelas pessoas ricas que não colocam sua maior preocupação em negócios ou na aquisição de novas riquezas. Embora às vezes oriundas das elites tradicionais, e apresentando um estilo de vida marcado por hábitos aristocráticos, professam idéias liberais e igualitárias, favorecendo o avanço da Revolução em nível nacional e internacional. Neste sentido assemelham-se ao "sapo" descrito no parágrafo anterior.

Porém, mesmo os descendentes de um primitivo "sapo" podem se aristocratizar. Se após algumas gerações, passadas predominantemente na conquista de riqueza, esta apetência se atenua para dar lugar maior às coisas do espírito e da cultura, eles podem ser incorporados às elites aristocráticas, desde que tenham a alma aberta para assimilar seus valores e modos de vida.

4. Classes sociais6

6 - No seu sentido social, a palavra classe é definida no Webster’s New International Dictionary: One group of a usually society-wide grouping of people according to social status, political or economic similarities, or interests or ways of life in common; social rank, especially high social rank; an economic or social rank above that of the proletariat.

a. O conceito de perfeição aplicado aos indivíduos e às famílias

O conceito abstrato de perfeição é fácil de ser entendido. Embora a palavra "perfeição" pertença inteiramente ao vocabulário corrente, seu uso comporta os mais diversos matizes. Entretanto, em todos os casos seu conceito mais elementar e essencial se encontra presente, sempre que ela é usada.

Perfeição é o estado de um ser que tenha os atributos necessários para sua própria integridade; e, se se trata de um ser racional, para que ele seja capaz de conhecer de modo objetivo seus próprios fins e possua as aptidões para realizá-los.

Assim conceituada, a perfeição comporta graus distintos.

Há um grau de perfeição mínima, que consiste na posse daqueles atributos em número e em qualidade apenas suficiente para sua integridade e para a realização de seus fins.

Outro grau maior consiste nessa posse em número e qualidade bastante amplos para que, além da presença da integridade, a realização dos fins se dê com certa folga ou abastança.

Por fim, há um mais alto grau de perfeição, que consiste na posse de tais atributos em grau e em abundância suficientes para que seu possuidor possa destacar-se de um modo prestigioso — e por vezes até glorioso — no conceito comum dos homens.

Os graus dessa escala têm algo de intransponível. Cada homem não pode passar além da extensão máxima a que lhe permitem chegar a extensão e a elasticidade naturais de seu ser. De sorte que um indivíduo pode alçar-se, à custa de esforço, à condição de um músico mediano, agradável de ser ouvido; porém jamais poderá alcançar a condição de um compositor dotado da desconcertante facilidade e do talento encantadoramente harmonioso de um Mozart.

A ascensão através dos diversos graus de perfeição é habitualmente penosa. Pois, se é verdade que todos os homens retos tendem para sua perfeição, poucos conseguem atingir o fim da trajetória escarpada do próprio aperfeiçoamento.

Não é raro que, caracterizando-se uma família pela posse nativa da mesma perfeição em graus diferentes, se todos os seus membros procuram alcançar esta perfeição por uma nobre porfia e uma fraterna entre-ajuda, pelo menos alguns deles conseguem atingir esta perfeição em grau insigne.

A título de mera ilustração, cabe aqui lembrar a afirmação de que uma região é o campo de influência de uma grande família. E uma grande família é aquela que, realçada por grandes qualidades naturais, dilatadas até o máximo pelo esforço contínuo rumo a esta perfeição — entrevista no ideal familiar comum e assegurada em sua continuidade por um forte espírito tradicional — chega a granjear para a quase totalidade de seus membros uma perfeição de nível comum, e para alguns uma perfeição inteiramente excepcional. Em suma, uma grande família pode ser como que a alma de uma região ou de um país.

b. É próprio a todas as classes sociais tender à perfeição

É próprio de tudo aquilo que é saudavelmente vivo tender continuamente a crescer em perfeição. Esta tendência natural à perfeição deve também manifestar-se nas classes sociais.

A perfeição tem graus. Sob este ponto de vista, uma classe social, qualquer que seja seu nível, é um conjunto de famílias que atingiu um grau de perfeição próprio àquele nível.

É natural que os pais de família — sejam eles operários, burgueses ou nobres — queiram dar aos filhos os meios de continuar a viver com a largueza com que eles próprios viveram. Esta continuidade é justa, porém não é suficiente. Na medida de suas possibilidades, os pais devem querer legar a seus filhos condições melhores.

Esta tendência a melhorar não deve ser entendida primordialmente no sentido de que a um pai operário deve suceder um filho advogado. A condição de vida de um operário é suscetível de grandes aperfeiçoamentos, e seu nível cultural pode aprimorar-se sensivelmente no decorrer das gerações.

Outro campo de aperfeiçoamento é o progresso nas virtudes. Pode haver progresso no amor conjugal, no amor materno e paterno, em tantas outras virtudes. Com o progresso espiritual vem necessariamente, mais cedo ou mais tarde, o progresso artístico, cultural, etc, sem mudar de nível social.

Um efeito deste aprimoramento dentro da própria classe, na história da Civilização Cristã, foi o aparecimento da arte popular, que chegou a produzir verdadeiras obras-primas feitas por artesãos ou por camponeses. Não foi uma arte aprendida numa escola de belas artes ou inspirada numa revista especializada, mas sim concebida e executada como expressão de qualidades de alma.

Por outro lado, não deixa de ser lícito passar de uma classe para outra mais elevada. É saudável e bom que isto aconteça, quando aparece alguém com talentos especiais que justifiquem, ou até imponham, tal ascensão. Mas deve ser fato excepcional, embora avidamente aproveitado.7 Uma pessoa nessas condições não deve ser rejeitada pela classe alta como um fenômeno subversivo, que pode perturbar o equilíbrio geral. Se apareceu e tem um grande talento, as portas das classes mais altas lhe devem estar abertas. Quem sobe assim, não está chefiando uma revolução, está apenas participando de um progresso. Se ele se refinar até o nível de sua nova classe, os filhos já nascerão nessa classe.

7 - Esta excepcionalidade é observada na sociedade norte-americana, como afirma o sociólogo Paul Mott: "O fato mais evidente acerca da mobilidade em nossa sociedade é que o filho geralmente segue o mesmo tipo de ocupação profissional que o pai, ou um pouco acima ou abaixo dele. É muito raro passar de um extremo da escala profissional para o outro". (Paul Mott, The Organization of Society - Englewood Cliffs, Prentice-Hall, 1965, p. 204)

Isto faz parte do processo rumo à perfeição, que deve dar-se em todas as classes, mas que é especialmente necessário nas famílias de mais alto nível, tendo em vista o exemplo que elas devem dar ao restante da sociedade.

Essa caminhada através dos vários graus de perfeição representa o progresso harmônico e verdadeiro da sociedade. Nisso há a idéia de Civilização Cristã: a sociedade inteira caminhando para um ponto ideal comum, mas que se concretiza de modo diferente para cada classe.

c. Nosso Senhor Jesus Cristo, tipo humano perfeito

As diversas classes vão elaborando tipos humanos que lhe são próprios, cada vez mais próximos do tipo ideal, enquanto realizado nos padrões daquela classe.

Esse modelo, esse tipo humano ideal, esse pólo de perfeição, não é um modelo teórico, mas teve realização histórica. É a pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Homem-Deus. Esta marcha ascensional da humanidade é, pois, uma marcha rumo a Nosso Senhor Jesus Cristo, que, em sua humanidade, realiza o tipo humano perfeito.

A perfeição da natureza humana se encontra nEle elevada a um grau superior a si mesma, pela união hipostática com a natureza divina. Em Nosso Senhor Jesus Cristo todas as virtudes humanas estão presentes harmonicamente e em grau supremo. Elas se fundem umas nas outras de modo perfeito, revelando assim, por trás delas — como o abajur revela a luz — a existência da própria perfeição divina, pois Ele é o Homem-Deus.

Uma sociedade que, tomada em seu conjunto, tenha o firme propósito de assimilar tanto quanto possível o que se poderia chamar o tipo humano de Nosso Senhor Jesus Cristo, sobe continuamente rumo à perfeição. Nisto consiste o verdadeiro progresso.

5. Aristocracia8

8 - No seu sentido social, a palavra aristocracia é definida pelo Webster’s New International Dictionary: Government by the best individuals or by a relatively small privileged class; a form of government in which the power is vested in a minority consisting of those felt to be best qualified to rule; a governing body made up of those outstanding citizens, especially, nobles or those of high rank; a upper class made up of an hereditary nobility; a patrician order; the aggregate of those felt to be superior.

a. A aristocracia cristã

Foi na aristocracia que a elaboração desse tipo humano ideal, a busca desse alto padrão de perfeição para o qual deve tender toda a sociedade, foi mais completa. Em outras palavras, compete a ela realizar o tipo humano mais perfeito, mais elevado, mais nobre.

Assim, o tipo humano de Nosso Senhor Jesus Cristo está no cerne do conceito ocidental de aristocracia.

Com efeito, o Ocidente elaborou seus padrões políticos, sociais e culturais no fluxo da civilização cristã.9 O tipo humano do gentilhomem cristão, modelo da aristocracia ocidental, teve como ideal primeiro e supremo a imitação das perfeições de Nosso Senhor Jesus Cristo.

9 - A posterior divisão da Europa — e depois a das Américas — num bloco católico e outro protestante não afeta, deste ponto de vista, o alcance das considerações aqui feitas. A presente análise é sociológica e histórica, e não religiosa. Neste sentido, é inegável que os fundamentos da ordem ocidental, e concretamente de sua tipificação social, provém do grande tronco da civilização cristã, comum a católicos e protestantes. E esta civilização era baseada na pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo, como aliás seu próprio nome o indica.

De fato, as virtudes que compunham o perfil moral do aristocrata cristão — honra, abnegação, coragem, magnanimidade, respeito, veracidade, etc — se inspiravam no exemplo e nos ensinamentos de Nosso Senhor Jesus Cristo, em quem se encontram em grau supremo, a bem dizer, divino.

Conclui-se daí, portanto, que a verdadeira aristocracia é aquela que realiza, com toda seriedade e todo enlevo, esse modelo de perfeição. E que se torna confusa e desbotada na medida em que dEle se afasta.

b. Aristocracia e santidade

Do que até aqui foi dito, não se pode deduzir simplesmente que a condição de aristocrata se identifique inteiramente com a santidade. Pois não se pode negar que haja santos não aristocratas e aristocratas não santos.

Mas se a aristocracia não se confunde com a santidade, também não se dissocia inteiramente dela. Pode acontecer que uma pessoa tenha santidade, mas não realize na sua personalidade todos os reflexos de ordem temporal que a santidade pode produzir. Pode haver santos que não consigam ou não queiram permear a sua virtude com as qualidades que distinguem o aristocrata, porque isto não está na sua vocação.

Algumas vocações dentro da aristocracia procuram apenas garantir a solidez e a força dos elementos fundamentais da sociedade temporal. Outras procuram ir mais longe e alcançar os mais altos padrões de beleza e de perfeição dessa sociedade. Isto poderá fazer do aristocrata também um santo. Ao seguir a vocação que Deus lhe deu, ele faz florescer seus dons, sobretudo os de ordem temporal, até os mais altos píncaros; e procura ver nas coisas temporais as relações com os bens do espírito e com o próprio Deus.

Naqueles que não são aristocratas, a santidade não tende necessariamente para a aristocracia. Mas ela inegavelmente favorece a realização, de um modo excelente, do que é próprio à condição da pessoa. A santidade, portanto, eleva o indivíduo dentro de sua condição, mas não necessariamente para uma condição mais alta.

São duas vocações diversas dentro do conjunto social.

c. A aristocracia sintetiza as perfeições da coletividade

Os anteriores comentários consideram a aristocracia do ponto de vista do mais alto pólo de perfeição ao qual ela deve tender. Mas ela também pode ser considerada enquanto exprimindo de modo exímio a perfeição coletiva de uma cidade ou região.

Com efeito, toda cidade ou região tem uma como que personalidade coletiva, algo que se poderia chamar uma "alma comum", a qual, em certo sentido, valeria mais do que a soma das almas ou das personalidades individuais. Essa "alma comum" é, no fundo, uma síntese das perfeições para as quais tendem os indivíduos, as famílias e as classes dessa cidade ou região. Ela é o produto coletivo da marcha geral rumo à perfeição.

O aristocrata, melhor que os outros, exprime o elemento coletivo que representa aquele conjunto em seus aspectos mais altos. Ou seja, eleva-se a um padrão acima do conjunto, e fica sendo como que a encarnação daquele lugar. Por isso, ele tem a missão de representar aquele traço de alma, aquele estado de espírito, aquela virtude que são próprios àquele lugar. É peculiar à sua missão estar voltado para o bem comum. A tarefa superior do aristocrata é ser fiel a essa missão, conservar esse espírito, elevá-lo e fazê-lo progredir.

d. Aristocracia e grandeza

O aristocrata só se realizará inteiramente quando tiver uma idéia clara do que deve ser a grandeza do país, e se dispuser a representá-la.

Numerosos fatos históricos serviriam como exemplos de uma grandeza norte-americana. Um deles está representado na célebre foto dos soldados cravando a bandeira em Iwo Jima. Estudando de perto alguns grandes generais norte-americanos, também nota-se que eles tiveram características de grandeza, tais como, no século atual, os generais George Patton e Douglas McArthur.

Para realizar o ideal de grandeza ao qual nosso país é chamado, seria preciso que as famílias da elite tradicional nos Estados Unidos elaborassem os traços característicos e, mais especificamente, o perfil aristocrático dessa grandeza.

Porque, em princípio, em todas as famílias da elite há, em estado germinativo, um "sonho" de grandeza que elas deveriam desdobrar em toda a sua amplitude, abarcando nele o próprio país, considerado enquanto a mais abarcativa das coletividades. Porém a magnífica expansão desse "sonho" é circunscrita habitualmente, já em seu nascedouro, pela pressão contrária do mito igualitário.

Aqui se define a diferença entre os norte-americanos entusiasmados pela grandeza quantitativa — ou seja, a produtiva-econômica — e os entusiasmados pela grandeza qualitativa, ou seja, a honra e a glória da nação.