Prefácio (*) que Plinio Corrêa de
Oliveira redigiu para uma edição alemã de
“Revolução e Contra-Revolução”
O presente trabalho trata de questões que movimentam a
fundo os ambientes cultos e particularmente a elite católica do Brasil.
Entretanto tais questões podem despertar interesse também em largos círculos do
âmbito cultural alemão, pois tratam-se de problemas universais. Assim se
explica o fato de que logo após o aparecimento da edição portuguesa tenham sido
dirigidos ao Autor pedidos de tradução e publicação em outras línguas –
italiano, espanhol, francês – e que uma editora alemã tenha mostrado interesse numa tradução para o
alemão.
Existem em todos os Parlamentos do mundo três
posições: a direita, o centro e a esquerda. Essa classificação serve igualmente
na opinião pública dos povos para qualificar as diversas correntes. Trata-se portanto de um fenômeno universal.
À primeira vista essa divisão pode parecer clara e
convincente. Porém, quem pensa um pouco a respeito dela chega à conclusão de
que se trata de conceitos relativos. O Partido Trabalhista na Inglaterra, por
exemplo, representa sem dúvida a esquerda do Parlamento inglês, contudo seus
membros mais moderados são menos “progressistas” do que certos
democrata-cristãos da Itália, os quais constituem o centro do Parlamento
italiano. Os conceitos de “centro”, direita, “esquerda” variam portanto de país
para país e de época para época. Uma boa parte dos programas dos atuais
partidos de centro poderia ser designada antes da Primeira Guerra Mundial como
sendo de esquerda. Atuais partidos de direita teriam sido antes de 1914
colocados no centro.
Essa realidade revela, de modo claro e definido, que
hoje em dia muito mais se encontra por detrás das palavras “centro, direita,
esquerda”. Não deveriam ser elas substituídas por outras expressões mais de
acordo com o nosso tempo?
Muitos pensam assim. Porém essa é uma conclusão
apressada e simplificante. Sem dúvida, mostra-se nessa desvalorização e
relativização das palavras, que se deu ao longo dos últimos decênios, não apenas uma crise da língua, mas também
uma crise mais profunda do pensamento. Por isso, não tem sentido substituir os
vocábulos direita, centro, esquerda por outros. Devemos empregá-los, mas com
prudência e cuidado.
Isso nos ajuda – pelo menos em determinado sentido – e
nos oferece também a necessária clareza no exprimir. A monarquia, por exemplo,
é vista no mundo inteiro como a forma de governo da direita. Na esfera
religiosa os presbiterianos estão muito mais à esquerda do que os anglicanos e
os luteranos. Na esfera social são consideradas leis de esquerda as que
suprimem o patronato em contraposição às leis que protegem este direito. A esse
respeito ninguém tem dúvidas.
Uma investigação desses fatos conduz à constatação de
que a posição de direita se harmoniza mais com os princípios de ordem,
hierarquia, austeridade e disciplina que caracterizaram a ordem medieval.
“Esquerda” significa, então, o afastar-se desses princípios e portanto ipso facto o estar ligado aos princípios
opostos.
Assim conservam as palavras “centro, esquerda,
direita” um sentido profundo, lógico, se bem que sutil. Se se
tomar dois pólos espirituais, num se encontra a direita e no oposto a esquerda.
* * *
Se essa exposição corresponde à verdade, então a
História, em suas grandes correntes, migrou no decurso dos últimos séculos de
um polo para outro. Mais claramente expresso: houve uma Revolução. Também os
homens podem ser classificados de acordo com três tendências: aqueles que
reconhecem a Revolução – pelo menos de modo pouco claro – e se lhe contrapõem:
a direita; aqueles que sabem da existência da Revolução e a conduzem rápida ou
lentamente rumo ao seu objetivo: a esquerda; aqueles que não conhecem a
Revolução enquanto tal ou que lhe percebem apenas aspectos superficiais e que
se empenham mantendo o status quo por estabelecer uma paz com a
Revolução: o centro. O centro e a direita juntos empenham-se na luta contra a
Revolução. O centro e a esquerda juntos se esforçam em promover o progresso da
Revolução, sem contudo cair em excessos.
Por mais diferentes que possam ser os grupos
parlamentares ou políticos, no fundo são essas as três posições possíveis face
à Revolução.
Os movimentos que se dedicam a promoverem a Revolução
trabalham muitas vezes com a roupagem do centro, a fim de poderem fazer seu
jogo às ocultas. Correntes de esquerda falam também a linguagem da direita para
poderem ganhar os incautos. Esses disfarces não afetam contudo nossa
classificação, pois o lobo em pele de ovelha permanece sempre lobo.
* * *
Mas o que é propriamente esta Revolução? E no que
consiste a Contra-Revolução? Esses são problemas interessantes e profundos que
se escondem por trás do jogo ou da luta entre centristas, direitistas e
esquerdistas. Uma numerosa elite católica, proveniente de todas as partes do
Brasil e que se reuniu em torno do mensário de cultura Catolicismo, editado na
cidade de Campos no Estado do Rio de Janeiro, se ocupa dessas questões. O
presente trabalho é minha reposta pessoal a essas questões, mas representa também
a convicção desses grupos de elite. Embora este trabalho tenha um caráter
eminentemente doutrinário, corresponde ele entretanto a um interesse prático,
pois uma ação contra-revolucionária profunda e eficaz não pode ser feita sem o
conhecimento exato da essência, das metas e dos métodos da Revolução.
A Revolução é apresentada neste trabalho como sendo a
irreligião e portanto ipso facto como uma ruína dos costumes e da
civilização. Na Encíclica de 29.6.1959 – a edição portuguesa deste trabalho já
tinha sido publicada – diz o Papa João
XXIII: “Todos os homens precisam acolher a doutrina do Evangelho. Se a
rejeitam, rejeitam com isso os próprios fundamentos da verdade, da honradez e
da cultura.” Essas palavras do Santo Padre correspondem a nosso pensamento.
O orgulho e a sensualidade do fim da Idade Média
geraram movimentos culturais (Renascença) e correntes religiosas
(protestantismo) com matizes igualitárias e liberais. A transposição desses
movimentos para a esfera política deu origem à Revolução Francesa. Essa, por
sua vez, conduziu ao comunismo, que representa a difusão desses erros para o
campo econômico-social.
A Contra-Revolução, portanto, deve ser sobretudo um
movimento que se empenha na promoção de uma restauração moral e religiosa
séria, como fundamento da reconstrução de uma Civilização Cristã austera e
hierárquica.
A partir desses pontos fundamentais desenvolvemos
neste trabalho a análise da Revolução e da Contra-Revolução.
* * *
O leitor alemão pode estar talvez surpreso com o fato
de um brasileiro tratar deste tema e apresentá-lo deste modo.
Contudo não há razão para tal surpresa. O Brasil é
filho de Portugal, do qual herdou sua grandeza e sua admirável energia, mas
também os problemas dolorosos que ameaçam toda a Civilização Cristã. Todas as
questões, que preocupam um católico alemão, ocupam também a nossa atenção com a
mesma intensidade e pela mesma razão.
Contudo, laços ainda mais profundos ligam o leitor
alemão com o brasileiro, o que se explica pela influência do mundo germânico sobre
a História de nosso povo.
Quando Portugal, sob Felipe II no ano de 1580, se uniu
à Coroa espanhola, pertenceu o Brasil aos Estados da Casa d’Áustria.
A forma de governo e a concepção política dos Habsburg
trouxe para nosso país imensas e inesquecíveis bênçãos.
Mais tarde uniu-se em matrimonio a Arquiduquesa Leopoldina de Habsburg, filha de
Francisco II, Imperador do Sacro Império Romano Alemão, ao herdeiro do trono de
Portugal, Dom Pedro de Bragança. Dona Leopoldina
exerceu ponderável influência na declaração de independência do Brasil e na
edificação de nosso Império.
Por essas e outras razoes é entre nós não pequeno o
número daqueles que contemplam com admiração o Sacro Império Romano Alemão e
que nele vêem uma instituição autenticamente cristã e de alto tino político,
cuja idéia poderia se tornar frutífera em nossos dias e nos tempos vindouros.
O amor a esses princípios, radicados nos nobres povos
de língua alemã, anima as linhas que se seguirão.
(*)
Nota da Assessoria do site: O presente texto é uma tradução do alemão. A versão
original em português, escrita na década dos anos 70, não veio a lume, ao menos
até o presente momento (5 de maio de 2008). Agradecemos por mais esta
colaboração que recebemos por parte de simpatizantes daquele intelectual e
líder católico.