Última Hora, 22 de maio de 1981
Esse bom Sr. dom Benedito (2)
Continuamos hoje o artigo da sexta-feira anterior. "Sou Católico: Posso Ser Contra a Reforma Agrária?" é uma obra que prova que os argumentos doutrinários alegados pelo IPT são insignificantes uns, filomarxistas outros e contraditórios com a bimilenar doutrina da Igreja sobre a propriedade privada quase todos. E que deixa não menos clara a penúria dos argumentos sócio-econômicos do IPT. De onde a conclusão: o católico pode e deve ser contrário à Reforma Agrária.
Do livro que o afirma, a 1ª edição, de 11 mil exemplares (março p.p.), já está virtualmente esgotada. Embora denso, é ilustrado e adornado como se fosse uma bela revista. Está sendo lançada nestes dias, apenas dois meses depois de saído a público, sua 2ª edição. Os leitores sabem que tal difusão constitui notável êxito, segundo os paradigmas da publicidade nacional.
Em todo o decurso destes dois meses de difusão, os métodos empregados pela TFP vêm sendo legais e corteses. Até aqui, serenidade total nas folhas dos diários, mesmo os mais hostis. E da parte da CNBB, silêncio igualmente modelar, ou melhor, cautelar. – Pois, o que responder?
* * *
O Sr. d. Benedito Vieira, arcebispo de Uberaba, não dá mostras do fino senso de oportunidade que parece estar guiando os demais membros da CNBB neste passo.
O prelado da simpática metrópole do zebu foi visitar a exposição. E derramou o verbo sobre a TFP, ante os jornalistas.
Bem entendido, o prelado não fez a menor crítica ao procedimento dos jovens da TFP que ali atuavam. Nem poderia fazê-lo sem negar o óbvio. Agro-reformista como é, restava-lhe então o caminho de atacar o livro que os jovens difundiam. Se o prelado tivesse argumentos doutrinários ou científicos para tanto, ali se lhe deparava bela ocasião, diante da imprensa reunida.
Mas, como fazê-lo se o livro não dá flanco a tal?
D. Benedito Vieira saiu-se com uma catilinária de caráter direto, e por assim dizer pessoal, contra a TFP. Sabendo bem que nada fere tanto o católico, em seu ponto de honra, quanto dizer-lhe que não é católico, o prelado, esquecendo a polidez que usa habitualmente, afirma: "Eles se apresentam como católicos, e na realidade não são; eles constituem-se juizes do Papa, do Concílio e dos bispos: portanto não são católicos." (Jornal da Manhã de Uberaba, de 8-5-81.)
A esse propósito, não posso deixar de pedir ao Sr. d. Benedito Vieira algumas explicações, pois a matéria atinge nossa honra:
1º) Encontra ele em "Sou Católico" ou em qualquer outro livro ou documento da TFP algo que o autoriza a negar que os componentes da entidade são católicos apostólicos romanos?
2º) Em várias ocasiões, a TFP foi forçada, em consciência, a manifestar de público seu desacordo com ensinamentos ou medidas de altas autoridades eclesiásticas, como cardeais, arcebispos, bispos. E a própria CNBB. Fê-lo com base em documentos pontifícios, e em autores católicos dos melhores. E a ninguém ocorreu a exorbitante idéia de, por isto, contestar a identidade católica dos diretores, sócios ou cooperadores da TFP. O Sr. arcebispo de Uberaba inova nesta matéria, e chama a si qualificar-nos desta forma, sem o cuidado de explicar nem de argumentar.
3º) É bem certo que, no pontificado de Paulo VI, a TFP manifestou certa vez, de público, seu desacordo com a Ostpolitik vaticana. A TFP dirigiu então mensagem a Paulo VI, publicada em 45 grandes e médios jornais brasileiros, e em 28 diários e revistas das duas Américas e da Europa. Nessa mensagem, dizíamos ao Pastor dos Pastores:
"Nossa alma é Vossa, nossa vida é Vossa. Mandai-nos o que quiserdes. Só não nos mandeis que cruzemos os braços diante do lobo vermelho que investe. A isto nossa consciência se opõe".
Perguntamos agora ao Sr. arcebispo de Uberaba se essa atitude, que ninguém, absolutamente ninguém, se abalançou a qualificar de anticatólica, é de molde a nos colocar fora da Igreja. Em termos mais precisos, divergir do reformismo agrário, urbano e empresarial da CNBB, ou da diplomacia do Vaticano, tem o mesmo alcance canônico do que negar um dogma (e aos dogmas, como às verdades de Fé, o prelado bem sabe quanto os professamos no mais entranhado de nossas almas, como na crista mais arrojada de nossas atitudes públicas)?
4°) Por fim, pergunto formalmente ao Sr. d. Benedito Vieira se encontra no livro "Sou Católico" uma palavra que seja contrária à doutrina ou às leis da Santa Igreja Católica Apostólica Romana, nossa Mãe indizivelmente amada e venerada.
* * *
Peço ao Sr. arcebispo de Uberaba que me responda taxativamente, claramente, de sorte a elucidar a tal respeito o público brasileiro. E digo brasileiro, porque suas declarações estão rumorejando em órgãos de imprensa muito além de Uberaba.
Com relação ao Sr. dom Benedito, sinto em mim, ao terminar, não só o respeito que o fiel jamais perde em relação a um bispo, qualquer que ele seja, mas uma simpatia que germina. O Sr. dom Benedito não escolheu bem a oportunidade. Atacou o que não era estratégico que ele atacasse. Falou em termos não convincentes. Lançou acusações não defensáveis. Mas ao menos falou. Deu sua contribuição para sacudir o marasmo. Fez de modo peremptório declarações enunciativas do que sob a forma de zumbidos pouco leais, de origem não inteiramente comprovável, vinham circulando em meios católicos do Brasil, com sorrateiro desafio da evidência dos fatos.
E nisto foi simpático esse bom Sr. dom Benedito!