Última Hora, 15 de maio de 1981

Esse bom Sr. Dom Benedito

Na exposição de gado da Associação Brasileira de Criadores de Zebu, em Uberaba, esteve presente com um stand a Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade – TFP. O objetivo do comparecimento da entidade era a difusão do livro Sou Católico: Posso Ser Contra a Reforma Agrária? (Editora Vera Cruz, São Paulo, 20 ed., 1981, 360 pp., 21 mil exemplares), de minha autoria, ilustrado e corroborado no mesmo volume por um substancioso e bem pensado estudo dos aspectos econômicos do problema agrofundiário brasileiro. É autor de tal estudo meu culto e talentoso amigo Carlos Patrício del Campo.

Essencialmente, essa obra, que se coloca ante tema de toda atualidade, estende as raízes profundas de seu pensamento até os grandes princípios de Moral e de Direito ensinados na Doutrina tradicional dos Papas.

O tema facilmente se enuncia. Em sua reunião de fevereiro de 1980, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB - deu a lume o documento "Igreja e Problema da Terra" (IPT), no qual proclama como regime fundiário ideal para o Brasil aquele em que a terra pertence ao trabalhador manual. E isto tanto do ponto de vista da justiça quanto do bem comum. O que importa em dizer que, segundo o IPT, a atual classe dos fazendeiros procederia de modo muito simpático e cristão se se deixasse eliminar. É de se esperar que, ao contrário de tantos eclesiásticos que colaboram ativamente na autodemolição da Igreja, da qual são ministros, os fazendeiros não picados pelo demo-cristianismo não se prestem a demolir a hierarquia social da qual são defensores naturais. Prevendo desde já essa inconformidade de suas vítimas, o IPT contém toda uma série de argumentos dos quais bom número é inspirado no socialismo e até no comunismo – para, em nome da Fé cristã, suscitar a ofensiva geral do País contra as grandes e médias propriedades rurais. E, ademais, apresenta às autoridades sugestões concretas para a imediata efetivação da partilha.

Já que a CNBB costuma insistir em que é órgão oficial do Episcopado brasileiro - e, o que é muito mais grave, altos dignitários dela a proclamam porta-voz oficioso do próprio Vigário de Jesus Cristo (cfr. artigo do Cardeal Lorscheider em "O Povo" de Fortaleza, de 16-2-81) - fica criada com isto gravíssima questão de consciência para três amplas e ponderáveis categorias de brasileiros.

Primeiramente os católicos formados segundo a doutrina tradicional da Igreja, conforme a qual o bem comum exige, como "conditio sine qua non", a definição e a tutela esmeradas de todos os direitos individuais. A não existir tal definição nem tal tutela - pelas quais são responsáveis, cada qual em sua esfera própria, tanto a Igreja como o Estado - constitui-se automaticamente o caos. Entre tais direitos está o da propriedade privada. É bem certo que esta última tem uma função social, cujo efetivo exercício cabe à Igreja e ao Estado - sempre nas respectivas esferas - inculcar, estimular e até impor. Porém ter função social não é atributo característico do direito de propriedade. Em princípio, todos os direitos a têm, de um modo ou de outro. Até o direito à vida. A não ser assim, o soldado não morreria pela pátria. Transformar a função social no câncer roedor do princípio em que ela se funda, importaria em fazer do exercício das funções sociais instrumento de demolição da boa ordem.

Tudo isto posto, é normal que os católicos tradicionais se perguntem qual a efetiva validade magisterial de tantos ensinamentos, novos e singulares, contidos, ao arrepio da doutrina tradicional da Igreja, no IPT.

A mesma questão não pode deixar de aflorar ao espírito dos homens de estudo e de pensamento, surpresos ao verem que um organismo como a CNBB se exprima no IPT em termos tão diferentes dos que vêm usando as vozes verdadeiramente autorizadas da Igreja, ao longo de dois milênios.

Por fim, os fazendeiros. Eles, até há pouco na posse moralmente tranqüila de suas terras, cercados da consideração geral do País e merecidamente bafejados, durante muito tempo, pelos poderes públicos, eram bem vistos pela Igreja, à qual não regateavam seu apoio. Seus familiares, e muitas vezes eles mesmos, recebiam tranqüilamente os Sacramentos. E eis que surge, em 1980 - precisamente quando eles ingressavam na fase mais dura da tempestade fiscal, a qual de maneira inclemente os açoita - a CNBB, a dizer-lhes, com o IPT em punho, que os ocupantes ilegítimos são eles, usurpadores de terras as quais, segundo os ensinamentos cristãos, deviam pertencer aos colonos. E a lhes acrescentar que, mesmo no plano exclusivamente econômico, não lhes vale qualquer defesa, pois são comprovadamente os sanguessugas do povo e os causadores da miséria da Nação.

Quem pode estranhar que os fazendeiros se perguntem qual a autoridade dos argumentos doutrinários do IPT para lançar tão hirsutas e explosivas declarações?

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Estava no papel da TFP - a qual já na crista do agro-reformismo de Jango se levantara em favor da propriedade rural com um best-seller hoje histórico (Reforma Agrária - Questão de Consciência, Editora Vera Cruz, São Paulo, 4a. ed., 1962, 30 mil exemplares) - se levantar animosamente e dar resposta a essas múltiplas perguntas. Fê-lo agora a entidade mediante o livro cujo título vai direto ao ponto: Sou Católico: Posso Ser Contra a Reforma Agrária?