Dedicação entusiasmada mesmo na vida quotidiana aparentemente insignificante – A lição da garça

Hotel Hilton, São Paulo, Conferência de abertura do VII Encontro de Correspondentes Esclarecedores da TFP, 3 de agosto de 1990, sexta-feira

A D V E R T Ê N C I A

O presente texto é adaptação de transcrição de gravação de conferência do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira para Correspondentes e Esclarecedores da TFP, mantendo portanto o estilo verbal, e não foi revisto pelo autor.

Se o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:

“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.

As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá o Prof. Plínio Corrêa de Oliveira em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo“, em abril de 1959.

 

Alteza Imperial e Real,

Reverendíssimos senhores sacerdotes,

Minhas senhoras, meus senhores,

É num dia, verdadeiramente de júbilo e de triunfo, que nós nos encontramos hoje, no momento em que nos estamos preparando para irmos participar da grande passeata, que a TFP promoverá nas ruas de S. Paulo, para proclamar e aclamar o sucesso extraordinário que já obteve, nos vinte países onde existem TFPs ou bureaux TFPs a mensagem hipotecando solidariedade ao povo lituano contra a agressão virtual que contra ele está movendo o colosso soviético. [Palmas.]

* Recorde da TFP

A Inglaterra, que é o país dos anuários bem feitos, bem calculados, com probidade, severidade e relativos aos mais variados assuntos, estudando a repercussão e desenvolvimento dos mais variados fatos, em nível mundial, trouxe no anuário Guiness Book de 1989 – famoso por sua precisão – o número exato de assinaturas do abaixo assinado até então mais numeroso que houvera no mundo. Ele terá que registrar no ano que vem – porque vamos comunicar a eles – esse recorde foi batido pela TFP. [Palmas.] Foi batido incontestável, líquida e seguramente, contando apenas com o que entrou até agora, sem falar do que ainda vai entrar, porque nossa campanha ainda vai durar. [Palmas.]

Quanto tempo durará ela? Se o Anuário Guiness fizesse uma estatística dos planos defraudados pela realidade, veria que nossa época é aquela em que mais esses defraudamentos se realizam. Faz-se um plano e os fatos correm noutra direção, e ele vai para o chão. É, portanto, loucura fazer planos. É legítimo e nobre ter esperanças, sobretudo quando elas são baseadas na devoção a Nossa Senhora e no Seu auxílio materno.

Mas, fazer um plano com toda a certeza: isto vai ser feito! é uma imprudência insigne. Nós não a cometeremos. Não sabemos quanto durará esta campanha. Pode ser que os acontecimentos internacionais sejam de tal monta, que ela termine daqui a dez dias. Pode ser que termine daqui a dez meses. Se ela tiver que terminar daqui a dez anos, nós estaremos na estacada! [Palmas.]

* Letônia e Estônia apoiam a Lituânia

Há uma circunstância, entretanto, que augura o bom resultado dessa campanha, que é o fato recente de que dois países, menores ainda do que a Lituânia, deram-lhe sua adesão. A Letônia e Estônia, suas vizinhas, com interesses afins, cujo apoio, no momento atual e nas circunstâncias presentes seria precioso para a Lituânia, não lhe tinham dado esse apoio, ficando em negociações confusas com Gorbatchev, com receio de que este tomasse a dianteira, a esmagasse e esses dois países caíssem debaixo da pata da fera invasora. Então, resolveram não intervir.

Agora, chegou-me ontem à noite um “grafonema” de um amigo informado que mora em Bruxelas – e embora os jornais não o tenham dito ou pelo menos disseram tão pouco que não chegou ao meu conhecimento – anunciando que esses dois pequenos países fizeram uma aliança de vida e de morte com a Lituânia [Palmas.], para lutar com o gigante soviético.

Quando os pequenos, e sobretudo os muito pequenos, se põem de cabeça erguida e desafiam, é sinal certo de que os muito poderosos estão ficando fracos. [Palmas.]

Os muito pequenos foram dotados pela Providência de antenas especiais, para perceber os perigos. A defesa deles não sendo a força, é o jeito, sua capacidade de se apagar, de desaparecer, de afundar e de sair. É a capacidade de evitar o perigo pela fuga. Não é à toa que Deus dotou a lebre com sua capacidade de fugir. Ela é fraca: sua defesa é a fuga. Se a lebre avança, é porque o adversário está muito pouco poderoso.

São duas lebrezinhas que entram no campo de batalha, ao lado da Lituânia. Isso quer dizer, sem dúvida nenhuma, que eles notam, pelos seus radares, que alguma coisa está acontecendo e que mostra que o colosso soviético está vacilando. Vacilando mesmo. E essa vacilação evidentemente significa a esperança de um dia de vitória, que será, talvez, amanhã. Não podemos saber… Será no momento em que Nossa Senhora quiser!

Será no momento, meus caros amigos, em que nós trabalharmos. Nós devemos considerar que essa nossa campanha não é apenas um tiro dado às estrelas, com uma pistolinha qualquer, cuja bala vai cair no chão e certamente não atingirá o seu alvo. Temos provas de que a ação pública da TFP está atingindo os acontecimentos internacionais de grande escala. E que se foi o tempo em que nós bradávamos a plenas vozes, sem saber até onde nosso brado chegaria, na dúvida que ele pudesse cair a poucos metros do lugar onde tínhamos levantado nossa exclamação. Éramos os fracos, éramos os pequenos…

* As épocas remotas da TFP…

Quanto me lembro desse tempo glorioso, que começa nas fímbrias do horizonte que vai embora, começa a parecer até saudoso, mas que nós queríamos de tal maneira ver ultrapassados! Esse horizonte, em que éramos fracos, em que a TFP clamava, certa de que seu clamor chegava até o Coração de Maria. No nível horizontal, porém, não sabíamos até onde iria nosso clamor. Terminavam nossas campanhas, e não ousávamos perguntar-nos: “mas afinal de contas, essa campanha no que deu?”

Deu que nós falamos, bradamos e que Nossa Senhora ouviu nosso brado. O que aconteceu na ordem dos fatos terrenos? Era para se saber… Aos poucos essa etapa foi ultrapassada. Em escala nacional, a nossa voz se ouviu, ela trancou durante muitos anos a Reforma Agrária, ela trancou o divórcio e outras deliberações desastrosas para a civilização cristã em nossa Pátria.

Se bem que os confins do Brasil sejam enormes, é preciso reconhecer que não é o mundo. E nosso zelo pela Causa Católica e pela Civilização Cristã abarca o mundo. É o mundo inteiro que queríamos atingir. E nossa pergunta era: até que ponto nossa voz transpôs os oceanos? Até que ponto ela chegou às vastidões aonde a própria fé católica começa apenas a estabelecer-se de modo mais amplo e seguro? Até que ponto nossa voz chegou?

* A TFP de nossos dias

Mas já, agora, podemos dar-nos conta, por documentos expressivos, que os potentados da Terra sentem que têm que tomam em consideração a voz da TFP.

Antes de começar esta campanha, fizemos outra. Ela foi feita, notadamente, nos Estados Unidos, e teve como resposta, em nome do próprio Presidente Bush, uma carta escrita e assinada pelo Encarregado dos Assuntos Soviéticos do Departamento de Estado dos Estados Unidos, ou seja, de seu Ministério do Exterior. Escrevia ele em nome do Presidente da República norte-americana – o maior potentado da Terra – declarando-nos sua argumentação pela qual não estava de acordo conosco. Era uma discussão, um diálogo… Até lá nossa voz tinha chegado. [Palmas.]

Esse documento foi publicado entre nós, mas não na mídia que anda por aí, porque ela só encontra espaço para falar de nós, quando ela entra com a água suja da difamação e da calúnia. Fora disso, ela não fala de nós. Esse documento é bom que seja ouvido aqui mais uma vez.

Eu peço, portanto, ao encarregado dessa leitura que venha fazê-la.

Eu anunciei com tanta ênfase e tanta alegria a leitura desse documento, os senhores viram bem o dedo hábil tapar este microfonezinho aqui, para dizer uma coisa para não ser ouvida, mas Nosso Senhor manda dizer que por cima dos tetos o que foi dito no ouvido. E eu portanto falo aqui rasgadamente: acontece que, num desses quiproquós muito brasileiros, o documento não está aqui…

Não está aqui também um outro documento, congênere desse, que é a carta do Ministro do Exterior da Lituânia, dirigida ao Sr. Juan Miguel Montes, Diretor de nosso bureau em Roma, agradecendo, em nome do Presidente da Lituânia, os abaixo-assinados e o grande auxílio que eles representam para sua ação.

Não pode deixar de ser isso. Não é uma mera forma de amabilidade diplomática. Os fatos provam o seguinte: o número de firmas que temos em nosso abaixo-assinado, colhidas em nível internacional, é a maior do que a população da Lituânia … [Palmas.]

Quer dizer, há uma Lituânia esparsa, que não é constituída principalmente de lituanos – e muito menos só de lituanos – mas daqueles que vibram do lado da Lituânia, porque ela é o direito espezinhado, a fraqueza desrespeitada, é, sobretudo, uma nação com população católica, que tem que e deve sair de debaixo do guante do opressor. Por causa disso, a TFP suscitou vozes que dizem ao colosso comunista: “Não! Não! E não!” [Palmas.]

* O dia da passeata

Terá sido, mais do que uma coincidência, uma disposição providencial altamente favorável que, no meio dos dias de bruma e de frio intenso que tem havido em S. Paulo, se abre este parênteses de luz e de tepidez – de relativa tepidez invernal paulista – para que vós, para que todas as TFPs – sócios, cooperadores e correspondentes do Brasil e de fora, por essas vastidões do mundo  representadas assim – saiam à rua para aclamar sua alegria pelo que estão fazendo, sua solidariedade para com o governo lituano e nações opressas? E, no fundo, “sottovoce” [em voz baixa] – mas que “sottovoce” claro e articulado com força – proclamarem contra o comunismo: “Não!” [Palmas.]

Estou recapitulando assim, em termos muito ligeiros, porque a hora corre e temos que sair logo, as principais motivações que devemos levar a esse desfile.

Este desfile não é, portanto, apenas um passeio. Muito menos ele é um esforço penitencial, para que Nossa Senhora tenha pena da Lituânia e a favoreça nesse caso. Tem um pouco de passeio, porque é agradável o passeio que se faz no meio daqueles que querem ignorar-nos, no meio daqueles que preferiam que nós não existíssemos. Passearemos numa longa e interminável fila, dizendo-lhes: “nós somos, somos muitos e somos fortes! Tomem nota!” [Palmas.]

Há alguma coisinha a mais a fazer. Devemos, nesta horazinha de sol que agora se abre para nós, retirar uma lição que fique para a nossa vida quotidiana.

Este salão enorme está cheio. Tomem em consideração que foi expressamente proibida a vinda dos cooperadores a este salão. Só vieram aqui os que era indispensáveis para a ordenação geral do serviço. Se fôssemos pôr todos eles, seria um tal número que, acho, seria necessário mais um outro salão. Tudo isso vai acontecer na rua, porque eles estão na rua e participarão de nosso desfile. [Palmas.]

* As dificuldades quotidianas de um correspondente

Eu quisera que de tudo isto, que vai redundar em ânimo para nós, ficasse mais do que simplesmente uma impressão agradável, ao longo de um caminho cheio de dificuldades. Quisera que ficasse para nós uma lembrança, um princípio de pensamento e de ação estabelecido em nosso espírito ao longo de um caminho que, como acabo de dizer, os percalços são muitos.

Estou imaginando – uma vez que tenho a alegria de falar aos correspondentes – estou imaginando as dificuldades quotidianas de um cooperador. As dificuldades, com certeza, é esta:

Em primeiro lugar, o pequeno e insuficientemente arejado da vida quotidiana. De tal maneira a família, que certos sociólogos bem orientados chamam família tronco – só um tronco sem galhos: pai, mãe e filhos; e às vezes poucos filhos com relações já distantes com outros ramos da família, que vai se diluindo na morte do senso dos parentescos etc. – vai andando de ponto em ponto, de acordo com as mudanças de emprego do marido ou da senhora; que tem tempo apenas para chegar do trabalho, descansar e conversar um pouco; para trancar a televisão que alguém imprudentemente deixou aberta, e que não deve estar ligada numa casa de família; para ter um pouco de prosa sobre assuntos concretos; e já o sono está batendo à porta, e a ideia de ter que levantar cedo, na manhã seguinte, está exigindo que todos vão dormir.

Como é pequeno esse ambiente! Como há pouca oportunidade, para que dentro dela soprem os grandes ideais. Como o homem e a senhora de compleição intelectual elevada, ainda que não seja um homem erudito, ainda que não seja uma senhora extraordinariamente culta, mas que tem aquela sede do maravilhoso, a sede do grandioso, a sede dos grandes panoramas e das grandes ventanias, dos grandes raios de luz, como devem sentir-se acanhados e amarfanhados dentro dessa vidinha de todos os dias.

Quantos não vão correndo para a televisão, porque não têm nenhum recurso para arejar um pouco a vida de família. Então, suprem essa falta de ar, abrindo a janela dos ventos pestilenciais: a televisão que entra. Há uma necessidade de ar, de amplitude, que é prejudicada pelo estilo de vida da família moderna e da cidade moderna.

Se a pessoa não mora na grande cidade, mora na pequena. Esta tem seus abafamentos como os daquela. É a cidade pequena, onde as pessoas se conhecem, se cumprimentam, têm as suas rivalidades – as rivalidades das micro cidades são horríveis, porque vêm da fricção contínua de pessoas que preferiam não se ver; nas grandes cidades, ao menos se foge dos que não queremos ver; na pequena cidade, abre-se a janela, e está debruçada aquela cara, que não se quer ver, olhando – as pessoas se encontram mais e formam-se mais amizades, mas também o fel das inimizades cresce; a vidinha de todos os dias banal e insípida…

É domingo à tarde numa cidade pequena, não está acontecendo nada… Ao longe, ouve-se um cachorro ladrar, e até já se conhece o seu latido: é o cachorro do Zé Fulano que está ladrando… “Ele é muito um relaxado, devia ter posto uma focinheira, e não coloca. Amanhã, quando passar perto da casa dele, vou-lhe dizer”… Está formada uma inimizade de vida e morte contra o Zé-Fulano. Ou, então, é o neto de Dª. Fulana, que já nasceu com uma voz de estertor e que está chorando lá longe…

Tudo isto constitui o amarfanhado pequeno da cidade. Há uma falta de ar que torna a vida de hoje em dia extraordinariamente abafada. A razão profunda de tal fato não é porque a cidade pequena, nem mesmo porque ela é grande, mas porque a fé é pequena. Onde a fé é fraca e a sua luz é pequena, tudo é abafado, e tudo acaba sendo insuportável.

Neste ambiente, é que um correspondente esclarecedor, com a alma cheia de fé deve atuar. Deve atuar na vida de família, mas depois também como correspondente esclarecedor.

Então, vem o trabalho especial e meritório que ele deve fazer. Ele ou ela conhece um colega, que viu uma vez comentar uma notícia num sentido parecido com o do “Catolicismo”. Viu um outro ou uma outra rezar numa igreja, durante o dia, com uma piedade especial. Deu-lhe esperança de encontrar uma certa ressonância junto àquela outra alma. Viu mais uma outra pessoa que não sabe quem é, mas que costuma passar em frente de sua casa, e que achou de bom jeito.

O apóstolo fica esperando na janela para o ver passar, a fim de cumprimentá-lo, a ver se trava uma relação, com o fim de tomar um contato apostólico. Uma vez este feito, começa a conversa jeitosa, à procura de ver se a pessoa tem embocadura própria para os assuntos da TFP. Se tem, dá-se a abordagem efetiva. São as esperanças que nascem, a conversa que se desenvolve, as afinidades que se fazem sentir. Mas também as dissonâncias… Este ponto tem que ser intensificado nele ou nela. Naquele outro assunto, tenho que ajudá-lo a superar ou a revogar ou a mudar. O que direi? O que farei?

No fim de um ano inteiro de esforço, conseguimos atrair uma pessoa para a TFP. Será na cidadinha de Minusculópolis ou será na imensa Megalópolis, onde um é tão pouco. O que representou esse trabalho a favor deste um? Em quantas misérias pessoais que nosso olhar teve que mergulhar, para compreender o que é preciso fazer, que jeito dar? Quantas vezes houve que recuar? Quantas vezes contemporizou, para voltar à carga? Que longo trabalho é esse do zelo apostólico em torno de uma alma, a quem se quer salvar e da qual quer fazer um elemento positivo de adesão e ação para a TFP? Quantas coisas pequeninas entram nisso?

* O apostolado de Nosso Senhor

Entretanto, é preciso cuidar delas, porque sem isso, o apostolado do correspondente ou do esclarecedor simplesmente não vai para a frente!

Vemo-lo no Santo Evangelho, no apostolado de Nosso Senhor com os judeus de seu tempo e, especialmente, com os Apóstolos que Ele escolheu. Quantos passos para a frente e quantos para trás desses Apóstolos? Quanto  nós vemos na linguagem do Divino Mestre acomodações para os seus estados de espírito, para seus jeitos…

Também, às vezes, lances muito decisivos, como aquele em que Ele falou dos que não queriam acreditar e comer a Sua Carne e beber seu Sangue, e não teriam parte com Ele. Rejeições, outras vezes, sabiamente bruscas, mas sublimes. Contemporizações suaves e jeitosas como murmúrios de regatos… Ou, então, estalos de voz tonitruantes como um trovão.

“Christianus alter Christus” [o cristão é um outro Cristo]… Se os senhores quiserem – o próprio número dos que estão prova que querem, porque foram uns que foram trazendo outros e outros – tudo isso conduz a uma multiplicação muito grande dos correspondentes-esclarecedores. Quanto custou!

Quando se faz aquele esforço, naquele dia, como nos parece grande como esforço e pequenino como resultado. E como nos desanima ou pelo menos nos sentimos tentados a desanimar à vista da desproporção: um trabalho enorme, para conseguir um tijolinho assim (pequeno) na edificação da TFP. Que batalha! Terá valido a pena? Se a minha vida se passar fazendo isto, quando morrer, o que terei nas minhas mãos? Valeu, efetivamente, a pena?

* A TFP abala o mundo

Os senhores terão uma prova agora, olhando para a imensa série de pessoas que vão constituir o nosso desfile. Foi um trabalho assim que fez tudo isso. Foi um trabalho assim que permitiu que se organizasse em vinte nações um abaixo-assinado que é o maior do mundo, como nenhuma grande potência de opinião pública conseguiu realizar.

Este trabalho agora voa no ar internacional, e abala os acontecimentos: põe o Gorbatchev vacilando no seu poder, porque a Lituânia não quis e porque Letônia e Estônia vieram em seu encontro também. […]

Para animar-vos haveria alguma figura com que eu, sinteticamente, pudesse exprimir tudo quanto deve entrar em nossas almas, quando estamos assediados pela ideia – falsa como estão vendo – da pequenez e da aparente vacuidade do que estamos fazendo? Haveria alguma coisa?

* A garça

Lembro-me que há um bicho que sempre me encantou e, ao mesmo tempo, me deixou meio desconcertado: a garça. Sempre senti muita atenção pela garça. Em primeiro lugar, por causa daquela cor branca nívea, que me agradava muito. Depois, aquela construção, se assim se pode dizer, da garça, pela qual ela tem aquele pelote branco, de onde sai um pescoço tão delicado e elegantemente torneado, com uma cabecinha suficiente para ter olhos e narinas e um bico muito grande, dando a impressão de um símbolo da capacidade de captar, de prever e agir à distância… E tudo sobre duas perninhas muito fininhas, que parecem ser de ar.

À primeira vista têm-se a impressão de que flutua no ar, e que a garça não está pisando em nada. Só se percebe que ela se move numa ocasião, quando num passo elegante, com aquelas pernas compridas, abre a pata de palmípede e marcha… É uma elegância no ir para a frente, com distinção, um império: ela manda com tanta finura e autoridade no minúsculo território onde ela é rainha que dá gosto, a quem aprecia o princípio da autoridade, dá gosto ver a garça mover-se.

Na realidade, ao observar-se bem, vê-se o que ela está fazendo. Se ela fosse capaz de pensar, ela faria um raciocínio assim:

“Que vida eu levo… Tenho pernas tão frágeis que qualquer coisa me quebra. Tenho que andar com tanto cuidado. Sou feita para andar no meio dos pântanos e para encontrar minha comida nos vermos que todo o mundo reputa sujeira. Eu sou, eu, na minha brancura nívea, uma coletora de insetos que repugna a todo o mundo e dos quais tenho que fazer a minha delícia. Meu bico tão comprido, tão seletivo, tão exigente, é um captador de coisinhas, vermículos e porcarias, que todo o mundo rejeitaria… Que vida eu levo!”

A garça poderia pensar que ela está condenada ao império dos pantanais e aos banquetes dos insetos tão duvidosos e repugnantes. Como ela deveria achar triste a sua vida.

Em determinado momento, algum instinto se move nela, abre suas asas e voa – psssss! Adeus, pântanos! Adeus insetos, ela também tem o ar. Além de tudo, ela tem as vastidões, o sol que bate nas suas asas e a torna rutilante como se ela fosse feita de neve, as suas pernas parecem filamentos que prolongam elegantemente suas estatura. Ela corta o ar com um voo muito mais elegante do que a elegância de seus passos. A garça vive os seus grandes dias.

Assim são também certos movimentos de idéias. Obrigado a fazer na vida de todos os dias a coleta do indivíduo, que diante desta grande perspectiva é quase um inseto. É o pantanal das indecisões e incompreensões que é preciso viver. Mas, a Providência dá horas em que a garça voa, em que o homem de ideal voa também. São as consolações celestes, as recompensas e as horas em que a TFP, por exemplo, pode abrir largamente as suas asas, diante de todo o mundo e brilhar… [Palmas.] refletindo na sua alvura e na pureza de seus ideais, no rigor de sua ortodoxia, no entusiasmo de sua dedicação, sem intuito de remuneração nem recompensa terrena – refletindo nessa alvura a santidade do próprio Deus, como a garça reflete o brilho do próprio sol. É a luz que voa e que se espalha, longamente, na trajetória gloriosa da garça.

* A passeata da TFP: o voo da garça

Nós, agora, vamos fazer pelas ruas de São Paulo, o voo da garça. [Palmas.] Compreendamos que se esse voo foi possível, foi porque muitos, muitos e muitos andaram pelo pantanal da vida quotidiana catando insetos. E, com isso, se alcançou esse mundo de gente. Se estes fizerem ainda mais do que fizeram os anteriores, nós seremos, em breve, uma multidão.

Neste século, onde não se sabe reconhecer as qualidades, mas onde as quantidades se impõem, saibamos impormo-nos a ele: ponhamos a quantidade a serviço da qualidade; a quantidade e a qualidade a serviço de Nossa Senhora, e o Reino de Maria terá chegado mais próximo de nós! [Palmas.]

Por Maria!

Nota: Para conhecer os desenvolvimentos e as consequências concretas que essa campanha das TFPs em favor da independência da Lituânia ocasionou na União Soviética, clique aqui.

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