1957 – Curso sobre a revolução igualitária – 1a. aula: A importância de se apontar a existência de uma revolução igualitária, seus métodos

O  IGUALITARISMO

Nota introdutória transcrita de Il Pensiero di Plinio Corrêa de Oliveira – Supplemento di Tradizione, Famiglia, Proprietà, Roma, Anno IV, n. 11, settembre 1998, pag. 2 :

Em 1957, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira proferiu na capital paulista uma série de treze conferências a respeito de um tema que, em um certo modo, constitui o ponto-chave da luta entre a Revolução e a Contra-Revolução, ou seja o problema do igualitarismo. Elas já abordam certos assuntos que posteriormente constituirão a estrutura central de sua obra-mestra “Revolução e Contra-Revolução”, que virá à luz em 1959.

Estas conferências, datilografadas e depois microfilmadas, chegaram-nos com algumas lacunas devido ao estado de conservação dos microfilmes. No empenho de difundir o mais amplamente possível o pensamento deste líder católico, o Ufficio Tradizione Famiglia Proprietà publica hoje – novidade absoluta – a primeira destas conferências. Ela conserva, pois, a estrutura da linguagem falada, não revista pelo autor. Eventuais lacunas e complementos redacionais são indicados entre colchetes.

(Os títulos e subtítulos são nossos)

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O Papa Pio XII recebe o embaixador francês junto à Santa Sé, Conde Wladimir d’Ormesson

 

O problema da igualdade e da desigualdade delimita os campos entre direita e esquerda

…[idéias] superficiais, as mais tolas, as mais desesperadas. O “X” contava que o “Y”, de Paris, chegava a colocar a questão nos seguintes termos: “Esquerda é uma certa coisa. Então, direita é tudo aquilo que não é esquerda”. Ou seja, qualquer posição, por mais esquerdista que seja, desde que não seja totalmente esquerdista, acaba sendo uma posição da direita.”

Vemos por aí como há uma confusão a respeito deste problema da igualdade e da desigualdade, a respeito da direita e da esquerda.

Isto nos levaria a tentar o estabelecimento de um critério para se considerar a questão da direita e da esquerda. Eu creio que este critério nunca poderia prescindir do problema da igualdade e da desigualdade.

Como poderemos definir este problema?

Há  no universo uma porção de desigualdades [que] abrangem todos os espíritos, abrangem todos os homens lúcidos e conscientes.

Evidentemente, há muitas pessoas que passam a vida como termitas, e que não chegam a formar opinião a respeito de coisa alguma. É claro que uma pessoa assim não entra nessa consideração. Mas para aqueles que têm uma certa noção da vida, realmente este problema exige um mundo de tomadas de posição.

A igualdade e a desigualdade se encontram em todos os campos

Igualdade e desigualdade em que campo? Em todos os campos. Pode-se ver, por exemplo, gente que tem uma antipatia para com o professor que mantém uma hierarquia dentro da sala de aula. O professor é antipático porque não é amigo de seus alunos; porque é um professor que não sabe manter na aula um clima de familiaridade, de estima, de “bondade”, de simpatia. Ele procura frisar a diferença que há entre ele e os alunos. Então, é um professor antipático.

Pelo contrário, há alunos que gostam do professor autoritário, do professor que estabelece esta diferença. Estes são raros, mas existem. E a minha já bem longa experiência de professor me mostra que, em geral, enquanto o aluno é aluno não gosta do professor autoritário, mas quando ele deixa de ser aluno e se lembra do tempo em que era aluno, ele recorda com simpatia especial os professores que sabiam manter a hierarquia e sabiam fazer a diferença.

Há alguma parte da cabeça desses alunos, mesmo os igualitários, que presta uma homenagem à desigualdade.

O que se diz da aula, pode-se quase dizer da vida inteira.

Exemplo de um pai autoritário, ou de um padre igualitário

Um pai igualitário e um pai que não é igualitário; um filho que gosta e outro filho que não gosta do pai igualitário.

O padre igualitário: aquele que não usa chapéu, porque é uma coisa mais igualitária, menos burguesa não usar chapéu; não usa tonsura, ao menos porque isto o iguala mais aos outros homens. Quando sai, aproveita de bom grado todas as ocasiões para colocar o guarda-pó, batina curta e calça aparecendo; relógio de pulseira, fumar em público, jeitos de pegar o fósforo e acender o cigarro também bastante baixos (porque até esses gestos estão sujeitos a uma certa laicização).

E depois algumas coisas muito igualitárias, como, por exemplo, o padre que gosta de usar motocicleta…. quase equiparado, pelo estampido e brutalidade da motocicleta….. e que com uma volúpia deixa cantar a cacofonia da motocicleta. Prova com aquilo que pode fazer barulho e gosta do barulho. Assim, mostra que também é homem. Este tipo de padre é um padre igualitário. Este padre brinca com os coroinhas como o irmão da sacristia faz. Quando não está brincando com os coroinhas, trata os congregados marianos com uma familiaridade enorme, e gosta que os congregados o tratem assim. Acompanha as coisas no rádio, cantarola uma cançoneta, etc. É um homem igualitário. E tudo aquilo que poderia parecer preeminência do sacerdote é apagado, ou ao menos diluído para colocá-lo ao nível dos outros.

Tipos humanos delimitam os campos entre duas mentalidades

Há uma série de gente que gosta disso. Então acha esses padres formidáveis. Para nós, e para toda uma família de católicos, isto não é assim. Entre os católicos, e na atitude com os padres, estas duas famílias de espírito se diferenciam muito.

No contato com o padre, encontramos certos católicos que, ao perguntarmos se conhecem determinado padre, nos respondem: “Sim, como não! É um padre muito bom. Reza com um grande recolhimento, dá catecismo muito bem, fez um sermão incomparável sobre Nossa Senhora. Perto dele sente-se respeito, confiança. Ele é uma coluna para nós. O conselho dele resolve qualquer questão. Aquele é que é bom, aquele é que é um verdadeiro padre! “

Outros dirão: “Aquele é que é um verdadeiro padre. Gozado, a gente dá ótimas risadas com ele. Aquele é que é um homem simpático, camarada! Não tem aqueles preconceitos de antigamente. Começa que está sempre alegre, está sempre rindo, é incapaz de dizer algo para contristar alguém. Não está correndo atrás das pessoas para dar conselhos. Ao contrário, pouquíssimo fala a respeito da religião. É formidável porque atrai pela presença. Quando se vê um padre assim, a gente vê como estava errado;  nesta classe há também gente esclarecida.” Depois conclui: “Homem assim é que eu gosto. “

É uma família de espírito que gosta de ver no padre um igual a si. A outra família vê no padre um superior.

Duas famílias de alma: os admirativos e os invejosos

Eu via muito isto quando Dom Duarte [Leopoldo e Silva (1867-1938), Arcebispo de São Paulo de 1906 a 1938, foi muito próximo ao prof. Plinio e apoiou a sua ação pública de líder católico] era Bispo de São Paulo. Dom Duarte era magro, magérrimo, hirto, homem de olhar fixo, cabelo bem penteado e um jeito senhoril em toda a personalidade. Muitas vezes D. Duarte saía da igreja e o povo ia beijar sua mão. Notava-se perfeitamente aí as duas famílias de espírito; e isto ia desde a [empregada doméstica] até o irmão da  ordem do Carmo.

– Uns iam para ele extasiados com sua superioridade, beijavam seu anel contentes, satisfeitos de lhe poderem prestar esta homenagem. Ele lhes dirigia uma palavra apenas e eles levavam aquilo como um sacramental para casa.

– Outros eram pessoas que iam porque o Arcebispo estava passando, mas com aquele medo estúpido de quem, no fundo, está com raiva. Não é um medo verdadeiro, mas um medo feito de inveja, raiva, recalques. Beijavam a mão dele, mas como escravos, porque não havia outro jeito. E saíam carregados de raiva.

Essas são as duas famílias, claramente caracterizadas.

Duas famílias de almas diante do problema da desigualdade

Poderíamos notar isto até no modo das pessoas se apresentarem. Olha-se para uma pessoa e pode-se classificá-la nos dois tipos possíveis.

  1. Há certas pessoas que, ao se apresentarem, são pessoas que se prezam, procuram dar-se ao respeito dos outros. Por causa disso, tomam uma atitude em que fazem transparecer aquilo que têm de superior.
  2. Pelo contrário, há as pessoas que não se prezam e que andam pela rua com um jeitopseudo-naturalizado. Um ar bonachão, sorridente, de quem acha tudo bom, trata todo mundo de um modoininteligente, desprevenido. Esta é uma outra família de almas.

São duas famílias de almas que devemos considerar dentro da humanidade. E estas duas  famílias de almas nos colocam bem claramente dentro de um problema: tomada de posição quanto a desigualdade. Como uma, claramente, gosta da igualdade e outra, claramente, gosta da desigualdade.

O problema essencial consiste em verificarmos qual é a importância que esta questão da desigualdade tem dentro da estruturação da alma humana e das concepções da vida do homem, e o quanto há por detrás desse problema para ele marcar o homem tão profundamente. Porque é em função disto que depois compeenderemos bem  o problema da igualdade e da desigualdade.

A apologia do espírito de hierarquia

É uma coisa inteiramente evidente que não precisamos de uma apologia do espírito de hierarquia. Seria ridículo pretender fazer neste ambiente uma tal apologia. Tudo o que nos reúne, nos congrega aqui é o amor à hierarquia, e a todas as hierarquias verdadeiras, legítimas, possíveis na humanidade. E não só as que existem e cuja sobrevivência desejamos, mas as que existiram e cujo desaparecimento lamentamos, e as que vão existir, e cujo nascimento desde já prognosticamos com alegria.

Importância de conhecer a explicitação doutrinária das idéias que defendemos

Contudo, precisamos ter em vista em tudo quanto é conferência e trabalho intelectual, a necessidade que nosso apostolado tem de conhecer nossas doutrinas não apenas por uma espécie de olho mágico – pegar a coisa pela rama e dizer que entendeu – nem apenas nos basearmos em um ou dois argumentos mal conhecidos. Para nossa própria formação, devemos conhecer nossas doutrinas explicitamente tão a fundo quanto possível. E devemos conhecer toda a argumentação adequada por onde esta doutrina se destila. Em primeiro lugar porque, afinal de contas, toda a formação se baseia nisto. Em segundo lugar porque para nós que lutamos por idéias, não há meio de combate mais precioso do que argumentos. Um argumento, para quem luta por idéias, é da mesma importância que uma arma para o militar. Há um exemplo bem característico.

O exemplo de São Tomás com São Luís IX, rei de França

Santo Tomás foi uma vez jantar ou almoçar com São Luiz. E, em dado momento, durante a conversa, ele entra em abstração e começou a pensar em algo diferente do assunto de que se falava. De repente, ele, homem corpulento, dá um murro na mesa, e interrompe sua abstração para dizer: “ergo concluso contra maniqueus” (portanto, está concluído contra os maniqueus). O argumento está montado para derrotar os maniqueus. Foi um acontecimento na mesa do Rei; mandou-se  buscar gente para escrever o que Santo Tomás havia engendrado contra os maniqueus. E foi com certeza o acontecimento do dia no palácio, acontecimento que deve até ter sido comentado no conselho de Estado como o mais importante do dia, ou da semana, ou do mês: Frei Tomás encontrara um novo argumento contra os maniqueus.

Por que esta gente dava tanta importância a um novo argumento? Porque eles compreendiam que um argumento a mais era uma arma definitiva  a mais  e que nada é mais importante do que um argumento novo. Este é o valor de um argumento na época em que as idéias, a lógica e as argumentações verdadeiramente tinham força.

Conhecer os argumentos é uma das preocupações centrais da vida

Portanto, para nós que somos ultramontanos [contra-revolucionários] e consagramos toda a nossa vida à defesa de determinadas  idéias, conhecer os argumentos em que essas idéias se fundam e descobrir um argumento a mais para justificar essas idéias, é uma das preocupações centrais.  Não para nós nos convencermos, mas para sabermos lutar.

Sem argumentos e sem idéias não existe possibilidade de apostolado. Se alguém pensa ser um membro útil para o nosso movimento  prestando-nos muitos serviços de ordem material, mas ignorando nossa doutrina, nossos argumentos e desinteressando-se do progresso de nossas argumentações, esteja persuadido de que está no caminho errado. O caminho verdadeiro consiste em colocar, antes de tudo, o progresso de nossa doutrina. Colocar, antes de tudo, de acordo com o nível intelectual de cada um, o estudo de nossa doutrina. Conhecer os argumentos velhos e os argumentos novos nos quais a nossa doutrina [se fundamenta].

A matéria-prima de uma guerra ideológica são as idéias e os argumentos. Querer fazer alguma coisa sem  idéias e sem argumentos é a mesma coisa de uma pessoa que quisesse ser almirante, e tomasse todas as providências necessárias, exceto dirigir-se a um porto de mar para aprender a entrar na água e a capitanear um navio. Quem quiser fazer nosso apostolado sem essas preocupações de aprender a argumentar e de conhecer bem as nossas doutrinas, mas por miúdo; quem tiver a ilusão de que com esse olho mágico de brasileiro “pescou” [intuiu] alguma coisa, comece por ter certeza que não “pescou“ nada.

Por que somos anti-igualitários? Como provar que o igualitarismo é mau?

Portanto, tomando um tema como este do igualitarismo, não vamos perguntar se convém ou não convém para nós sermos igualitáiros ou anti-igualitários. É uma primeira coisa ridícula e totalmente superada para nós. O problema é outro. Bem exatamente, claramente, discriminadamente, por que é que eu sou anti-igualitário? Que eu sou, já sei. Mas por quê?

Em segundo lugar, como é que consigo provar a outros que o igualitarismo é um mal, que existe o igualitarismo, qual o alcance do igualitarismo, etc.?

A falsa apologia do anti-igualitarismo

A primeira coisa a respeito da qual eu queria chamar a atenção é a falsa apologética anti-igualitária, ou falsa apologética igualitária. Por exemplo, suponhamos uma discussão a respeito de um dos aspectos suscitados pelo igualitarismo: se deve haver um Rei ou um Presidente da República. Encontramos pessoas que discutem horas a respeito disso, nos seguintes termos:

– Deve haver um rei, porque o rei governa a vida inteira.

–  Mas se o rei for ruim pode acontecer que ele abuse a vida inteira e leve o Estado à garra.

– Mas acontece que dificilmente o rei é ruim, porque ele é educado para isso.

– Mas acontece que se uma dinastia tem uma educação má, isto dura várias gerações e então é um desastre irremediável.

– Mas acontece que se a plebe é má, pode acontecer que ela eleja uma sucessão péssima de Presidentes, e, portanto, leve também o país à garra.

– Mas acontece que uma sucessão péssima de Presidente é menos má que uma geração inteira de péssimos monarcas, e dura menos.

– Mas se a família real é decadente, a longevidade nela é pequena e os reinados serão de curta duração, como se viu por ocasião dos Valois, e, portanto, não existe tal perigo, etc., etc.

E assim discutem isto durante horas, sem resultado nenhum. Partindo da teoria atingem depois os fatos:

– “Veja o reinado de Pedro II como foi bom“.

Dirá o outro: “Mas imagine se Pedro I é que tivesse reinado!”.

– Mas não é tão ruim quanto a sucessão de Presidentes que temos tido, etc., etc.

Quando isto termina, passam às estatísticas:

– O Brasil, no tempo do Império, tinha a segunda marinha mercante do mundo. Após a República isto terminou.

– Na verdade isto pode ter sido ocasionado por imperícia administrativa dos republicanos. Mas, por exemplo, no caso concreto do açúcar do Nordeste. No tempo do Império, o açúcar do Nordeste dava um lucro muito maior do que mais tarde, na República. Contudo, deve-se notar que se descobriu o açúcar de beterraba na Alemanha, e o açúcar de cana decaiu. E isso não prova necessariamente que o Império fosse bom e a República fosse ruim…

Mas eles se apegam a esses argumentos e deles não saem. E é assim que se trava a batalha pró e contra a igualdade.

Se a caridade manda a todo superior ocultar suas qualidades, para não fazer sofrer o inferior

A questão da aristocracia se resolve nos mesmos moldes. E daí passam para questões menores, tais como se as atitudes do homem devem ou não ser igualitárias. E surge aí a questão da bondade.

O argumento é este: todo o mundo que tem diante de si um superior sofre por não ser igual a esse superior. De maneira que se eu sou inteligente e tenho diante de mim um mais inteligente, eu sofro por não ser tão inteligente quanto ele. Mas se tenho diante de mim um menos inteligente, ele sofre por não ser tão inteligente quanto eu. E então a vida da inteligência é um sofre-sofre. Eu vejo um mais, sofro; vejo um menos, desconto. E então a lei da caridade consiste em todo mundo disfarçar que é inteligente. Porque assim os menos inteligentes não sofrem e a paz se estabelece.

Quanto à educação, sucede o mesmo. Eu sou muito educado,  mas sofro ao ver outro mais bem educado do que eu, mas também me desforro quando vejo um menos bem educado.

Houve alguém que classificou a sociedade da França de antes da Revolução como uma cascata de desprezo. Começava do mais alto: do Rei para a família real, desprezo. A família real descontava desprezando a alta nobreza. Esta descontava desprezando a média, e assim por diante. Então a vida é um conjunto de desprezos.

Vocês vêem que quem servia de laje para tudo isto era o povinho. Então, para que o povinho não sofresse, a caridade consistiria em disfarçar a educação. Então, o jeito é ocultar as qualidades que tem, diminuí-las, nivelá-las. Assim temos o patrão que trata com vulgaridade seu empregado, o professor que trata com vulgaridade seu aluno, o pai que trata seus filhos com vulgaridade, todos esse são homens bons, porque não fazem sofrer.

Uma discussão irracional

Esta problemática toda é uma problemática da qual não se sai. O partidário da “bondade” é um tipo eminentemente irracional. Não se discute com ele, porque ele é irracional em todas as suas veras. Ele formou uma concepção nervosa da bondade, oriunda de seus nervos hipersensíveis, e postos em combustão. E não se tira esse homem daí. É como persuadir uma pessoa nervosamente partidária contra a pena de morte, de que a pena de morte é legítima. Ela toma uma posição passional e feita de ilogismos.

Portanto, se queremos nos colocar bem dentro do problema da igualdade e da desigualdade, a primeira preocupação que devemos ter é de evitar esses campos que são colatereais, e nos quais a batalha se trava sem proveito, com uma tremenda extenuação de forças e por um tempo indefinido. Não é batalha em que alguém convença outro.

A verdadeira formulação do problema do igualitarismo: a “Revolução”

Devemos procurar colocar a questão em termos diversos.

O grande problema é o seguinte: quando discuto com pessoas às quais eu quero demonstrar o ponto central da tese, eu encontro muita dificuldade. Acho que devemos começar por mostrar o seguinte fato positivo: nos países de cultura ocidental, e nos países de cultura oriental em que o sopro da cultura ocidental entrou e, portanto, praticamente no mundo inteiro, o mundo é varrido, como uma superfície plana pode ser varrida por um turbilhão, o mundo é varrido por um turbilhão de caráter igualitário.

1 – Mas devemos tomar aí a palavra “Revolução” num sentido que, desde logo, devemos precisar

Não se trata de uma revolução à mão armada, embora às vezes esse processo se faça à mão armada, mas não é necessariamente à mão armada. É uma revolução no sentido lato da palavra, quer dizer, da transformação de toda uma ordem de coisas, em absolutamente todos os campos que a vida possa ter, em conseqüência de uma transformação interna no homem, de uma transformação no espírito humano. O espírito humano está passando por uma transformação que é uma revolução, porque os valores humanos são postos no seu inverso. Uma revolução porque  a ordem é substituída pela desordem. E esta transformação que se opera no interior da alma humana, de todos os homens de nosso ciclo de cultura, de nossa época, é a essa transformação gradual, progressiva, que devemos chamar igualitarismo.

2 – A Revolução é una

Há, portanto, uma revolução igualitária no mundo inteiro, que é una. Mas é una em que sentido? No mundo inteiro ela é uma só. Não há um igualitarismo birmanês distinto do igualitarismo suíço ou brasileiro. É um só igualitarismo que forma também um só corpo com o igualitarismo russo. A Rússia não é o contrário da democracia [entendida aqui no sentido condenado por São Pio X na sua Carta Notre Charge Apostolique (de 25-8-1910), em que apontava o erro do movimento francês “Le Sillon” que considerava que somente a democracia pudesse inaugurar o reino da perfeita justiça], como se costuma afirmar, mas é exatamente a parte mais arraigada da democracia. Se o resto do mundo é cor-de-rosa, a Rússia é vermelha. Mas a Rússia forma um só bloco com isto, ela é até a parte mais evoluída deste processo revolucionário.

Então, há uma unidade que abrange todos os campos da vida humana. Não há um campo da vida humana que esteja alheio a este sopro revolucionário.

3 – É uma Revolução universal

Em terceiro lugar, há uma unidade, porque há uma unidade de causa que consiste no seguinte: todos os espíritos humanos, colocados em sociedade, recebendo as influências das mesmas idéias, sendo movidos pelos mesmos apetites […] são impulsionados para o mesmo fim. Há, portanto, todos os elementos para atestar uma unidade de revolução.

Tomemos, por exemplo, as revoluções da América Latina, os famosos “pronunciamentos” de 30 ou 40 anos atrás. Abria-se o jornal: “Revolução na Venezuela; deposto fulano”. Dias depois: “Revolução no Paraguai, reposto sicrano”. Dias depois: “Revolução no Brasil; a esquadra revoltou-se, parou diante do Flamengo e não  deu tiros. Mas aconteceram coisas tremendas de ordem política”. Ou então: “Levantou-se o batalhão tal e marchou contra tal coisa. Felizmente foi possível evitar qualquer derramamento de sangue, mas o governo caiu e encerrou-se um período histórico.”

Essas revoluções podiam ser consideradas como revoluções de um mesmo caráter? Não, eram revoluções personalíssimas, visando fins próprios àquele lugar. Não estavam de nenhum modo articuladas entre si.

Esta não. Esta é uma revolução una.

Volto a dizer: estamos diante de uma revolução universal. Uma porque abrange o mundo inteiro, porque abrange todos os campos da atividade humana. Una por sua causa, que são todos os espíritos humanos postos em sociedade, recebendo [influências], agindo uns sobre os outros, impelidos por uma causa única, que vem a ser a conspiração para estabelecer a igualdade no mundo.

É preciso provar que essa Revolução existe

A primeira coisa que devemos fazer consiste em provar que esta revolução existe.

Qual é o interesse estratégico de provar a existência dessa revolução, quando discutimos com uma pessoa que não é de nossa orientação?

O interesse está no seguinte: os igualitários, em sua grande maioria, têm uma espécie de simpatia confusa pela igualdade, têm uma simpatia difusa, levemente esparramada pelo espírito deles, mas que não se fixa em  nenhum argumento. Têm uma certa antipatia pela desigualdade que vêem, mas em geral não querem chegar à igualdade completa. Pelo contrário, ainda têm bom senso suficiente para compreender que a igualdade completa é uma aberração. De maneira que, se se prova a eles que estamos caminhando para a igualdade completa, e que em cada pequeno episódio de igualdade e desigualdade, devemos ver uma parte do grande plano para a igualitarização completa; e que toda questãozinha de igualdade e desigualdade transcende de seu próprio campo para colocar em foco o grande problema sobre se deve ou não haver igualdade no mundo – desde que consigamos provar isto –, temos legiões e legiões de pessoas que são capazes de se cristalizar de nosso lado.

De maneira que o grande argumento, o grande meio de firmarmos nossa posição consiste em sustentar esta tese. É o melhor modo de conduzirmos as cristalizações.

Deve-se considerar que, em nossa sociedade, a luta pela igualitarização dá-se através de numerosas pequenas modificações que dia a dia observamos. Saber demonstrar que a origem do mal está neste movimento; conhecer o modo pelo qual praticamente se dá esta demonstração, é para nós um meio excelente de conduzir nossa argumentação. Saberemos conduzir muito bem a argumentação se soubermos compreender que nisto está o centro do problema, e soubermos conduzir as coisas de maneira a provar que esse problema se resolve. A existência desse igualitarismo no mundo inteiro facilmente se prova.

Paro aqui. Indiquei quais os problemas a evitar no estudo da questão igualatária; indiquei qual o centro do problema e indiquei a importância de se acenar para este problema central.

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