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Plinio Corrêa de Oliveira
EM DEFESA DA AÇÃO CATÓLICA
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O presente texto é transcrição da edição fac-símile comemorativa dos quarenta anos de lançamento do livro, editada em Março de 1983 pela Artpress Papéis e Artes Gráficas Ltda - Rua Garibali, 404 - São Paulo - SP - Brasil |
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CAPÍTULO IIIAs Associações Auxiliares - O “Apostolado de conquista”
Resta-nos tratar apenas, nesta parte do
livro, da questão das relações da A.C. com as associações auxiliares e do
problema do apostolado de conquista.
O problema
Ainda
aí a perspectiva que temos diante dos olhos é muito clara. De um lado são
inúmeros os textos pontifícios, que nos asseveram que as associações
religiosas são “verdadeiras e providenciais auxiliares da A.C.”, como
disse Pio XI; e neste sentido tão numerosas foram as afirmações do grande
Pontífice que difícil seria citá-las todas. Também o Santo Padre Pio XII,
na memorável alocução que pronunciou sobre a A.C., no dia 5 de setembro de
1940, teve todo um trecho consagrado à modelar harmonia que deve existir
entre a A.C. e as associações auxiliares.
Na mesma ordem de idéias, poderíamos ainda
mencionar os estatutos da A.C.B., que impõem às associações auxiliares a
obrigação de colaborar com a A.C., o que constitui para esta e aquelas não
só um dever, como também um direito. Finalmente, o Concilio Plenário
Brasileiro, em vários decretos, louvou, aconselhou e até impôs a fundação
de associações que, em última análise, são auxiliares da A.C..
De outro lado, notamos da parte de certas
associações uma obstinação inexplicável em não prestar à A.C. a
colaboração devida e até em abstrair inteiramente de sua existência. Da
parte de certos elementos da A.C., defende-se erro oposto, e nota-se o
desejo sistemático de prescindir inteiramente de qualquer colaboração das
associações auxiliares, rejeitando-se, desdenhosamente, por mais generosa
que seja. Posições extremadas, posições apaixonadas, devem uma e outra ser
evitadas, e isto com tanto maior segurança, quanto, se certas dúvidas
sobre o assunto ainda existissem, a alocução do Santo Padre Pio XII as
teria dissipado inteiramente.
As associações auxiliares não devem
desaparecer
Diga-se antes de tudo, não ter qualquer
fundamento a versão segundo a qual as associações auxiliares devem ser, de
acordo com as intenções mais remotas e recônditas da Santa Sé, finalmente
dissolvidas. Segundo tal versão, a Santa Sé estaria matando a fogo lento
as associações auxiliares, sepultando-as debaixo de elogios, e dando à
A.C. uma primazia, que tenderia a desembaraçá-la, por fim, de suas
“verdadeiras e providenciais auxiliares”. Imaginá-lo implicaria em supor
que a Santa Sé está procedendo com uma duplicidade sem exemplo, cumulando
de elogios falaciosos, em documentos destinados ao conhecimento do mundo
inteiro, entidades que, por uma fraqueza afetiva, ou por qualquer outra
razão, ela não tem coragem de ferir de frente.
Assim, erram, e erram certamente, os que em
vez de considerar as associações religiosas, como auxiliares, as
consideram como trambolhos que devem, mais cedo ou mais tarde, desaparecer
inteiramente, e cuja morte deve ser apressada por uma campanha metódica de
difamação, de silêncio e desdém. Em sua carta “Com particular
complacência”, de 31 de janeiro de 1942, ao Eminentíssimo Sr. Cardeal
Arcebispo do Rio de Janeiro, o Santo Padre Pio XII refutou esta opinião
com o seguinte tópico referente às beneméritas Congregações Marianas:
“Nossos mais vivos desejos são que estas associações de piedade e
apostolado cristão cresçam cada dia mais, cada dia mais se robusteçam numa
íntima e profunda vida sobrenatural, cooperem cada dia mais com seu
tradicional acatamento e humilde submissão às normas e direção da
Hierarquia, na dilatação do Reino de Deus, e difundam cada vez mais
abundantemente a vida cristã, nos indivíduos, nas famílias e na
sociedade”. Como se vê, não se trata aí de um mero “desejo”, mas de “seus
mais vivos desejos”.
Nem tão pouco a Ação Católica
Não erram menos os que imaginam que a
instituição da A.C. foi uma inovação audaciosa, arrancada temerariamente à
ancianidade de Pio XI por alguns conselheiros afoitos. A mais elementar
justiça para com a memória do glorioso Pontífice força-nos a reconhecer
que a mão vigorosa, que até às portas da morte soube manter firme o timão
da Igreja, cortando sobranceira os vagalhões suscitados pelo nazismo e
pelo comunismo, não poderia ser forçada pela agilidade de alguma
conspiração palaciana; hipótese que, aliás, só se poderia admitir com
desdouro para o prestigio da Santa Igreja Católica. A A.C. poderá, é
certo, assumir esta ou aquela feição com o correr do tempo, mantendo com
as associações auxiliares um teor de relações bastante diverso quiçá,
conforme indicarem as circunstâncias. Uma e outras, entretanto,
continuarão a existir.
Uma solução simplista
Também não nos parece que estejam com a
verdade os espíritos que, levados por um louvável desejo de conciliação,
procuram delimitar os campos entre a A.C. e as associações auxiliares,
atribuindo àquela o monopólio do apostolado, e a estas a única tarefa da
formação interior e cultivo da piedade. São inúmeros os textos pontifícios
que facultam expressamente à A.C. o direito, e, mais ainda, lhe impõem o
dever de formar os seus membros. Ora, este dever implica no de formar e
estimular a piedade, sem o que nenhuma formação pode ser considerada
completa. Por outro lado, não é verdade que os estatutos das associações
religiosas lhes atribuem, por objetivo, exclusivamente a piedade. Pelo
contrário, a grande maioria deles encaminha, incita e algumas chegam até a
impor o apostolado a seus membros; e muitas associações mantêm suas
próprias obras de apostolado, aliás em geral florescentes. Em sua carta,
acima citada, ao Em. Cardeal Leme, o Santo Padre Pio XII tem expressões
que tiram à semelhante opinião, não só seu fundamento, mas ainda toda e
qualquer espécie de aparência de verdade, pois o Santo Padre afirma
taxativamente que deseja ver as Congregações Marianas entregues ao
apostolado exterior e social, e não apenas ao campo da piedade e da
formação.
Diz o Santo Padre que apreciou muito o
ramalhete espiritual dos congregados, mas que por maior que tivesse sido
esse júbilo, “maior ainda foi a sua satisfação ao saber que as valorosas
Falanges Marianas são cooperadoras eficazes na propagação do Reino de
Jesus Cristo e que exercem fecundo apostolado, por meio de múltiplas obras
de zelo”. Assim, pois, as obras de apostolado exterior a que presentemente
as Congregações Marianas se entregam não são consideradas pelo Santo Padre
um terreno em que elas sejam intrusas, em que se possam quando muito
tolerar em falta de melhor: o Vigário de Cristo sobre a terra se rejubila
com o fato, e implicitamente afirma que elas têm a isto pleno, amplo e
total direito. Comprova-o o período seguinte: “isto vem confirmar-Nos
ainda mais uma vez, que estas Falanges Marianas ocupam, segundo suas
gloriosas tradições, sob as ordens da Hierarquia, um conspícuo lugar no
trabalho e na luta pela Maior Glória de Deus e bem das almas. Em outros
termos, fazendo tudo quanto fazem presentemente, estão apenas na situação
“conspícua” que a tradição lhes indicou, e essa situação “conspícua”
nenhuma alteração sofreu com fatos supervenientes como, por exemplo, a
constituição da Ação Católica.
Houve quem sustentasse que as Congregações
Marianas têm uma estrutura jurídica que as torna radical e visceralmente
incapazes de apostolado em nossos dias. Supérfluo acentuar até que ponto a
Carta Apostólica desautoriza esta gratuita e infundada afirmação. Outros
têm pretendido que as Congregações ocupam no Brasil um lugar por demais
grande, roubam à A.C. o lugar que lhe é devido. De nenhum modo, se dá tal
coisa, já que o Pontífice se rejubila com a magnitude desse papel e
acrescenta a expressão de seu grande contentamento pelo fato que elas
“ocupam um lugar conspícuo”, segundo está informado, no trabalho e na luta
para a Maior Glória de Deus e bem das almas, e que são, como força
espiritual, de grande importância para a causa católica no Brasil. Que
informação teve o Sumo Pontífice para chegar a tal afirmação? Foram as
mais autorizadas e imparciais, e é Ele mesmo que no-lo diz: “com tanto
entusiasmo publicamente o tens manifestado em repetidas ocasiões, dileto
Filho Nosso bem como também o têm feito outros Veneráveis Irmãos no
Episcopado”. Em outros termos, é toda a Hierarquia Católica que o afirma,
que o aplaude, que o sanciona. Quem quererá discrepar?
Mais adiante, o Santo Padre insiste: “uma
sólida formação espiritual e uma intensa e fecunda atividade apostólica
são elementos ambos essenciais a toda Congregação Mariana”. Como
pretender, então, que as próprias Regras das Congregações confinam esses
sodalícios no mero terreno da piedade? Mas, dir-se-á, o Santo Padre,
apreciando a situação atual gostaria talvez que as Congregações Marianas
não aumentassem seu raio de ação.
Não é verdadeira essa conjetura, e menos
verdade ainda é que o Santo Padre deseja que as Congregações morram a fogo
lento.
Os verdadeiros termos do problema
Assim, a realidade é que tanto a A.C. quanto
as associações religiosas devem cogitar de formação e apostolado, e o
regime de suas relações neste terreno não pode abstrair desta realidade,
sob pena de se basear em pressupostos jurídicos e doutrinários
inteiramente irreais, e, conseqüentemente, fracassar.
Pio XII indica novos rumos
Não nos compete a nós definir o modo pelo
qual a colaboração se há de desenvolver, dentro dos termos objetivos que
enunciamos. É este um problema afeto à legislação positiva, e que está na
alçada dos estatutos da A.C. B., e do mais que sobre o assunto dispuserem
nas respectivas Dioceses os Exmos. e Revmos. Srs. Bispos. Limitamo-nos a
lembrar que, na alocução, já tantas vezes citada, do Santo Padre Pio XII
sobre a A.C., abriu o Sumo Pontífice uma senda nova para a solução do
problema, aconselhando a fundação de núcleos da A.C. dentro das próprias
associações e incumbindo, neste caso, os mesmos núcleos, de atuar dentro
delas, como estímulo e fermento: “e se... nas
associações religiosas que têm fins e formas organizadas de
apostolado, se estabelecerem associações internas de Ação Católica, esta
aí entre com discrição e reserva, nada perturbando da estrutura e da vida
da associação mas apenas imprimindo novo impulso ao espírito e às formas
de apostolado, enquadrando-as na grande organização central”. Assim, a
A.C. seria, quando fundada também dentro das associações, um núcleo de
fervorosos, que aos demais levaria à santificação e ao combate. Como nos
parece providencial este processo, já em prática na Itália há vários anos,
sob as vistas da Santa Sé, e sempre com os melhores resultados, para ele
chamamos insistentemente a atenção de nossos leitores.
Devemos mesmo acrescentar que, dada a
situação jurídica da A.C. e das Associações Auxiliares no Brasil, esta
solução apresenta vantagens relevantíssimas.
Atacar as prerrogativas da A.C. é obra
nefasta e vã
Com efeito, só um espírito tão toldado por
preconceitos de toda a ordem, que tivesse perdido inteiramente qualquer
senso de objetividade, poderia fechar os olhos à situação jurídica
extraordinariamente sólida que tem a A.C. dentro da vida religiosa do
Brasil. Criada em documento soleníssimo, que foi subscrito por toda a
Hierarquia Eclesiástica no Brasil, e que recebeu oficialmente a chancela
da Santa Sé, goza ela de uma relevância tal, que lutar contra ela é lutar
contra moinhos de vento. A luta de D. Quixote contra esses invencíveis
inimigos, se teve o ridículo de sua total inviabilidade, teve ao menos o
mérito do heroísmo de seus propósitos. Nem este mérito, entretanto,
poderíamos reconhecer às associações auxiliares que empreendessem lutar
contra a A.C., arrastadas por um particularismo oposto ao senso católico.
As Associações Auxiliares devem prestar à A.C. o duplo concurso de nela
inscrever seus melhores elementos, e cooperar resolutamente com suas
atividades gerais. É o que mandam os estatutos da A.C.B.. No cumprimento
desse dever, a atitude das Associações Auxiliares não deve ser a de uma
melancólica resignação, mas a de quem cumpre jubilosamente um glorioso
dever.
Por outro lado, seria igualmente insensato
ignorar que também as associações auxiliares possuem, máxime depois da
carta “Com particular complacência”, uma situação jurídica muito sólida, e
que a A.C. não deve fazer, para si, da drenagem abusiva dos elementos de
escol das Associações Auxiliares, um processo de recrutamento fácil, que
destruiria entretanto tudo quanto fosse alheio ao quadro das organizações
fundamentais da A.C..
É preciso, pois, um grande equilíbrio no
modo de estabelecer a cooperação entre as organizações fundamentais e as
associações auxiliares da A.C.. Parece-nos que esse equilíbrio se manteria
muito mais seguramente se, em lugar de conceber os organismos fundamentais
e auxiliares da A.C. necessariamente e sempre como entidades inteiramente
paralelas, e ligadas entre si simplesmente pela comum obediência à Junta
Diocesana e à Hierarquia, abríssemos campo, como aliás facultam os
presentes estatutos da A.C.B., a uma interpenetração harmoniosa e fecunda
de uns com outros.
Quanto às relações entre as organizações fundamentais e as associações
auxiliares da A.C., sempre que constituam quadros inteiramente distintos
uns dos outros, pensamos não haver melhor meio de as sistematizar dentro
do espírito e da letra dos Estatutos da Ação Católica Brasileira, do que
por intermédio da sábia regulamentação que, a este respeito, publicou por
ordem do Exmo. Revmo. Sr. D. José Gaspar de Affonseca e Silva, Arcebispo
Metropolitano de S. Paulo, o Exmo. Revmo. Monsenhor Antônio de Castro
Mayer, então Assistente Geral da A.C. paulopolitana, e hoje Vigário Geral
preposto à direção de todas as obras e organizações do laicato. Publicamos
em nota
[1]
esse
sábio e belo documento, que se distingue por um verdadeiro equilíbrio.
Conversando certa vez com um dos Bispos mais
eminentes da Província Eclesiástica de S. Paulo, disse-nos ele que o
aludido documento continha efetivamente as diretrizes seguras e acertadas
que a solução do delicado problema requer, mas que, na prática, o êxito de
sua aplicação dependia da observância de uma linha de conduta tão exata e
tão difícil de se conhecer em determinados casos particulares, que a
publicação dessas diretrizes, tendo embora aberto muitos horizontes, ainda
não havia estabelecido sobre o assunto a última palavra. Estávamos então
em 1940. Veio depois a alocução do Santo Padre Pio XII, que, segundo
afirmamos, torna possível a fundação de núcleos da A.C. nas associações e
obras auxiliares. Com mais este passo, parece-nos que fica resolvida
inteiramente a questão, estando abertas duas modalidades sábias e fecundas
de estabelecer entre as organizações fundamentais da A.C. e suas
associações auxiliares um regime de franca compreensão e íntima
cordialidade, segundo os desígnios de Pio XI e Pio XII.
Outro problema capital
A mesma sede imoderada de expansão, que tem
levado a A.C., em certos círculos, ao grave erro dos recrutamentos
tumultuários, também gerou um estado de espírito pouco equitativo, quanto
ao problema de se saber se a A.C. deve, de preferência, cuidar da
santificação dos fiéis, ou da conversão dos infiéis.
Seus verdadeiros termos
À primeira vista, o simples bom senso nos
faria responder com Nosso Senhor “oportet haec facere et illa non omittere”
(S. Mat. 23, 23). Não há razão para que a A.C. negligencie uma ou outra
destas tão louváveis atividades. Entretanto, como o problema se pode
apresentar na prática, quando a A.C., naturalmente sobrecarregada de
afazeres, hesita sobre se deve empregar as pequenas disponibilidades de
tempo que lhe restam, na organização de uma campanha de Páscoa, ou na
distribuição de folhetos para converter espíritas, na organização de uma
obra para preservar a pureza das famílias católicas, ou numa campanha para
fazer infiltração em sindicatos comunistas, na construção de uma sede para
associações, ou numa obra de combate ao Protestantismo, queremos dizer
alguma coisa sobre o assunto.
Em primeiro lugar, é preciso esclarecer que
o problema jamais poderá ser resolvido de modo uniforme. As circunstâncias
locais variam imensamente, e podem dar a uma ou outra daquelas tarefas um
caráter de tal premência que exija uma intervenção imediata. Tudo quanto
dissermos só se aplica aos casos gerais, em que realmente não se possa
determinar se concretamente um ou outro dos afazeres é mais urgente, e o
problema se deva resolver pelos seus dados teóricos.
A ordem na caridade manda que:
Isto posto, não hesitamos em afirmar que,
acima de tudo, se deve desejar a santificação e perseverança dos que são
bons; em segundo lugar, a santificação dos católicos afastados da prática
da Religião; finalmente, e em último lugar, da conversão dos que não são
católicos.
a) - acima de tudo cuidemos da santificação
e perseverança dos bons
Passemos a justificar a primeira proposição.
A simples análise do dogma da Comunhão dos Santos já nos oferece para tal,
um argumento precioso. Há uma solidariedade sobrenatural no destino das
almas de forma que os méritos de umas revertem em graças para outras, e,
reciprocamente, a alma que deixa de merecer, depaupera todo o tesouro da
Igreja. Ouçamos a este respeito a admirável lição de um mestre. O R. P.
Maurice de la Taille, no seu conhecido tratado sobre o Santíssimo
Sacrifício e Sacramento da Eucaristia, à pág. 330-1 observa que “a devoção
habitual da Igreja jamais desaparece, pois que Ela jamais perderá o
Espírito de Santidade que recebeu; pode não obstante esta devoção, na
variedade dos tempos, ser maior ou menor”. E aplicando este princípio ao
Sacrossanto Sacrifício da Missa, acrescenta: “Quanto maior for ela, mais
aceitável será sua oblação. Eis, pois, que é de suma importância existirem
na Igreja muitos santos e muito santos; nem nunca jamais se deve poupar ou
impedir que os varões religiosos e mulheres envidem esforços para que cada
dia cresça o valor das Missas e se torne mais potente aos ouvidos de Deus
a voz indefectível do Sangue de Cristo que clama da Terra. Pois que nos
altares da Igreja clama o Sangue de Cristo, mas pelos nossos lábios e
coração: tanto quanto se lhe abrir o vigor de vociferar” (apud Filograssi,
Adnotationes in SS. Euchaaristiam, pg. 1115-6).
A vista disto, não é difícil verificar que,
no plano da Providência, a santificação das almas boas ocupa um papel
central na conversão dos infiéis e pecadores. Eclesiásticos ou leigos, são
tais almas de certa forma “o sal da terra e a luz do mundo”. É neste
sentido que se deve afirmar que as Ordens Contemplativas são de grande
utilidade para toda a Igreja de Deus. Ora, o mesmo se deve dizer das almas
santas, que vivem vida de apostolado no século. Ai! das coletividades
cristãs onde se apaga a luz da prece das almas justas e decai o valor
expiatório dos sacrifícios. Narra D. Chautard que o simples
estabelecimento de conventos contemplativos e reclusos, em zonas
missionárias, opera maravilhas. É, em última analise, da santidade que
depende a vitória da Igreja na grande luta em que está empenhada. Uma só
alma verdadeiramente sobrenatural que, com os méritos de sua vida interior
torne fecundo seu próprio apostolado, conquista para Deus muito maior
número de almas do que uma legião de apóstolos de medíocre vida de oração.
Esta verdade é de aceitação corrente para o
que diz respeito ao Clero. Por mais importante que seja o problema das
vocações sacerdotais, jamais se igualará à obra da santificação do Clero.
Em nenhum país do mundo há questão tão importante. E, implicitamente, em
matéria de apostolado leigo o mesmo princípio se impõe. Se é mais
importante haver um grupo de apóstolos sacerdotais verdadeiramente santos,
do que um Clero numeroso, há de ser logicamente mais importante haver um
grupo de apóstolos leigos verdadeiramente interiores, do que uma inútil
multidão de membros da A.C.. Se para o Clero o problema máximo é a
santificação cada vez maior de seus membros, para a A.C., que é sua
humilde colaboradora, não pode haver maior desejo do que a santificação de
seus membros e de todas as almas piedosas na Igreja de Deus.
Há um flagrante naturalismo em imaginar que
a Igreja lucraria com o aumento de
atividade apostólica de seus membros, em detrimento de sua vida de
oração. É muito mais à oração das almas verdadeiramente unidas a Deus, do
que às atividades externas, sempre úteis e louváveis contudo, que a Igreja
deve seus melhores louros. Dí-lo Leão XIII, na Encíclica “Octobri Mense”,
de 22 de Setembro de 1891:
“Se se pergunta porque a perfídia dos maus
não chega a obter a plena realização de seus propósitos; porque, pelo
contrário, a Igreja, através de tantos acontecimentos desfavoráveis,
conservando sua grandeza e sua glória intactas, se eleva sempre e não
cessa jamais de progredir, é legítimo procurar a causa
principal de um e outro fato
na força da oração da Igreja sobre o coração de Deus; de outra maneira,
com efeito, a razão humana não pode compreender como o poder da iniqüidade
esteja contido dentro de tais limites, enquanto a Igreja, reduzida à
extremidade, triunfa, entretanto, tão magnificamente.”
Em outro passo da mesma encíclica, diz ainda
o Papa:
“As orações, pelas quais suplicamos a Deus
que proteja sua Igreja, unidas aos sufrágios dos Santos do céu, Deus as
atende sempre com a maior bondade, tanto as que se referem aos interesses
maiores e imortais da Igreja, quanto as que visam benefícios menores,
próprios à época presente, mas em harmonia com os primeiros. Com efeito, a
estas orações se acrescentam o poder e a eficácia das orações e dos
méritos de Nosso Senhor Jesus Cristo, Pontífice supremo, santo, inocente,
sempre vivo para interceder por nós”.
E o Santo Padre acrescenta: “Ver-se-á um dia
que é graças à oração, que, no meio de um mundo depravado, muitos
conseguiram preservar intactas suas almas, limpas de toda mácula na carne
e no espirito, realizando sua santificação no temor de Deus; que outros,
no próprio momento em que se iriam entregar ao mal, contiveram-se
repentinamente e encontraram, no próprio perigo e na tentação, um feliz
acréscimo de virtude; que outros, enfim, tendo sucumbido, sentiram na alma
uma certa solicitação para se reerguerem e se atirarem ao seio do Deus de
misericórdia”.
Se, do ponto de vista da Comunhão dos
Santos, é esta a conclusão a que devemos chegar, o que a Teologia nos diz,
por outro lado, da essência do apostolado, nos conduz à conclusão
idêntica. Como já tivemos ocasião de dizer, o apóstolo é mero instrumento
de Deus, e a obra de santificação das almas ou de sua conversão é
essencialmente sobrenatural e divina (Cfr. S. T. Ia., IIae.; q. 109. aa.
6, 7). “Ninguém pode vir a mim se meu Pai, que me enviou, não o atrair”,
disse N. S. (J., 6, 44). Ora, Deus não se serve, senão raramente, para tão
augusta tarefa, de instrumentos indignos, e a pergunta da Escritura “ab
immundo, quid mundabitur?” não exprime apenas a incapacidade natural e
psicológica do apóstolo indigno em produzir obras fecundas, mas ainda a
repugnância que sente Deus, em se servir de elementos tais, para por meio
deles operar os mistérios augustíssimos da regeneração das almas.
Não se pense, porém, que só o pecado mortal
é nocivo à fecundidade da obra do apóstolo. Também os pecados veniais e
até as simples imperfeições diminuindo a união das almas com Deus, minguam
as torrentes de graças de que elas deveriam ser canais. Quanta e quanta
obra louvável por aí se arrasta, às voltas com mil dificuldades; lutam em
todos os terrenos os seus generosos diretores, sem conseguir qualquer
resultado e com isto ficam afastadas centenas ou milhares de almas, que
nos desígnios da Providência se deveriam salvar por meio desta obra. E,
enquanto contra todas as dificuldades se quebram os mais heróicos
esforços, não percebem os seus diretores que a fonte dos malogros é outra.
“Venti et mari oboediunt ei”, diz de Jesus a Escritura, e por certo
poderiam sob seu império ruir todos os obstáculos. Mas os intermediários
da graça divina, conquanto zelosos, têm esta ou aquela infidelidade que os
afasta de Deus. E Jesus espera da renúncia a algum sentimentalismo por
demais vivaz, a algum amor próprio por demais pontiagudo, a desobstrução
dos canais da graça. O que parecia uma questão de dinheiro ou de
influência social é, não raras vezes, uma questão de generosidade
interior, em uma palavra, uma questão de santificação.
No livro de Josué, Cap. VII, encontra-se uma
narração altamente significativa a esse respeito. Acan tomou para si,
entre os despojos da cidade de Jericó, alguns objetos de valor, se bem que
esta ação fosse ilícita, porque os objetos estavam atingidos pelo anátema,
com que Deus fulminara Jericó. Este simples fato bastou – um homem em todo
um imenso exército trazia entre outros objetos de bagagem alguns que eram
malditos – para que as forças hebraicas fossem inexplicavelmente e
estrondosamente derrotadas no ataque à pequena cidade de Hai. Deus revelou
então a Josué que as armas hebraicas só retomariam seu curso vitorioso
quando Acan fosse exterminado com tudo o que possuía. Sobre seus restos
mortais se ergueu um monumento de maldição e só assim se apartou de Israel
o furor do Senhor: imagem eloqüente do mal que a toda uma organização pode
fazer um só apóstolo leigo, que conserve em sua alma qualquer apego
culposo a seus pecados ou imperfeições.
Tudo isto posto, percebe-se como é errôneo
pretender que, segundo uma expressão infelizmente corrente, é “chover no
molhado” trabalhar pela santificação dos bons. Muito intencionalmente só
aduzimos, em benefício de nossa tese, argumentos que demonstram, com
clareza meridiana, ser esta santificação a mais preciosa condição para se
obter a conversão, tão ardentemente almejada, dos infiéis. O que ainda não
poderíamos dizer, no entanto, sobre a importância do apostolado de
perseverança dos bons!
b) - reintegremos, em segundo lugar, na vida
da graça, os pecadores
Os
argumentos precedentes servem também para provar que mais importante é
reintegrar na plenitude da lei da graça os católicos que abandonaram a
prática da Religião, do que converter os infiéis. Queremos, entretanto,
aduzir a respeito deste último ponto mais um argumento. O Santo Batismo
recebido pelo fiel faz dele um filho de Deus, um membro do Corpo Místico
de Cristo, um templo vivo do Espírito Santo. As graças de que Deus o
cumula, em seguida, em sua idade de inocência, o convívio eucarístico com
Nosso Senhor, tudo concorre para que um católico tenha um título
inestimável de predileção divina. É assim que, de um modo geral
[2],
Deus ama imensamente mais as almas que constituem sua Igreja, do que os
povos heréticos e infiéis. Por isto, o justo que “declina dos mandamentos
de Deus” Lhe causa uma dor imensamente maior do que a perseverança de um
infiel em sua infidelidade. O pecador continua filho de Deus, mas filho
pródigo, cuja ausência enche a casa paterna de luto indizível. Arbusto
partido, porém, não quebrado, lâmpada bruxuleante que ainda fumega, é ele
o objeto predileto da solicitude de Deus. E por isto mesmo o Redentor,
“que não quer a morte do pecador, mas que ele se converta e viva”,
multiplica suas instâncias a fim de o reconduzir ao redil. Filho de Deus,
e por isso mesmo um predileto ingrato, é o católico pecador um irmão
nosso, ao qual nos ligam deveres de amor e assistência incomparavelmente
maiores do que aos homens não católicos. É este um ponto absolutamente
indiscutível de Teologia. Por esta razão, somos obrigados a consagrar
nosso tempo, de preferência do que à conversão do infiel, à conversão do
católico pecador. Com toda a propriedade se aplica aí a palavra terrível
da Escritura, saída dos dulcíssimos lábios do Salvador: “não se atira aos
cães o pão destinado aos filhos”.
Não foi outro o pensamento expresso pelo
Santo Padre Pio XI, em sua mensagem de 12 de fevereiro de 1931, publicada
pelo Osservatore Romano: “Manda o Apóstolo que, dirigindo-nos aos homens,
a todos façamos o bem, mas especialmente aos que possuem a mesma Fé.
Convém, pois, que nos dirijamos primeiramente a todos os que, membros
vivos da Família e do Rebanho do Senhor, a Igreja Católica, Nos chamam com
o doce nome de Pai, aos Pastores e aos fiéis, às ovelhas e aos cordeiros,
e a todos aqueles que o Pastor e Rei Supremo Jesus Cristo Nos encarregou
de apascentar e guiar”.
E o mesmo diz S. Tomás: Sum. Theolog., IIa.,
IIae., Q. 26, art. 5: – “Mais devemos amar segundo a caridade o que
oferece um motivo mais forte de assim ser amado. Ora, o motivo de amor,
que devemos ter pelo próximo, é que ele nos está associado na participação
plena e direta da beatitude”.
Ibid. art. 6, ad 2.: – “Todos os nossos
semelhantes se relacionam igualmente a Deus; mas há alguns que estão mais
próximos de Deus, porque são melhores, e, por isto, mais devem ser amados
por nós segundo a caridade, do que outros, que estão menos próximos de
Deus”.
S. Paulo recomenda expressamente: “enquanto
temos tempo façamos bem a todos, mas principalmente aos irmãos na Fé”
(Gal. 6, 10). E, escrevendo a Timóteo (I, 6, 1-2), recomenda que, se os
servos tiverem amos católicos, os sirvam melhor que aos não católicos,
“porque são fiéis e amados (de Deus) e participantes do beneficio (da
Redenção)”. E Nosso Senhor proclamou o mesmo princípio quando disse: “Quem
fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe” (Marc.
III, 35).
A expansão desta doutrina não pode
prejudicar o apostolado junto ao infiéis e hereges
A tantos argumentos teóricos, acrescentemos
finalmente uma reflexão de ordem prática, que também tem um considerável
valor. Faça-se no Brasil a estatística dos católicos e dos infiéis, e
ver-se-á a inferioridade numérica verdadeiramente esmagadora em que estão
estes últimos. Qual pois, o problema que afeta mais fundamente a Igreja no
Brasil? A conversão dos infiéis ou a reconciliação com a Igreja, dos
pecadores?
Não se tema, aliás, que o desenvolvimento
das obras de conversão dos infiéis se ressinta, em sua expansão, em
conseqüência da ordem de idéias que vimos expondo. Certamente a Alemanha
foi um dos países, em que, de modo mais profundo, se desenvolveram as
obras para a conversão dos muitos protestantes ali existentes. De fato, o
problema de recondução dos protestantes ao grêmio da Igreja oferecia ali
uma atualidade e uma importância incomparavelmente maiores que no Brasil.
Não creram os Exmos. e Revmos. Srs. Bispos alemães jamais que estas obras
de dilatação de fronteiras sofressem qualquer detrimento em conseqüência
da seguinte verdade que sob a designação de “questão 23ª”, figurava no
Catecismo confeccionado oficialmente pelo Venerando Episcopado Alemão: “P.
A que é devido que se cometam pecados graves até mesmo dentro da Igreja
Católica? – R. O fato de que na Igreja Católica se cometam pecados graves
é devido ao fato de muitos cristãos católicos não obedecerem à Igreja e
não viverem com ela. Os pecados dos próprios filhos doem mais à Igreja e
dificultam mais sua expansão do
que as perseguições por parte dos inimigos da Igreja. É impossível que
não venham escândalos; mas ai! daquele por quem eles vêm (S. Lucas, XVII,
1)”. Fato curioso: o governo nazista de Baden, em circular de 27 de
janeiro de 1.937, mandou cancelar esta pergunta do catecismo (Cfr. “El
Cristianismo en el Tercer Reich”. O autor desta obra, aliás magistral, sob
todos os pontos de vista, é um sacerdote católico alemão que usa o
pseudônimo de Testis Fidelis).
*
* *
“Apostolado de conquista”
De tudo quanto acabamos de expor, e
sobretudo das enérgicas palavras do Episcopado Alemão, resulta com toda a
clareza que não se pode separar o interesse das almas piedosas daquele que
se deve ter pelas dos infiéis e pecadores. Por aí se compreende como é
infundado interpretar num sentido exageradamente literal a expressão
“apostolado de conquista”, muito freqüentemente empregada para designar,
com um entusiasmo unilateral e exclusivo, as obras de conversão dos
infiéis, enquanto este título é desprezivelmente negado às obras de
preservação e santificação dos bons.
Sem dúvida, toda conversão de infiéis traz
para a Igreja uma dilatação de fronteiras, e como toda dilatação de
fronteiras é uma conquista, pode-se razoavelmente chamar a tais obras
“iniciativas de conquista”. Neste sentido a expressão é licita. Mas, há um
erro, e um erro não pequeno, em votar a tais obras, aliás dignas de todo
entusiasmo, uma espécie de exclusivismo veemente, que perturba a lucidez
dos conceitos e a hierarquia dos valores, atirando a um injustificável
menoscabo as outras obras. Falando da propaganda totalitária, disse
Jacques Maritain que ela possuía a arte de “fazer delirar as verdades”. A
conversão dos infiéis é por certo uma obra empolgante, e tudo quanto dela
se pudesse dizer em matéria de encômios ainda ficaria aquém da realidade.
Não façamos, porém, delirar esta nobre verdade.
Infelizmente, este delírio existe, e é dele
que provém a paixão pelas massas e o menoscabo das elites, a monomania dos
recrutamentos tumultuários, o descaso implícito ou explicito quanto às
obras de preservação, etc., etc.. E é ainda a esta ordem de idéias que se
filia um estado de espírito curioso. Em certos círculos, há um entusiasmo
tão respeitoso pelos convertidos, que, segundo a expressão de um
observador muito penetrante, os que sempre foram católicos “têm uma certa
vergonha de jamais haverem apostatado, a fim de poderem converter-se”.
Evidentemente é pouco todo júbilo pela volta do filho pródigo à casa
paterna, e são dignas de censura as ciumeiras, que, a este respeito,
manifestou o filho sempre fiel. No entanto, a circunstância de haver
alguém perseverado sempre, é em si mesma um título de honra maior do que a
apostasia seguida de sincera emenda. É claro que pode haver uma alma
penitente, que se eleve muito mais do que outra que permaneceu sempre
fiel. Seria, porém, temerário discutir, concretamente, se maior admiração
se deve à inocência de S. João, ou à penitência de S. Pedro, à penitência
de Sta. Maria Madalena ou à inocência de Santa Teresinha do Menino Jesus.
Deixemos estas questões ociosas, e sirvamos todos a Deus com humildade,
evitando o exagero de transformar a apostasia em um título de vã glória.
A preocupação ou antes a obsessão do
apostolado de conquista gera um outro erro que mencionamos simplesmente
aqui, e a respeito do qual em ulterior capítulo nos estenderemos mais.
Consiste em ocultar ou subestimar invariavelmente o que há de mal nas
heresias, a fim de dar ao herege, a idéia de que é pequena a distância que
o separa da Igreja. Entretanto, com isto, esquece-se que se oculta aos
fiéis a malícia da heresia, e se aplainam as barreiras que os separam da
apostasia! É o que sucederá com o uso em larga escala, ou exclusivo deste
método.
Tem-se divulgado a opinião de que o
apostolado da A.C., em conseqüência de seu mágico mandato, exerce sobre as
almas um efeito santificante, de forma que a simples atividade apostólica
basta inteiramente ao membro da A.C., e dispensa a vida interior.
Já se alongou por demais este capítulo, e
não queremos entrar nesta complexa matéria em maiores digressões. Por
isto, limitar-nos-emos a dizer que a Santa Igreja exige dos Clérigos, e
até dos Bispos, que mantenham uma vida interior tanto mais intensa, quanto
mais absorventes forem suas obras. Por onde se vê que o apostolado da
Hierarquia não exime da vida interior. São Bernardo em seu tratado “De
consideratione” não hesita em chamar “obras malditas” as atividades do
Bem-aventurado Papa Eugênio III, desde que elas consumissem o tempo
exigido para o incremento da vida interior daquele Pontífice. E é das
excelsas e por assim dizer divinas ocupações do Papado de que se trata!
Que dizer-se então das modestas ocupações de um simples “participante” da
Hierarquia? Serão suas atividades mais santificantes que as da própria
Hierarquia? Como supor na essência e na estrutura da A.C. virtudes
santificantes que dispensam da vida interior!
Enfim, estamos aí em presença de um
recrudescimento do americanismo já condenado por Leão XIII; e no documento
sobre este assunto, se pode encontrar facilmente uma cabal refutação desta
doutrina.
*
* *
Uma objeção
A tudo isto poder-se-ia certamente objetar
que “há mais alegria no Céu por um pecador que se converte, do que por
noventa e nove justos que perseveram”. Poucos textos dos Santos Evangelhos
têm sofrido mais infundadas interpretações. A mulher da parábola, que
perdeu uma dracma, certamente teve mais alegria em encontrá-la do que em
conservar as dracmas que não havia perdido. Isto não quer dizer que ela se
consolaria da perda das noventa e nove dracmas por encontrar uma! Se assim
fosse, seria um louca! O que Nosso Senhor quis dizer foi, simplesmente,
que o gáudio pela recuperação dos bens, que perdemos, é maior do que nosso
prazer pela posse tranqüila dos bens, que conservamos. Assim, um homem que
perdeu a vista em conseqüência de um acidente e depois a recupera, deve
razoavelmente entregar-se a uma grande expansão de alegria. Seria,
entretanto, irracional que, em dado momento, um homem, que nunca esteve
ameaçado de cegueira, se entregasse a indescritíveis transportes de
júbilo, porque não está cego.
Reflitam certos leitores antes sobre o
seguinte: se há mais júbilo no coração do Bom Pastor por um pecador que se
converte do que por noventa e nove justos que perseveram, a conseqüência
lógica é que há mais tristeza no Coração de Jesus por um justo que
apostata, do que por noventa e nove pecadores que perseveram no pecado. NOTAS
[1]
A imprensa de São Paulo publicou tal documento com o seguinte teor:
AÇÃO CATÓLICA E ASSOCIAÇÕES AUXILIARES
Por ordem de S. Excia. Revma. o Sr. Dom
José Gaspar de Affonseca e Silva, Arcebispo Metropolitano, o Revmo. Sr.
Cônego Dr. Antônio de Castro Mayer, Assistente Geral da Ação Católica, fez
publicar pela imprensa o seguinte documento:
Associando misericordiosamente os
homens a Sua obra de Redenção do Gênero Humano, e conversão do mundo,
entregue à adoração insensata dos ídolos pagãos, o Divino Salvador
constituiu um grupo restrito de discípulos, a cuja formação se dedicou de
modo especial. Alimentando seus espíritos com infatigável doutrinação,
feita na intimidade e proporcionada às necessidades particulares de cada
um deles, plasmando seus corações por meio de uma direção pessoal,
acentuada por todos os encantos de Sua convivência e pela força
irresistível de Seus exemplos; enviando sobre eles o Espírito Santo,
distribuidor de inestimáveis dons para a inteligência e a vontade, o
Salvador fez daquele pequeno grupo uma milícia de eleição, um fermento
sagrado, a quem deu a missão de renovar a face da terra.
Às multidões, às quais ensinou o
caminho da verdade, abriu Nosso Senhor Jesus Cristo o Reino dos Céus. Foi,
entretanto, apenas a um escol bem menor que confiou a tarefa de, em Seu
Nome, franquear também aos outros povos o caminho da Bem-aventurança.
Fiel ao Divino Mestre, a Igreja sempre
seguiu o mesmo processo, e, pregando embora o Evangelho a todos os povos
soube reservar carinhos e zelos especiais para formar de modo todo
particular aos que, no corpo Místico de Jesus Cristo, iriam ocupar os
cargos da Hierarquia instituída pelo Redentor.
Mais. Tirando desse sapientíssimo
exemplo do Salvador todos os ensinamentos que encerra, a Igreja, desde os
primeiros tempos, não se limitou a preceituar a todos os fiéis o dever do
apostolado, mas congregou em torno de si os mais fervorosos dentre eles, a
fim de dotá-los de virtudes especiais. Assim formados, primando pela
inquebrantável docilidade ao magistério da Igreja, pela onímoda e
incondicional submissão aos que, acima deles, se encontravam constituídos
na dignidade de Sacerdotes e Bispos, tais leigos eram instrumentos de
eleição e colaboradores especiais destinados a participar, dentro da
Igreja Discente, das agruras santas e dos meritórios labores da Igreja
Docente.
A este hábito, que o Catolicismo
conservou ininterruptamente nos vinte séculos de sua existência, Pio XI,
de santa e saudosa memória, deu novo lustre e providencial incremento
quando, para abater a insolência dos ídolos, que as multidões pagãs de
nossos dias começavam a aclamar e adorar, tornou obrigatória para todos os
povos a instituição da milícia de escol da Ação Católica, chamando todos
os fiéis para que elevando-se à altíssima pureza doutrinária e moral, que
nela refulgem, com ela e nela combatessem denodadamente as pompas e as
obras de Satanás.
É tão evidente a conveniência desse
princípio de prudência aplicado pelo grande Pontífice, que a própria
habilidade humana a soube ver e utilizar a seu modo. Todos os grandes
impérios tiveram suas tropas escolhidas, que eram, dentro do vasto
conjunto das formações militares, ao mesmo tempo cerne e espinha dorsal do
exército, milícia disciplinada e audaciosa, cuja coragem deveria estimular
e assombrar os mais valentes dentre os militares briosos e dignos de que
se compunham os outros regimentos. É esta a tradição de todos os exércitos
dos grandes generais conquistadores de terras e fundadores de impérios. Se
destarte procediam os grandes guerreiros e conquistadores, porque não há
de ser assim com o exército pacífico e invencível de Cristo-Rei, que deve
conquistar todos os povos? Bastam estas considerações, para esclarecer de
modo exato as relações entre a Ação Católica e a Igreja Docente, que é o
estado maior de Jesus Cristo; se em alguma coisa a situação da A.C. para
com a Hierarquia é especial, é porque esta tem o direito de esperar dela
uma disciplina mais pronta e mais amorosa do que de qualquer outra
associação religiosa.
Por outro lado, em relação às
associações e obras católicas, sua posição está implicitamente definida:
estímulo, exemplo, baliza para a ação comum. E as associações devem, por
sua vez, à Ação Católica, cooperação fraternal e disciplinada.
No intuito de dar a estes conceitos uma
aplicação viva e completa, cumpre que sejam observadas na Arquidiocese os
seguintes princípios:
I
Fiel ao espírito que a distingue, a
Ação Católica prima pela reverência e docilidade para com a Autoridade
Eclesiástica. Portanto, dentro dos seus respectivos setores, os
Assistentes Eclesiásticos são, além de censores doutrinários, a própria
lei viva, em tudo quanto diz respeito às atividades da Ação Católica.
Devem os membros da A.C. todo o respeito aos leigos, que nela ocupam
cargos de direção, porquanto é a autoridade destes reflexo da autoridade
do Assistente Eclesiástico.
Nas reuniões da A.C. a que compareçam
os Sacerdotes, Religiosos e Religiosas, que não têm cargo de Assistentes
na mesma, deve ser sempre atribuída, em razão da sublimidade de seu
estado, primazia em dignidade, depois do Assistente Eclesiástico.
Em seguida, a precedência cabe aos
membros da Junta Aquidiocesana.
II
As associações fundamentais da Ação
Católica não se devem considerar como entidades perfeitas em si mesmas e
coligadas apenas para um fim comum, mas secções de um mesmo todo.
Assim, os Assistentes Eclesiásticos das
várias secções ou sub-secções são delegados e pessoas de confiança do
Assistente Geral da A.C. Também são delegados e pessoas de confiança do
Assistente Geral, e dos demais membros da Junta Aquidiocesana, os leigos
que ocupam cargos de direção na A.C.
III
Uma vez que deve constituir ao mesmo
tempo o estímulo e o modelo de todas as associações religiosas e dos
fiéis, a Ação Católica só admitirá como seus membros elementos
perfeitamente cônscios da alta dignidade e dos árduos encargos daí
decorrentes, sendo eliminados, sem tergiversação, aqueles que não se
mantiverem à altura de missão tão elevada.
IV
As associações religiosas, e de modo
especial aquelas cujo objetivo consiste na santificação de seus membros,
são verdadeiros seminários da Ação Católica, à qual prestam preciosíssimo
auxílio, afervorando na vida espiritual ou adestrando no apostolado os
respectivos associados, de maneira que tornem os mais edificantes dentre
eles aptos para, depois de preparados pela Ação Católica, nela
ingressarem.
V
Só merece encômios o membro da Ação
Católica que, sem prejuízo de suas obrigações para com esta, e com
aprovação da autoridade competente no respectivo setor, se dedica à
direção de uma associação religiosa.
Por outro lado, não demonstra bom
espírito o membro de uma associação religiosa que, sob pretexto de
apostolado na Ação Católica, tomar a iniciativa de, sem determinação
expressa dos órgão da A.C., abandonar o sodalício a que pertence.
VI
As associações religiosas, porque
auxiliares da Ação Católica, devem honrar-se em fornecer-lhe maior número
possível de membros, renunciando de bom grado à colaboração daqueles, cujo
apostolado os poderes competentes da Ação Católica julgarem dever absorver
inteiramente.
VII
Os membros da Ação Católica, cujos
setores, por qualquer razão, não realizem todos os domingos pela manhã
atos piedosos em comum devem, salvo situações especiais verificadas pela
Junta Arquidiocesana, inscrever-se em alguma associação auxiliar, onde o
façam, primando aí pela docilidade para com a autoridade constituída na
associação.
VIII
A Junta Arquidiocesana, segundo
critério inteiramente seu, mas ouvidas as pessoas interessadas, deve
cuidar que o recrutamento dos membros da Ação Católica nas associações
auxiliares se faça sem as privar dos membros cujos trabalhos forem
indispensáveis ao bom andamento das atividades sociais.
Neste sentido, providenciará
especialmente a fim de que os membros da Ação Católica, destacados para a
direção das associações auxiliares, se possam desempenhar de modo
plenamente satisfatório dessa tarefa, conservando embora o necessário
convívio e ligação com a Ação Católica.
IX
Nenhuma atividade será iniciada pela
Ação Católica em Paróquia ou associação auxiliar sem entendimento prévio
com o respectivo Pároco ou Diretor Eclesiástico da associação.
X
Compete privativamente à Junta
Arquidiocesana orientar a formação doutrinária e moral dispensada pela
Ação Católica a seus membros, bem como determinar e dirigir todos os
movimentos de caráter geral, deliberando sobre se devem ser executados
exclusivamente por setores fundamentais da Ação Católica, ou por estes em
comum com as associações ou obras auxiliares, ou, finalmente, só pelas
últimas.
* * *
Por determinação da Junta
Arquidiocesana, em todas as associações fundamentais e auxiliares da Ação
Católica, devem realizar-se reuniões e círculos de estudo, exclusivamente
consagrados ao documento acima que, na exposição de motivos, bem como nos
dez itens que a seguem, contém conceitos indispensáveis à formação
espiritual do laicato católico e à estruturação do apostolado por ele
desenvolvido.
Concorda com o original arquivado na
Cúria. (a) Cônego Paulo Rolim Loureiro, Chanceler do Arcebispado. [2] De modo geral, dizemos, porque há pessoas retas que pertencem à alma da Igreja, porém não ao corpo desta. Tais almas podem ser preferidas por Deus a algum pecador empedernido, que pertence ao corpo e não à alma da Igreja. Note-se entretanto, que as pessoas pertencentes à alma e não ao corpo da Igreja são raras na multidão dos hereges e pagãos. Constituem exceção. Por outro lado, entre estas pessoas retas, poucas são as que podemos conhecer como tais, porque as virtudes não estão inscritas de modo visível senão em poucas frontes privilegiadas. Portanto, raríssimos são os casos que na prática podem abrir exceção à regra geral que no apostolado devemos observar: preferir a conversão do pecador em estado de pecado mortal, à do pagão ou herege.
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