"O Jornal", Rio de Janeiro, 19 de janeiro de 1973
Uma "Finlândia" a mais?
Acerca das próximas eleições na França, a imprensa tem realçado, a justo título, quanto serão decisivas para o país. Com efeito, para disputá-las, formou-se poderosa coligação de socialistas e comunistas, a qual se vitoriosa levará ao governo um gabinete de esquerda.
Como é de prever, essa coligação contará com o apoio eleitoral das correntes deterioradas da sociedade ocidental, como os democrata-cristãos, os progressistas e os patrões de uns e de outros, que são os "sapos".
No total, as esquerdas unidas apresentarão assim, na França, um panorama ideológico bem parecido com o da Unidade Popular de Allende. E o governo que dele surgir será normalmente uma nova versão do chileno.
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Até que ponto é plausível que vençam os esquerdistas?
Infelizmente, os dados publicados pela imprensa são muito escassos. Vê-se, por eles, que os socialistas estão desenvolvendo um esforço propagandístico total. Assim, em plena campanha eleitoral reuniram um congresso internacional ao qual compareceram os chefes de governo da Áustria, Dinamarca, Suécia e Israel. O que constitui clara intervenção na política francesa, e atesta, por isto mesmo, o empenho dos socialistas de vencer a todo custo, e ainda mesmo pelo emprego dos meios mais insólitos.
Quanto aos comunistas, segundo o costume, atuarão a fundo. O que fará o gaullismo, única barreira válida, no momento, contra o perigo que cresce? Se vencer, deve-lo-á a um sobressalto do velho bom senso francês. Pois, ao que parece, tudo lhe está faltando pelo menos até o momento para derrotar o adversário. Seus chefes não dispõem nem do prestígio, nem do dinamismo que as circunstâncias exigem. Sua massa eleitoral, provavelmente majoritária, parece indolente e entorpecida. Em suma, ainda neste ponto, a situação francesa se parece com a do Chile às vésperas da ascensão de Allende.
E assim, fundadas apreensões se justificam.
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Mas, dirá alguém, não será todo fortuito e portanto sem maior importância erro conjunto de analogias entre dois países tão distantes e tão diferentes quanto a velha nação gaulesa e o jovem país andino?
A pergunta me parece anacrônica. Com o rádio e a televisão, o mundo inteiro se vai homogeneizando. E, ademais, através desses mesmos instrumentos, Moscou tem igual facilidade em sujeitar a um mesmíssimo processo de manipulação tanto o público francês quanto o chileno ou o hindu.
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Allende se apresentou ao eleitorado chileno como um velho senador aburguesado e afável, pai de família modelar, habituado ao aconchego e à largueza de vida de um médico abastado. Iludiu. Tranqüilizou. Atraiu. E está no poder.
Georges Marchais, o líder comunista francês, está fazendo o mesmo jogo. Veste-se como um burguês distinto. Usa uns sapatos marrons de "tons quentes" dizem as agências telegráficas , os quais impressionam. Já não emprega a expressão camarada, mas diz "Monsieur", ou "Madame". Promete torrentes de liberdade. Tal qual Allende...
O resto virá depois, como veio com Allende. No momento em que escrevo, a fome, filha necessária do dirigismo, oprime o Chile. E Allende, apoiado em militares de carranca à vista, fala em impor um racionamento férreo à população, por meio de uma rede de milhares de juntas de abastecimento investidas, em cada bairro, de amplas atribuições policiais.
Mas até que ponto os franceses estão sendo esclarecidos sobre o amargo resultado produzido no Chile pela tática com que os comunistas procuram agora iludi-los? Até que ponto o gaullismo terá a inteligência e a vontade bastante despertas para argumentar com o caso chileno?
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Se a votação socialista crescer muito na França, lucrará, por detrás dela, o comunismo. Pois aquela é a antecâmara deste. E lhe faz servilmente o jogo. O que está em questão é se a França se deixará "finlandizar", como infelizmente se deixou o Chile...