Plinio Corrêa de Oliveira

 

 

Atônitos ante a atonia?

 

 

 

O Fluminense, Niterói, Domingo, 19 de fevereiro de 1973

  Bookmark and Share

Se no século XXI houver historiadores dignos deste nome, penso que eles se desconcertarão menos com a proliferação das idéias e dos costumes super-extravagantes em nossos dias, do que com a atonia das pessoas sensatas face a essas extravagâncias. "Extravagância" é, aliás, um vocábulo muito moderado, que só emprego para não qualificar como o merecem as aberrações de que nossos contemporâneos são pródigos. "Atonia" também é, por sua vez, um adjetivo muito vago, pois prefiro não designar pelo devido nome a indiferença distendida e pachorrenta de tanta gente à transgressão brutal e continua – que por aí se nota – dos princípios mais comezinhos da lógica e da moral.

Exagero? Julgue o leitor por mim. Limito-me a um caso típico.

*      *      *

Como se sabe, a Alemanha Ocidental assinou, há pouco, um acordo com a Alemanha Oriental. O ato foi cercado de uma auréola de glória e de esperança. Dir-se-ia que o degelo entre o mundo comunista e o nosso ia começar efetivamente. E uma primavera de paz começaria para toda a Europa. Todas as chancelarias do Velho e Novo Mundo aplaudiram assim – e com que ênfase – o gesto conjunto de Bonn e Pankow. Esperava-se como conseqüência lógica do festejado acordo que a lúgubre cortina de ferro começasse a ser desmanchada.

Nada mais agradável do que a aurora de uma grande esperança. Entretanto ela traz consigo um risco. É que, se frustrada, produz uma decepção tão grande ou ainda maior. E a decepção tem uma série de seqüelas, como a cólera, a desconfiança etc.

De tal maneira está isto cravado na própria natureza das coisas que assim reagirão não só as pessoas normais, como até as débeis mentais que ainda não tenham perdido inteiramente o uso da razão, ou as crianças que começam apenas a tê-lo. Mais ainda. Até em animais é fácil notar reações que correspondem a essa regra.

Pois bem. Pouco depois de anunciado ao mundo o acordo entre as duas Alemanhas, a revista Time de 20 de janeiro de 1973 trouxe a notícia brutal de que a Alemanha comunista estava investindo grandes somas no aperfeiçoamento do muro de Berlim e do sistema de "defesa" ao longo de toda a cortina de ferro. Nos trechos em que "só" havia campos minados e cercas duplas de arame farpado, os comunistas começaram a colocar grades de ferro impossíveis de escalar. Em locais mais especialmente vulneráveis estão sendo instaladas células fotoelétricas conjugadas com metralhadoras que disparam automaticamente sobre qualquer coisa que se movimente junto à fronteira. Em outros trechos estão sendo erguidos muros análogos aos de Berlim. Nos locais onde observadores ocidentais podiam fotografar o que se passava no lado oriental estão sendo erguidas vedações que tornam impossível qualquer fotografia.

Tudo isto demonstra – com feroz franqueza – que os sonhos de distensão não têm a menor consistência, e que o mundo comunista está mais eriçado do que nunca em relação ao Ocidente.

E significa também que a Alemanha Oriental se vai tornando cada vez mais, um imenso campo de concentração. Com efeito, a revista americana explica que os guardas comunistas da cortina de ferro andavam muito condescendentes em relação aos trânsfugas do paraíso socialista. Em 1972, 871 felizardos conseguiram assim transpor a fronteira. As células fotoelétricas têm a vantagem de substituir, com a inexorabilidade de tudo quanto é automático, os guardas compassivos. A imprensa diária noticiou não há muito que um pobre jovem, não tendo levado a sério as tais células fotoelétricas, tentou desvairadamente fugir, foi abatido por uma rajada automática.

Tudo isso nos faz ver, dominando a Alemanha Oriental, um regime podre e feroz. Incapaz de cumprir suas utópicas promessas, o socialismo alemão agarra à força a população sequiosa de fugir. Incapaz sequer de recrutar guardas que lhe executem os inflexíveis desígnios, ela recorre a um sistema automático cujo enorme custo o pobre povo faminto tem que pagar.

O que domina Pankow não é assim um governo, mas uma "gang" de seqüestradores que mantém enjaulado um povo inteiro. O que esperar da lealdade e da palavra dada por tal "gang"?

Como é natural, pouco depois do tratado por eles subscrito, os seqüestradores provaram que não tinham a menor intenção de cumprir a palavra empenhada.

Da parte deles nada especial. Mas como explicar que os mesmos homens públicos ainda há pouco tão jubilosos com as perspectivas que imaginavam ver abertas com o tratado, hajam mantido a mais perfeita, meticulosa e desembaraçada atitude de indiferença ante o "aperfeiçoamento" da cortina de ferro e o malogro das esperanças que nutram? Porque não reagiram os homens públicos das grandes potências do Ocidente, como o próprio a homens maduros aos quais se minta com cinismo, ou até com a criança a quem se tira a bola?

*      *      *

Não é verdade, caro leitor, que convém chamar esta indolência simplesmente de atonia, para evitar emprego de outros qualificativos? Estes, usá-los-ão os historiadores genuínos que surjam no século XXI.

Nós, pelo menos, portemo-nos com coerência. Recusemos de ser atônitos ante esta atonia.


ROI campagne pubblicitarie