Plinio Corrêa de Oliveira
Força, denodo, inteligência e realismo
"Diario de las Americas", 29 de março de 1992 |
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Comemorando-se neste ano o V Centenário do Descobrimento da América, vem a propósito realçar certos aspectos da grandeza da vocação histórica de Portugal e Espanha. Os traços fundamentais de alma de ambas as nações são comuns. Diferenciam-nas pormenores numerosos, interessantes, fecundos, mas enfim pormenores.
Políptico de Nuno Gonçalves: Afonso V aos pés de São Vicente. O quadro traduz o espírito de fé dos portugueses, e a expressão dos personagens, grave, varonil, com um ligeiro fundo de serena e superior melancolia, deixa ver a alma piedosa e heróica do povo luso. Quais estes traços comuns? Vemo-los principalmente no idealismo. Ambos os povos mostraram ao mundo assombrado – quer nas guerras contra o mouro, quer na expansão marítima, quer na colonização de três continentes, quer ainda no florescimento literário e artístico de seus séculos de apogeu – que sabem e podem vencer com extraordinário brilho nas lutas e nas fainas da vida terrena. Para isto lhes sobra força, denodo, inteligência e realismo, porque esta foi uma qualidade que com freqüência se lhes quis negar. Sustentar contra os mouros uma guerra vitoriosa de oito séculos, não é coisa que se consiga quando se tem a alma sonhadora e pusilânime de um idealista oco. O mesmo se poderia dizer da epopéia das navegações, das lutas ásperas e terríveis da colonização, e das dificuldades extenuantes, e tantas vezes prosaicas, inseparáveis de toda produção intelectual. Mas, a despeito de tudo isto, a gente ibérica tem um indisfarçável desprezo pelo que é terreno. Ou, em termos mais exatos, tem um senso admirável da autenticidade e da preeminência de tudo quanto é extraterreno, espiritual, imortal. Disto dá uma prova excelente a atitude de portugueses e espanhóis ante as riquezas que lhes passaram pelas mãos nos tempos de prosperidade. Com elas construíram vivendas esplêndidas, palácios suntuosos, mas sobretudo igrejas e conventos. Com elas desenvolveram admiravelmente a arte, e tudo quanto diz respeito ao decoro e à nobreza da vida. Mas ornaram mais magnificamente as imagens dos seus Santos do que a si próprios. Ao contrário do que tantas vezes tem acontecido a outras nações na História, a quem as riquezas amolecem e as glórias tornam fátuas, Portugal e Espanha não conheceram os excessos degradantes a que se entregam tão facilmente os ricos e os poderosos. E por isto, quando a glória do poder político e as larguezas os abandonaram, a atitude profunda desses povos em face do acontecimento, se teve um tanto de indolência, também exprimiu bem claro a convicção de que não foi para estas coisas que Deus fez o homem, nem consiste nelas a dignidade e alegria da vida. Assim, no complexo de fatos espirituais, morais, sociais, políticos e econômicos que caracterizam os séculos ditos de decadência, se discerne um real declínio. Este declínio se exprime por sintomas excessivos em sua aparência, que facilmente nos levariam a subestimar as forças latentes, admiravelmente vivas, que ficaram dormindo nos corações ibéricos, despertadas apenas de quando em quando por algum sobressalto magnífico, e reservadas pela Providência para alguma nova missão histórica a cumprir.
Estátua de Cid, o Campeador (Burgos, Espanha) Esse traço de elevação de espírito, de justa estima do que é realmente superior, e de rejeição de toda concepção exclusiva ou prevalentemente utilitária da vida, Portugal e Espanha o transmitiram às nações que plasmaram na América. Também nós progredimos, também nós organizamos decorosamente nossa existência. Mas como não pusemos nas riquezas todo o nosso coração, nosso progresso foi menos rápido do que o de outros povos e nada teve de inebriante, sensacional, vertiginoso. Somos decadentes? Ninguém o afirma. Somos atrasados? Todos o dizem. Mas este atraso é para nós uma bênção, e nos abre de par em par as portas do futuro. |