Santo do Dia, 15 de dezembro de 1966
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério tradicional da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Santa Adelaide com seu marido, Otto I, na Catedral de Meissen (Alemanha). Foto de Kolossos – Wikipedia CC BY-SA 3.0
Hoje se comemora a festa de Santa Adelaide, rainha, a respeito da qual Omer Englebert, na vida dos santos, escreve o seguinte:
“Santa Adelaide foi uma maravilha de graça e de beleza, segundo escreveu Santo Odilon de Cluny, que foi seu diretor espiritual e seu biógrafo. Filha de Rodolfo II, rei da Borgonha, nasceu em 931, casando-se aos 15 anos com Lotário II, rei da Itália. A filha desse casamento foi, mais tarde, rainha da França. Adelaide tinha 18 anos quando seu marido morreu, segundo se crê envenenado por seu rival, Berengário II. Este em breve proclamou-se o rei da Itália e ofereceu a mão de seu filho à viúva de sua vítima.
“Recusando-se Adelaide a fazer-lhe a vontade, Berengário apoderou-se de seus estados e conservou-a presa no castelo de Sarda. Aí sofreu os maiores ultrajes, mas ninguém conseguiu demovê-la. Conseguindo fugir, dirigiu-se ao Castelo de Canossa, propriedade da Igreja. Dessa fortaleza inexpugnável, dirigiu um apelo a Otto I, Rei da Germânia, que correu em seu auxílio com poderoso exército. Cingiu ele a coroa da Itália em Pavia e foi mais tarde sagrado imperador em Roma. Entretanto, casava-se com Adelaide.
“O filho desse segundo casamento, Otto II, sucedeu a seu pai e a princípio revoltou-se contra sua mãe. Temendo pela vida, ela refugiou-se na Borgonha. Foi então que conheceu Santo Odilon e espalhou benefícios pelos mosteiros franceses. Mais tarde, voltando à Alemanha, mandou a São Martinho o mais rico dos mantos usados por seu filho, já então arrependido. Quando chegardes ao túmulo do glorioso São Martinho, escreveu ela a quem encarregara dessa missão, dizei: Bispos de Deus, recebei esses humildes presentes de Adelaide, serva dos servos de Deus, pecadora por natureza e imperatriz pela graça. Recebei também este manto de Otto, seu filho único, e vós que tivestes a glória de cobrir com vosso próprio manto Nosso Senhor na pessoa de um pobre, orai por ele. Logo que pressentiu chegado o seu fim, Adelaide fez-se transportar para o mosteiro de Seltz para morrer e repousar junto ao túmulo de Otto o Grande, seu segundo marido”.
Vemos aqui um outro tipo de figura medieval. Não é mais a da santa que vive no convento, no recolhimento e na paz do claustro, mas é a da heroína. A Idade Média é fecunda em heróis e heroínas que passam pelas maiores aventuras, pelos maiores riscos, não têm nenhum “ideal” de seguro social, de aposentadoria, mas querem e veem no risco, na luta, na incerteza – quando a serviço de uma alta causa e em defesa de direitos efetivos e legítimos – algo que dá à vida o seu sal e o seu sentido.
Os senhores veem como a existência dela como foi uma sucessão de altos e baixos. Ela era filha de Rodolfo II, Rei da Borgonha, e casou-se, aos 15 anos, com Lotário II, Rei da Itália. Ela teve aí uma filha que foi rainha da França. Adelaide tinha 18 anos quando seu marido morreu. E Berengário II tinha mandado, ao que parece, envenenar o seu marido. Ele se proclamou rei da Itália e quis que ela se casasse com o filho dele. Quer dizer, portanto, que ela deveria casar-se com o filho do assassino do seu próprio esposo. Seria uma vida fácil e agradável, assim certamente não sofreria o que padeceu. Ela foi encarcerada e durante muito tempo ficou exposta aos piores ultrajes. Mas de repente fugiu…
Como me agrada a fuga dessa santa! Como isso é diferente da ideia que habitualmente se faz de uma santa. Segundo a imagem corrente e errada, a santa presa ficaria sentada, chorando etc., pensando em tudo, menos em fugir… e incapaz de fugir. A santa seria uma gordona, que tem dificuldade em se mover, desprovida de qualquer esperteza, que não sabe iludir os carcereiros, que não sabe ter um gesto hábil qualquer para pular um obstáculo e sair correndo, mas essa é uma santa diferente. Infelizmente esse escritor não conta como se deu sua fuga.
Mas o santo, no caso aqui uma santa, tem a virtude da fortaleza, da prudência. E com prudência e com fortaleza se foge de todos os lugares de onde é possível fugir… E ela, portanto, tinha que poder fugir do lugar, desde que materialmente fosse factível. Fugindo, ela se liberta do tremendo do jugo em que estava.
Entretanto, ela soube para onde fugir, porque em vez de escapar para um lugar qualquer, fugiu para Canossa, que era a terrível fortaleza da Idade Média, ilustrada pelo fato de que São Gregório VII ali ter recebido o imperador Henrique IV, que lhe foi beijar os pés, pedindo-lhe perdão. Canossa era um feudo da Igreja e que não podia ser invadido por um soberano temporal. Ela ali estava, portanto, inteiramente tranquila. Ela, portanto, não só sabia fugir, mas sabia onde refugiar-se. Ou seja, tinha a inocência da pomba, mas também a astúcia da serpente. E, deste lugar, o que ela fez? Algo que também não se esperaria de uma santa, conforme essa concepção errada de santidade: arranjou um marido, e bem escolhido!
Ela escreveu para o rei da Germânia, que era o herdeiro presuntivo do Imperador do Sacro Império Romano Alemão, pedindo para que fosse defendê-la. Ele foi e a pediu em casamento, se casaram. Começa então para ela uma nova vida.
Os senhores considerem quantas mudanças nessa vida, quanta força de alma, quanto denodo, quanta intrepidez essas mudanças supunham. E quanta verdadeira virtude nessa magnífica santidade. Bem, ele foi sagrado imperador de Roma e casaram-se. O filho desse casamento, entretanto, foi mau filho. E começa aí mais outra tragédia.
Ele revoltou-se contra sua própria mãe e por isso ela teve que novamente fugir, e foi para Borgonha. Nessa circunstância então que conheceu Santo Odilon.
E eis que seu filho se arrepende, possivelmente a pedido dela. Porque esse manto que enviou para São Martinho, tem o aspecto de um pagamento de uma promessa, como quem lhe dissesse: Se vós me converterdes o filho, eu vos enviarei o manto dele…
Então foi mandado com essa magnífica mensagem, da qual o fato mais bonito é o título que ela arranjou para si: “Adelaide, pecadora por natureza, e imperatriz pela graça”!… É um tal contraste de títulos e uma tal grandeza na simplicidade desse contraste, que mereceria ser o seu epitáfio: “Pecadora por natureza”, porque todos os homens por natureza são pecadores, ainda quando são santos. É uma coisa que ficaria bem num vitral, embaixo de sua figura nobre, serena, forte: “Santa Adelaide, pecadora por natureza e imperatriz pela graça”.
Vamos pedir a Santa Adelaide que nos dê uma graça que tenha relação com isso: o espírito de luta, de intrepidez e não hesito diante da expressão: o espírito de aventura.
São Tomás de Aquino ensina que o supra sumo da virtude da fortaleza é a combatividade. E que o homem forte é combativo. Quer dizer, que toma a iniciativa da luta; quando é necessário, quando é oportuno, quando é criterioso, não espera o inimigo vir a ele, mas toma a iniciativa da luta, e investe contra o inimigo.
Devemos pedir esse espírito de fortaleza, mas ao mesmo tempo esse espírito de prudência, essa sagacidade, essa capacidade de discernir, de perceber, de escolher as situações, de dispor dos meios adequados para chegar aos fins que se tem em vista.
Então poderemos, no nosso epitáfio, também ter isto: Fomos lutadores que amamos inclusive o risco, levado até a um extremo que os tontos diriam que é temeridade; teremos sido pecadores por natureza, mas pela graça soldados intrépidos de Nossa Senhora.