Reforma Agrária - Questão de Consciência


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Secção II

Opiniões socializantes que preparam o ambiente para a "Reforma Agrária": exposição e análise

Proposição 5

Impugnada

A "Reforma Agrária" privará por certo muitas pessoas da vida regalada que desfrutam. Mas, sujeitando-as a condições de existência suportáveis para todos, nenhum prejuízo real trará para elas, e, portanto, não será injusta.

Afirmada

A justiça não consiste só em que todos tenham condições de vida condignas, mas também em que, asseguradas estas condições para todos, tenham mais os que por seu trabalho ou por outra via legítima, como a herança, adquirirem mais.

 

Comentário

Não se pode permitir, em termos de doutrina católica, que a desigualdade entre os homens chegue a ponto de estarem uns em imerecida pobreza porque outros, movidos pela ganância e sede de luxo, lhes negam o necessário para se manterem – bem como a suas famílias – com seu salário, em nível suficiente e digno. Esta injustiça leva a uma desigualdade desproporcionada, e constitui um dos quatro pecados que bradam ao Céu e clamam a Deus por vingança.

Este princípio é fácil de admitir.

Quando uma situação de imerecida pobreza ocorre, qual o dever dos que têm mais do que o necessário? Di-lo Leão XIII:

"Ninguém certamente é obrigado a aliviar o próximo privando-se do seu necessário ou do de sua família; nem mesmo a nada suprimir do que as conveniências ou a decência impõem à sua pessoa: "Ninguém, com efeito, deve viver de um modo que não convenha ao seu estado" (São Tomás, Suma Teológica, IIa. II ae., q.32, a. 6, c.). mas, desde que haja suficientemente satisfeito à necessidade e ao decoro, é um dever lançar o supérfluo no seio dos pobres: "Do supérfluo dai esmolas" (Luc. 11, 41). É um dever, não de estrita justiça, exceto nos casos de extrema necessidade, mas de caridade cristã; um dever, por conseqüência, cujo cumprimento não se pode conseguir pelas vias da justiça humana. Mas, acima dos juízos do homem e das leis, há a lei e o juízo de Jesus Cristo, nosso Deus" (117).

É claro que, nos casos em que se trate de um dever de justiça, à lei toca – observada a prudência que lhe deve ser sempre inerente – obrigar ao cumprimento desse dever.

Mas daí a achar que, sempre que uma pessoa tem vida farta, nenhum mal há em que a lei lhe tire algo em favor dos que têm menos – e isto sem sequer distinguir se os que têm menos também têm, ou não, o bastante – é realmente negar pela raiz o direito de propriedade, em holocausto ao mais radical igualitarismo.

Isto posto, privar um homem ou uma família do que legitimamente lhe pertence, da situação patrimonial correspondente a seu nível de educação, e aos hábitos que em conseqüência adquiriu, é gravíssima injustiça. E isso ainda que a pessoa assim espoliada não venha a morrer de fome em sua nova posição.

* * *

Aliás, nesta como em quase todas as proposições impugnadas seguintes, se nota, explícito ou implícito, o princípio totalitário, comum aos nazistas, socialistas e comunistas, de que o Estado pode tudo e, portanto, está ao seu alcance abolir ou modificar a seu talante o direito de propriedade.

Esta posição é condenada pela Igreja, que considera certos direitos – a propriedade, a família etc. – como anteriores e superiores ao Estado.

 

Textos Pontifícios

Ultra-ricos e multidão de pobres

Referindo-se, não à agricultura em particular, mas à economia contemporânea em geral, Pio XI disse: "Hoje, porém à vista do clamoroso contraste entre o pequeno número dos ultra-ricos e a multidão inumerável dos pobres, não há homem prudente que não reconheça os gravíssimos inconvenientes da atual repartição da riqueza" (118).

Aprovar que haja classes desiguais, grandes e pequenos, patrões e empregados, fortunas grandes médias e pequenas, e enfim pessoas ou famílias que vivam digna e suficientemente de salário, não é aprovar a coexistência de "ultra-ricos" e indigentes.

Já diminuíram em alguns lugares as exageradas diferenças de classe

"Deve-se reconhecer como sinal auspicioso a diminuição verificada, desde há algum tempo e em certos lugares, na tensão entre as classes sociais. Já o afirmava Nosso Predecessor imediato em discurso aos católicos alemães: "A terrível catástrofe que se abateu sobre vós com a última guerra terá comportado ao menos uma vantagem: ela permitiu que muitos ambientes se libertassem dos preconceitos e da preocupação excessiva com as vantagens pessoais, e que assim diminuísse a aspereza da luta de classes e os homens se aproximassem uns dos outros. A desgraça comum é mestra dura, mas benfazeja" (Radio-Mensagem ao 73º Congresso dos Católicos Alemães, 1949).

Com efeito, o afastamento entre as classes sociais é menor, pois estas não se limitam mais aos dois blocos em que se opunham capital e trabalho. Agora já são mais variadas e abertas a todos. O trabalho e o talento permitem subir os degraus da escala social.

No que concerne mais diretamente ao mundo do trabalho, é consolador constatar as melhorias recentes introduzidas nas próprias condições do trabalho e o fato de que não se pensa mais somente nas vantagens econômicas dos operários, mas também em lhes proporcionar um gênero de vida mais elevado e mais digno" (119).

As desigualdades sociais devem ser harmônicas

Leão XIII refere-se aos "...direitos e deveres, pelo jogo harmonioso dos quais as duas classes de cidadãos, a que dispõe do capital e a que dispõe do trabalho, devem manter o acordo entre si" (120).

Os pobres, vítimas principais da demagogia

"...os pobres são as maiores vítimas dos embusteiros, que exploram sua miserável condição, para lhes despertar inveja contra os ricos e excitá-los a tomar para si, pela força, aquilo que lhes parece injustamente recusado pela fortuna" (121).

Defender os pobres, sem açular o ódio às classes superiores

A proposição impugnada ressuma inveja contra as classes superiores, e a este título é particularmente censurável:

"...os escritores católicos, ao defender a causa dos proletários e dos pobres, devem abster-se de palavras e frases que poderiam inspirar ao povo a aversão pelas classes superiores da sociedade. Não se fale, pois, de reivindicação e de justiça, quando se trate de simples caridade, ... Recordem que Jesus Cristo quis reunir todos os homens pelos laços do amor mútuo, que é a perfeição da justiça e inclui a obrigação de trabalhar para o bem recíproco" (122).


Notas:

(117) Encíclica "Rerum Novarum", de 15 de maio de 1891 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 18.

(118) Pio XI, Encíclica "Quadragesimo Anno", de 15 de maio de 1931 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 25.

(119) João XXIII, Encíclica "Ad Petri Cathedram", de 29 de junho de 1959 – AAS, vol. LI, n. 10, págs. 506-507.

(120) Leão XIII, Encíclica "Graves de Communi", de 18 de janeiro de 1901 – Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, pág. 4.

(121) Pio XI, Encíclica "Divini Redemptoris", de 19 de março de 1937 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, págs. 31-32.

(122) São Pio X, Motu Próprio sobre a Ação Popular Católica, de 18 de dezembro de 1903 – "Editora Vozes Ltda.", Petrópolis, item XIX.


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