2 de setembro – Festa dos Bem aventurados Mártires da Revolução Francesa

Santo do Dia, 1° de setembro de 1967

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

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Massacre dos sacerdotes que se recusavam a fazer o juramento à “Constituição Civil do Clero” (“refratários”, assim eles chamados pelos revolucionários), na prisão do antigo Convento des Carmes

É festa, amanhã, dos bem-aventurados mártires da Revolução Francesa. Sobre isso temos a seguinte ficha: 

[A Constituição Civil do Clero] em 13 de Abril de 1791, foi condenada como herética, cismática e sacrílega. Herética porque negava implicitamente a autoridade do Soberano Pontífice; cismática porque separava de Roma a Igreja da França e a reduzia a uma Igreja Nacional; sacrílega pelas reformas que pretendia impor à Igreja e ao clero.

Ora, há uma íntima relação entre a recusa do juramento a essa Constituição e os Massacres de Setembro. Não se pode corromper a honra dos padres fiéis. Tira-se-lhes a vida. As seitas, irritadas, haviam decidido fazer desaparecer os conspiradores. Entre 11 e 30 de agosto de 1792, 250 padres foram encarcerados no Carmo, outros na Force, outros em Saint Firmin, na Abadia.

Eram várias prisões.  

Encontravam-se entre eles três prelados, vigários gerais, beneditinos, o superior geral dos Maristas o superior dos Eudistas, o secretário geral das Escolas Cristãs, jesuítas, capuchinhos, cordeliers, sulpicianos etc. Deus quisera que todas as classes do clero secular e regular fossem representadas no dia do testemunho supremo.

Tais homens não eram conspiradores, não haviam traído seu país, mas não podiam prestar juramento a uma Constituição que lhes pedia uma prevaricação. Subscrevê-la era entregar a Igreja ao Estado. Sua consciência não lhes permitiria isso. E assim preferiram morrer, acedendo às corajosas palavras do bispo de Sens: “se Deus permitiu que devemos perecer por uma causa tão bela, alegremo-nos Nele de nos ter julgados dignos de sofrer por Ele!”

Na tarde de 2 de Setembro, os miseráveis irromperam nas prisões gritando para os sacerdotes: “Prestai juramento!” E ante as suas recusas, massacraram-nos a golpes de fuzil e de sabre. Seus corpos foram – a maior parte – transportados para o cemitério de Vaugirard, onde grandes fossas tinham sido preparadas de antemão. Um certo número foi lançado num poço do convento dos Carmelitas. Mais tarde buscas foram feitas e encontrou-se grande quantidade de crânios e ossos trazendo a marca dos golpes recebidos, como se pode constatar na cripta da igreja do Carmo de Paris, onde foram recolhidos.

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Massacre des sacerdotes refugiados na Capela des Carmes – gravura da época

A veneração pelos mártires de Setembro não foi desmentida após o Terror. Pio VI, desde 1798, deu-lhes o nome de “Coro dos mártires”. Foram beatificados por Pio XI, em 1925”.

O comentário que esse fato merece é o comentário idêntico aos mais belos aspectos que se poderiam comentar no Dialogue des Carmelites (*). Quer dizer, nós temos aqui algumas centenas, duas centenas, perto de três centenas de sacerdotes que colocados entre o martírio e a apostasia preferiram o martírio. Foram fiéis à sua consciência sacerdotal, e evitaram assinar um ato que importava, praticamente, de um lado na apostasia, ou melhor, na protestantização da Igreja francesa e, de outro lado, na proclamação da república dentro da Igreja. Na protestantização da Igreja porque o Papa ficava apenas como autoridade honorífica.

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Martírio das Carmelitas de Compiègne

Mas segundo essa lei votada pelos revolucionários, o Papa perdia toda a força no que diz respeito à autoridade doutrinária. O livre exame passava a vigorar na Igreja francesa. Depois, era a republicanização, porque todos os cargos importantes da Igreja passavam a ser escolhidos por sufrágio universal, sem nenhuma interferência do Papa. Os bispos, depois de eleitos, simplesmente mandavam avisar ao Papa que tinham sido eleitos, e lhe prestavam uma homenagem que era um puro cumprimento. Quer dizer, a Igreja ficava completamente esfacelada. Eles não podiam aceitar isso e preferiram morrer.

É evidentemente uma coisa muito bela vermos isso, mas no caso desses padres me parece ver uma beleza particular. As carmelitas eram religiosas admiráveis. Eu li uma vez uma citação do livro, do relatório de um visitador das carmelitas, no convento de Compiègne. Ele diz o seguinte: que é tal a perfeição daquelas freiras, que por mais que tivesse procurado uma censura para satisfazer a avidez delas de serem censuradas, não encontrou. E com isso ele não tinha outra coisa senão fazer elogios.

E há uma grande beleza em a gente ver essas esposas de Cristo de tal maneira preparadas para a vinda do Esposo. De maneira que quando chega o Esposo, elas estão todas dispostas ao martírio, e caminham para o martírio com aquele heroísmo e aquela linha que se afirmou em todas e, a seu modo próprio, se afirmou, inclusive, na Blanche de la Force (**).

Isso de um lado. Agora, de outro lado, temos os padres. Sabemos que o clero na França estava numa situação bem diferente dessas carmelitas. Verificamos como muitos decênios antes da Revolução Francesa era maltratado pelo episcopado e pelo clero São Luís Grignion de Montfort. Objeto de um desprezo, de um pouco caso tal que uma vez até à boca dele subiu o travo da amargura e ele habitualmente tão conformado, tão humilde, tão alegre, teve esse comentário, depois de ter ido a um convento onde o trataram ultrajantemente: “eu não supunha que fosse possível tratar por essa forma um padre”.

Os senhores estão vendo até onde a coisa chegou! Era o ódio que havia dentro do clero contra o espírito [mariano]. E, realmente, todos os padres de primeira linha ocupavam uma posição marginal dentro do clero francês.

Arrebenta a tormenta e os historiadores verificam essa coisa bonita: que muitos desses sacerdotes, que eram sacerdotes relaxados, – mas que, em última análise, professavam a doutrina católica -, que muitos desses sacerdotes resolveram corresponder à graça nesse extremo e que houve grandes mártires, não só entre os padres bons, mas também entre os padres ruins. Isso me lembra o Bom Ladrão e lembra tantos outros fatos da história da Igreja. Pessoas que não merecem, mas que a misericórdia divina acolhe e que eleva até o mais alto dos Céus.

Os senhores percebem com facilidade como isso é encorajador, como isso é alentador e como isso nos deve dar também esperanças quando da realização dos grandes acontecimentos previstos por Nossa Senhora em Fátima. Em vez de considerarmos tais acontecimentos com terror, devemos considerá-los como uma ocasião de grandes graças. Como o momento em que a Providência divina chama para junto de si até seus filhos relapsos, até os filhos com que está descontente; em que Ela consegue, por maravilhas da graça, levar às honras dos altares gente que, segundo a ordem natural das coisas, sem isso nunca teria chegado a essas honras e talvez até estivesse no inferno.

Aqui há um outro aspecto do plano da Providência que mostra como Deus é admirável na oposição, mas não na contradição, das Suas obras. De um lado, admirável fazendo subir ao céu aquelas admiráveis mártires, tão preparadas, de Compiégne. De outro lado, admirável fazendo subir ao Céu, ao par de sacerdotes fiéis, tantos sacerdotes lamentavelmente infiéis, mas que colocados ante a suprema traição e a morte, auxiliados pela graça e contra os planos da prudência humana, acabaram tendo o gesto admirável de preferir a morte, de preferir o martírio.

Peçamos a eles que roguem por nós. Peçamos aos que foram sempre fiéis que tornem a nossa alma tão inteiramente fiel como as das carmelitas de Compiègne. Aos que não foram fiéis, e caso não estejamos inteiramente preparados, que nos beneficiemos da imensa misericórdia de que eles mesmos se beneficiaram.


(*) Dialogue des Carmelites A 17 de julho de 1794, em Compiègne, um grupo de religiosas carmelitas foi guilhotinado pelos revolucionários. A propósito do fato histórico, Gertrud von le Fort, romancista alemã (1876-1971), escreveu o romance histórico “A última ao cadafalso” ( Die Letze am Schafott, 1931 ), posteriormente adaptada para o teatro por Georges Bernanos ( 1888-1948 ) sob o título de “Diálogue des Carmelites”, publicado postumamente ( em 1949 ). É a este texto que o Prof. Plinio faz referência.

Seu texto foi adaptado, anos depois, para o cinema.

(**) Blanche de La Force – Personagem central do referido “Dialogue des Carmelites”. Teria sido uma religiosa que, por medo da perseguição dos revolucionários abandonou suas irmãs de habito. Entretanto, quando as viu subirem ao cadafalso, com despretensão e altaneria, para serem decapitadas, juntou-se a elas e obteve assim a palma do martírio.

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