Plinio Corrêa de Oliveira

 

A Reforma Agrária socialista e confiscatória – A propriedade privada e a livre iniciativa, no tufão agro-reformista

 

1985

Secção F – Burocracia ideologizada e gastos faraônicos para efetivar a utopia  da “era de ouro” sonhada pelo PNRA como resultado da Reforma Agrária

 

TEXTO DO PNRA

5.2 – Programas complementares

5.2.1 – Regularização Fundiária

a) Caracterização

150 . A Regularização Fundiária é o processo através do qual se procurará arrecadar, legitimar ou adjudicar terras públicas que estejam ocupadas de boa fé ou de forma irregular por terceiros, tendo a “discriminação de terras devolutas” e a “arrecadação sumária” como seus instrumentos legais de execução.

151 . É importante ressaltar, de forma inequívoca, que não há como se confundir Regularização Fundiária com Reforma Agrária. No entanto, a execução da Reforma Agrária não deverá excluir a regularização como instrumento complementar de justiça social.

152 . Utilizada em períodos recentes como o principal instrumento de política agrária, a regularização fundiária será repensada e direcionada de forma a considerar a prioridade da realização da Reforma Agrária. Isso exigirá também uma revisão e o ajustamento das ações fundiárias desenvolvidas nos Programas Especiais, como o POLONORDESTE e o POLONOROESTE.

153 . Os instrumentos jurídicos da regularização fundiária serão examinados, readequados e, se necessário, revogados, tendo em vista corrigir e superar a distorção que se formou com a transferência indevida das áreas tituladas para terceiros, geralmente já proprietários de extensões consideráveis de terras. Assim, se considerará  a hipótese de adoção do instituto da concessão de uso.

154 . Um eficiente trabalho de discriminatórias, quer administrativas, quer judiciais, levará à desmontagem de artimanhas e incorreções perpetradas contra os interesses de efetivos ocupantes. Ao mesmo tempo facilitará a revelação de disponibilidade das terras para novos assentamentos.

155 . O ajuizamento das ações discriminatórias pode dar-se mesmo em áreas prioritárias para Reforma Agrária, em perímetro ali encravados, cuja desapropriação, por hipótese, não se afigure como a melhor alternativa em razão da incidência de eventuais títulos dominiais cuja origem seja espúria e, portanto, passível de ser vulnerada judicialmente. O sucesso da discriminatória judicial, no caso, poderá dispensar o procedimento desapropriatório.

b) Diretrizes operacionais

156 . As áreas de maior densidade populacional terão prioridade para a execução de ações discriminatórias, sem prejuízo daquelas que fazem parte dos programas sob a responsabilidade dos Governos Estaduais.

157 . A regularização fundiária levará em consideração, além da propriedade familiar, as formas de apropriação Condominial ou Comunitária da terra, dos recursos hídricos e florestais, de maneira que os trabalhadores rurais não tenham o seu acesso cortado a bens fundamentais efetivamente incorporados a sua economia.

158 . Serão estabelecidas formas de reconhecimento de posse e titulação capazes de articular domínios de usufruto comum com regras de apropriação privada, também adotadas por estes grupos familiares, desde que neste sentido tenham as comunidades rurais se manifestado favoravelmente.

 

COMENTÁRIO

Apropriação”: de si a palavra indica o ato pelo qual alguém se torna proprietário. Ela soa mal, portanto, no imenso contexto do PNRA. A ser interpretada assim, constituiria avis rara, a voar em sentido oposto ao tufão agro-igualitário.

No tópico 157 tal palavra parece entrar em estridência com os adjetivos “condominial” e “comunitário” (cfr. Comentário ao n.o 120).

Procurando, pois, para a palavra, um conteúdo que a harmonize com o rumo óbvio e esmagadoramente preponderante do PNRA, hostil à propriedade privada, parece dever se entender que “apropriação” tem aqui o significado, mais amplo e impreciso, de ato pelo qual um bem sem dono nem posseiro é assumido para uso e posse de outrem que, entretanto, não lhe será especificamente proprietário, mas “assentado”.

* * *

O tópico seguinte (n.o 158) se refere a “regras de apropriação privada”: que querem dizer essas palavras? Segundo a linguagem corrente, da qual não raras vezes discrepa o PNRA, dir-se-ia que se trata das regras segundo as quais a propriedade privada se constitui.

Neste caso, o PNRA cogitaria aqui de hipóteses brumosas, em que parte das disposições vigentes sobre a propriedade seriam encaixadas – “articuladas” – mutatis mutandis, na nova legislação agrária. Quiçá a título provisório, ou supletivo. É esta, pelo menos, a única hipótese interpretativa razoável que ocorre.

Hipótese, convém ressaltar. Pois, na confusão do PNRA, a hermenêutica, neste, como em outros tópicos, não consegue ir além das conjecturas.

 

TEXTO DO PNRA

159 . A orientação a ser adotada refere-se à demarcação dos perímetros desses domínios de usufruto comum, que não pertencem individualmente a nenhum grupo familiar, e que lhes são essenciais, como coqueiros, castanhas, fontes d’água, babaçuais, pastagens naturais, igarapés e reservas de mata, de onde as famílias de trabalhadores rurais retiram palha, talos, lenha, madeira para construções e espécies vegetais utilizadas em cerimônias religiosas ou de propriedades medicinais reconhecidas.

160 . Parte-se do pressuposto de que a necessidade de titulação não destrua ou desarticule a organização e o sistema de apossamento pré-existente. Isso exigirá a compatibilização dos cadastros declaratórios e fundiários para que seja possível conciliar o sistema cadastral e a titulação derivada, com estas formas de uso comum da terra, que abrangem, inclusive, a combinação da agricultura com extrativismo em áreas descontínuas e outras associações de sistemas produtivos adequados à realidade regional.

161 . A Lei Federal 6.383/76 deverá ser cuidadosamente analisada, a fim de se propor alterações que a compatibilize com a Reforma Agrária, particularmente no que tange à legitimação de posse, bem como feitas gestões junto aos Estados visando alterações e modernização de seus dispositivos legais.

5.2.2. – Programa de colonização

a ) Caracterização

162 . Historicamente, a colonização tem sido o processo através do qual o Poder Público busca ocupar espaços vazios, reduzir áreas de tensão social, aproveitar terras públicas e reorientar fluxos migratórios, criando, ademais, novos centros de oferta agrícola.

163 . Cabe ao INCRA, ao lado de outros organismos do Estado, a implementação de programas de colonização oficial e fiscalização de projetos patrocinados por particulares.

164 . Durante praticamente toda a década de 70, foi dada grande atenção ao Território da Amazônia. A iniciativa governamental era justificada pela existência, “dentro da política federal de integração nacional e da ênfase na complementariedade entre o Nordeste e a Amazônia – de programas de impacto, como o Programa de Integração Nacional – PIN e o Programa de Redistribuição de Terras e Estímulo à Agroindústria do Norte e Nordeste – PROTERRA  entre outros. O objetivo explicitado era um “desenvolvimento integrado”, onde o Nordeste se caracterizava por ter “excedente populacional, baixo nível de renda, além do problema das secas” e a Amazônia como “área de baixa densidade populacional, mas com grande potencial em recursos naturais”.

165 . A tabela 6 dá indicadores que expressam o peso da Amazônia na política de colonização então vigente.

 

Tabela 6: Projetos de colonização oficial e respectivas áreas

Grande Região

Número de Projetos

Áreas (mil  ha)

Norte

Nordeste

Centro-Oeste

Sudeste

Sul

25

14

07

05

03

10.664,2

683,7

764,3

56,6

20,6

BRASIL

54

12.194,4

 

Fonte: Anais do Simpósio Internacional de Experiências Fundiária (apêndices) – INCRA, Brasília, 1984, Pág. 662.

 

166 . Os projetos relativos ao Nordeste, ao Sudeste e ao Sul são decorrentes da necessidade de neutralizar situações de tensões sociais. No tocante ao Centro-Oeste, a participação de Mato Grosso e das colonizações ali instaladas é fundamental.

167 . Apresentando custos elevados e longo prazo da maturação dos empreendimentos, a chamada colonização oficial tem acumulado, ao lado de alguns resultados positivos, grande número de frustrações. Ingerências político-pessoais, indefinição na política de recursos humanos, nenhuma ou reduzida participação do trabalhador rural, das Prefeituras e dos Governos Estaduais, assistencialismo e paternalismo, estigmatização do trabalhador rural, dos movimentos sociais e sindicatos, má administração e utilização de variadas formas de intervenção por parte do INCRA, contribuíram, sem dúvida, para o fracasso da consolidação e emancipação de praticamente todos os projetos. O resultado apareceu através da perda de renda e evasão de parceleiros. Sequer o desenvolvimento regional pode ser mencionado como bem sucedido.

168 . No momento em que se desencadeia um processo de Reforma Agrária, cabe à colonização papel de relativa importância, como ação complementar na ocupação de terras públicas federais e estaduais. Por sua vez, os núcleos serão criados em municípios ou Estados com disponibilidade de áreas capazes de absorver tanto a realocação voluntária de contingentes populacionais existentes em excesso em outras regiões, como aqueles provenientes de fluxos migratórios, sem fixação à terra.

169 . A ação governamental privilegiará, para todo o período de execução do PNRA, a colonização oficial, dando-lhe caráter de atividade voltada para promoção econômica, social e política de famílias de pequenos produtores.

170 . O MIRAD/INCRA poderá atender solicitações de outros Ministérios visando à criação de empreendimentos de colonização que não se subordinam de forma imediata às ações explícitas de Reforma Agrária. Estão neste caso as situações relacionadas com a realocação de famílias afetadas pela implantação de grandes obras públicas e o apoio à instalação de províncias minerais, florestais ou ocupação de fronteiras.

 

COMENTÁRIO

Essa longa e dolorida enumeração dos fracassos da colonização oficial – tão contrastante com os êxitos da colonização privada – poderia ter avivado nos autores do PNRA a noção da visceral incapacidade do Estado para esse tipo de empreendimento. Sempre que em matéria social e econômica o Estado intervém transgredindo o princípio de subsidiariedade, que lhe circunscreve naturalmente a ação, ele começa a caminhar mancando de um e de outro pé (cfr. III Reis XVIII, 21)

Não obstante, em vez de apoiar a colonização privada, o PNRA ainda pretende tomar medidas contra ela (cfr. tópicos 352-353).

 

TEXTO DO PNRA

b ) Diretrizes operacionais

171 . Não serão abertos novos projetos oficiais de colonização durante os anos agrícolas de 1986 e 1987. Nesse período, as diferentes unidades implantadas pelas administrações anteriores terão sua situação analisada com vistas à adoção de medidas que permitam sua integração ao processo de Reforma Agrária ou sua emancipação.

172 . No mesmo período será intensificada a fiscalização das áreas de colonização particular.

173 . As formas de relação e apropriação da terra pelos parceleiros obedecerão os mesmos critérios já anunciados no capítulo referente ao assentamento.

174 . As propostas de criação de núcleos de colonização serão discutidas com as entidades representativas dos trabalhadores rurais. Uma vez conhecida a população a ser beneficiada, ela terá participação e controle no planejamento e execução do projeto. Serão envolvidas também as instituições e organismos governamentais cujo apoio seja indispensável à realização do projeto.

175 . Serão criadas e adaptadas metodologias no sentido de prover o máximo de agilidade ao INCRA, tornando-o capaz de trabalhar com o máximo de autonomia a nível local.

176 . Em todos os projetos, será dada ênfase à organização social dos parceleiros de forma que as unidades tornem-se autônomas após a fase inicial de implantação.

177 . Serão promovidas medidas no sentido de garantir aos parceleiros apoio inicial para a exploração agrícola do lote, principalmente no que diz respeito ao preparo do solo, insumos básicos, créditos e assistência técnica. O mesmo será providenciado no que diz respeito aos equipamentos de serviços sociais básicos e infra-estrutura física.

178 . Nas áreas de Segurança Nacional previstas pelo Decreto-Lei n.o 1.164, através de trabalho conjunto INCRA-Institutos Estaduais de Terra, será estudada a viabilidade de tornar obrigatório o desenvolvimento de empreendimentos de colonização, ou de transferir as terras para a jurisdição dos Estados, com a mesma finalidade.

 

COMENTÁRIO

As propostas de criação de núcleos de colonização serão discutidas com as entidades representativas dos trabalhadores rurais” (n.o 174). – Por quem? Presumivelmente, pelos órgãos onipotentes do agro-reformismo. Em tese, muito democrático. Na realidade, qual a autenticidade dessa “discussão” entre poderosos e sofisticados mini-técnicos locais implantados pelo PNRA, e os bons campônios deles dependentes para tanta coisa, e incapazes de manejar argumentos em uma discussão técnica?

Ademais, o PNRA diz quais são as matérias admitidas a “discutir”. Mas omite dizer a quem toca a decisão...

Por fim, o PNRA fala de “entidades representativas dos trabalhadores rurais”. Em tese, a direção dessas entidades caberá aos trabalhadores. É isto irrepreensível segundo a estrita lógica da democracia. Mas, se não se tomar cuidado, essa “estrita lógica” facilmente conduz à utopia.

Freqüentemente, no quadro de membros de uma associação há que distinguir entre núcleo e protoplasma. O primeiro é constituído por uma minoria de sócios verdadeiramente empenhados na consecução dos fins sociais. Uma minoria ativa, informada e ardorosa.

Tal minoria reflete sobre os problemas sociais, discute-os dentro e fora das reuniões oficiais, e dá impulso ao protoplasma majoritário.

Por sua vez, este é constituído por membros com pouco interesse pela associação, muitos dos quais nem sequer vão às reuniões estatutariamente obrigatórias, e só freqüentam com certa assiduidade os atos sociais recreativos... se tanto.

Isto se dá sobretudo com as associações nas quais o membro é inscrito compulsoriamente, por força de lei, como provavelmente o serão os trabalhadores rurais “agro-reformados”.

Nas reuniões gerais, a votação do protoplasma costuma dividir-se, segundo as simpatias de seus membros, por estes ou aqueles integrantes do núcleo. Faz-se a votação, e na aparência é o protoplasma que decide. Porém, vistas as coisas com um pouco mais de realidade, percebe-se que o protoplasma só optou dentro de uma faixa de problemas debatida pelo núcleo. E, correlatamente, dentro de uma faixa de soluções apresentadas por este. De onde se segue que, sem embargo das discrepâncias internas do núcleo (quando as há...), os membros desse exercem sobre os destinos sociais uma influência preponderante.

E aí é mais fácil perceber a ação da política. Em muitos casos, da politicagem.

Por meio dos órgãos estatais com os quais tem que se haver a direção do sindicato (em via de regra todos os diretores são recrutados no núcleo), esta pode ser facilmente manipulada, nolens volens, pelo Poder público. De sorte que receba vantagens, as quais por sua vez pode condividir com outros elementos do núcleo. E por aí o Poder público não terá dificuldade em manipular as tais “entidades representativas”. O que, sobretudo, é verdadeiro em países latinos como  o nosso, nos quais o espírito associativo é muito mais fraco do que em países anglo-saxônicos ou germânicos.

Nada destas realidades tem reflexo neste dispositivo do PNRA. Pois pouco se interessam pela realidade os navegantes dos mares serenos da utopia.

* * *

Um pequeno comentário a outro aspecto do presente dispositivo: em uma mera “proposta de criação de núcleos de colonização”, terão de participar também “as instituições e organismos governamentais cujo apoio seja indispensável à realização do projeto”.

Quanta complicação funcional, quanta rotina, quanta papelada, em suma, quanta burocracia, simplesmente para definir quais são estes organismos (pois há sempre nestas matérias situações intermediárias difíceis de definir); quantos calendários de vários representantes de entidades, difíceis de compatibilizar; quantas circulares convocatórias, atas e registros para pôr em marcha! E, por fim, como será pequeno o papel do mujique brasileiro dentro de toda essa complicada engrenagem!

Tal a era de ouro preparada pelo PNRA para os atuais assalariados agrícolas “libertos” de seus patrões...

 

TEXTO DO PNRA

5.2.3. – Tributação da terra

a ) Caracterização

179 . Este Programa ao lançar mão de procedimentos que visam tornar real o lançamento e a cobrança do Imposto sobre Propriedade Territorial Rural – ITR, de Taxa de Serviços Cadastrais, Contribuições Sindicais e Parafiscal, além de cumprir com uma obrigação legal, busca, por um lado, proporcionar recursos para financiar as propostas de Reforma Agrária e, complementarmente a utilização do instituto de desapropriação por interesse social, desestimular os que exercem o direito de propriedade sem observância da função social do uso da terra.

180 . As análises efetuadas demonstram que a falta de ação enérgica na cobrança induziu a inadimplência, e, ainda, que os latifundiários são os responsáveis por grande parte dessa dívida.

181 . Tendo em vista este quadro, é da maior relevância que o INCRA exerça integralmente a função de cobrança, obedecendo às disposições contidas no Decreto-Lei n.o 57/66 e Lei n.o 2.830/80, que regulam a atualização da dívida e seu processo de execução fiscal.

b ) Diretrizes operacionais

Curto Prazo:

182 . Selecionar 2.000 maiores devedores, a nível nacional. A seleção deverá atingir, prioritariamente, impostos não pagos os de 1984 e 1983, buscando para o devedor débitos de 1980 e 1982;

183 . estabelecer o caráter de impessoalidade do devedor, fixando fluxo contínuo nas execuções, sem conhecimento antecipado do devedor e da dívida a ser executada;

184 . promover amplo envolvimento do pessoal do INCRA no processo, conscientizando-os para o exercício pleno dos interesses do Governo e da população rural;

185 . envolver os órgãos externos, de interesse direto no resultado da arrecadação, tornando pública a utilização do processo de execução fiscal;

186 . atualização, inscrição e notificação de todos os débitos relativos aos exercícios de 1980 a 1984;

187 . contactar o Poder Judiciário no sentido de facilitar a propositura das ações e exclarecimentos quanto à sistemática de atualização de débitos;

188 . fixar procedimentos que aumentem ao máximo a cobrança executiva via processamento de dados, através de critérios que visualizem econômica, social e politicamente a validade do universo dos débitos na cobrança administrativa e judicial da dívida ativa.

 

COMENTÁRIO

Contactar o Poder Judiciário...” (n.o 187). – Expressão sem conteúdo jurídico definido. E ademais perigosa. Pois até que ponto a palavra exclui... ou inclui o sentido de “pressionar”? Note-se que a inteira independência do Poder judiciário é condição essencial da ordem jurídica digna deste nome, democrática ou outra qualquer (ver também os Comentários aos n.os 369, 372 a 375, 376 e 377 a 380).

 

TEXTO DO PNRA

Médio Prazo:

189 . editar texto legal criando multa pecuniária para o contribuinte que não cumprir com a obrigação fiscal nos prazos determinados;

190 . promover articulações com outras áreas ministeriais visando o lançamento, a fiscalização e a cobrança da Contribuição de Melhoria, de que fala o inciso II, do Art. 28, da Lei n.o 4.504, de 30 de novembro de 1964; a proibição para obtenção de crédito e incentivos públicos para os inadimplentes. Gestionar junto aos municípios no sentido de destinarem as receitas oriundas do ITR para as ações de Reforma Agrária.

5.3 – Programas de Apoio

5.3.1. – Cadastro Rural

Caracterização

191 . O Sistema Nacional de Cadastro Rural, criado pela Lei n.o 5.868/72, compreende os seguintes cadastros, cuja implantação e manutenção são de competência do INCRA:

- cadastro de Imóveis Rurais;

- cadastro de Proprietários e Detentores de Imóveis Rurais;

- cadastro de Arrendatários e Parceiros Rurais; e

- cadastro de Terras Públicas.

192 . Desses cadastros, apenas o de imóveis rurais foi efetivamente implementado e tem sido usado basicamente para o lançamento e arrecadação do imposto sobre a propriedade territorial rural, da contribuição ao INCRA e da contribuição sindical devida por empregadores e trabalhadores rurais.

193 . A relevância do Sistema Nacional de Cadastro rural, como fonte de informações imprescindíveis para o planejamento e controle das ações de Reforma Agrária, impõe o redirecionamento de seu uso de maneira a que se ajuste às novas concepções e propostas relativas à questão agrária.

194 . Nesse sentido, as atividades de cadastro serão redirecionadas, objetivando:

195 . 1 – utilizar o Sistema Nacional de Cadastro Rural como instrumento de apoio às medias de Reforma Agrária; e

196 . 2 – democratizar o acesso aos dados cadastrais e tributários promovendo a sua ampla disseminação, discussão e uso.

Diretrizes Operacionais

197 . Aplicações previstas para o apoio às medidas da Reforma Agrária:

198 . fornecimento de subsídios para a formulação dos Planos Nacionais e Regionais de Reforma Agrária, a saber:

199 . elaboração de estudos de zoneamento e colaboração na definição das áreas prioritárias de Reforma Agrária;

200 . dimensionamento da demanda e da disponibilidade de terras desapropriáveis, a nível de Estado, microregião e município;

201 . identificação dos potenciais beneficiários da Reforma Agrária: minifundistas, posseiros, ocupantes, arrendatários, parceiros e assalariados;

202 . caracterização, identificação e controle dos imóveis rurais passíveis de desapropriação por interesse social;

203 . dimensionamento da disponibilidade de terras públicas como apoio às atividades complementares da Reforma Agrária;

204 . articulação com os órgãos fundiários para avaliação dos imóveis a serem desapropriados, com rigorosa fiscalização dos dados cadastrais dos imóveis classificados como empresa rural;

205 . Atualização permanente dos dados cadastrais, objetivando um melhor conhecimento da estrutura agrária brasileira, através de:

206 . atualização dos dados do Cadastro de Imóveis Rurais, utilizando amostragem quando conveniente e articulando a execução da coleta de dados com os órgãos estaduais de terra;

207 . reativação de Cadastro de Proprietários e Detentores de Imóveis Rurais e do Cadastro de Arrendatários e Parceiros Rurais;

208 . implantação do Cadastro de Terras Públicas, em articulação com o Serviço de Patrimônio da União e os órgãos estaduais de terra.

209 . Nas áreas em que for sendo implantada a Reforma Agrária os registros cadastrais passarão a ser estreitamente vinculados aos Registros de Imóveis e baseados principalmente em levantamentos técnicos de campo, objetivando identificar, caracterizar e localizar com mais precisão os imóveis rurais, o que permitirá melhor controle do processo. Essa nova sistemática envolverá necessárias modificações na legislação de Registros Públicos.

210  . Medidas de controle em apoio ao processo de Reforma Agrária:

211 . controle da aquisição dos imóveis rurais por pessoas de nacionalidade estrangeira;

212 .  controle dos contratos agrários de parceria e arrendamento.

213 . A democratização dos dados cadastrais, fundamental para estudos, pesquisas e planejamento e como forma de conscientização da sociedade quanto às distorções da estrutura agrária e a importância do processo de Reforma Agrária, se concretizará entre outras, pelas seguintes formas:

214 . Publicação e divulgação imediata das Estatísticas Cadastrais de 1978 e das Estatísticas Tributárias de 1982, 1983 e 1984, até hoje vedadas à divulgação;

215 . Divulgação dos maiores imóveis do Brasil  e de cada Unidade da Federação cadastrados no INCRA, bem como os localizados em terras indígenas selecionadas;

216 . Divulgação sistemática de estatísticas atualizadas sobre cadastro e tributação, com base em consultas aos usuários para a definição das tabulações necessárias;

217 . Regulamentação do fornecimento das informações disponíveis de forma a facilitar o acesso de usuários externos ao INCRA;

218 . Estabelecimento de convênios do INCRA com órgãos federais, estaduais e municípios, ligados ao setor rural, visando a criação e a alimentação de um sistema de informações agrárias destinado a subsidiar a fixação de políticas e programas de governo ligados à Reforma Agrária e ao desenvolvimento rural;

219 . Estabelecimento de convênios com Universidades e Centros de Pesquisa, com vista à análise e ao estudo dos dados cadastrais e tributários.

 

COMENTÁRIO

Atente o leitor para a amplitude da burocracia e dos gastos em que todas essas desiderata da luxuosa e complicada execução do PNRA importam.

Os altos custos da Reforma Agrária podem ser considerados em seu aspecto estático: vencimentos do funcionalismo, aquisição ou locação de imóveis em que se instale, móveis, equipamentos etc., etc.

A análise das “Diretrizes Operacionais” de seus vários Programas dá ocasião para considerar os custos da Reforma Agrária em seu aspecto dinâmico. Tal análise permite avaliar, ainda que só muito por alto, o imenso vulto dos gastos necessários para que o mecanismo burocrático dinossáurico ponha em execução o PNRA. É fácil ver, percorrendo os vários itens dessas diretrizes, que os gastos operacionais assumirão por sua vez proporções faraônicas.

E é nesse mar de dívidas que a Reforma Agrária imergirá nosso País já insolvável – ou quase tanto – no plano externo e interno.

 

TEXTO DO PNRA

5.3.2. – Apoio Jurídico

a ) Caracterização

220 . A realidade tem mostrado que a criação de um Programa de Apoio Jurídico, como um serviço ao meio rural, visando prestar, diretamente ou mediante convênio com entidades e associações, assessoramento a trabalhadores rurais, é exigência da necessidade e dever do Estado de buscar justiça social, democratizando assim, o acesso aos instrumentos institucionais de defesa de interesses divergentes.

221 . A crescente utilização dos instrumentos institucionais públicos, principalmente organismos repressivos, na defesa de interesses privados, na maioria das vezes contrários aos interesses coletivos, que se transformam  também em agravadores dos conflitos fundiários, fazem da assistência jurídica valioso instrumento de recuperação ou aumento dos instrumentos de justiça social.

222 . O Programa será concretizado mediante convênios a serem firmados com os sindicatos de trabalhadores rurais. Este apoio, além de realizar-se no contencioso, deverá estender-se à formação, preparação e reciclagem dos quadros jurídicos próprios dessas entidades reconhecidas pelo Programa.

b ) Diretrizes Operacionais

223 . articulação com o movimento sindical dos trabalhadores rurais visando o estabelecimento de normas para a formação de convênios, e sua posterior efetivação;

224 . realização de um programa de capacitação dos quadros técnicos-jurídicos a serem envolvidos no Programa.

 

COMENTÁRIO

A todas as despesas até aqui mencionadas, é necessário somar a execução deste “Programa de Apoio Jurídico... visando prestar, diretamente ou mediante convênio com entidades e associações, assessoramento a trabalhadores rurais” (n.o 220).

* * *

Contra os “interesses privados”, o PNRA (n.o 221) faz duas censuras:

a ) que são “na maioria das vezes contrários aos interesses coletivos”;

b ) que são “agravadores dos conflitos fundiários”.

A afirmação da nocividade habitual do interesse privado, em rigor de lógica, conduz longe, nas vias do socialismo.

Na realidade, o interesse privado não é incompatível com o interesse público, o qual, pelo contrário, é uma síntese harmônica de todos os interesses privados. E onde estes últimos definham, forçosamente também definha aquele.

Sem dúvida, acidentalmente (o que não quer dizer raramente) há conflitos entre certos interesses privados e os da coletividade. Quando a ação – essencialmente mais fraca – dos indivíduos lesados não é suficiente para estes se defenderem, eles têm direito ao amparo do Estado. Este deve, então, corrigir a situação assim criada. Como aliás deve frear, de modo correlato, os interesses privados que se hipertrofiem.

Mas desta afirmação não se deve concluir que o reto entendimento dos interesses privados implique em contradição com o dos interesses coletivos. Pois, como ficou dito acima, fundamentalmente o bem de uns resulta no bem dos outros.

Nada disso parece estar presente na algaravia deste texto, o qual tem visos de aceitar como verdadeiro o pressuposto marxista da luta de classes, e conceber o Estado como aliado natural e sistemático de uma das partes em conflito – o trabalho manual – contra a outra parte, o trabalho intelectual (científico, técnico ou diretivo) e o capital.

Quanto à afirmação de que os interesses privados “se transformam também em agravadores dos conflitos fundiários”, ela não podia faltar na pena de quem aceita como pressuposto o princípio da luta de classes. O agravamento dos conflitos fundiários tem causas muito complexas, entre as quais a atuação de agitadores agrários vinculados a organismos da esquerda, eclesiástica ou não (cfr. Comentários à Apresentação, e ao n.o 250).

Isto pressuposto, o texto se esclarece.

* * *

O tópico 222 ainda deixa mais claro esse aspecto conflitivo do PNRA: “O Programa será concretizado mediante convênios a serem firmados com os sindicatos de trabalhadores rurais”. O Programa não prevê convênios com os patrões, aos quais olha com a desconfiança carregada de anseios de destruição.

A “articulação com o movimento sindical dos trabalhadores rurais” (n.o 223 fala no mesmo sentido.

 

TEXTO DO PNRA

5.3.3 – Estudos e Pesquisas Agrárias

a ) Caracterização

225 . Vencida a fase inicial, imediata, da Reforma Agrária, tornar-se-á necessário contar-se com um conjunto de estudos e pesquisas a ela vinculadas, tendo em vista dar-lhe consistência, organizar um registro de memória do processo e informar a sociedade sobre seus resultados e as transformações decorrentes.

226 . A geração de conhecimentos sobre essas transformações, assim como da organização econômica, social e política conseqüente, demandará a contribuição técnica e científica das mais distintas instituições oficiais e privadas do País, de maneira a se ampliar e diversificar o próprio processo de percepção da realidade.

227 . Simultaneamente, o resgate das experiências e saberes populares do campo constitui tarefa inadiável para autenticidade dos produtos deste Programa, o que tornará indispensável, também, a participação objetiva das instituições e movimentos populares nas suas mais diferentes expressões.

228 . O Programa se propõe a atender os seguintes objetivos:

229 . colaborar na elaboração dos Planos Regionais de Reforma Agrária;

230 . propor metodologia de coleta, tratamento, armazenamento, análise e disseminação de dados e informações das atividades globais de Reforma Agrária;

231 . fomentar o processo de aquisição de informações sobre a Reforma Agrária e Colonização;

232 . promover o intercâmbio com entidades voltadas para levantamento e pesquisas, visando à obtenção de dados e informações necessários às atividades de planejamento da Reforma Agrária;

233 . organizar o cadastro de referência institucional para coleta de dados estatísticos;

234 . desenvolver estudos que permitam conhecer a organização social dos grupos humanos beneficiários da Reforma Agrária;

235 . proceder levantamento para definir, delimitar e/ou rever o zoneamento do País em áreas homogêneas, as áreas prioritárias para a Reforma Agrária e as áreas preferenciais para Colonização;

236 . pesquisar, analisar e disseminar informações sobre condições sociais, latifúndios improdutivos, áreas de conflito e tensão social, imigração, dinâmica demográfica e situação fundiária nacional, com vistas às atividades de Reforma Agrária.

b ) Diretrizes Operacionais

237 . estabelecimento de um cadastro sobre os estudos e pesquisas realizadas sobre a questão agrária no Brasil;

238 . realização de acordos e convênios com instituições públicas e privadas nacionais ou estrangeiras para a produção de estudos e pesquisas nas distintas áreas de conhecimento de interesse dos programas de Reforma Agrária;

239 . definir prioridades e concretizar programas de estudos e pesquisas nas distintas áreas das ciências sociais para o resgate dos saberes e experiências históricas populares;

240 . elaborar programas de pesquisa, produção e edição de textos, documentos, publicações e audiovisuais didáticos e culturais direcionados para a comunidade objeto da Reforma Agrária;

241 . apoiar programas de pesquisas agrárias, divulgação de estudos e trabalhos sobre a questão da terra, cursos de direito agrário etc., tanto em entidades públicas como privadas.

 

COMENTÁRIO

É só percorrer mais esta enumeração de propósitos e de atividades do luxuoso PNRA, para ter uma idéia do acréscimo de burocratização e de gastos a que tudo isto conduzirá.

 

TEXTO DO PNRA

5.3.4. – Desenvolvimento de Recursos Humanos

a ) Caracterização

242 . Os recursos humanos já existentes na sociedade brasileira para a realização da Reforma Agrária, foram produzidos e estão sendo gerados pelo próprio processo produtivo, político e social. A questão básica é a de identificar esse contingente e saber mobilizá-lo. É evidente que existem tarefas específicas de capacitação para a realização de trabalhos específicos, mas essas tarefas não podem se colocar como pré-condições e obstáculos ao início do processo de Reforma Agrária.

243 . Os recursos humanos para a realização de uma Reforma Agrária no Brasil podem ser identificados e mobilizados:

244 . nos movimentos sociais;

245 . no meio técnico e profissional, particularmente através de suas associações de classe, como as de engenheiros agrônomos, geógrafos, economistas, advogados, médicos, veterinários, técnicos agrícolas, sociólogos, antropólogos, etc.;

246 . no meio acadêmico, particularmente naquelas instituições que por sua produção científica e prática estejam interessadas na Reforma Agrária, tanto em instituições ligadas à Universidade como instituições autônomas (centros de pesquisa, institutos, etc.);

247 . nas instituições não governamentais ligadas à promoção social, à educação popular, à assessoria e apoio aos movimentos sociais, à luta pela Reforma Agrária.

248 . na Administração Pública Federal, Estadual e Municipal.

 

COMENTÁRIO

Os recursos humanos já existentes na sociedade brasileira para a realização da Reforma Agrária... A questão básica é a de identificar esse contingente e saber mobilizá-lo” (n.o 242). – O texto alude obviamente aos múltiplos órgãos de esquerda que promovem no Brasil a conscientização e a agitação com rumo à revolução social.

Se dúvida houvesse a tal respeito, bastaria considerar a referência às instituições do meio acadêmico que “estejam interessadas na Reforma Agrária” (n.o 246), bem como às “instituições não governamentais ligadas... à luta pela Reforma Agrária” (n.o 247). – O PNRA poderia ter usado aqui o vocábulo “ação”. Mas a palavra “luta” foi por ele preferida, e se entende por quê.

Com efeito, os primeiros movimentos a favor da Reforma Agrária começaram no Brasil depois de 1922, data da fundação do Partido Comunista, num contexto ideológico e operacional de luta de classes. E foi sempre nesse contexto que continuou o tão intermitente e débil agro-reformismo nacional, até que a combinação nada proletária de certos setores políticos, intelectuais, religiosos e publicitários lhe veio dar, nos anos 60, o impulso (artificial no que toca aos trabalhadores manuais) que hoje tem.

E também nos anos 60 e nos que se lhes seguiram, o agro-igualitarismo se tem sempre manifestado ao público, como que enroscado na luta de classes.

 

TEXTO DO PNRA

249 . Além da identificação dos órgãos mais diretamente ligados à questão da terra e particularmente da Reforma Agrária, o grande problema é o de mobilizar as vontades e as consciências dos servidores públicos para os objetivos da Reforma Agrária, descentralizar a intervenção do Estado e aproveitar ao máximo os recursos dispersos existentes. A sociedade civil poderá exercer papel importante na identificação e ativação desses setores.

 

COMENTÁRIO

Mobilizar as vontades e as consciências dos servidores públicos para os objetivos da Reforma Agrária”. – Nessas palavras se manifestam mais uma vez os intuitos “missionários” ideológicos e psicológicos do PNRA, o qual, para fazer a sua reforma fundiária sente a necessidade de tornar efetiva uma outra reforma, a da mentalidade do País (cfr. Comentários aos n.os 122 a 124; 283 a 288).

No caso concreto, o PNRA se mostra tão persuadido da escassez numérica dos adeptos da Reforma Agrária, que não tem esperança de lotar só com eles os incontáveis cargos burocráticos que visa criar. E, bem persuadido de que, fora dos corpúsculos de esquerda, só por exceção encontrará brasileiros desejosos de uma Reforma Agrária, resigna-se a constituir um mecanismo executor desta última com elementos indiferentes ou desconhecedores do assunto, e a promover a conscientização deles e a sua preparação para a agitação (“mobilização das vontades e das consciências”) desses mesmos funcionários.

* * *

Como é evidente, esta inoculação da mentalidade agro-igualitária nos quadros do funcionalismo importará na constituição de um outro mecanismo, para executar essas atividades. E daí mais gastos ainda...

 

TEXTO DO PNRA

250 . Vista sob esse prisma, a grande questão não é a da capacitação de quadros para a Reforma Agrária mas a de identificação, mobilização e organização desses recursos humanos já existentes em função de um programa global de Reforma Agrária que surja de uma grande mobilização nacional.

251 . A questão da capacitação, no entanto, se coloca à medida que se desenvolve o programa em função das atividades desencadeadas pelo programa. Ela se apresenta em sua dimensão essencialmente política, por um lado, já que a Reforma Agrária é uma questão crucial para o desenvolvimento da democracia e do próprio País, e técnica, por outro, já que muitas de suas tarefas exigem conhecimentos e técnicas específicas.

252 . A abordagem da questão recursos humanos não pode desconhecer que o INCRA terá papel fundamental na implementação das medidas legais, técnicas e administrativas da Reforma Agrária. É importante, portanto, refletir sobre a realidade dessa instituição à luz de sua história e de suas experiências mais recentes.

253 . Se várias instituições apresentam alto grau de motivação e mobilização em relação à Reforma Agrária é importante considerar que o INCRA sofreu nestes últimos anos ou décadas um processo caracterizado por:

254 . compressão salarial, repressão política interna, descrédito às medidas implementadas pela administração superior do órgão, desinformação produzida pela direção com a conseqüente perda de visão global dos funcionários, experiências e programas mal sucedidos.

 

COMENTÁRIO

... um programa global de Reforma Agrária que surja de uma grande mobilização nacional” (n.o 250). – O PNRA, em mais de um de seus aspectos não é apenas um plano, nem apenas um programa. E nem mesmo um imenso conglomerado de planos e programas. Há de tudo isso nele, e em abundância. Mas também há nele acentuados traços de devaneio e de salto aventureiro rumo às regiões etéreas da utopia. Aqui está um exemplo.

O PNRA se tem a si próprio em conta de plano. É impossível lê-lo sem considerar que esse plano tem também muito e muito de programático.

Como é óbvio, vai ele surgindo numa atmosfera de tensão crescente. Essa tensão, o próprio esquerdismo nacional a vem produzindo nos campos e nas cidades [1].

Eis que o PNRA aponta como “a grande questão” (n.o 250) a constituição de um movimento, quase todo ainda in ovo, a partir da “identificação” de agro-reformistas por enquanto ainda desconhecidos (e, portanto, é de supor, raros e silenciosos), de agro-reformistas ademais esparsos e indolentes, que cumpre “mobilizar e organizar”. Estes são os parcos “recursos humanos já existentes”, de cuja ação o PNRA espera “uma grande mobilização nacional”.

Impõe-se a pergunta: como pode um tão pequeno e fraco contingente inicial de “recursos humanos” crescer certa e rapidamente, de maneira a abarcar multidões inteiras atraídas por “uma grande mobilização nacional”? Uma multidão de tão denso teor agro-igualitário, que dela surja “um programa global de Reforma Agrária”?

Não representa um salto no escuro o fato de que, antes mesmo de ter constituído um movimento agro-reformista de dimensões expressivas, a Nação seja convocada para discutir, em menos de três meses, toda a matéria contida no PNRA? Que certeza pode ter o PNRA de que os anseios da Nação, repercutindo no Legislativo federal como em “caixa de ressonância” (tópico 128), e discriminados como autênticos e inautênticos, em grau supremo e definitivo, pelo Sr. Presidente da República, surjam realmente dessa “grande mobilização nacional”?

Nenhuma, obviamente. Tanto mais quanto o PNRA reconhece que essa “mobilização” ainda está por se fazer.

Tudo isso posto, em que medida todo o PNRA é realmente um plano consistente, traçado com os pés na terra, e tendo em vista condições que lhe assegurem realizabilidade efetiva em tempo hábil? Em que medida é ele, pelo contrário, mero devaneio a partir de uma grande condição prévia, de nenhum modo ainda efetivada?

Aliás, é difícil perceber no que se diferencia o PNRA (tão programático em muitos de seus traços) do “programa global de Reforma Agrária” que deve surgir de uma “mobilização nacional” que ainda está para ser feita.

Mas – dir-se-á – denunciando a amplitude da agitação agro-reformista em todo o País, não reconhece a TFP que boa parte dessa mobilização da opinião pública está feita, e que boa parte do País quer a Reforma Agrária?

É só ler o já citado livro CEBs, bem como os referidos números do mensário “Catolicismo” (cfr. Nota 5), para se ter em mãos as provas de que a agitação agrária resulta em grande parte, e no que ela tem de mais ativo, da participação do clero esquerdista, consciente ou subconscientemente intoxicado com os erros professados em certos veios do movimento da Teologia da Libertação.

Resulta isto da infiltração comunista em meios católicos, desde os primórdios insistentemente denunciada pela TFP às autoridades eclesiásticas [2].

* * *

A partir de 1984, a Santa Sé começou a agir clara e categoricamente contra os erros que circulam em certas obras doutrinárias inspiradas pela Teologia da Libertação (cfr. Comentário ao n.o 271). Porém, anteriormente a isso, a penetração do esquerdismo em institutos de formação do Clero secular e regular, bem como dos Religiosos de um e outro sexo, e, no que diz respeito ao laicato, em universidades, editoras, revistas, livros e livrarias católicas, se fez impressionante.

Daí proveio o recrutamento, para a esquerda, de certo número de pessoas intelectualizadas, de ambos os sexos, realmente aderentes do agro-igualitarismo, como do socialismo em geral. E até, em casos extremos, do comunismo.

Esses grupos, que vão surgindo cá e lá pelo País afora, constituem apenas pequenos cenáculos efervescentes de debates ideológicos sem ressonância externa, nada tendo que ver com os homens do campo. Estes são, em geral, dóceis paroquianos que nada entendem de temas ideológicos nem de questões sociais. Por sua fidelidade ao Vigário – a quem supõem representante indefectivelmente fiel do Pontífice Romano e da Igreja Católica – são entretanto facilmente mobilizáveis por ele para a agitação agro-reformista, a partir da “conscientização” efetuada nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) rurais. Fazer a Reforma Agrária seria então, para eles, tão somente fazer a vontade do Vigário; logo, a vontade de Deus. Inteiramente alheios às notícias da imprensa, nem chega ao seu conhecimento o fato sintomático e notório de que há uma esquerda católica que preocupa a fundo a Santa Sé (cfr. Comentário aos n.os 266 a 27l), e cuja atuação é aplaudida sem rebuços pelo ateísmo militante e organizado, do PCB e do PC do B.

A esta atuação direta dos setores eclesiásticos adeptos da Teologia da Libertação, é preciso somar a dos sindicatos rurais, em grande número fundados por iniciativa desses mesmos setores e por eles controlados através dos líderes das CEBs rurais (cfr. CEBs, p. 193).

Aliás, segundo parece, não é esse o único contingente da agitação agrária. Existem ainda destacamentos de agitadores profissionais, vários dos quais nem sequer brasileiros, dotados de técnicas de ação e de mobilidade surpreendente, que lhes proporcionam atuar, a breve intervalo de tempo, em pontos diversos do território nacional.

Como tudo isso difere da autêntica “mobilização nacional” agro-reformista, sonhada pelo PNRA, e cuja efetivação ainda está para ele no estágio de “grande questão”!

 

TEXTO DO PNRA

b ) Diretrizes Operacionais

255 . criação de um Centro de Estudos e Capacitação para a Reforma Agrária;

256 – divulgação e debate do 1º PNRA com administradores e técnicos das organizações governamentais federais, estaduais e municipais do PNRA, preparando-se para o domínio das concepções e propostas do Plano;

257 . desenvolvimento de programas de curto e médio prazos de capacitação dos beneficiários da Reforma Agrária.

 

COMENTÁRIO

Novas “diretrizes operacionais”, novas ampliações burocráticas, novas despesas.

 

TEXTO DO PNRA

6 – ARTICULAÇÃO DA AÇÃO DO GOVERNO

258 . a Reforma Agrária como programa prioritário do Governo, implicará numa ação articulada a nível de todo o Governo Federal, bem como dos Governos Estaduais e Municipais. Para tanto, requerer-se-á, um comprometimento, de todos os organismos que tenham ou venham a ter relação com os resultados esperados. Portanto, se fará necessário ampla articulação interministerial e intergovernamental em torno do programa de Reforma Agrária.

259 . Desse modo, buscar-se-á evitar que para todo um conteúdo redistributivista, contido neste PNRA, venham a se contrapor efeitos concentracionistas resultantes de políticas e projetos decorrentes da própria ação governamental.

260 . Se, por um lado, alguns planos gerais deverão sofrer reavaliação tendo por referência as propostas de Reforma Agrária, do mesmo modo o apoio também se efetivará por intermédio da elaboração e implementação de projetos especiais integrados, para o que será necessário o comprometimento de recursos, inclusive orçamentários, por parte dos órgãos setoriais que têm sob sua responsabilidade, o desenvolvimento de ações complementares fundamentais a realização dos assentamentos.

6.1 Políticas de Apoio à Produção e à Organização dos Assentamentos

261 . As políticas de apoio à produção e à organização dos Assentamentos deverão apresentar características particulares tendo em vista o atendimento das especificidades do processo de Reforma Agrária.

262 . Nesse sentido, são recomendadas as seguintes medidas:

a ) Associativismo

263 . estímulo a todas as formas de associativismo e organização grupal dos assentados, em relação à terra, produção, instrumentos de produção, comercialização e bens e serviços comunitários;

 

COMENTÁRIO

Associativismo”: pode-se fazer uma idéia do que isto seja. O que é “organização grupal” enquanto algo distinto de uma associação?

O leitor médio, se tiver uma memória bem acima da média, lembrar-se-á então do tópico 147 do PNRA, que fornece, de passagem, algo como um tímido esboço do que seja um assentamento: “complexo agrícola de estrutura associativa, com autonomia administrativa”. Será isto o mesmo que “organização grupal”? Talvez sim. Talvez não.

Com o espírito povoado por essas incógnitas, deverá o leitor continuar no seu estudo. Quando esbarrar no n.o 264 (tópico seguinte), encontrará ele novas incógnitas.

E tudo isso não o conduzirá a uma conclusão. Fá-lo-á lembrar, isto sim, do Comentário feito ao n.o 120.

 

TEXTO DO PNRA

264 . revisão da concepção e atuação das Cooperativas Integrais de Reforma Agrária – CIRA, conforme estabelece o Art. 79 do Estatuto e a legislação complementar, de forma a viabilizar a sua inserção na atual proposta de Reforma Agrária;

 

COMENTÁRIO

É surpreendente que o PNRA alegue o ET como ponto de partida para a “viabilização” de um sistema neocooperativo. Com efeito, o ET toma como unidade de produção rural algo de conhecido e nítido: o direito de propriedade, em uma das suas variantes concretas, fácil de ser inteligida: a propriedade familiar (art. 4º, II).

Pelo contrário, o PNRA, embora se presuma todo defluente do ET, omite, ou quase tanto, do panorama do Brasil agro-reformado, a propriedade privada, inclusive quando familiar. E substitui a esta, uma entidade proteiforme, e ademais apenas esboçada, não porém definida: o “assentamento” (cfr. Comentário ao n.o 137).

A partir dessa unidade nova, a livre iniciativa individual desaparece do panorama agrário tanto quanto a propriedade individual. O que é explicável, pois uma é corolário da outra.

Mas um sistema cooperativo que já não tenha como unidade a pessoa, sua propriedade e sua livre iniciativa, mas grupos proteiformes e indefinidos, com uma autonomia em relação ao Estado apenas acenada, não pode ser identificado com o regime cooperativo que o ET tinha em vista.

Com efeito, até que ponto o sistema cooperativo do PNRA será autônomo do Estado? Até que ponto as unidades que o constituem deixarão livre o indivíduo, ou se identificarão com pequenos sovietes (grupais, e não dependentes do Estado)? Em suma, até que ponto o PNRA abre, ou não abre, o caminho para o comunismo? Outras tantas questões que, para o homem de cultura geral mediana, ficam sem solução.

 

TEXTO DO PNRA

265 . realização de estudos objetivando levantar as alternativas legais, existentes, e as mudanças necessárias, para desburocratizar as formas de associação já existentes ou a serem propostas.

 

COMENTÁRIO

O PNRA não é insensível ao perigo da burocratização, inerente à enorme máquina que ele cria. Tanto mais quanto ele constata a burocratização nas formas de associação “já existentes” no âmbito da Reforma Agrária. É a experiência palpável de um passado recente. Mais ainda. O PNRA teme o mesmo perigo para o futuro, isto é, para as “formas de associação... a serem propostas” (n.o 265).

É louvável esse temor. Mas o que pode fazer diante de tal perigo a imensa máquina agro-reformista sonhada pelo PNRA? De duas uma: ou somará a essa máquina burocrática mais alguns organismos, também burocráticos, incumbidos de “desburocratizar” a máquina; ou então se utilizará do enorme poder publicitário inerente à máquina, visando despertar nos funcionários desta o temor e a aversão à burocratização, para, por fim, obter que, mais ou menos espontaneamente, os burocratas dêem caça à burocracia... O que, no total, se patentearia bastante inverossímil.

Esta alternativa mostra bem a debilidade da ação do Estado, o qual, sempre que arvora sua atuação sobre a sociedade – ou sobre um grande segmento dela, como no presente caso a lavoura – cai sob o peso do próprio fardo, ou então soma à sua missão político-administrativa, a de mentor da sociedade. E neste caso institui a tirania da propaganda, de cuja lúgubre nocividade dão mostras tantos exemplos históricos deste século (cfr. Comentários aos n.os 122 a 124).

 

TEXTO DO PNRA

b )  Crédito Rural

266 . estabelecimento de programa especial de crédito com o objetivo de atender às demandas específicas dos assentados pela Reforma Agrária;

267 . as linhas de crédito especial para os assentados no processo de Reforma Agrária deverão ser operacionalizados através de procedimentos simplificados capazes de viabilizarem a sua utilização;

268 . definição de condições especiais de juros e correção monetária para as diferentes modalidades previstas de crédito rural;

269 . estabelecimento de novas condições para o crédito grupal introduzindo-se abertura para a responsabilidade individual, tornando assim mais ágeis os procedimentos bancários.

c ) Pesquisa Agropecuária

270 . participação das equipes de pesquisa e experimentação agropecuária deverá verificar-se desde a fase inicial de organização dos Assentamentos. Elas operarão em conjunto com as demais equipes envolvidas, de forma a assegurar ao empreendimento como um todo resultados permanentes;

271 . a estrutura da “pesquisa e experimentação”, bem como a forma de atuação de seus técnicos, deverá se adequar, em termos de flexibilidade operativa, sensibilidade social e política, à natureza do processo de Reforma Agrária;

 

COMENTÁRIO

O tópico 271 parece, à primeira vista, sonoro e vazio.

Analisado com mais atenção, ele deixa transparecer a idéia de que, a “estrutura da ‘pesquisa e experimentação’, bem como a forma de atuação de seus técnicos” deverão estar embebidas do espírito agro-igualitário.

Parece subjacente a este texto a ressalva de que o PNRA não exige de seus técnicos, no foro interno, uma profissão de fé agro-reformista, e tão-só que proceda como agro-reformista em sua ação externa. O que é pedir-lhe uma contradição...

A “adequação” da “sensibilidade social e política” parece, aliás, ir até além disto.

Ademais, a “pesquisa e experimentação” de um estudioso, e sua atuação como técnico, são imparciais por imperativo moral e científico. Apaixonado como se mostra, o PNRA parece exigir de seus técnicos algo que pode adulterar o próprio valor científico de seus estudos e de sua atuação.

Uma vez mais, o PNRA, intensamente ideologizado e “missionário”, tenta fazer do Estado brasileiro um Estado-pedagogo, mentor, quase se diria, diretor espiritual de seus técnicos, obviamente para assim melhor influenciar a população agrária: a “sensibilidade social e política” em relação ao “processo de Reforma Agrária” é função de todo um contexto moral (e portanto religioso), social e político, muito mais amplo do que o agrário.

Ora, isto conduz necessariamente o Estado a adotar para si, e como que propor (!?) a seus técnicos a aceitação desse contexto mais alto, sem o qual a temática social e política fica flutuando no ar.

Por sua vez, a adoção de tal contexto, pelo Estado, conduzirá, no presente momento, a complicações quase inextricáveis.

Com efeito, ao mesmo tempo que vai atingindo proporções assombrosas a crise da família, anterior a nosso século, outra crise, contida temporariamente por força da Encíclica Pascendi Dominici Gregis (de 8 de setembro de 1907) do Papa São Pio X, e renascida sob o pontificado de Pio XI, isto é, a crise modernista-progressista, vai chegando agora a um auge até há pouco insuspeitado pela massa dos católicos.

Enquanto a crise da família é moral e social, mas tem fundamento religioso, a crise modernista-progressista é teológica e filosófica, e tem profunda repercussão no campo sócio-econômico.

Aliás, ambas as crises se entrelaçam, o que é forçoso em conseqüência das mútuas afinidades das suas temáticas, bem como do fato de coexistirem hoje no mesmo setor de opinião, formado pelos meios católicos no mundo inteiro.

A expressão mais flagrante da crise da família é a simultânea liquidação, em crescente número de países, da legislação que a protegia: indissolubilidade do vínculo matrimonial, penalização do adultério, distinção entre esposa e concubina, entre filhos legítimos e ilegítimos, penalização do aborto e restrições à difusão de contraceptivos (cfr. Parte I, Cap. II, 8; Comentário ao n.o 137).

A crise teológico-filosófica teve, por sua vez, a expressão mais aguda na acolhida insultante que meios católicos deram a João Paulo II, por ocasião da recente visita à Holanda, em maio último.

No Brasil, a crise sócio-econômica, levada a um clímax pela publicação do PNRA, encontra em crise não só a família, mas também os meios religiosos (cfr. Parte I, Cap. I, 5; Comentários aos n.os 250 a 254).

Vem tendo larga disseminação entre nós a Teologia da Libertação, que versa ao mesmo tempo sobre temas teológicos – como seu nome indica – e sócio-econômicos: a “libertação” em foco é a dos trabalhadores manuais, que seriam objeto de injustiças omnímodas e opressivas praticadas contra eles pelas classes dominantes.

Recentemente, vários documentos de João Paulo II e uma importante Instrução da Congregação para a Doutrina da Fé, assinada pelo respectivo Prefeito, Cardeal Joseph Ratzinger, condenaram diversos erros que lavram em círculos de adeptos da Teologia da Libertação. E a mesma Congregação sujeitou uma das figuras brasileiras exponenciais dessa corrente, Frei Leonardo Boff, a um “período de obsequioso silêncio”, em razão de erros eclesiológicos contidos em seu livro Igreja, Carisma e Poder (cfr. Cap. I, Nota 5).

Para dar uma idéia da efervescência em que se achava o ambiente religioso brasileiro quando dessas medidas, basta notar a reação, sem precedentes em 400 anos de existência do País, de cerca de 20 Srs. Bispos que se declararam publicamente “inconformes” com a decisão de Roma. Em face do que, a CNBB, em cujo papel estaria normalmente uma tomada de posição calorosa e automática, de “inconformidade” com os Srs. Bispos “inconformes”, se tenha limitado a lançar sobre o caso um documento modelarmente hesitante e ambíguo.

Nenhuma dessas dificuldades parece ter despertado a atenção do PNRA, o qual, navegando no éter da utopia, vai empilhando uma sobre as outras as soluções irreais, porque seu vezo de sonhar o afasta da consideração da realidade.

E, em razão dessa inadvertência, a crise teológico-filosófica se emaranhará desde logo com a crise sócio-econômica (cfr. Parte I, Cap. I, 5).

 

TEXTO DO PNRA

272 . a orientação metodológica deverá ser no sentido de se utilizar como ponto de partida os sistemas de produção em uso, evitando-se as proposições apriorísticas dos pacotes tecnológicos que tem caracterizado a ação dos agentes de pesquisa e extensão no Brasil;

 

COMENTÁRIO

Lamenta o PNRA que os “pacotes tecnológicos” recheados de “proposições apriorísticas”, tenham “caracterizado a ação dos agentes de pesquisa e extensão no Brasil”.

Quem, no decurso da leitura do PNRA, esbarra com esta acusação genérica, a qual abrange todos “os agentes de pesquisa e extensão”, é tentado a se perguntar se o PNRA não é, ele próprio, muito mais do que um grande, um imenso “pacote tecnológico”; e qual o meio que tem o PNRA para inculcar nos seus técnicos a “orientação metodológica” isenta de deformação, cuja carência aponta nos ditos “agentes” o mesmo PNRA.

O presente tópico mostra quanto é difícil organizar qualquer coisa a partir da iniciativa oficial, no Brasil contemporâneo. Mas o PNRA não se detém com tão pouco. Ele preconiza uma nova “orientação metodológica”, a ser instilada no espírito de seus próprios técnicos, e, sem se preocupar com o aumento de burocracia nem com os gastos que tudo isso importa, prossegue resolutamente para outros temas.

 

TEXTO DO PNRA

273 . a formulação de um projeto especial de “Produção Animal e Reforma Agrária” (INCRA/EMBRAPA) visando propiciar fundamentação tecnológica para a pesquisa da produção animal através do confinamento, produção animal de pequeno porte, etc.

274 . o entendimento especial com a EMBRAPA e as instituições de pesquisa dos Estados e Municípios deverá ser articulado com vista à geração adequada de tecnologia e desenvolvimento de sistemas de produção especialmente dirigidos para o pequeno produtor e suas associações e formas grupais de exploração agropecuária.

 

COMENTÁRIO

Bem se vê que o PNRA sonha para si mesmo e para sua imensa maquinaria, com desdobramentos insuspeitáveis.

No presente texto ele anuncia a necessidade de outro “projeto” conexo com ele. É o “projeto especial de ‘Produção Animal e Reforma Agrária’ INCRA/EMBRAPA”. Tal acarretará, como é bem de ver, novos desenvolvimentos burocráticos.

 

TEXTO DO PNRA

d ) Assistência Técnico-Educacional e Difusão de Tecnologia

275 . a base da ação da Assistência Técnico-Educacional e Difusão de Tecnologia (ATEDT) se constituirá na mobilização das comunidades de Reforma Agrária, procurando adequar sua intervenção às diversas situações onde o processo ocorrer;

276 . o sistema ATEDT não deverá interferir na autonomia dos grupos comunitários. Ao exercer seu papel, procurará dotar essas organizações de instrumentos que lhes permitam ampliar sua capacidade reivindicatória, tais como:

277 . divulgação, discussão e análise do PNRA e seus derivativos;

278 . discussão e indicação em conjunto com as equipes de pesquisa, das alternativas de produção agrícola;

279 . informações sobre as políticas agrícolas relacionadas com a Reforma Agrária;

280 . informações sobre os serviços públicos possíveis de serem apropriados pelas comunidades;

281 . na fase inicial do processo de organização dos Assentamentos, a ATEDT deverá centrar seus esforços no sentido de discutir com a comunidade a necessidade de satisfazer de imediato a subsistência das famílias, a partir dos alimentos passíveis de serem produzidos dentro da própria unidade de exploração, seja ela individual ou cooperativa.

282 . à medida que o processo de Reforma Agrária for se consolidando, e que informações técnicas mais concretas sejam obtidas, tornar-se-á possível a definição de tecnologias apropriadas para cada grupo social, caminhando a orientação para explorações agropecuárias de maior expressão comercial.

 

COMENTÁRIO

Novos planos, novas extensões de máquinas burocráticas etc., etc.

 

TEXTO DO PNRA

e ) Educação

283 . deverá ser promovida articulação direta com as instituições responsáveis pela formulação da política educacional para a zona rural tendo em vista adequá-la à dimensão sócio-cultural dos trabalhadores rurais e aos objetivos da Reforma Agrária;

284 . a política educacional para as áreas de Reforma Agrária deverá formular propostas, desenvolver novos métodos, alocar e distribuir espacialmente os recursos, reorganizar e/ou constituir instituições que criem conhecimento novo, resgatem e aperfeiçoem o saber popular, democratizem os instrumentos de produção cultural, de modo a fortalecer a consciência dos trabalhadores rurais, a compreensão da realidade, a sua capacidade de intervenção na produção, na organização social e nos processos políticos;

285 . o processo educacional deverá abranger Educação Escolar, Alfabetização de Adultos e Formação Profissional;

286 . a educação escolar não envolverá somente a adequação de conteúdo, mas também métodos educacionais, construção de unidades escolares acessíveis e aparelhadas, com processos profissionalizados e identificados com a problemática e características culturais da população;

287 . as ações na área de alfabetização de adultos serão desenvolvidas de forma integrada com o MOBRAL, que será mobilizado para desenvolver ações bem definidas em termos didáticos pedagógicos e com um conteúdo diretamente relacionado à participação no processo de Reforma Agrária;

288 . a Formação Profissional deverá ser conduzida pelo Serviço Social de Aprendizagem Rural (SENAR), que deverá ser mobilizado no sentido de buscar, em conjunto com a comunidade, soluções técnicas comuns à gestão comunitária e à cooperação no trabalho.

 

COMENTÁRIO

O PNRA e os órgãos por ele referidos ficam incumbidos de funções educativas tão amplas, que se transformam em verdadeiros mecanismos de propaganda intelectual e da modelagem das mentalidades (cfr. Comentários aos tópicos n.os 122 a 124). O que coloca, a mais um título, os partidos políticos e as correntes ideológicas em proporções insignificantes face à ação ideológica do Estado: isto representa o revés do caráter democrático que o PNRA tão insistentemente alardeia como característica própria.

O sentido comunitário e a propensão para a “gestão comunitária”, do “Serviço Social de Aprendizagem Rural”, deixam ver mais uma vez o sentido autogestionário do PNRA.

 

TEXTO DO PNRA

6.2 – A Reforma Agrária e o GETAT

289 . Criado em 1980 em caráter provisório, sob o argumento de agilizar a regularização fundiária e eliminar a tensão social decorrente da disputa pela terra no sudeste do Pará, oeste do Maranhão e norte de Goiás, o GETAT, teve suas atribuições e competências ampliadas em dimensão tal que, se por um lado, acabou por ser responsável por um conjunto de ações francamente superpostas ao poder local, do mesmo modo terminou por encarnar condições tão especiais que problematizam a unidade e coordenação do processo de Reforma Agrária que tem no MIRAD o organismo normatizador e no INCRA o principal executor direto.

290 . Desse modo, por se reconhecer o caráter particularmente tenso da região hoje sob a jurisdição do GETAT, o que determina que essa área tenha tratamento especial no processo da Reforma, faz-se necessário a rápida redefinição dos mecanismos e instrumentos de intervenção na região, de forma a torná-los não só compatíveis com o novo quadro sócio-político do País, como também, capazes de, através de uma ação interinstitucional, promoverem, efetivamente, uma ampla revisão da posse e uso da terra na área.

291 . Assim, sob a perspectiva do PNRA é básico agilizar as medidas necessárias a que as atuais atribuições do Grupo possam ser progressivamente assumidas pelos órgãos permanentes responsáveis pela implementação da Reforma Agrária bem como, no que couber, pelos próprios Governos Estaduais e Municipais.

6.3 - Reforma Agrária e Programas Especiais

292 . Para que as ações do Programas especiais atualmente existentes fortaleçam a Reforma Agrária torna-se necessária a sua compatibilização e adequação à estratégia de ação e às diretrizes do PNRA.

293 . Nesse sentido, recomenda-se que os Programas:

294 . selecionem áreas de intervenção para a Reforma Agrária em consonância com aquelas a serem estabelecidas pelo MIRAD/INCRA;

295 . viabilizem, nos seus orçamentos, a vinculação de recursos para a reorganização fundiária proporcionais à incidência de trabalhadores rurais sem terra ou com terra insuficiente nas suas áreas de abrangência;

296 . condicionem a implantação de novas obras de infra-estrutura ao prévio equacionamento da questão fundiária;

297 . estabeleçam políticas de desenvolvimento rural integrado para as áreas de assentamentos;

298 . estabeleçam, desde a fase de projeto, o lançamento e arrecadação da Contribuição de Melhoria, a ser regulamentada por legislação apropriada;

299 . procurem dar preferência, nos projetos de barragens, e implantação dos assentamentos na própria região afetada pela obra, de forma a evitar ou minimizar as conseqüências do rompimento dos laços sociais, culturais, ambientais e as unidades de vizinhança dos trabalhadores rurais atingidos;

300 . reoriente, em conjunto com o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) os recursos do Fundo de Assistência Social (Estatuto da Lavoura Canavieira) para um apoio efetivo aos trabalhadores rurais, inclusive para investimentos em seus sítios;

301 . estabeleçam prazo de cinco anos para as indústrias sucro-alcooleiras existentes se enquadrarem nos dispositivos do Estatuto da Lavoura Canavieira e da Lei Federal 4.870, de 1965, que exige a participação de 60% no fornecimento de cana-de-açúcar produzida por agricultores não ligados à pessoas físicas ou jurídicas proprietárias da indústria. Desses 60%, pelo menos, 20% devem pertencer a pequenos produtores que trabalhem diretamente a terra com a força de trabalho familiar;

302 . as áreas de latifúndios por exploração de cana-de-açúcar, consideradas como prioritárias para fins de Reforma Agrária e reassentamento dos trabalhadores rurais, deverá ser de, no mínimo, dois módulos rurais por família. A área máxima a ser permitida para plantio de cana-de-açúcar será de, no máximo, 50% dessa área por unidade familiar, não ultrapassando entretanto 50 ha., ficando assim assegurado, ao restante da área o plantio de outras culturas não destinadas à produção sucro-alcooleira.

6.4 - Reforma Agrária e Incentivos Fiscais

303 . Com base em dados e cadastros elaborados por inúmeras instituições observa-se que os projetos oriundos dos Incentivos Fiscais adquiriram predominantemente caráter anti-social, caracterizando-se como política de prioridade às grandes e médias empresas agropecuárias.

304 . Para que a política de incentivos fiscais se coadune com as propostas do PNRA, será necessário o reconhecimento e a superação das suas atuais distorções, não apenas para se otimizar os recursos dispendidos como, também, para orientar essas medidas governamentais no sentido da Reforma Agrária.

305 . Sob este prisma, sugere-se as seguintes medidas:

306 . realizar o levantamento dos projetos agropecuários, agroindustriais e de colonização inadimplentes, para que, nestes casos, os imóveis rurais envolvidos sejam tornados áreas de intervenção para a Reforma Agrária;

307 . ação junto aos Ministérios da Fazenda, do Planejamento (SEPLAN), do Interior (MINTER) e da Agricultura no sentido de assegurar, caso seja mantida a política de incentivos fiscais, que:

308 . as áreas definidas como de intervenção para fins de Reforma Agrária não deverão ser objeto de investimentos oriundos de incentivo fiscal;

309 . os imóveis classificados como latifúndios por exploração ou por dimensão, estejam ou não incluídos em áreas de intervenção para a Reforma Agrária, não possam ser beneficiados por incentivos;

310 . os recursos alocados nessas áreas sejam transferidos para o PNRA.

 

COMENTÁRIO

Projetos, projetos e mais projetos. Em conseqüência, burocracia, burocracia e mais burocracia. Este é o fruto do obstinado sentido socialista que se fez notar entre nós já no período de Jango, cresceu sensivelmente no período subseqüente e, na fase da abertura política, favoreceu a eclosão de tendências macro-dirigistas como as do PNRA.

Referem-se agora estes últimos tópicos (n.os 303 ss.) às desventuras dos “projetos oriundos dos Incentivos Fiscais”: eles “adquiriram predominantemente caráter anti-social caracterizando-se [sic: um caráter que caracteriza!]  como política” etc.

Para obviar o mal, e “otimizar os recursos dispendidos”, o PNRA, sempre inventivo, “sugere” logo em seguida várias medidas. É só lê-las para aquilatar todo o dispêndio em que importam.

A sucessão de desastres produzidos pela mentalidade socialista é bem esta: uma necessidade por vezes real, freqüentemente exagerada, e em certos casos até simplesmente sonhada, leva um grupo de pensadores de esquerda ou de sonhadores, de ativistas ou de inocentes úteis, a preconizar uma interferência estatal. Esta é decidida e efetuada. Por sua vez, dela se originam as burocracias. E não tardam a aparecer os nós górdios dos burocratismos. Em conseqüência, aparece a necessidade de mais planos, mais repartições públicas, e maiores despesas. E assim por diante, num verdadeiro círculo vicioso.

Algum governante ou legislador de espírito simplista pode imaginar que para o País desentalar-se desse círculo, a solução estaria em algumas medidas drásticas que cortassem esse nó. Mas, na realidade, isso não basta: é necessário um repúdio vigoroso do socialismo, próprio a levar a Nação a sair por inteiro das traiçoeiras e resvaladias vias deste.

TEXTO DO PNRA

6.5 - Reforma Agrária e terras indígenas

311 . As terras indígenas já identificadas abrangem aproximadamente 67 milhões de hectares, o que constitui parcela bastante significativa do estoque de terras públicas e corresponde a cerca de 7,8% da superfície territorial do País.

312 . Estas áreas, de posse imemorial dos indígenas, estão sendo freqüentemente ameaçadas por não índios, acarretando graves conflitos e tensões sociais, além da ameaça à preservação e sobrevivência das comunidades indígenas, que tem como uma de suas conseqüências imediatas a expulsão do índio e a sua marginalização nas periferias dos centros urbanos.

313 . A estagnação progressiva no ritmo das delimitações e homologações caracterizando uma permanente ausência de respostas institucionais do GT-Interministerial do Decreto 88.118/83, tornou-se um estímulo ao agravamento de relações interétnicas, nas regiões onde existem casos pendentes, e um incentivo à adoção de formas mais radicais de luta por parte dos índios.

314 . As terras indígenas, patrimônio histórico, físico e cultural inviolável, devem ser protegidas e defendidas por toda a sociedade. A garantia de seu uso pleno pelos indígenas é fundamental para evitar-se que, por meio de sucessivas invasões e apossamentos ilegítimos, se procure desestabilizar o processo de reestruturação fundiária do PNRA.

315 . Assim, por sua interligação e apoio ao PNRA, devem ser tomadas as seguintes providências:

a ) Medidas de Urgência

316 . acelerar o processo de demarcação de todas as áreas indígenas, mesmo que, numa primeira etapa emergencial, se constitua apenas na fixação de limites para assegurar a delimitação inicial;

317 . promover levantamento fundiário nas áreas de conflito pela terra, apresentando soluções articuladas com outras medidas previstas no PNRA;

b ) Medidas de Médio Prazo

318 . controlar e impedir invasões de territórios indígenas promovendo os seguintes levantamentos:

319 . das glebas de projetos fundiários do INCRA que incidem total ou parcialmente em reservas de índios;

320 . dos imóveis rurais, que, para pagamento do Imposto Territorial Rural, se autodeclaram como situados dentro de terras indígenas;

321 . dos loteamentos de órgãos fundiários estaduais e projetos de colonização particular que confinam ou incidem em áreas indígenas;

322 . acionar instrumentos penalizadores para os casos de comprovada invasão e apossamento ilegítimo.

c ) Medidas Decorrentes

323 . redefinir o sistema de cadastramento e adotar outros critérios para o preenchimento de informações acerca dos imóveis rurais;

324 . estabelecer níveis de integração com o Cadastro do INCRA pela montagem de um projeto intitulado “Cadastramento de imóveis rurais confinantes e incidentes com áreas indígenas”;

325 . cancelar o registro em cadastro de imóveis rurais que incidirem nestas áreas indígenas;

326 . estabelecer mecanismos de vigilância e controle permanente dos imóveis confinantes, visando delinear uma larga ação preventiva face aos conflitos de terra e freqüentes invasões;

327 . unificar as bases cartográficas em que forem plotadas as áreas indígenas visando, igualmente, agilizar as formas de apoio às decisões relativas ao processo técnico administrativo e político de demarcação dessas áreas.

 

COMENTÁRIO

Os presentes tópicos (n.os 311 a 327) confirmam quanto já antes foi dito acerca do radicalismo do PNRA (cfr. Comentário ao n.o 36), na defesa dos direitos dos indígenas sobre os “67 milhões de hectares” que ocupam, e que representam “7,8 % da superfície territorial do País” (n.o 311). Imenso latifúndio, portanto, que o PNRA quer usado só pelos índios.

Cabe apenas lembrar de passagem que, sem recusar aos silvícolas a simpatia a que fazem jus, nem lhes contestar os direitos que têm sobre as porções de terra necessárias para que conservem um justo teor de existência, bem como o de se civilizarem, seria indispensável indagar se as terras que ocupam estão na proporção de sua população. Pois é muito discutível – pelo menos – o direito deles sobre terras que não usam, ou que aproveitam só para as estéreis itinerâncias do nomadismo.

Entretanto o PNRA silencia sobre isso. Também silencia ele sobre as formas de aproveitamento do solo, em uso entre eles. Questão entretanto indispensável para apurar até que ponto os direitos dos índios nesta matéria são ou podem vir a ser acompanhados do exercício da função social respectiva.

O PNRA reserva para o uso dos índios que vivem em regime tribal, em estado de nomadismo, ou então em estado sedentário, com a prática muito rudimentar da mera agricultura de manutenção própria, nada menos que “67 milhões de hectares” (n.o 311).

Ora, tomando em consideração que as estimativas sobre essa população indígena variam entre 187 mil (CEDI, 1984) e 220 mil (FUNAI), ou mesmo 227 mil (CIMI), em todo o território brasileiro, daí se segue que a proporção entre homem e terra, para esses privilegiados do PNRA, é de cerca de 300 hectares (três quilômetros quadrados) por índio.

Que vantagens traz esse privilégio para o bem comum do País? Com que critério foi estabelecido, em favor dos índios, tão enorme privilégio? Levando a pergunta mais a fundo, como coadunar o “privilegiamento” (terminologia gênero PNRA) de tais índios, com o agro-igualitarismo radical e intransigente do PNRA?

Visa este reformar toda a estrutura rural brasileira, à custa de gastos desconcertantemente vultosos, para impor ao ager, em nome da justiça, um regime radicalmente igualitário. Mas, ao mesmo tempo, conserva incólumes esses índios no fundo de seus intocáveis “santuários” ecológicos, e no gozo irrestrito de seu enorme privilégio. Por quê? Haverá para tanto explicações técnicas?

Em caso afirmativo, cumpre que as enuncie o Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário. Com urgência, de maneira a ainda poderem ser discutidas, no presente debate público. Pois, se tais dados existem, não são do domínio do “homem da rua”, do cidadão-tipo, o qual assim fica impedido de opinar sobre ponto de tanto interesse.

O PNRA parece pleitear uma defesa absoluta desse imenso latifúndio em benefício dos índios, alegando uma “posse imemorial” (n.o 312). Em seguida, refere ele as invasões ou ameaças de invasão freqüentes, dos não-índios, nas terras possuídas por silvícolas, com “graves conflitos e tensões sociais” daí decorrentes (n.o 312).

O zelo do PNRA pelos direitos dos indígenas ao seu latifúndio, bem como pela defesa deste contra as invasões que sofrem, prenhes de reais inconvenientes psicológicos e sociais, lembra, por singular contraste, a indolência – para não dizer a simpatia – do PNRA em favor das invasões desfechadas por aventureiros e agentes da subversão, nas terras cultivadas pertencentes a proprietários civilizados.

As “terras indígenas” são qualificadas pelo PNRA como “patrimônio histórico, físico e cultural inviolável”. Pelo que, sempre segundo o PNRA, essas terras “devem ser protegidas e defendidas por toda a sociedade” (n.o 314).

Pelo contrário, ad mentem do PNRA, as terras de proprietários civilizados podem ser arrancadas a estes por um confisco esbulhador. E qualquer invasão que nelas se faça justifica que a terra seja considerada “área de conflito” ou “área de tensão” e fique assim automaticamente exposta à expropriação confiscatória (cfr. tópicos 72 e 83).

Bem entendido, o PNRA não fala de expropriação do Poder público no que ele mesmo qualifica de “santuário” indígena (n.o 36). Expropriação é medida punitiva, só aplicável a descendentes de povos civilizados.

Por que, assim, dois pesos e duas medidas?

 

TEXTO DO PNRA

6.6 - Reforma Agrária e os Governos Estaduais

328 . A experiência recente do relacionamento entre o Governo Federal e os Governos Estaduais tem se caracterizado pelo estímulo, apoio e financiamento a projetos de regularização fundiária, sem explorar, concretamente, o potencial existente nos Estados, através dos seus Institutos de Terra, para executar projeto de assentamento de agricultores, dentro dos objetivos de um Programa de Reforma Agrária.

329 . Mesmo as ações de regularização fundiária, realizadas pelos Estados, foram direcionadas para a titulação pela titulação, ou seja, elegendo-se o título como objetivo central do processo, sem se observar a possibiliade existente, dentro da esfera de competência dos próprios Estados, de se realizar um exame mais acurado da legitimidade dos títulos de domínio, notadamente dos médios e grandes imóveis.

330 . Na execução da Reforma Agrária, os Estados serão estimulados e convidados a participar da execução, em todas as suas fases, além naturalmente daquilo que é de competência dos Estados, como é o caso da discriminação das terras devolutas estaduais. Em casos específicos, mediante convênio, o INCRA poderá se responsabilizar diretamente pela discriminação, até que o Estado assuma integralmente a tarefa que lhe compete.

331 . Em outros casos e mediante convênio, a execução de projetos de assentamento poderá ser delegada aos Estados que estejam estruturados para tal tarefa e se disponham a seguir as diretrizes do Plano Nacional de Reforma Agrária.

332 . Além dessas possibilidades de relacionamento na execução da Reforma Agrária entre os Governos Federal e Estaduais, combinações intermediárias e outras tarefas poderão ser delegadas, reciprocamente, dentro das condições especiais de cada Estado.

333 . As ações de apoio à produção e à organização serão da responsabilidade dos Governos Estaduais, no que se refere à provisão de serviços de assistência técnico-educacional, difusão de tecnologia e outros serviços, cuja execução já seja descentralizada. Nos demais casos, adotar-se-á o mesmo princípio levando-se em conta as situações específicas de cada Estado.

334 . O princípio geral da descentralização é que o Estado se comprometa a seguir as diretrizes e orientações do Plano Nacional de Reforma Agrária e contemple, na ação dos seus organismos executores, o critério da participação dos beneficiários da Reforma.

COMENTÁRIO

A extensão destes comentários obriga a passar por alto os tópicos 328 a 334, os quais se relacionam menos diretamente com as preocupações que norteiam a presente análise.

Entretanto, convém ressaltar que o autoritarismo do PNRA o leva a propor aqui várias medidas, das quais o mínimo que se pode dizer é que não deixam ilesa a autonomia dos Estados, valioso progresso já objetivado por importantes estadistas do Império, e alcançado por fim pela Constituinte de 1891.

A forma federativa do Estado brasileiro constitui condição essencial da unidade nacional.



[1] Cfr. CEBs, pp. 171 a 201; “Catolicismo” n.o 402, junho de 1984; e “Catolicismo” n.o 406-407, outubro-novembro de 1984.

[2] Já em 1968 a TFP promovera duas campanhas em nível nacional: a denúncia do programa subversivo do Pe. Joseph Comblin e o abaixo-assinado a S.S. Paulo VI pedindo medidas contra a infiltração esquerdista nos meios católicos (1.600.368 assinaturas).

Em 1969, a edição especial de “Catolicismo” denunciando os organismos semiclandestinos que promovem a revolução comuno-progressista na Igreja teve 165 mil exemplares esgotados em venda de rua. Desde então, três livros foram dados a lume pela TFP, para desmascarar novas manobras da comunistização dos ambientes católicos: PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, A Igreja ante a escalada da ameaça comunista – Apelo aos Bispos silenciosos, Editora Vera Cruz, São Paulo, 1976, 224 pp.; PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, Tribalismo indígena, ideal comuno-missionário para o Brasil no século XXI, Editora Vera Cruz, São Paulo, 1977, 128 pp.; PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA / GUSTAVO ANTONIO SOLIMEO – LUIZ SÉRGIO SOLIMEO, As CEBs... das quais muito se fala, pouco se conhece – a TFP as descreve como são, Editora Vera Cruz, São Paulo, 1982, 256 pp.

Para maiores dados sobre estas campanhas, e demais atuações da TFP, ver Meio século de epopéia anticomunista, Editora Vera Cruz, São Paulo, 1980 (especialmente pp. 175 a 183, 190 a 197).


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