Auditório São Miguel, 14 de novembro de 1980, Santo do Dia
A D V E R T Ê N C I A
Gravação de conferência do Prof. Plinio com sócios e cooperadores da TFP, não tendo sido revista pelo autor.
Se Plinio Corrêa de Oliveira estivesse entre nós, certamente pediria que se colocasse explícita menção a sua filial disposição de retificar qualquer discrepância em relação ao Magistério da Igreja. É o que fazemos aqui constar, com suas próprias palavras, como homenagem a tão belo e constante estado de espírito:
“Católico apostólico romano, o autor deste texto se submete com filial ardor ao ensinamento tradicional da Santa Igreja. Se, no entanto, por lapso, algo nele ocorra que não esteja conforme àquele ensinamento, desde já e categoricamente o rejeita”.
As palavras “Revolução” e “Contra-Revolução”, são aqui empregadas no sentido que lhes dá Dr. Plinio em seu livro “Revolução e Contra-Revolução“, cuja primeira edição foi publicada no Nº 100 de “Catolicismo”, em abril de 1959.
Isso aqui é – os srs. se lembram na Sede do Reino de Maria, naquele mostruário de vidro que há na capela, a capa que pertenceu ao Cardeal Rafael Merry Del Val, Secretário de Estado de São Pio X. Há, no que corresponde ao chão desse mostruário, um sapato de bispo muito bem adornado etc., vestido por um bem-aventurado colombiano.
Era um homem famoso por seu antiliberalismo – daqui a pouco Sr. Martim Viano dará indicações sobre ele. Mandaram-me um quadro, que me disse Sr. Martim Viano, que é pintado sobre a chapa fotográfica dele. E a fisionomia me agrada muito.
O quadro tem um pouco, a gente vê que quem pintou tentou romantizar um pouco o quadro, mas a expressão de fisionomia é digna, forte, nobre, dentro de uma grande serenidade. E a gente vê uma determinação e uma resolução que não precisa de fogachos para se afirmar. Ele é calmo, tranquilo, mas o que ele resolveu, resolveu.
O senhor aproxime um pouquinho para verem melhor.
Me parece uma fisionomia que a seu modo pode emular, pode ser colocada à altura da fisionomia de Dom Vital Maria Gonçalves de Oliveira, o bispo de Recife no tempo do Império. Com a diferença que este é espanhol. A gente olhando algo no rosto, na fisionomia, dá essa ideia. O D. Vital é tipicamente brasileiro, inclusive, com a forma de vivacidade no olhar que é o estilo de vivacidade brasileira.
A fisionomia me agradou tanto que eu passei boa parte do jantar fixando a fisionomia, de tal maneira ele me agrada e me entusiasma.
Agora, o Sr. Martim Viano poderá dar aos srs. alguns dados biográficos desse bispo. Bispo de Pasto na Colômbia que, provavelmente, é um bem-aventurado, em todo caso, digno de toda a nossa admiração e nosso respeito. Também para pedirem graças a ele.
Conte alguma coisa sobre ele. Mandei vir, aliás, uma biografia dele.
(Sr. Martin Viano: – Para dar assim apenas dado mais saliente sobre ele, que mais chama a atenção, é que ele combateu muito o liberalismo que tanto na Colômbia quanto no Equador nessa época estava atacando fortemente a Igreja, expropriando os bens da Igreja, perseguindo o clero etc.
(Ele levou a luta dele contra o liberalismo ao ponto de escrever pastorais em que ele chamava aos católicos a levantarem-se em armas contra o liberalismo, inclusive, citando-lhes o exemplo dos Macabeus de que “mais vale morrer do que viver numa terra devastada e sem honra”.
(De fato, a pregação dele deu calor aos católicos especialmente na luta em uma guerra que houve na Colômbia, que foi a guerra dos mil dias. Uma guerra entre exércitos católicos e exércitos liberais que se desenrolou ao largo de 3 anos.)
Em que época do século passado foi isso?
(Sr. Martin Viano: – Quase a começo do século XX)
Quase no começo do século?
(Sr. Martin Viano: – Sim. Foi 1890 e tanto)
Então aqui vem um apelo a mais aos nosso colombianos, pedir ao Sr. Alfredo, é mandar uma história dessa guerra. E, bem entendido, os srs., nenhum de nós, ouviu isso estudando História Universal, História da América. Isso não existe. Como – com toda certeza – os colombianos nunca ouviram falar da luta de Guararapes, da luta dos católicos pernambucanos contra os holandeses… nada! Essas coisas “não existiram”, não é?…
(E depois outro traço da firmeza dele foi que ele lançou uma excomunhão contra todos pais de família que enviassem os seus filhos a um colégio cujo diretor fosse uma pessoa de doutrinas liberais.)
Excomunhão hein!
(Sr. Martin Viano: – Então este homem se transladou ao Equador e de outro lado da fronteira – porque ele foi bispo da cidade de Pasto donde está o santuário de Nossa Senhora de Las Lajas, que entre parênteses, foi um grande promotor da construção do atual santuário de Nossa Senhora de Las Lajas, um grande devoto dela.
(Então este homem se transladou do outro lado da fronteira e com a anuência do bispo equatoriano, que era de ideologia liberal, começou a funcionar uma escola. E alguns pais colombianos mandaram seus filhos ao colégio do Equador. Ele renovou a excomunhão e então o bispo equatoriano se queixou junto a Santa Sé, e a Sagrada Congregação dos bispos desautorizou o beato Ezequiel Moreno Dias.
(Então ele foi até Europa, que nessa época eram vários meses viagem, fez rever todos os documentos no Vaticano e obteve que Leão XIII suspendesse a condenação que havia tido)
Sim srs., isso é saber lutar hein!
Agora, os srs. notem a analogia com D. Vital que também foi desautorado por uma carta de Pio IX, inspirada pelo cardeal Antotelli naturalmente, foi a Roma e obteve o julgamento do caso dele e a afirmação de Pio IX de que ele tinha andado bem. Quer dizer, a intriga tinha subido até dentro do Vaticano.
(pergunta inaudível)
Posso e faço de bom grado. Aqui entram os imponderáveis de uma análise dessa natureza. Em última linha, nós estamos na presença de um religioso que presumivelmente – eu pensei, à primeira vista, que ele fosse Capuchinho por causa da barba, mas me fizeram ver que ele estava vestido de preto e tem um capuz. E, tanto quanto conheçamos, a única Ordem religiosa que tem hábito preto e usa capuz são os Agostinianos. Não posso afirmar, mas tanto quanto conheçamos é isto.
De maneira que se pode admitir que ele seja da Ordem de Santo Agostinho.
Ele está, os srs. notam o solidéu roxo que é próprio do bispo, notam a cruz peitoral, ele usa uma correia com uma fivela – o que ainda aumenta a impressão de que se trata de agostiniano, porque os agostinianos usam essa correia que aliás, diga-se entre parênteses, é muito interessante. Me disseram que é uma reminiscência da correia, da cintura que Nossa Senhora levava consigo e que Ela atirou a São Tomé quando Ela foi subindo ao Céu.
Os srs. sabem que São Tomé foi o único Apóstolo que não assistiu a morte e ressurreição de Nossa Senhora. No que se poderia ver uma severidade por causa daquela dúvida dele a respeito da ressurreição de Nosso Senhor e o que Nosso Senhor disse a ele: “Tomé, tu creste porque viste; bem-aventurados que não viram mas creram”.
É uma censura, não é? Santo Agostinho diz sobre essa censura uma coisa extraordinária: que a fé de milhões de homens, pelo futuro, pendeu do dedo de São Tomé. Porque como há muita gente com a mentalidade que São Tomé tinha antes do milagre – ele depois naturalmente mudou – essas pessoas se sentem tranquilizadas com a narração de que alguém pegou e viu.
Aí mais uma vez entram os desígnios ocultos, misteriosos e superiores da Providência. Em última análise, São Tomé teve um momento de dúvida ali, mas a Providência desta dúvida tirou uma vantagem tão grande que a gente se pergunta – ela não pode ter produzido a dúvida – mas como é que Ela se teria arranjado para produzir esse efeito se São Tomé não tivesse duvidado… Tal é a complexidade dos fatos considerados do ponto de vista da Providência.
Ele chegou atrasado e chegou quando Nossa Senhora ia subindo. E ele ficou naquele encantamento por ver Nossa Senhora, e naturalmente rezando. Ela sorriu, desprendeu de Si a cintura e atirou para ele.
O que mais uma vez entram nisso os tais desígnios da Providência. O único Apóstolo que não esteve presente foi ele; do que conste, o único a receber uma lembrança dEla quando já Ela se destacava da vida terrena ia subindo ao Céu, foi ele.
A gente tem vontade de dizer: bem aventurado Tomé!
Ele tem uma fivela, um cinto – os srs. da distância perceberam o reluzimento da fivela -, nota-se o anel de bispo, o anel pastoral, está com as mãos cruzadas.
Como de uma pessoa assim deduzir todas as impressões que eu vou deduzir agora?
Há um certo feeling, esse feeling supõe um certo senso de observação em que a pessoa pega os últimos pormenores da atitude humana, e os percebe e os comenta, analisa. Aqui está a questão.
Os srs. tomem por exemplo o olhar dele, que a meu ver é o que está um pouco romântico. A gente vê que o olhar dele é um olhar que estava fixando alto no horizonte e a pessoa que coloriu, pôs qualquer coisa de meio sonhador, meio idealista, numa posição de olhos que – parece extravagante eu dizer, mas é -, esta atitude do olhar o romântico não tem. Porque ele está olhando no horizonte uma coisa fixa e o romântico gosta de não olhar nada de fixo, é um olhar melado, que não fixa nada porque fixa sonhos interiores.
Os srs. tomem o rosto, é um rosto inteiramente distendido. Os srs. não notam nesse rosto a menor contração. Mas não é o distendido comum do homem que dorme, mas há alguma coisa nesse distendido que eu não sei dizer o que é que é mas é fisicamente, há alguma coisa nesse distendido que é aquela forma de distensão que os irresolutos não têm. Os irresolutos têm a distensão da moleza, eles parecem carnudos ainda que sejam magros. Aqui ele tem a distensão das grandes resoluções tomadas. Do homem que resolveu tudo e entrou rijo no caminho por onde tinha que entrar. E disse: “Eu vi, eu decidi e eu entrei. Agora vamos para o fim”.
A distensão do rosto é isto, quer dizer: haja o que houver, venha do que vier e custe o que custar, eu resolvi! Aquilo eu faço!
Como pode isso não agradar?
Os srs. dirão: Mas no que é que o senhor nota isto?
Como notaria numa fisionomia viva. O homem tomou uma grande resolução, algo marca essa resolução, algo do rosto, na musculatura é definido e rijo, mas ao mesmo tempo é distendido. Por quê? Porque as dúvidas ficaram para trás e todos os sacrifícios que esse caminho trouxesse consigo, a gente vê que de algum modo ele os mediu, aceitou e pede a Nossa Senhora que o ajude a não recuar.
Eu acho que modelo transcendental e infinito desta resolução deveria dar a face de Nosso Senhor depois que Anjo O consolou. Quer dizer, consolou, etimologicamente quer dizer “dar força”.
No Horto das Oliveiras Ele pediu: “se for possível afaste-se de mim esse cálice”. Mas acrescentou: “Faça-se a vossa vontade e não a Minha”. Veio o Anjo e lhe deu algo para beber e Ele, enfim, o Anjo O animou. E Ele que nunca estivera irresoluto, entretanto, estava com toda a natureza humana nEle posta, [quer dizer], Deus me ajuda, eu aguento, agora vou!
Nós podemos notar essa resolução de um modo que tende ao sublime não, que é sublime – sublime é dizer muito pouco, é divino! – no Santo Sudário.
Umas das notas que a Sagrada Face dá é de uma resolução absoluta. A face está machucada, quebrada, cuspida, os srs. notam que o nariz sofreu uma pancada, está alquebrado, Ele morreu no vértice ou no vórtice – conforme queiram – de todas as dores. Mas Ele deliberou resgatar o gênero humano e resgatou.
Algo disso se deveria notar também de Nossa Senhora no “Consumatum est” e depois. Quer dizer, “eu resolvi, Ele é meu filho, eu O ofereci ao Pedro Eterno para isto. Aconteceu que meu oferecimento foi aceito a Ele morreu. Era o que eu queria. Vamos para frente!”
É indizível isso, mas é assim.
É uma das razões pelas quais, sem ter nem de longe o descoco e o atrevimento de negar o valor artístico da Pietà de Michelangelo, eu nego o valor religioso. A gente toma a Pietà – é um grupo lindo! – olha o jeito de Nossa Senhora olhar para Ele, não é aquela compaixão de quem contempla o fruto doloroso de Sua própria resolução.
Há qualquer coisa de mole, de… não direi de irresoluto, mas de quem não acaba de beber a última gota de fiel da terrível resolução, ver a última consequência da terrível resolução pensando: É terrível, é trágico, era o que eu queria!
Isso não está naquela face redondinha, lisinha – muito bonita, uma face linda, mas onde está a realidade da compaixão? Com-paixão é ter dor, mas é participar da intenção sacrificial dEle. É claro.
Aqui os srs. notam algo que eu poderia dizer que está à altura de alguém que adorou e se embebeu profundamente do “Consumatum est”. Quer dizer, a gente olha para ele: a gente vê que ele está para além dos sacrifícios, para além das resoluções e para além das dúvidas. A atitude dele é como quem diz o seguinte: Já sofri muito e talvez tenha muito que sofrer, mas eu resolvi que eu tinha que sofrer isto para atender a uma vontade de Deus, Nossa Senhora obteve de Deus esta força, eu vou e sigo até o fim.
Os srs. vejam o corpo, a cabeça antes de tudo. A cabeça não está nem um pouco numa atitude de galo de briga. Os srs. já viram galo de briga como levanta a cabeça. Não, é numa posição normal, mas alta, não tem nada da cabeça que pende ridiculamente como uma mão envelhecida pende do braço. De nenhum modo!
A cabeça está firme, o corpo é um corpo que não está nem um pouco arqueado nem é um corpo preguiçoso, mas tem qualquer coisa como quem diz: não estou mais nem fazendo força, porque todas as forças foram feitas; está tudo consumado, eu chegarei até o fim!
Isso poderia se chamar o bem-aventurado da grande resolução.
Agora, é bonito nós compararmos um santo com outro, não para saber qual é o maior, mas para ver as diversidades de brilho da graça conforme a alma.
Os srs. tomam este santo aqui, a face dos adversários dele, a atitude dele: “Olha aqui, eu vos combato, mas eu estou muito além de vós! Meus olhos pousam em outros horizontes e minha alma ama outras grandezas!…”
É pena não me ter lembrado de arranjar aqui uma fotografia de D. Vital Maria Gonçalves de Oliveira, o bispo de Recife. É diferente. Ele olha para o adversário como quem diz: “Atrevido, que ousaste levantar-te contra o Senhor Deus dos exércitos e contra a Imaculada Conceição de Maria! Eu te enfrento! Estou de enfrentando e tenho o gáudio de estar te derrotando!”
Esse aqui polemiza, mas paira acima das polêmicas; D. Vital não, entra dentro da polêmica como um tufão pode encher o ar, e leva tudo consigo! É outro modo de ser, é outro modo de ser.
A Igreja se exprime assim e ainda de muitos outros modos! Os srs. consideram, por exemplo, a face resoluta, mas angelical de São Pio X: triste, inabalável, resoluta e angelical de São Pio X – porque é um Anjo! – os srs. consideram isso e é um outro modo de ser!
E assim a gente vai acompanhando…
Tomem a fotografia batalhadora, desconfiada, férrea e dulcíssima de Santa Bernadette Soubirous…
Os srs. vão assim comparando, são mil maneiras de brilhar a fortaleza católica.
É uma maneira altamente enlevante e que, portanto, eu comento com os srs.
Bem, meus caros, nós todos terminamos… Vamos encerrar.