Santo Isidoro de Sevilha (4 de abril): a verdadeira educação e a prática da virtude

Santo do Dia, 3 de abril de 1967

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

Santo Isidoro de Sevilha (560-636), Bispo, Confessor e Doutor da Igreja. O martirológio diz dele que foi insigne pela santidade e doutrina. Engrandeceu toda a Espanha pelo seu zelo pela fé católica e observância da disciplina eclesiástica. Considerado o homem mais douto de seu século, lutou tenazmente contra os arianos. Irmão de São Fulgêncio, Bispo de Cartagena, de Santa Florentina, religiosa e de São Leandro, a quem sucedeu no arcebispado de Sevilha.

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Santo Isidoro de Sevilha (Murillo – Catedral de Sevilha – 1655)

Sobre Santo Isidoro, em suas “Obras Escolhidas”, encontramos o seguinte trecho das “Lamentações de uma alma pecadora”:

“Em todos os teus atos, em todas as tuas obras, e em todo o seu trato, imita os bons, emula os santos, tem ante teus olhos o exemplo dos mártires, considera os exemplos dos justos, imitando-os; que o exemplo dos santos e os ensinamentos dos padres sejam para ti incentivo de virtude. Tem bom espírito, guarda tua boa fama e não a diminuas com nenhuma ação e não a deixes cair em descrédito. Demonstra o que professas em teu porte, em teu andar. Seja a tua apresentação a simplicidade, em teu movimento a pureza, em teu gesto a gravidade, em teu passo a honestidade. Que não demonstres o vergonhoso, o lascivo, o petulante, o insolente, o superficial. O gesto no corpo é o sinal da mente. Teu andar, por conseguinte, não represente tua superficialidade, teu passo não ofenda a ti ou a teu próximo. Não te prestes a ser espetáculo dos outros, não permitas que te denigram, não te unas a pessoas vãs. Evita os maus, rechaça os indolentes. Foge das reuniões excessivas dos homens, mormente dos que por sua idade são mais inclinados aos vícios. Acompanha-te dos bons, deseja sua companhia. Busca a reunião dos bons, junta-te aos santos. Se fores partícipe do seu trato, também o serás de sua virtude. O que caminha com os sábios, será sábio; o que caminha com os estultos, será estulto, pois os semelhantes gostam de reunir-se aos semelhantes. É perigoso viver entre os maus, é pernicioso acompanhar-se daqueles que têm vontade perversa. Tu te nutrirás de sua infâmia se te juntas com os indignos. É melhor sofrer o ódio dos maus que a sua companhia. Assim como muitos bens traz consigo a vida comum dos santos, assim muito mal traz a companhia dos maus, pois aquele que toca um imundo, é por ele contaminado”.

* Um tratado contra o espontaneísmo hippie

– Deste lindíssimo trecho de Santo Isidoro de Sevilha, há duas coisas que devemos destacar.

Em primeiro lugar é o aspecto profundamente ambientes e costumes  que tem o trecho, quando ele trata do modo de apresentação do homem, da forma pela qual ele deve se externar aos olhos dos outros. Todo homem deve compor para si um personagem.

Quer dizer, ninguém deve ser inteiramente espontâneo de maneira tal que se tenha a presença externa que lhe é sugerida simplesmente pelos seus movimentos desalinhados, desataviados, espontâneos. Isto é mentalidade holywoodiana.

Todo homem deve procurar exprimir no seu modo de ser externo, pelo seu olhar, pelo seu porte, pelo seu passo, pela sua atitude geral, pelo seu procedimento, deve procurar espelhar aquilo que lhe está verdadeiramente na alma. Porque não é verdade que as virtudes transpareçam naturalmente sempre.

Muitas vezes a pessoa tem grandes virtudes e elas não transparecem no seu exterior se a pessoa não tiver cuidado em manifestar isto e reprimir coisas espontâneas que possam dar a impressão do contrário.

* Distinguindo hipocrisia de compostura e recomendando um modo de se portar de acordo à prática da virtude e um rico vocabulário para bem exprimir-se

Também, muitas vezes, o mal transparece no exterior. Mas nós temos obrigação de evitar que transpareça o mal que de fato temos. Não por hipocrisia e vaidade, mas por compostura, por respeito aos outros, por respeito a Deus, entendendo que o mal não tem direito de se estadear à luz do sol.

Assim, portanto, há uma necessidade de se compor para si uma linha de conduta externa, um conjunto de gestos, de frases, de vocabulário, de modo de olhar, de modo de ser da pessoa, que é uma expressão sincera, autêntica, mas composta intencionalmente sob muitos aspectos do modo de ser interno.

Isto não seria assim se o homem não tivesse sido concebido em pecado original. Mas uma vez que isto acontece, isto tem que ser assim. E é por causa disso, que nas civilizações que chegam a um certo grau de perfeição, se ensina às pessoas a ter porte, a ter maneiras, ensina-se às pessoas a comporem para si o seu próprio personagem. Eu me lembro bem deste trecho do inimitável e incomparável Saint-Simon (1) que escreveu: “Fulano transpõe os umbrais de uma porta com uma total inconseqüência...”

A expressão é muito interessante, porque os umbrais de uma porta tem conseqüência a gente os transpor. Todo umbral de porta que se transpõe, em si,  tem conseqüência.

O umbral é o marco. E ele acrescentava: “Também é um homem a quem nem se ensinou a dançar…” Naturalmente não era o ié-ié-ié nem essas coisas em voga hoje. Eram danças de uma alta compostura, de uma suprema finura de porte e apresentação e que davam ao indivíduo a arte de ter maneiras para tudo. Os senhores estão vendo o pensamento que estava atrás dessa frase de Saint-Simon, a doutrina que estava atrás dessa frase.

* Alinhando Santo Isidoro de Sevilha com Saint-Simon para refutar a “heresia branca”

Estou imaginando os ecos da voz de um bobório… porque a voz de um bobório sempre repercute mais do que a voz de um homem sábioTal é a tristeza do homem concebido em pecado original que o bobório é o grande orador e o grande homem influente do comum dos homens. Sê bobo e serás influente e arrastarás os homens…!

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Duque de Saint-Simon

Estu imaginando os ecos da voz de um bobório nos ouvidos de alguém:  “Mas isto é mundanismo! Imagine falar de Saint-Simon! Imagine falar de um homem mundano como aquele; vivia naquelas pompas de Versailles!… Depois, um homem sem caridade: escalpelava os outros. Dr. Plinio devia arranjar um texto de santo; aí sim eu aderiria. Mas, Saint-Simon não! Esquisito… Assim não gosto!”…

Bem, aqui está um texto de Santo. Mas eu não espero abafar a voz do bobório, porque tem tal valor a voz do bobório, que Saint-Simon mais Santo Isidoro de Sevilha não a abafam. É preciso um ato de generosidade, é preciso não querer ser “heresia branca” (2). Aqui estão as frases de Santo Isidoro de Sevilha na linha de Saint-Simon.

“Demonstra o que professas”, quer dizer o que pensas ou aquilo que és, “demonstra isto em teu porte e em teu andar”. Como se pode fazer isto sem estudar um porte e um andar adequados? Esta recomendação indica [que se deve ter] um controle do porte e do andar e indica que há andar e porte que significam algo de bom, e andar e porte que significam coisa que não é boa. Então, não venha me dizer que é mundanismo porque não é.

Continua: “Seja a tua apresentação a simplicidade”. Isto também é dito com vistas ao bobório. Simplicidade não é simploriedade. Simplicidade é o fato do indivíduo não ser complicado, não ser afetado, não ter ademanes e requebros, mas estar no útil, no normal; fazer uma coisa que seja ao mesmo tempo intencional, produto da educação, mas autêntica.

* Discernimento dos espíritos e impureza

Em teu movimento, a pureza“. Como é bonita esta idéia! Os movimentos da alma pura são diferentes dos da alma impura. Até no gesticular, até no voltar-se para atender alguém, uma é a posição da alma pura, outra é a posição da alma impura. E às vezes, no modo da pessoa voltar a cabeça e dizer “O que é?” percebe-se a alma impura, num “flash” vê-se o impuro.

Como às vezes também no modo de voltar a cabeça e dizer “O que é?”  percebe-se o homem casto, percebe-se o homem fiel a seus deveres de estado no que diz respeito aos 6º e 9º mandamentos. Vejam, portanto, como é profundo o pensamento de Santo Isidoro.

Ele continua: “E em teu passo haja honestidade”. Honestidade não quer dizer o que se diz hoje “não roubar”. Honesto, no latim, era o composto, o composto com uma certa beleza, o composto com uma certa distinção, com uma certa elegância. O passo deve ter uma certa distinção, uma certa elegância.

“Que não demonstres o vergonhoso, o lascivo, o petulante, o insolente, o superficial”. Essa cantilena caberia contra o play-boy perfeitamente. O play-boy é isto. Ele ostenta tudo quanto é vergonhoso, a começar por ostentar sujeira.

É lascivo, quer dizer, entregue à impureza, é petulante, é insolente, é superficial. Está perfeitamente descrito o play-boy.

O gesto do corpo é o sinal da mente. Vejam que magnífico princípio para exprimir exatamente a dignidade cristã.

Teu andar, por conseguinte, não represente tua superficialidade; teu passo não ofenda teu próximo; não te prestes a ser espetáculo dos outros, não permitas que te denigram” etc., etc.

Depois ele trata das boas e más companhias. Isto serve muito para combater um certo erro moderno de que se deve fazer apostolado infiltrando-se no meio dos maus. Quando a gente se mete no meio dos maus para fazer apostolado, a gente fica mau com eles; como quando se vive no meio dos bons, fica-se bom com eles (3).

NOTAS

(1) Louis de Rouvroy, duque de Saint-Simon, nascido em Paris a 16 de janeiro de 1675 e falecido a 2 de março de 1755, é um membro da nobreza francesa, célebre por suas Memórias que narram, em suas minúcias, a vida na Corte nos tempos do rei Luis XIV e da Regência.

(2) Com a expressão “heresia branca”, o Prof. Plinio designa uma atitude sentimental que se manifesta sobretudo em certo tipo de piedade adocicada e uma posição doutrinal relativista que procura justificar-se sob o pretexto de uma pretensa “caridade” para com o próximo.

(3) Para uma intelecção mais aprofundada da idéia aqui expressa pelo Prof. Plinio, vide em seu primeiro livro, Em Defesa da Ação Católica, quando trata do “apostolado de infiltração”, “apostolado de conquista”, IV Parte, Cap. III.

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