Santa Joana de Portugal: tanto na Corte quanto no claustro, confronto direto com a Renascença

Santo do Dia, 11 de maio de 1966

A D V E R T Ê N C I A

Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.

Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto  se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto,  por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.

 

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Santa Joana de Portugal (1452-1490), retratada em Breve Narratione Della Vita della Beata Giovanna Principessa di Portogallo Dell’Ordine di San Domenico. Appellata communemente la Santa Principessa. Raccolta da un religioso Dell’istess’ Ordine di Lei Devoto, 1693. – Wikipedia, por M.us Cataldus (designer), Louis Gomier (engraver), CC BY-SA 4.0

Temos como santos de hoje São Felipe e São Tiago, Apóstolos. A relíquia de São Tiago Maior se venera em nossa capela. São Mayeul, abade, do qual vimos a biografia ontem.

Amanhã será festa de Santa Joana de Portugal. A biografia dela é a seguinte, tirada do Rohrbacher [“La vie des Saints”]:

Joana, filha do rei D. Afonso V, décimo segundo rei de Portugal e de sua esposa, Da. Isabel, nasceu a 6 de fevereiro de 1452, e foi jurada princesa herdeira do trono. Trocou esse título pelo de infanta, depois do nascimento de seu irmão, que foi o rei D. João II. Tendo vivido na corte, praticou as mais altas virtudes cristãs. Tomou como emblema uma coroa de espinhos e, debaixo de suas ricas vestes, ninguém suspeitava que envergava um cilício. Profundamente compassiva, procurava o quanto podia amenizar as misérias de seu próximo. Muitos príncipes pediram-lhe a mão insistentemente, mas negou-a a todos.

Encerrou-se no mosteiro de Aveiro, da Ordem de São Domingos, onde sua humildade e obediência foram tão grandes, que ninguém podia dizer que ali estava uma filha de rei. Trabalhou denodadamente pela conversão das almas, pois a preocupava muito a sorte dos pecadores. A sua obra predileta foi a redenção dos cativos da África. Acometida de longa e dolorosa enfermidade, aceita com grande resignação, Santa Joana de Portugal faleceu a 12 de maio de 1490”.

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A 12 de maio de 1490, quando já soprava intenso, no mundo inteiro, o vento com caráter pomposo, luxuoso da Renascença, nos altos estabelecimentos eclesiásticos e nos meios da alta burguesia. Mas, sobretudo nas Cortes europeias e de um modo tão infeliz, que se podia dizer de todas elas que eram o ponto de irradiação dos costumes renascentistas. Não propriamente do pensamento dessa Revolução, porque este era insuflado por pequenos cenáculos de intelectuais, predecessores dos revolucionários contemporâneos.

Mas mesmo quanto à difusão das idéias, as cortes tinham uma grande responsabilidade, porque davam prestígio aos intelectuais que sopravam as idéias da Renascença, e aos juristas que plasmavam o Estado absolutista, que era de acordo com o pensamento renascentista.

Em razão de todos esses fatos, as cortes levavam uma vida esplêndida e a categoria de príncipe era sinônimo de de quem levava uma vida magnífica, faustosa, luxuosa, no meio das delícias etc.

De maneira que naquele tempo, o fato de uma princesa ficar freira, depois de ter praticado, durante tanto tempo a virtude da mortificação na própria corte, a ponto de lá tomar como emblema a Coroa de espinhos de Nosso Senhor Jesus Cristo, equivalia a entrar em choque com todas as tendências da época. E que fazia, portanto, algo que se considerava feio, ridículo, próprio a uma pessoa mesquinha, que não tinha a alma grande para compreender os grandes prazeres e as grandes lutas da vida… Assim, sua atitude repercutiu como uma espécie de reminiscência da Idade Média.

Então, os senhores estão vendo a longa permanência dela na corte, representando sempre a mortificação, representando sempre a virtude, e remando sempre contra a maré entrante do Renascimento na corte. E recusando os vários casamentos que lhe eram propostos, com preferência para com o estado de virgindade que – como os senhores sabem – a Renascença prezava tão pouco.

Como se tal não bastasse, levando isso tudo ao cúmulo do desafio recolhendo-se a um convento. Esse conjunto de atitudes constituía já de si uma espécie de ruptura, não só com o mundo, mas com a mentalidade dominante na época, sobretudo a despeito de reis, príncipes e princesas.

Naturalmente, mais acentuado ainda era o reflexo que constava fora sobre o modo como ela praticava as virtudes religiosas dentro do convento. Isto porque tais virtudes eram observadas, naquele tempo, de modo muito relaxado.

Os senhores precisam considerar que hoje estamos no auge da decadência das ordens religiosas. Para compreender como vivia uma freira naquela época, é preciso lembrar, por exemplo, o que Santa Teresa conta, algumas décadas depois, a respeito do modo pelo qual viviam as carmelitas em seu tempo: era como se estivessem num pensionato. Recebiam visitas durante o dia, tinham guitarras, alaúdes, outras coisas do gênero e, no claustro, entoavam canções muitas das quais eram com temas de amor; recebiam autorização para passar temporadas enormes na casa da família por fúteis razões de saúde. E lá elas tinham trato com todo mundo, saíam, portavam-se como uma filha da casa qualquer, apenas conservando em parte ou no todo o hábito religioso. Além do que os conventos eram verdadeiros receptáculos de mundanismo.

Sobretudo, ninguém compreenderia que uma filha de rei, entrando num convento, fosse tratada como uma religiosa qualquer. Como, por exemplo, sujeitar à pobreza uma filha de rei, que era exclusivamente para o luxo? Como sujeitar à obediência uma filha de rei, que era feita para mandar? E assim por diante… Então, o ela ter praticado de um modo tão exímio essas virtudes, constituía um escândalo contínuo para o espírito da Renascença.

Nesse sentido, sob este ângulo de vistas, era na linha de uma contra-revolução tendenciosa muito profunda, era uma atitude contra-revolucionária de primeira ordem, como choque com a Renascença.

Seu exemplo é uma admirável lição, para todos os tempos, do modo pelo qual a Revolução deve ser combatida: de frente e, no bom sentido da palavra, até escandalosamente.

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