Catolicismo Nº 223 – Julho de 1969
Um requerimento e um despacho; uma resposta e o silêncio
Plinio Corrêa de Oliveira
Em data de 25 de julho p.p., o Sr. Antonio Rodrigues Ferreira, na qualidade de Presidente da Seção de Minas Gerais da TFP, apresentou o seguinte requerimento ao Sr. Joaquim Ferreira Gonçalves, Secretário da Segurança Pública do Estado montanhês:
“Antonio Rodrigues Ferreira, Presidente da Seção de Minas Gerais da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, vem expor e requerer a V. Excia. o seguinte:
1 – Em todo o Brasil vem a TFP realizando, com apoio das autoridades competentes, a difusão do conhecido mensário de cultura “Catolicismo”, o qual se edita em Campos, com a aprovação eclesiástica do Ilustre Bispo de Campos, D. Antonio de Castro Mayer.
2 – No número que está sendo distribuído nos termos do item anterior, se trata de um assunto de interesse genuinamente religioso, isto é, de organizações semi-clandestinas – o IDOC e os “grupos proféticos” – que visam difundir o ateísmo e a amoralidade nos meios católicos.
3 – “Catolicismo” reproduz e comenta nesse número artigos das revistas católicas “Approaches” de Londres e “Ecclesia” de Madrid, e traz um artigo do preclaro Bispo de Campos denunciando como heréticas as referidas entidades clandestinas.
É compreensível que em todo o País os comunistas, ateus por definição, se desagradem com este combate à propaganda atéia dentro da Igreja Católica, como é evidente que qualquer cerceamento desta campanha lhes beneficie valiosamente o jogo.
4 – Por isso têm os comunistas tentado criar distúrbios em algumas cidades com o intuito de turvar a campanha da TFP, e as autoridades têm entendido que devem reprimir tais perturbações, pois estas ferem a liberdade de culto e a liberdade de pensamento, princípios basilares da Constituição.
Assim, venho requerer a V. Excia. as medidas que julgue necessárias para tutelar – em face das investidas comunistas contra a TFP, que V. Excia. afirmou recear – a liberdade religiosa em todas as vias públicas desta cidade, inclusive as do centro, isto de maneira que a TFP possa difundir por todos os métodos lícitos de propaganda o citado mensário “Catolicismo”.
Não quero crer que V. Excia. negue esta proteção e que se possa dizer que, no regime inaugurado a 13 de dezembro para combater o comunismo, é lícito aos comunistas, embora colocados fora da lei, impor ao Governo Estadual que vete a liberdade de católicos se proclamarem católicos o centro desta católica cidade… simplesmente porque esta proclamação irrita aos comunistas.
Esperando do alto espírito cívico de V. Excia. e de seus sentimentos cristãos favorável acolhida,
Nestes termos,
Pede deferimento”
“A Polícia não pode nem deve autorizar este método de campanha”
Este requerimento foi indeferido no dia 26, por despacho do titular da pasta da Segurança Pública, exarado nestes termos:
“Antonio Rodrigues Ferreira, declinando sua qualidade de Presidente da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, Seção de Minas Gerais, requer que a Polícia garanta a liberdade religiosa em todas as vias públicas desta Capital, a fim de que a Instituição possa difundir todos os métodos de propaganda [sic] do mensário “Catolicismo”. Procurando fundamentar a súplica, diz o signatário que a TFP vem realizando, em todo o Brasil, com apoio das autoridades competentes, a difusão do citado jornal. Alega, ainda, que o órgão reproduz e comenta artigos de revistas católicas, com trabalho do preclaro Bispo de Campos, denunciando como heréticas entidades clandestinas a que alude. Pondera, ainda, ser compreensível o desagrado que esse processo de combater causa aos comunistas e que o cerceamento dessa campanha lhes beneficia valiosamente, pois procuram turvar os objetivos da TFP. Não invoca, todavia, a norma legal que ampare a pretensão.
Sem ferir o mérito do angustioso problema tratado no requerimento, não posso deferir o pedido, por não encontrar, na lei, qualquer fundamento para a ação da polícia, no sentido de dar à requerente a tutela para a campanha objetivada. Muito ao contrário, a concessão importaria em flagrante ofensa à lei municipal nº 151, de 17 de julho de 1950, que regulamenta o assunto, além de resultar numa espécie de concorrência desleal a outros órgãos de divulgação, cujo funcionamento é legalmente permitido. Pelas notícias que chegam a esta Pasta, quanto ao processo empregado pelos agentes da TFP, em pontos de maior afluxo popular e intensidade de trânsito de veículos, a atual campanha da Entidade em apreço vem trazendo sérios aborrecimentos ao povo, pela forma agressiva posta em prática, além de contribuir para fermentação de discórdias, capazes de gerar clima propício a reações, com retorno a uma fase inteiramente superada, graças ao profícuo trabalho da Revolução. Esta não foi instituída apenas para combater o comunismo, outras formas de subversão, a corrupção e a dissolução dos costumes. Veio, também, para restabelecer o princípio da legalidade, da igualdade de todos perante a lei, para restaurar a normalidade da vida democrática, enfim. A Polícia não pode nem deve autorizar que este método de campanha se desenvolva em vias públicas e se a TFP desejar divulgar o mensário de cultura – “Catolicismo” -, poderá fazê-lo pelos meios regulares, utilizando-se de bancas de jornais, cujos funcionamentos são permitidos pelo poder competente, através de distribuição domiciliar ou por meio de assinaturas.
Secretaria de Estado da Segurança Pública, em 26 de junho de 1969.
a) Joaquim Ferreira Gonçalves
Secretário de Estado da Segurança Pública”.
Cópia dessa decisão foi enviada por seu prolator, através de carta da mesma data, ao signatário do requerimento, Sr. Antonio Rodrigues Ferreira.
“Causou compreensível alegria entre comunista e progressistas”
Tomando conhecimento desse despacho, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, Presidente do Conselho Nacional da TFP, enviou ao Secretário Joaquim Ferreira Gonçalves, em data de 27, o ofício que passamos a transcrever:
“Exmo. Sr. Dr. Joaquim Ferreira Gonçalves,
DD. Secretário da Segurança Pública
Belo Horizonte – Minas Gerais
O despacho exarado por V. Excia. no requerimento protocolado sob nº 4221, em que a Seção mineira da TFP pede garantias contra agressões de arruaceiros, causou a mais viva surpresa – e até mesmo desconcerto – aos membros do Conselho Nacional desta entidade.
A situação criada em Minas pelo despacho de V. Excia. está tendo reflexos profundos em todo o Brasil, pois, divulgada pelos jornais, rádio e televisão de Belo Horizonte com um estrépito anormal, repercutiu intensamente em numerosos outros Estados, causando nos círculos comunistas e progressistas uma alegria fácil de conceber.
Assim, o assunto está em estudo no Conselho Nacional da TFP, e antes de formarmos sobre ele uma idéia global, pedimos a V. Excia. queira entrar em diálogo conosco a fim de obtermos esclarecimentos sobre alguns aspectos da matéria.
Na perspectiva de que – cavalheiro como o é, naturalmente, o membro do Governo de um Estado de tão alto nível de cultura e educação como Minas Gerais – V. Excia. não se recuse a tal diálogo, permito-me apresentar-lhe, relativamente a seu despacho, as seguintes perguntas:
1 – O perigo de distúrbios referido por V. Excia. em seu despacho, resulta apenas dos métodos de propaganda empregados pela TFP ou também do conteúdo ideológico da propaganda?
2 – Se resulta apenas dos métodos, peço a V. Excia. informar no que esses métodos são próprios a gerar tais discórdias. Pois se é simplesmente pelo que V. Excia. qualifica de agressividade dos jovens da TFP, creio que o mal poderia se remediar por uma vigilância da própria entidade para cercear esta “agressividade”.
3 – Se o caráter provocador dos métodos reside em algum outro ponto que não percebo, rogo a V. Excia. indicar qual é esse ponto, para que a TFP estude modos de realizar sua propaganda nas praças e ruas centrais da cidade, sem suscitar as reações temidas por V. Excia.
4 – Se a razão das possíveis agressões aos jovens da TFP não resulta só dos métodos de propaganda, mas do conteúdo ideológico desta, peço a V. Excia. que o diga claramente, e haja igualmente por bem explicitar de que setores ideológicos – segundo as informações da Secretaria de Segurança Pública de Minas Gerais – tais agressões poderão provir: se de círculos católicos desagradados de nossa denúncia contra organismos ateus semiclandestinos, ou se de ambientes comunistas.
Estou certo, de antemão, que V. Excia. não se recusará a um diálogo assim proposto, pois é um dos mais belos traços de nossa índole de brasileiros preferir a composição à repressão, e o diálogo ao exercício autoritário do mando. A imensa maioria da opinião pública compreenderá melhor uma colaboração de V. Excia. para enquadrar nossa campanha dentro das normas que, segundo a lei, V. Excia. queira e possa ditar, do que a supressão pura e simples da campanha nos logradouros públicos centrais, onde ela tende a se desenvolver pela própria natureza das coisas. Além do mais, ainda que dito diálogo não resulte no entendimento que o Conselho Nacional da TFP tão vivamente almeja, as informações aqui pedidas são indispensáveis para que nossa entidade possa, dentro da lei, proceder à tutela de seus direitos. Razão a mais para estarmos certos de que V. Excia. no-las dará.
Permita-me V. Excia. acrescentar ao pedido de informações acima três considerações.
Uma é sobre a lei municipal nº 151, de 17 de julho de 1950. A mim se me afigura que ela diz respeito claramente à concessão de bancas fixas para a venda de jornais e revistas por pequenos jornaleiros, e não à venda desses órgãos de publicidade por pessoas adultas e maiores de idade.
V. Excia. alude, em seu despacho, à igualdade de todos perante a lei. Se se trata de igualdade entre os membros da TFP, entidade cívica que defende a lei, e os comunistas – ora exultantes com a decisão de V. Excia. – que estão fora da lei, parece-me que tal igualdade legal não existe.
Por fim, peço a V. Excia. que me permita pôr em dúvida a objetividade das observações encaminhadas a V. Excia. sobre a “agressividade” de nossos jovens. Conheço-os, e sei que são eximiamente corteses e delicados. Mas a ter havido qualquer irregularidade deles neste assunto, o mal é tão fácil de remediar, que creio não haverá nisto empecilho maior para o prosseguimento da campanha.
Rogo a V. Excia. queira entregar sua carta de resposta diretamente à sede da TFP na cidade de Belo Horizonte ( Rua Tomé de Souza, nº 429 ). Um estafeta da mesma no-la trará com a maior urgência.
Agradecendo de antemão a acolhida que der à presente, subscrevo-me,
Atenciosamente,
Plinio Corrêa de Oliveira,
Presidente do Conselho Nacional”
O longo silêncio
Passados 18 dias – até o momento de encerrarmos a presente edição – o Conselho Nacional da TFP ainda não recebeu resposta do Sr. Joaquim Ferreira Gonçalves a esse ofício.