Conversa durante Chá no Eremo Praesto Sum, 22 de maio 1989
A D V E R T Ê N C I A
O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira a sócios e cooperadores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.
Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Então, os senhores considerem, por exemplo, a “Oração Abrasada” de São Luiz Grignion de Montfort, pedindo apóstolos para os últimos tempos. Naquela oração se sente o espírito de São Luiz Grignion de Montfort. No livro dele, no “Tratado da Verdadeira Devoção”, sente-se em alguma medida. Mas não se sente de modo tão ardente, tão vivo como se sente na “Oração Abrasada”.
Uma pessoa deve se perguntar assim: “Eu quereria ser assim? Eu quereria ter esse temperamento, esse modo de ser? Eu quereria querer com este calor? Eu quereria querer estas coisas com este calor? Eu quereria vibrar inteiro de entusiasmo, quando tivesse essas coisas? Esse é o fim de minha vida?”
A responder sim, a pessoa deve encher-se de alegria, pensando: “Não só eu desejo uma coisa muito boa, mas eu tenho uma promessa de Nossa Senhora de que, se eu for fiel, eu obterei”.
Quer dizer, por mais alto que aquele espírito pareça, mais superior a mim, e, portanto, mais inacessível por mim, por mais que seja isso, esse espírito eu terei. Por quê? Porque eu fui chamado. E Nossa Senhora não mente. Ela cumpre, ela é a Virgo Fidelis, a Virgem perfeitíssima.
Depois, a mentira é um pecado horroroso. Nossa Senhora não tem pecado nenhum! Ela é fiel, ela é verídica, tudo quanto Ela diz, tudo para onde Ela convida dá certo.
Bem, então, Ela nos convidou para um certo caminho. Deu-nos um Fundador que tem uma certa mentalidade.
E eu digo ainda mais: ainda que tenhamos feito infidelidades a isso, nós acabaremos recebendo. Porque quem é chamado, encontra aquilo para o que foi chamado. É evidente. E não é possível que eu chame alguém para a minha casa, e depois eu não abra a porta. O chamado é uma promessa de que abrirei a minha porta! E então, esse espírito nos é oferecido, nos é posto diante dos olhos, por esta forma. Não sei se isto está bem claro.
Então, vamos dizer, por exemplo…
* Alguém tenha caminhado mal nesta via, Nossa Senhora não lhe retirou a vocação, e Ela o respeita
… é preciso de fato sentir respeito. Quer dizer, o mais irregular, o mais pobre coitado dos membros da TFP; mais ainda: nem é membro, um correspondente, mas que tenha comigo um nexo relacionado com TFP, ele deve compreender que de fato eu o respeito por causa desse nexo, que aquele que foi chamado para percorrer as minhas vias, ou vias que se confluem para as minhas, que são paralelas com as minhas etc., esse eu respeito, porque ele teve uma honra que é a de ser chamado para essa via. A ele Nossa Senhora chamou para um caminho de dedicação, um caminho de renúncia de si mesmo, um caminho de proeza, um caminho de glória. E a esse que é chamado assim eu respeito. Ainda que ele esteja caminhando mal nesta via, ainda que… Nossa Senhora não lhe retirou a vocação. E desde que Nossa Senhora não lhe retirou a vocação, Ela o respeita, Ela, que é a Rainha do céu e da terra – quanto mais eu! Então, evidentemente, eu devo respeitar.
Agora, o respeito é um sentimento que, de outro lado, supõe o seguinte: que a gente não trate os outros em função de uma comparação humana consigo mesmo, mas em comparação deste dado sobrenatural.
De maneira que não teria propósito eu dizer: “Aquele tal, X, é uma pessoa enormemente menos culta do que eu. E porque ele é enormemente menos culto, eu também não vou prestar atenção no que ele diz, no que ele fala. Porque não vale nada! Ele não diz coisa que vale dois caracóis!”
Está errado! Ele está dizendo uma coisa que na alma dele foi elaborada com aceitação ou rejeição da graça, mas entrou alguma coisa do Sangue de Cristo ali. E nisso entrou uma operação de salvação ou de perdição. E em qualquer alma é tão grande a importância da batalha que se trava, que Nosso Senhor Jesus Cristo teria morrido na Cruz, só por aquela alma. Agora, como é que eu posso não respeitá-lo enormemente? Se o preço dele é o Sangue de Cristo, são as lágrimas de Maria, quem sou eu para não ter o maior respeito?!
* Todo homem deseja ser respeitado
Mas, há mais. Cada pessoa aspira a ser respeitada. E se não aspira é um sem-vergonha. Um homem que quer ser tomado como palhaço, como uma pessoa que diz coisas engraçadas, ou então diz coisas bonitas, e enfim, a qualquer título se destaca, mas que não faz questão de ser respeitado – este é um sem-vergonha!
O homem que tem vergonha, ele faz questão de ser respeitado. E, portanto, está naturalmente de sobreaviso para ver se os outros não estão lhe faltando com o respeito. E esse sobreaviso deixa a pessoa de pé atrás com todo mundo, porque qualquer pessoa pode a qualquer momento nos faltar com o respeito. Mesmo entre iguais, mesmo de inferior para superior pode tratar com falta de respeito.
Mas, quando a gente tem inteira certeza que é sempre respeitado, então o coração se abre para o afeto. Aí a gente não tem medo. A gente compreende que, seja como for, encontra ali um amparo, encontra ali uma proteção, encontra ali um apoio. E isto abre ao afeto: a pessoa se sente resgatada do isolamento em que vive, e pode abrir-se como se abre uma flor, ou como se acende uma estrela. Assim a pessoa pode abrir-se.
* Uma relação por motivos mais elevados: gratidão e fidelidade
E podendo abrir-se dessa maneira, a pessoa engaja um tipo de relações baseado em algo de muito alto, que é a gratidão e a fidelidade.
A gratidão consiste nisso: “Eu sei que eu não merecia. Eu estou recebendo mais do que eu, em estrita justiça, teria o direito de receber. Mas, por causa disso eu sou grato. E porque sou grato, tenho vontade de retribuir. E, portanto, também, como eu recebo mais do que deveria receber, eu dou mais do que eu imagino que eu deveria dar. Eu dou até onde for possível àquele a quem me respeita até onde é possível.”
Agora, daí vem uma outra sensação. Um trato assim, eu tenho razão de esperar que, com apoio de Nossa Senhora, essa pessoa assim vai ser sempre fiel ao dever dela. E, portanto, eu também serei sempre fiel a ele. E não o trairei nunca, não o detestarei nunca, não quererei vingar-me nunca, confiarei sempre, porque é uma coisa racional: à vista desse trato, isso é racional. Eu serei o apoio dele; eu serei o braço forte dele; eu serei, em outras palavras, o escudeiro dele; o portador do escudo e do gládio dele. Nas horas de dificuldade, de perigo ou de necessidade eu serei, porque eu encontrei esse trato, encontrei isso tudo voltado para Deus Nosso Senhor, voltado para Nossa Senhora.
* O fundamento deste relacionamento: a consideração do Sangue de Nosso Senhor e das lágrimas de Nossa Senhora, presentes em todo ato humano
Quer dizer, não é uma relação humana, mas a razão pela qual eu fui tratado assim, é em virtude do amor a Nosso Senhor Jesus Cristo.
Eu dei há pouco um fundamento: o amor a Nosso Senhor, ao Sangue d’Ele, às lágrimas de Nossa Senhora, portanto amor a Nossa Senhora, como fundamento desse trato.
Pois bem. Se esse é o fundamento, eu fundando-me no amor a Nosso Senhor Jesus Cristo, no amor a Nossa Senhora, eu também farei o mesmo de minha parte: eu darei a reciprocidade.
Bem, mas vamos dizer que eu me sinta fraco, culpadamente fraco, eu não tenho coragem de dar essa reciprocidade.
Quem não tem coragem de dar essa reciprocidade, tem um modo muito bonito de dar essa reciprocidade: É confiar! Dizer: “Olha, eu não estou retribuindo isso direito. Mas, recebo de vós coisas tais, eu confio que, ainda que não esteja retribuindo direito, Vós me perdoareis e me ajudareis. Estou aqui com a mesma confiança do que se tivesse retribuído!”
Bem, isso dá um fundamento para a estabilidade da alma, para a firmeza da alma, como talvez os senhores não calculem inteiramente. Por quê? Porque os senhores veem a maior parte das pessoas aí hoje em dia nervosas.
* O mundo moderno, com tantos desequilibrados e bandidos, é assim por falta desse afeto, dessa confiança, dessa reciprocidade
Assim o número de gagás também vai crescendo indefinidamente.
Por que tanto facínora, por que tanto gagá?
Os senhores analisem um pouco isso. A razão é simples. É que não tendo um trato como eu falei, a pessoa começa a sofrer as pressões da vida: confiava nesse… [e recebe] traição, logo depois de ter tido uma dedicação. Acaba não confiando em ninguém! Acaba ficando no estado que fica de pé atrás com todo mundo. Isso não pode deixar de produzir uma tensão nervosa. Porque o homem não foi criado para um inferno desses. Ele foi criado para uma situação bem diversa. E por causa disso, a tensão que daí decorre tem que produzir sentimentos de raiva e de vingança em relação a todo mundo.
Os senhores conhecerão gente que mais ou menos é assim: tem birra de todo mundo, tem raiva de todo mundo, estão de faca na mão – no sentido figurativo da palavra –, faca na mão em cima de todo mundo.
Bem, nas horas da solidão a tristeza, e até os soluços. Porque queria uma coisa diferente: Não tem!
Então, o desatino, não sabe para onde vai, não sabe o que deve querer. Habitua-se a passar rasteira nos outros, a prejudicar os outros, a tirar o corpo quando os outros precisam etc. Porque como todo mundo faz isso com ele, ele se julga no direito de fazer isso com todo mundo. É o espírito do paganismo! É o espírito de hoje!
* O espírito do Fundador da TFP é diferente
E dentro da TFP o espírito é completamente diferente. Deve ser o espírito do Fundador…
Os Senhores imaginem – Deus me livre que isso aconteça algum dia – que de repente percebessem que eu tratei um dos senhores muito bem, mas que por detrás eu peguei uma… Os senhores já imaginaram o desengonçamento que isso produziria no espírito? Quer dizer, podia produzir uma crise, podia ser até onde! Por quê? Porque essa estabilidade é a nossa defesa.
Então, eu falei do respeito; eu acabo de falar do afeto. O afeto e o respeito supõem uma coisa mais alta. Ninguém anda bem nessa via se não for sério.
Uma pessoa que quer estar sempre brincando, e quer ser sempre engraçada, ou que quer ser de vez em quando engraçada, essa pessoa não se mantém nessa via.
Primeiro, por megalice. Adora que se ria e ache engraçado o que ela diz. O ser engraçado hoje confere um verdadeiro primeiro prêmio, porque as pessoas escapam desse inferno, rindo. Pensam que escapam; se atolam cada vez mais. Mas quando a gente é engraçado, a gente vai para frente. Quando não é, é meio deixado de lado. É assim hoje em dia.
A pessoa então começa a fazer palhaçada, para encontrar um lugar na vida, onde aparecer, onde ser qualquer coisa. Mas, levando as coisas assim, não é capaz de ver tão fundo as coisas, nem quer ver tão fundo, nem quer ter tantos princípios, nem quer ter nada disso, porque precisa rir, rir, rir, até arrebentar de tanto rir.
* No que o Fundador da TFP diz e faz encontra-se seriedade
Bem, nosso espírito é diverso. Os senhores encontram seriedade em tudo quanto o Fundador faz, sendo que o mundo quer apresentar o espírito de seriedade como um espírito cheio de tédio, cheio de sensaboria. E é possível, eu gosto de imaginar que no contato com o Fundador encontrem algum entretenimento, encontrem alguma coisa que dê gáudio à alma, mas que não é a gargalhada, não é a brincadeira, não é a pirueta: é a seriedade.
Eu dei assim alguns traços de um espírito.
Na medida em que ela não assume esse espírito, ela não vai sendo um, vai ser cada vez mais diferente. E ela está praticamente fazendo uma infidelidade. Porque ela está querendo ter espírito de fulano, lembrar-se do tempo em que vivia no mundo, em que então se sentia tão coisa assim, ou se queria tal coisa assim, a gente quer ter aquilo, quer sentir daquele jeito. Infidelidade! E a infidelidade vai produzindo o desajuste, o destempero.
* Exemplo da seriedade de Nossa Senhora na Anunciação do Anjo
Um tracinho só da seriedade de Nossa Senhora, que passa assim no Evangelho, e as pessoas não pensam nisso, porque não têm seriedade, exatamente. É na Anunciação.
Nossa Senhora estava rezando – a narração é tão simples, tão fácil de entender –, Nossa Senhora estava rezando, apareceu para Ela o Arcanjo São Gabriel, e diz: “Ave Maria, cheia de graça, o Senhor é convosco”.
Bem, Ela se perturbou, porque perguntava o que é que seria essa saudação. Quer dizer, não se deixou deslumbrar pelo Arcanjo. Ela quis saber qual era a razão de ser daquilo, qual era o sentido daquilo. Para Ela depois tomar a atitude que deveria tomar. Os senhores estão vendo a seriedade, numa ocasião em que a pessoa facilmente perderia a distância psíquica!
* Imaginemos como seria se São Gabriel aparecesse para alguém sem seriedade…
Os Senhores imaginem um anjo que aparecesse para um de nós, e dissesse: “Tu és cheio de graça! Ave fulano, tu és cheio de graça; bendito tu és entre os homens…” – “Ahhhh! Afinal encontrei quem me interprete bem! É exatamente o que eu penso, há muito tempo”!
Desaparece a visão… e entra outro! Não é verdade?
Seriedade! Exemplo de Nossa Senhora.
Bom, afeto: nem tem palavras! Todas as manifestações de afeto de Nossa Senhora para o Menino Jesus, para São José, para todas as pessoas na vida, na história da Igreja. Nem tem palavras!
Respeito: a cada um de nós Nossa Senhora trata com um respeito indizível! Mais ou menos como uma mãe carinhosa carrega sua criancinha. Não carrega como carrega um bonequinho. Carrega como quem carrega aquele que Deus lhe deu para fazer nascer ali um santo!
Bem, isto tudo é que forma esta união, que forma uma tal plenitude de grupo, uma tal plenitude de organização, que sopra sobre o mundo com um tufão ao qual os demônios não resistem!
Muita gente fala de rádio católica, de televisão católica, de cinema católico, de imprensa católica… Bom, na realidade, se tivesse espírito católico, e a batalha estava ganha!
Não sei, meus filhos, se está bem claro isso? E nisso estamos. Então, vamos encerrar.
[Orações finais]