“Catolicismo” n° 189, setembro de 1966
Por motivo do êxito alcançado por seu abaixo-assinado contra o divórcio, que em cinqüenta dias atingiu um milhão de assinaturas – total nunca atingido por nenhum abaixo-assinado em toda a história do Brasil – o Conselho Nacional da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade promoveu imponentes comemorações em São Paulo.
No dia 12 de agosto, 6ª feira, teve lugar no centro da cidade [de São Paulo] uma passeata de duzentos sócios e militantes, que arvoravam 27 estandartes da entidade. Tendo à frente o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira e os demais membros do Conselho Nacional, o cortejo, formado em fileiras de cinco, saiu às 16 h das escadarias do Teatro Municipal, seguindo pelo Viaduto do Chá até a Praça do Patriarca.
Neste último logradouro, na calçada do Edifício Barão de Iguape – que ficou reservada para a TFP juntamente com o leito da rua fronteira – foi cantado o Hino Nacional.
Em seguida os participantes da passeata embarcaram em vinte automóveis e dois ônibus, precedidos por batedores da polícia com as sereias ligadas, e dirigiram-se ao Monumento do Ipiranga, para depositar junto ao berço da nacionalidade os estandartes desfraldados durante a gloriosa campanha antidivorcista.
No histórico local o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira encerrou o ato com um discurso alusivo.
Antes da passeata, os jovens propagandistas da TFP haviam estado colhendo assinaturas, no Viaduto do Chá, para o apelo em prol da família brasileira.
Através de alto-falantes e megafones eles repetiam com entusiasmo: “Num mês e vinte dias um milhão disse não. O divórcio é a dissolução da família e da Nação!” “Um milhão! um milhão! Tradição, Família e Propriedade fez um abaixo-assinado e o povo disse não! Um milhão!” E advertiam: “A Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade previne que continuará em sua campanha contra o divórcio até se afastar inteiramente do País o perigo da dissolução da família!”
Súplica à Rainha do Brasil
No domingo, dia 14, novo cortejo de vinte automóveis e dois ônibus, precedidos por batedores, conduziu o Conselho Nacional, sócios e militantes da TFP, desde a sede do Conselho, à Rua Pará, n° 50, até o Museu do Ipiranga. Depois de erguer os estandartes da entidade nas três sacadas nobres do edifício, trezentos sócios e militantes da Tradição, Família e Propriedade, em fileiras bem ordenadas, tendo à frente 27 estandartes, caminharam até o Monumento que assinala o local em que o Brasil se fez independente.
Ali, no patamar principal, uma mesa coberta de veludo vermelho ostentava um artístico pergaminho com uma prece a Nossa Senhora Aparecida, Rainha do Brasil, que foi solenemente assinada pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira e pelos demais membros do Conselho Nacional.
É o seguinte o texto da oração:
“Ó Senhora Aparecida, Mãe e Rainha Brasil,
“Congregados no histórico local em que alcançou seus foros de independência a nossa Nação, celebramos com entusiasmo o êxito da luta que empreendemos pela estabilidade da família brasileira. “Enche-nos de alegria que, neste mundo cujos fundamentos morais e sociais estão abalados, um milhão de brasileiros – e pela voz deles a imensa maioria de nosso povo – atendendo ao apelo da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, haja dado o raro exemplo de optar pela família digna, fecunda e indissolúvel, contra o divórcio, fonte de deterioração, de esterilidade e de divisão. “Entidade cívica, inteiramente votada ao serviço da Pátria na luta por uma ordem temporal baseada nos princípios do direito natural, não presumimos entretanto que, sem o auxílio do Céu, nossa atuação possa produzir para o bem comum os frutos de honra, de sabedoria e de grandeza a que visa. “E assim, neste local em que o Brasil, logo ao nascer como nação, recebeu de Vós, ó Mãe de Deus, o primeiro sorriso e a primeira bênção, nós Vos apresentamos uma súplica humilde e filial. “Preservai e incrementai, Senhora, a Tradição santa que recebemos de nossos maiores. Mantende pujante o instituto da propriedade, no exercício largo e ufano de sua função social, para a grandeza do homem. Livrai dos totalitarismos o Brasil. E sobretudo, ó Rainha onipotente, o que hoje especialmente Vos pedimos é que jamais o divórcio se implante — explícita ou sorrateiramente — na Pátria brasileira. “São Paulo, junto ao Monumento do Ipiranga, em 14 de agosto de 1966
“O Conselho Nacional da SBDTFP” |
O ato foi encerrado pelo canto do Hino Nacional.
Mais tarde, na sede do Conselho Nacional, todos os participantes da cerimônia apuseram sua assinatura a essa súplica. Nessa oportunidade foi prestada uma homenagem ao Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, que teve a iniciativa da campanha e orientou todo o seu desenvolvimento.
Vídeo histórico do desfile ao Monumento do Ipiranga para a assinatura da Prece a Nossa Senhora Aparecida |
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Acolhida simpática do público
As solenidades realizadas no centro da cidade e no Ipiranga despertaram inequívocas manifestações de acatamento e de simpatia do numeroso público presente em ambos os locais. Na 6ª feira, de prédios próximos, e até relativamente distantes, foram lançados sobre o cortejo os tradicionais papéis picados, e na Praça do Patriarca o povo aplaudiu calorosamente.
Noticias, com clichês, saíram em quase todos os diários da Capital paulista. Três dos canais de televisão filmaram e projetaram aspectos das comemorações.
Festa do milhão em B. Horizonte
Também em outras cidades a TFP celebrou o milhão de assinaturas contra o divórcio, através de solenidades promovidas pelas Seções e Subseções locais.
Em Belo Horizonte, sede da pujante Seção de Minas Gerais, a comemoração teve lugar no dia 5 de agosto. Depois de um desfile de automóveis pelo centro da cidade, o Diretório Seccional, sócios e militantes da Tradição, Família e Propriedade, com os seus estandartes rubros, concentraram-se na escadaria próxima à Igreja de São José, num dos pontos mais centrais da Capital mineira. Além de centenas de populares, notava-se a presença do Sr. Sebastião Navarro Vieira, Secretário de Estado da Ação Social, e da Sra. Dora Brant, representante do Prefeito Municipal. A cerimônia teve início com o Hino Nacional, cantado por todos os presentes, seguindo-se a leitura de um relatório da campanha antidivorcista da TFP em todo o País. O Sr. Antônio Rodrigues Ferreira, Presidente da Seção de Minas da entidade, congratulou-se com o povo brasileiro, e especialmente com o povo belo-horizontino, pelo apoio maciço dado à campanha. Por fim o Sr. Sebastião Navarro Viera apresentou parabéns a Sociedade pela brilhante vitória alcançada na defesa da família, contribuindo assim para deter a investida comunista no Brasil.
Campanha continuará; se necessário, redobrará de intensidade
A propósito das comemorações com que a TFP assinalou o milhão de assinaturas contra o divórcio, o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira concedeu entrevista à imprensa, respondendo às perguntas da reportagem:
Qual foi a reação do público aos festejos? A atitude do povo exprimia um acatamento, uma simpatia, altamente alentadores. Recebemos mesmo manifestações de solidariedade com que não contávamos. Assim, lembro a quantidade de papel picado atirada de prédios, não só próximos, como distantes do cortejo, e os aplausos do povo na Praça do Patriarca.
E por que foi no Monumento do Ipiranga a prece da TFP? Ali nasceu o Brasil, e como estamos certos de que, logo ao nascer, recebeu ele o primeiro sorriso e a primeira bênção de Nossa Senhora, sua celestial Patrona, pareceu-nos que, para assinar esta súplica sobre matéria em que está em jogo o destino da nacionalidade, nenhum local seria melhor do que o local em que esta nasceu.
Não poderia alguém dizer que uma súplica não é ato próprio para uma sociedade cívica? Compreendo que essa objeção fosse feita por algum macróbio, signatário de nossa Constituição ferrenhamente laicista de 1891. Hoje em dia, quando o Estado brasileiro, apesar de leigo e separado da Igreja, abre sua Constituição com palavras que têm o valor de uma prece, não vejo que ainda se possa achar que uma sociedade estritamente cívica não deva pedir o auxílio de Maria Santíssima, Medianeira de todas as graças, para o êxito de suas nobres e justas atividades.
Que importância especial vê a TFP em ter conseguido o milhão de assinaturas? É muito grato para a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, entidade nova, ter realizado em apenas cinqüenta dias o maior abaixo-assinado de nossa história. Esta razão, entretanto, não é a principal. Alegra-nos sobretudo, haver posto em evidência, com esse abaixo-assinado, os sentimentos profundamente antidivorcistas da nossa população.
Mas o Brasil tem 80 milhões de habitantes. Será tão significativo assim ter a opinião de um milhão? Antes de tudo, cumpre lembrar que um abaixo-assinado como este equivale a um imenso comício por escrito. Em outros termos, não há diferença entre o fato de as pessoas comparecerem a uma praça para participar de um comício, ou subscreverem um abaixo-assinado. Ora, quando um comício toma proporções gigantescas, todos admitem que ele representa a opinião não só dos que dele participam, como de uma corrente ainda muito maior. Pois, das pessoas que pensam de um determinado modo, é em geral uma minoria que se pronuncia ou participa de comícios. Foi com base nesta ponderação – como já lembrei em outra oportunidade – que se admitiu, a justo titulo, que a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, da qual participaram 5OO mil pessoas, representou a imensa maioria dos paulistanos, que somam 5 milhões.
Quantos coletores de assinaturas mobilizou a TFP? Nas cidades em que atuamos, dispusemos de um total de cerca de 450 coletores, entre estudantes, comerciários e operários. Faço notar de passagem que todos esses jovens trabalharam desinteressadamente, isto é, sem receber qualquer remuneração. Como é natural, tinham que atender em alguma medida às suas obrigações profissionais e a seus estudos. Assim, nunca atuaram eles todos, simultaneamente. Isto importa em que todas as coisas se passaram como se o número de coletores fosse efetivamente bem menor. Por todas essas razões, éramos obrigados a localizar nossa campanha, em cada cidade, em um ponto de grande movimento, como, em São Paulo, a Praça do Patriarca, o Viaduto do Chá e a Rua Barão de Itapetininga. Por vezes nossos coletores iam a locais em que se reúne considerável público. Por exemplo, aos domingos, postavam-se a certa distância das igrejas, a fim de recolher as assinaturas dos que entravam ou saíam. Por mais eficiente que tudo isto tenha sido, nossos coletores só podiam tomar contato com uma minoria da população de cada cidade grande ou média. O número de um milhão foi, pois, à vista destes dados, muitíssimo significativo.
O argumento numérico, de si, não vale pouco? Não seria preciso considerar o calor das opiniões, bem como o grau de cultura dos que opinavam? O argumento do número tem indiscutível peso nos regimes políticos atuais, em que tudo se decide segundo a quantidade de votos, e a maioria numérica do eleitorado tem o poder de dirigir o Estado. Entretanto, nossos coletores nos informam que a acolhida do abaixo-assinado foi excelente em todas as classes sociais. É sabido que numerosas figuras da mais alta projeção nos círculos intelectuais e políticos, no Clero, nas Forças Armadas e na sociedade apoiaram nosso apelo em prol da família brasileira. Estamos reunindo as listas de todo o Brasil e, se houver vagar para isto, desejamos estudar a sua composição social. Desde já, porém, posso dizer que impressionou por toda parte o calor com que os antidivorcistas corresponderam ao apelo da TFP. Nos arraiais divorcistas chegou-se até a falar, pejorativamente, em “histeria antidivorcista”.
E que pretende a TFP fazer com as listas de assinaturas? Em principio, deveriam ser entregues ao Sr. Presidente da República e às altas Autoridades Eclesiásticas. Tendo sido retirado o projeto de Código Civil demolidor da família, e já havendo a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil tomado conhecimento do nosso abaixo-assinado, não há mais razão para que este seja entregue, nem ao ilustre Marechal Castello Branco, nem aos Exmos. Membros da CNBB. Guardamo-lo em nosso poder para o exibir à comissão governamental que eventualmente venha a ser incumbida de estudar um novo projeto de Código Civil, ao Poder Legislativo, ou a outro órgão do Poder Público, de acordo com as necessidades da causa e as vicissitudes da luta antidivorcista.
A coleta de assinaturas prosseguirá, apesar da retirada do projeto de Código Civil impugnado pela Sociedade? Na mensagem em que pediu a retirada do projeto, o Chefe de Estado deixava bem claro que não tinha em mente arquivar o assunto, mas simplesmente submetê-lo a um reexame. A reforma do Código Civil continua, pois, em pauta. E com ela, continua em pauta o problema da indissolubilidade do vínculo conjugal. Depois de atingido o milhão de assinaturas, a coleta, como é natural, se tornará mais lenta, pois nossos bravos coletores estão exaustos. E os afazeres da vida cotidiana, em alguma medida prejudicados pela campanha, solicitam deles tempo integral. Mas, bem entendido, a campanha poderá redobrar de intensidade sempre que se fizer necessário. A Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade pretende participar ativamente dos debates que suscitará o reexame do projeto de Código Civil. A TFP considera que esse impressionante abaixo-assinado é como que uma imensa procuração que lhe confere o direito, e lhe impõe o dever, de atuar largamente no sentido das aspirações enunciadas no cabeçalho do mesmo, em todos os ambientes interessados na reelaboração de nosso direito de família. |