Catolicismo Nº 125 - Maio de 1961
Revolução e Contra Revolução em 30 Dias
A Constituição do Estado da Guanabara, recentemente promulgada, recusa quaisquer subvenções ao ensino particular, destinando enormes recursos ao ensino público, que é laico. A população escolar daquela unidade da Federação fica assim exposta aos gravíssimos inconvenientes de uma formação intelectual e moral de que Deus estará ausente. Que reação contra o ateísmo comunista poderão apresentar essas gerações novas educadas longe de Deus?
Depois de vários meses de inteiro silêncio, alguns órgãos da imprensa católica - como que à uma - publicaram artigos de oposição ao livro "Reforma Agrária - Questão de Consciência". Temos conhecimento de críticas desse gênero estampadas nas seguintes folhas: "Pax et Bonum" ( nº de março pp. ), artigo "Reforma Agrária - Consciência da Questão", por Renato Rocha ( o texto contém afirmações opostas às do livro, e o título é uma evidente alusão a este último ); "Jornal do Dia", de Porto Alegre ( nos. de 22 e 24 a 29 de janeiro pp. ), série de sete notas de autoria da redação; "Mensageiro do Carmelo", de São Paulo ( nos. de março e abril pp. ), dois artigos do Revmo. Frei Domingos Fragoso, O. Carm. Pelo muito apreço que temos à imprensa católica, e para manifestar nossa cordial simpatia aos referidos órgãos, gostaríamos de responder a cada um deles por meio de um artigo especial. Esta tarefa seria entretanto impraticável pelo volume de trabalho em que importaria. De outro lado, nos artigos em que um dos autores do livro, com a anuência dos três outros, redargüiu às críticas do Sr. Gustavo Corção, se encontram de um ou outro modo, implícita ou explicitamente, os argumentos essenciais com que responderíamos àqueles órgãos. Pois a argumentação dos setores agro-reformistas católicos contra "Reforma Agrária - Questão de Consciência" pode ser resumida em alguns leitmotivs que se repetem em todos os artigos que se seguiram aos do Sr. Corção. Assim, pedimos aos interessados que leiam "Reforma Agrária — Questão de Consciência: livro odioso como a invasão da Hungria?" e "Reforma Agrária — Questão de Consciência — livro que o Sr. Gustavo Corção não leu", em "Catolicismo", nos. de abril e maio, se desejarem conhecer nosso pensamento sobre os principais pontos da controvérsia.
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Pelo particular respeito que merece seu autor, o Exmo. Revmo. Sr. D. Fernando Gomes, Arcebispo de Goiânia, o artigo "Reforma Agrária", publicado na "Revista da Arquidiocese", de Goiânia ( nº de fevereiro pp. ), será objeto de um estudo especial a ser estampado nesta folha. Este estudo será da lavra do ínclito bispo de Campos, D. Antonio de Castro Mayer.
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Não queremos passar a outro assunto, sem antes defender de uma increpação injusta os confrades que de nós dissentem em matéria de agro-reformismo.
Tem causado estranheza a certas pessoas o fato de que órgãos católicos se manifestem em desacordo com um livro escrito, não só por dois católicos, mas também - e aqui está o ponto sensível - por duas figuras do Venerando Episcopado Nacional.
Nada melhor do que o respeito à Hierarquia. Contudo, mesmo as melhores coisas, quando levadas ao exagero neste triste vale de lágrimas, a partir do ponto em que são exageradas deixam por isto mesmo de ser boas.
Há entre nós uma tal carência de princípios claros e seguros, nesta matéria, que causa assombro.
Uma personalidade católica altamente respeitável, tendo sido perguntada sobre o que pensa "Catolicismo", não duvidou em o qualificar de péssimo. E deu desembaraçadamente o motivo: ataca expressamente um Bispo. Fomos tirar a limpo do que se tratava: eram certas apreciações publicadas na série "Os católicos franceses no século XIX", acerca de Monsenhor Dupanloup, Bispo de Orléans. Assim, nem o historiador, cuja principal obrigação é a de dizer a verdade, só a verdade, e toda a verdade, teria o direito de se expressar com respeito, mas com franqueza, sobre as figuras do Episcopado que já entraram para a História!
Neste caso, seria necessário queimar a "Historia de los Papas" de Pastor, que, nada ocultando das falhas e das fraquezas de determinados Pontífices Romanos, é entretanto um verdadeiro hino de glória ao Papado.
Para se defenderem de acusações deste tipo, os impugnadores de "Reforma. Agrária - Questão de Consciência" bem poderão servir-se do esplêndido "Esclarecimento" do Revmo Padre Secretário do Bispado de Campos, publicado nesta folha em seu nº 121, de janeiro pp., e transcrito pela imprensa diária das principais cidades do País.
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Ainda sobre "Reforma Agrária — Questão de Consciência", parece interessante registrar que os artigos do Sr. Gustavo Corção causaram júbilo não só em certos setores católicos, como igualmente nos arraiais comunistas. Sobre eles se pronunciou, subitamente incendido em zelo pelo decoro da Igreja de Deus, o órgão bolchevista do Rio de Janeiro, "O Semanário" ( nº 251, de 9-16 de março de 1961 ), que até pede contra aquela obra providências algum tanto inquisitoriais da parte da Autoridade Eclesiástica, "a fim de não servir ( o livro ) de arma aos inimigos da Igreja".
É a seguinte a "Nota da Redação" que precede em "O Semanário" a transcrição do primeiro artigo do Sr. Gustavo Corção: "N.R. — Havíamos solicitado de nossos especialistas em reforma agrária uma análise desse monstruoso livro subscrito por dois bispos, um dos quais até chegou a ser promovido a arcebispo, pelo Vaticano, após esse feito extraordinário em favor das classes mais anticristãs.
"Ainda não tínhamos recebido de nossos colaboradores a encomenda e eis que no Diário de Notícias de 22 de janeiro de 1961 aparece um oportuníssimo comentário subscrito pelo líder católico Gustavo Corção - homem da intimidade do Cardeal Dom Jaime, isto é, da ala mais reacionária e ultramontana da Igreja e homem da intimidade da Companhia Telefônica.
"É, pois, um exame definitivo sobre um livro que envergonha o clero católico e que deveria ser rapidamente recolhido das livrarias, a fim de não servir de arma aos inimigos da Igreja".
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Esta folha timbrou sempre em se manter à margem das disputas partidárias. Assim, seus pronunciamentos sobre este ou aquele tema da atualidade nacional, como recentemente a "Reforma Agrária", jamais tiveram em vista favorecer ou combater qualquer personalidade ou partido político.
É neste espírito que tecemos alguns comentários sobre o reatamento das relações diplomáticas e comerciais do Brasil com alguns países satélites de Moscou.
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Em princípio, de todo governo e todo regime comunista deve-se dizer que é usurpador e ilegítimo. Com efeito, um regime ou um governo existe para o bem comum, tanto espiritual quanto temporal. Quando um ou outro faz praça, de modo estável, oficial, insofismável, de negar a Deus, de oprimir a Igreja, e de assentar sobre a negação do Decálogo toda a vida civil, ele trabalha confessadamente contra o bem comum, e perde pois seus títulos de legitimidade.
Isto posto, não se pode reconhecer tal regime ou tal governo, pelo princípio de que com usurpadores não se trata.
A esta razão acresce que, tratando com o usurpador, não só se presta algum apoio à usurpação, mas se concorre por esta via para prestigiar ou apoiar o mal que o usurpador faça à Religião e às almas. Assim, pois, falando em tese, um país católico não deve estabelecer relações com países comunistas, sejam eles "planetas" ou "satélites" do cosmo marxista.
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É verdade, poder-se-ia objetar, que pelo menos o simples entabular de relações comerciais não se identifica com o reatamento de relações diplomáticas. E, como nossas relações com os Estados comunistas têm muito mais alcance comercial do que político, não devem elas ser tão severamente censuradas.
Não concordamos com esta asserção. Aceitamo-la, no entanto, para mero efeito de argumentação.
Se, por hipótese, entre dois países se estabelecesse um hábito de comerciar, mas as relações diplomáticas inexistissem, a própria carência destas últimas indicaria, realmente, um estado de estremecimento recíproco, bem diverso da plena normalidade do convívio entre nações.
Entretanto, num mundo em que a diplomacia vai cada vez mais se reduzindo a negócios, a distinção entre relações diplomáticas e relações comerciais se vai tornando sempre mais inexpressiva. E as melhores relações diplomáticas - se ficarem alheias ao plano econômico - prendem menos do que as relações comerciais, desde que estas sejam vivazes e pujantes.
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Mas, dir-se-á, os EUA, a Inglaterra, todas as nações ocidentais em suma, deveriam então cortar suas relações com a Rússia e seus satélites?
Quando um usurpador está fortemente radicado no poder, e se torna indispensável para os governos limítrofes, ou próximos, resolver com ele os mil problemas quotidianos inerentes à vizinhança, o estabelecimento de relações entre uma e outra parte se torna indispensável. E, pela força das coisas, devem estas revestir-se do caráter diplomático. É evidente que, neste caso, o reconhecimento de um governo não envolve uma afirmação de sua legitimidade. Assim, a Alemanha Ocidental não pode deixar de ter relações diplomáticas com a URSS.
Mutatis mutandis, se encontram no mesmo caso certas nações, geograficamente distantes da Rússia, como os EUA, que ou aceitam ter relações diplomáticas com Moscou, ou criam um estado de coisas que põe o mundo a dois passos da guerra. Compreende-se também aí a existência de tais relações, que obviamente não importam em afirmação de legitimidade, nem do governo soviético, nem do regime.
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Segundo toda a evidência, no Brasil estas circunstâncias não existem. O estabelecimento ou reatamento das relações diplomáticas com os Estados comunistas é para nós um "non sense".
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E as relações comerciais?
Transponhamos o problema para a esfera privada. Pode alguém manter relações sociais com o perseguidor de sua mãe, o assassino de seus irmãos? Evidentemente não. E se forem meras relações de negócios? O mal será menor, mas ainda assim será muito grave. Pois as relações econômicas são, elas também, relações humanas. E envolvem portanto, de um ou outro modo, certa aproximação entre as partes. Ora, o pundonor impede que estabeleçamos qualquer ligação com os opressores e verdugos de nossos parentes ou amigos. Este princípio, aplicado na esfera internacional, impõe aos povos cristãos que se abstenham de toda relação com o anticristo hodierno, que é o bloco comunista.
Conta-se que o assassino de Santa Maria Goretti, ao sair do cárcere, foi recebido pela mãe da pequena e gloriosa mártir. Essa é, dir-se-á, a misericórdia que se deve ter para com o pecador. Mas tratava-se de um criminoso arrependido, que, ademais, havia cumprido sua pena.
A Rússia e seus satélites são inimigos ferocíssimos e capitais da Igreja nossa Mãe, e perseguem os católicos, nossos irmãos. Neles não há nenhum sinal de arrependimento, mas uma pavorosa jactância no mal. Desaprovamos, pois, in totum nossas relações com esses países.
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Mas, dir-se-á ainda, e se as negociações forem muito lucrativas de parte a parte?
Pergunta-se: se podem ser lucrativas para os comunistas, não há precisamente nisto um motivo para não as entabular? Não concorreremos assim para consolidar as bases em que o monstro marxista se apóia?
E se não o podem ser, com que intuito as desejam o Kremlin ou os governos-títeres que ele maneja?
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Por fim, perguntará alguém se as vantagens do lado brasileiro não justificam essas relações de negócios.
Se nosso País estivesse num tal estado de pobreza, que só por meio dessas relações se pudesse reerguer, elas se compreenderiam. Um chefe de família pode negociar com o pior adversário, para evitar que os seus morram de fome.
Porém, evidentemente esta hipótese não corresponde ao caso brasileiro. Para não focalizar senão o mais típico dos exemplos, será que o Brasil morrerá de fome se não comerciar com a Albânia?
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Estas são as considerações que o reatamento com certos satélites de Moscou nos sugere. Não queremos, por amor à brevidade, espraiar-nos sobre os perigos óbvios de penetração comunista que o País correrá ipso facto.
Registramos aqui nosso pensamento sem qualquer intenção partidária, e com todo o respeito que o católico tem naturalmente para com o Poder Público.
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O Sr. Lopo Coelho, Presidente da Assembléia Constituinte da Guanabara, ao ser promulgada a Constituição do novo Estado, declarou: "Não posso, nesta segunda-feira santa, em que se inicia, no simbolismo místico de nossa Igreja, a Semana Eucarística da Redenção, calar a emoção que me domina ao dar por terminados os trabalhos desta Assembléia, com a promulgação da carta magna desta unidade federativa".
E mais adiante S. Excia. acrescentou que, se inovações houve naquele diploma, não foram feitas "senão para inscrever ( nele ) o signo da nossa civilização humana e cristã".
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Estas afirmações contrastam dolorosamente com o art. 56 da Constituição, que cria um enorme Fundo Estadual de Educação e Cultura ( 22% das rendas tributárias do Estado lhe são reservadas ), e dispõe que seus recursos sejam aplicados exclusivamente no ensino público. Pouco adiante ( art. 57 ), a Carta autoriza o auxílio ao ensino privado, mediante financiamentos. Mas tão grande é a verba destinada compulsoriamente ao ensino público, que bem se vê que a ajuda ao ensino privado — além de não poder passar de empréstimo — será irrisória, se existir.
Merecem pois a maior atenção da parte dos católicos as palavras proferidas através da Rádio Vera Cruz, do Rio de Janeiro, pelo Emmo. Sr. Cardeal D. Jaime de Barros Câmara, sobre o assunto.
Sua Eminência qualificou de "desrespeito gravíssimo à Constituição Federal e verdadeira traição à vontade do povo" esses dispositivos. E aconselhou aos eleitores do novo Estado que "marcassem bem quais os deputados que os decepcionaram com tão criminosa injustiça".
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Vai longe a mania da socialização. De um matutino paulista, extraímos esta informação importante: "Um dos setores mais atingidos pelas falsidades dos números consignados no orçamento ( federal ) do corrente exercício é justamente o da Viação e Obras Públicas. A dotação estabelecida, por exemplo, para o Lloyd Brasileiro e para a Companhia Nacional de Navegação Costeira, embora se destine a cobrir as despesas de todo o ano, é apenas suficiente para um único mês dos gastos daquelas autarquias. Por outro lado, a Rede Ferroviária Federal não encontra no orçamento os meios de fazer face aos seus compromissos de toda natureza".
O interesse do povo pediria, pois, e urgentemente, que fossem entregues à iniciativa privada o Lloyd, a Costeira e a RFF.
Mas em nenhum setor político, ao que nos consta, se fala, disto!
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Habitualmente, esta secção consagra a maior parte de seus comentários a assuntos internacionais. Circunstâncias várias conduziram-nos a tratar hoje quase exclusivamente de temas brasileiros.
Um assunto internacional há, entretanto, de tal monta que merece especial registro. Segundo informa o jornal "La Nation Française", de Paris, em sua edição de 15 de fevereiro pp., Nasser se empenha agora vivamente na expansão maometana na África e na Ásia. O Corão, por ordem dele, está sendo traduzido para todos os idiomas árabes. E "adidos religiosos" muçulmanos estão sendo designados para todas as embaixadas egípcias na Ásia e na África.
Assim, o movimento pan-árabe, que até aqui se afirmava religiosamente neutro, empreita oficialmente uma imensa ofensiva maometana!