Plinio Corrêa de Oliveira
De dentro da pele deles
"O Jornal", Rio de Janeiro, 18 de outubro de 1972 |
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Na imprensa diária de minha terra – São Paulo – li, esta semana, notícias pormenorizadas sobre a terrível crise agrícola que aflige a Rússia neste inverno e promete prolongar-se pela primavera adentro. Uma cifra dá bem a idéia da amplitude dessa crise. A Rússia Soviética fez, este ano, em mercados do Ocidente, a maior compra de cereais de toda a sua história: 28.500.000 toneladas. Na realidade, as condições meteorológicas desfavoráveis concorreram para criar esta situação dramática. Mas segundo os observadores, graves irregularidades na produção e no transporte dos cereais das plantações russas contribuíram substancialmente para a catástrofe. Essas irregularidades, que de há muito se vêm fazendo notar, foram uma das causas da queda de Kruschev. Quanto à população soviética, ao que parece, ignora que procede das potências capitalistas do Ocidente o trigo que consumirá nos próximos meses. Estes, sucintamente, os fatos. Como é óbvio, não podem eles passar sem comentário. Para fazê-lo, procuro-os dentro da pele de um comunista ou filo-comunista mais ou menos ingênuo. Desses que acham o regime comunista capaz de saciar a fome de todos os pobres, vêem nos líderes do Kremlim filantropos ardentes de zelo pela felicidade de seu povo e de toda a humanidade, e acreditam seriamente ser o capitalismo o grande culpado pela subnutrição no Planeta. Diante dos olhos pasmos de um sonhador dessa espécie quantos mitos ruem agora, e de uma só vez... Antes de tudo, a que zero fica reduzido o mito de que o capitalismo cria a fome do povo, e o comunismo a extingue! O marasmo e a desordem inerentes à economia coletivizada debilitaram a agricultura russa a ponto de cair em estrondoso colapso, por não poder resistir a este inverno. Se tal colapso não se transforma em fome negra, é precisamente porque a agricultura do Ocidente, baseada na propriedade privada e na livre iniciativa, produz tão imensas sobras para a exportação. Como então confiar na coletivização da agricultura e de toda economia, como solução para o problema da fome? Empenham-se a fundo os chefes soviéticos em extinguir a miséria? A resposta só pode ser: não. Com efeito, desde Kruschev, pelo menos, estão eles vendo a catástrofe avizinhar-se. Numa tentativa de evitá-la, mudaram a equipe dirigente. Mas as coisas continuaram a piorar. Pois o mal não estava nos homens mas no próprio regime. Se o bem do povo fosse seriamente sua meta prioritária, os dirigentes russos teriam então atenuado o regime. Mas o fanatismo ideológico passou por cima de tudo. Não se resignaram a alterar o regime e continuaram resolutamente rumo ao abismo. Para evitar a fome ou pelo menos minorá-la, os lideres vermelhos poderiam, pelo menos, ter investido na agricultura as somas enormes que ao longo destes anos aplicaram em promover a revolução mundial. Pois que propósito tem libertar outros povos da "fome", se ela ameaça a própria Rússia? Qual nada! O fanatismo ateu e igualitário também prevaleceu sobre tudo isto. Ainda que com riscos de expor o povo às torturas da fome, gastaram em propaganda rios de dinheiro. Outra fonte de economia poderia ter sido a contenção nas despesas astronômicas exigidas pelo armamentismo crescente. Mas os armamentos não eram necessários para conter a sanha agressiva do capitalismo ocidental? Como afirmá-lo, quando presenciamos o fato sintomático desse mesmo capitalismo vender à Rússia milhões de toneladas de trigo, salvando assim do naufrágio o regime comunista? Ademais, se uma nação rica e organizada como os Estados Unidos se sentiu obrigada a diminuir durante alguns anos a sua expansão armamentista, como explicar que um país desorganizado e pobre como a Rússia haja batido vários recordes mundiais nesta matéria? De mais a mais, que provas melhores há do pacifismo radical dos americanos, senão o marasmo verificado em muitos setores de sua produção de armas? À vista disto, por que os líderes soviéticos não desviaram para a agricultura parte das verbas que destinaram às armas? Bem anda a propaganda soviética ao ocultar ao povo a procedência do pão que comerá. Porque se o povo o souber, todas estas reflexões lhe poderão vir à mente. E a estabilidade do regime poderá sofrer graves riscos. Assim, a lógica implacável faz ruir aos olhos dos soviéticos ou filosoviéticos seus mitos essenciais. Tudo isto bem pesado, ainda se pode tomar a sério aqueles dentre eles que teimam em se inculcar como defensores do povo contra a fome? |